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Atualidades e Perspectivas Futuras da Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica

Current Affairs and Future Perspectives of the Consultative Commission on Psychological Assessment (CCAP)

Actualidades y perspectivas de futuro de la Comisión Consultiva en Evaluación Psicológica

Resumo

A Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica (CCAP), atrelada ao Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) do Conselho Federal de Psicologia (CFP), tem como objetivos emitir pareceres acerca de solicitações advindas da avaliação psicológica(AP), elaborar e propor atualizações de documentos técnicos e normativos do CFP relativos à AP, elaborar e propor diretrizes para o ensino e formação continuada em AP, conduzir o processo de avaliação dos instrumentos submetidos ao SATEPSI e discutir temas e propor ações no âmbito da AP. Nos últimos 20 anos, a CCAP vem buscando atender a esses objetivos, indicando novos caminhos para a área. Nesse sentido, este artigo tem como objetivo apresentar as principais atualidades e movimentos da CCAP, indicando caminhos possíveis e perspectivas futuras para a área de AP. São discutidas as ações atuais que vêm sendo desenvolvidas pela CCAP, bem como as ações futuras delineadas que buscam promover uma AP cada vez mais democrática. Concluímos que a AP é uma prática do(a) psicólogo(a) que deve ser operacionalizada com compromisso ético, atrelada aos direitos humanos e à justiça, com embasamento científico e alinhada às mudanças sociais.

Palavras-chave:
Avaliação Psicológica; Testes Psicológicos; Psicometria; Direitos Humanos, Justiça

Abstract

The Consultative Commission on Psychological Assessment (CCAP), affiliated with the Psychological Test Evaluation System under the Federal Council of Psychology (CFP), has the following objectives: to provide expert opinions on requests stemming from psychological assessments (PA), to draft and propose updates to the CFP technical and normative documents pertaining to PA, to formulate and recommend guidelines for education and ongoing professional development in PA, to oversee the evaluation process of instruments submitted to SATEPSI, and to engage in discussions and propose initiatives within the PA. Over the past two decades, CCAP has diligently worked to achieve these goals, charting new avenues in the field. In this context, this study aims to describe the most current developments and initiatives of CCAP and outline prospective directions and future outlooks for the PA. This study delves into the current initiatives undertaken by CCAP and the prospective actions delineated to foster a progressively more inclusive PA. Thus, we claim that PA is a practice inherent to psychologists that demands ethical commitment, alignment with human rights and justice, a solid scientific foundation, and adaptation to evolving social dynamics.

Keywords:
Psychological Assessment; Psychological tests; Psychometrics; Human Rights, Justice

Resumen

La Comisión Consultiva en Evaluación Psicológica (CCAP), vinculada al Sistema de Evaluación de Pruebas Psicológicas (SATEPSI) del Consejo Federal de Psicología (CFP), tiene como objetivo emitir opinión técnica sobre solicitudes derivadas de la evaluación psicológica (EP), elaborar y proponer actualizaciones de documentos técnicos y normativos del CFP relacionados con EP, desarrollar y proponer lineamientos para la enseñanza y la formación continua en EP, conducir el proceso de evaluación de los instrumentos presentados al SATEPSI y discutir temas y proponer acciones en el ámbito de EP. Durante los últimos veinte años, la CCAP ha buscado alcanzar estos objetivos indicando nuevos caminos para el área. En este sentido, este artículo tiene como objetivo presentar las principales actualidades y movimientos de la CCAP indicando posibles caminos y perspectivas de futuro para el área de EP. Se discuten las acciones actuales que ha desarrollado la CCAP, así como las acciones futuras perfiladas que buscan promover una EP cada vez más democrática. Se concluye que la EP es una práctica del psicólogo que debe ponerse en práctica con compromiso ético, vinculada a los derechos humanos y la justicia, con base científica y alineada con los cambios sociales.

Palabras clave:
Evaluación Psicológica; Pruebas psicológicas; Psicometría; Derechos Humanos, Justicia

A Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica (CCAP) foi instituída em março de 2003 pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) com o objetivo de propor diretrizes, normas e resoluções no âmbito da avaliação psicológica (AP), estando, por sua vez, atrelada ao Sistema de Testes Psicológicos (SATEPSI), o qual tem como foco a avaliação de instrumentos psicológicos. De acordo com a Resolução nº 34/2015, é atribuição da CCAP emitir pareceres acerca de solicitações advindas da AP, elaborar e propor atualizações de documentos técnicos e normativos do CFP relativos à AP, elaborar e propor diretrizes para o ensino e formação continuada em AP, conduzir o processo de avaliação dos instrumentos submetidos ao SATEPSI, e discutir temas e propor ações no âmbito da AP. Nesse sentido, ao longo dos últimos 20 anos diversas ações foram realizadas pelos membros da comissão, constituída por professores pesquisadores de instituições de ensino de distintas regiões e com experiência consolidada e reconhecida na área de AP em diversos âmbitos e processos.

Dentre as ações realizadas, podem ser encontradas, no domínio público do CFP1 1 Disponível em: www.cfp.org.br/comissaoconsultivaemavaliacaopsicologic , diversas resoluções, normas técnicas, cartilhas, dentre outras ações que, ao longo desses anos, proporcionaram à área de AP um avanço diante da qualidade dos instrumentos psicológicos para uso prático, bem como considerações acerca de aspectos éticos e garantias de direitos humanos e justiça. Essas ações contribuem diretamente para a aproximação da teoria com a prática, da formação com a conduta profissional da(o) psicóloga(o) brasileira(o), uma vez que permitem fomentar a psicologia como ciência e profissão e necessitam ser continuadas.

Diante dessa perspectiva, este artigo tem como objetivo apresentar as principais atualidades e movimentos da CCAP, indicando caminhos possíveis e perspectivas futuras para a área de AP. São discutidas as ações atuais que vêm sendo desenvolvidas pela CCAP, bem como as ações delineadas para o futuro, que buscam promover uma AP cada vez mais científica, democrática e alinhada à promoção dos direitos humanos. Denota-se o desafio de se refletir sobre a importância de continuar o caminho percorrido pela Psicologia ao longo dos seus 60 anos de regulamentação, como uma prática científica, ética, democrática e responsável com os indivíduos e a sociedade, e que indica possibilidades concretas de intervenções cada vez mais assertivas.

Um dos desafios atuais enfrentados pela CCAP corresponde a um conjunto de instrumentos que terão seus estudos de evidências de validade e estimativas de precisão vencidos, pois a celebração dos vinte anos da CCAP coincide com a data de vencimento de um primeiro conjunto de instrumentos avaliados pela comissão, conforme preconizado pelo artigo 14 da Resolução CFP nº 02/2003Resolução nº 02, de 15 de dezembro de 2003. (2003). CFP. Brasília, DF. Disponível em: https://transparencia.cfp.org.br/wp-content/uploads/sites/15/2016/12/resolucao2003-02.pdf
https://transparencia.cfp.org.br/wp-cont...
, vigente à época: “Os dados empíricos das propriedades de um teste psicológico devem ser revisados periodicamente, não podendo o intervalo entre um estudo e outro ultrapassar: 15 (quinze) anos, para os dados referentes à padronização, e 20 (vinte) anos, para os dados referentes a validade e precisão (Resolução nº 02, 2003Resolução nº 02, de 15 de dezembro de 2003. (2003). CFP. Brasília, DF. Disponível em: https://transparencia.cfp.org.br/wp-content/uploads/sites/15/2016/12/resolucao2003-02.pdf
https://transparencia.cfp.org.br/wp-cont...
).”

Ressaltamos que, na Resolução vigente, nº 31, de 15 de dezembro de 2022Resolução nº 31, de 15 dezembro de 2022. (2022). CFP. Brasília, DF., os estudos de validade, precisão e normas dos testes psicológicos terão prazo de 15 (quinze) anos, a contar da data da aprovação do teste psicológico pelo Plenário do CFP. Assim, essa condição de atualização dos estudos tem promovido dois desafios importantes à CCAP, sendo eles: o aumento do número de testes submetidos, o que elevou o volume de avaliações, exigindo maior engajamento dos pareceristas que compõem a lista ad hoc do SATEPSI, bem como da própria comissão, para atender essas demandas; situações em que os novos estudos de evidências de validade são submetidos separadamente aos estudos de normatização. Nessa condição, não é exigido que um novo manual seja submetido a avaliação, o que tem promovido situações desafiadoras ao SATEPSI, como a possibilidade de envio desses estudos sem a devida atualização teórica dos construtos alvo, ou sem sustentações e hipóteses que embasem os novos estudos de evidências de validade. Diante dessas situações, tem-se buscado promover, junto aos autores, responsáveis técnicos dos instrumentos e editoras, a relevância da apresentação, mesmo que de forma breve, das definições teóricas que justificam a manutenção do construto, expectativa de estrutura interna e hipóteses de relações com as novas variáveis externas empregadas nos estudos de atualização.

A CCAP também vem promovendo discussões e estreitando os contatos junto aos Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs), buscando a realização de eventos temáticos em AP e a atualização de materiais técnicos, como, por exemplo, o Guia Prático de submissão de Testes Psicológicos ao SATEPSI. Ainda no que tange às suas ações, vem refletindo sobre a diversidade, os direitos humanos, mudanças nas resoluções, o uso da AP para pessoas com deficiência, demandas acerca das aplicações remotas e estudos de equivalência, avaliação de testes não psicológicos que podem ser utilizados por psicólogos(as), e acerca das qualificações necessárias para o uso de testes por parte de psicólogos(as) e não-psicólogos(as), buscando, assim, interfaces com outras áreas do conhecimento. Tem ainda buscado o encaminhamento de problemas relacionados às análises de testes projetivos e sobre o desenvolvimento de um sistema classificatório para os testes submetidos ao SATEPSI.

Conforme supracitado, entre as ações da CCAP destaca-se a elaboração do guia prático de submissão de testes psicológicos ao SATEPSI (CFP, 2019aConselho Federal de Psicologia [CFP] (2019a). Guia prático de submissão de testes psicológicos ao sistema de avaliação de testes psicológicos (satepsi). CFP.). Tal guia foi elaborado na gestão 2016-2019 e objetivou auxiliar os autores de testes psicológicos na organização do material a ser submetido para apreciação do SATEPSI. De forma mais específica, o guia busca possibilitar a elaboração de materiais de testes psicológicos, de forma que os manuais sejam mais explicativos e contenham todas as informações relevantes em organização lógica sugerida na Resolução nº 31/2022Resolução nº 31, de 15 dezembro de 2022. (2022). CFP. Brasília, DF. para a adequada utilização do teste psicológico no processo de AP.

Especificamente na primeira seção do guia, estão descritas sugestões gerais para a organização do manual do teste psicológico. Na segunda seção é discutida a apresentação de gráficos e tabelas. Na terceira são apresentadas sugestões referentes à fundamentação teórica dos testes psicológicos. A quarta seção, por sua vez, discute o relato dos estudos de evidências de validade e estimativas de precisão. A quinta seção destaca os cuidados com o processo de normatização dos escores. Por fim, na sexta seção são discutidos os relatos de instrumentos estrangeiros adaptados ao contexto brasileiro. A gestão atual da CCAP 20232025 está trabalhando na atualização do referido guia, incorporando as mudanças e avanços provenientes da Resolução CFP nº 31, de 15 de dezembro de 2022Resolução nº 31, de 15 dezembro de 2022. (2022). CFP. Brasília, DF..

Acerca da discussão sobre a justiça e proteção dos direitos humanos na AP, a CCAP vem buscando atualizar e refletir sobre sua operacionalização na área, exemplo disso foi a inserção da temática na Resolução CFP nº 09Resolução nº 09, de 25 abril de 2018. (2018). CFP. Brasília, DF., de 25 de abril de 2018, posteriormente aprimorada pela Resolução CFP nº 31, de 15 de dezembro de 2022Resolução nº 31, de 15 dezembro de 2022. (2022). CFP. Brasília, DF. (Laros & Andrade, 2022Laros, J. A., & Andrade, J. M. (2022). Avaliação psicológica e avaliação da aprendizagem em larga escala: diretrizes para pesquisadores. Avaliação Psicológica, 21(4). http://dx.doi.org/10.15689/ap.2022.2104.24199.03
http://dx.doi.org/10.15689/ap.2022.2104....
). Destaca-se que a prática da AP não pode ser operacionalizada sem que os direitos dos indivíduos avaliados estejam totalmente assegurados. Nesse contexto, a AP deve ser compreendida como um ato a favor do desenvolvimento humano, na medida em que identifica potencialidades que devem ser incentivadas, bem como afetos, crenças e comportamentos disfuncionais que, ao trazerem sofrimento psicológico para os indivíduos que os possuem, devem ser ressignificados (Laros & Andrade, 2022Laros, J. A., & Andrade, J. M. (2022). Avaliação psicológica e avaliação da aprendizagem em larga escala: diretrizes para pesquisadores. Avaliação Psicológica, 21(4). http://dx.doi.org/10.15689/ap.2022.2104.24199.03
http://dx.doi.org/10.15689/ap.2022.2104....
).

Ainda nesse interim, de discussão sobre justiça e direitos humanos, a CCAP vem tomando a frente de se pensar em processos avaliativos para pessoas com deficiência. Isso porque, nos últimos anos, nota-se um maior investimento de estudiosos da área de AP para aprimorar e desenvolver estratégias que viabilizem a equidade e a diversidade, estando alinhadas à acessibilidade e aos direitos humanos. Ações políticas e movimentos científicos já trazem a eminência de se objetivar e fomentar práticas avaliativas mais inclusivas e que atendam populações minorizadas (Barros, 2019Barros, L. O. (2019). Avaliação psicológica de pessoas com deficiência: reflexões para práticas inclusivas. In Conselho Federal de Psicologia, Prêmio Profissional: Avaliação Psicológica Direcionada a Pessoas com Deficiência (pp. 34-48). Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/07/CFP_livrodigital_premio2.pdf
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploa...
; Campos & Chueiri, 2022Campos, C. R., & Chueiri, M. S. (2022). Avaliação Psicológica Inclusiva: contexto clínico. Editora Artesã.; Campos & Nakano, 2014Campos, C. R., & Nakano, T. C. (2019). Avaliação psicológica direcionada a populações específicas: técnicas, métodos e estratégias (Vol. 2). Vetor Editora.; 2019Campos, C. R., & Nakano, T. C. (2019). Avaliação psicológica direcionada a populações específicas: técnicas, métodos e estratégias (Vol. 1). Vetor Editora.; Campos & Oliveira, 2019Campos, C. R., & Oliveira, C. M. (2019). Desenvolvimento de instrumentos psicológicos para população com deficiência. In C. R., Campos, & T.C. Nakano (Orgs.). Avaliação Psicológica Direcionada a Populações Específicas: Técnicas, Métodos e Estratégias (Vol. 2) (pp. 9-30). Vetor Editora.; Oliveira et al., 2013Oliveira, C. M., Nuernberg, A. H., & da Silva Nunes, C. H. S. (2013). Desenho universal e avaliação psicológica na perspectiva dos direitos humanos. Avaliação Psicológica , 12(3), 421-428.). Exemplos de incentivos realizados pelo CFP também merecem destaque, como as alterações no Código de Ética Profissional da Psicóloga e do Psicólogo no Brasil, a amplitude de discussões e diálogos abertos à comunidade profissional acerca da temática da AP e inclusão, a Nota Técnica nº 07/2019Nota técnica nº 7/2019/GTEC/CG. (2019). CFP. Brasília, DF., o Prêmio Profissional de Avaliação Psicológica direcionada a Pessoas com Deficiência, promovido em 2019, e a Cartilha de Avaliação Psicológica, de 2022, que contempla o item 51 de AP para pessoas com deficiência (CFP, 2019bConselho Federal de Psicologia [CFP]. (2019b). Prêmio Profissional Avaliação Psicológica Direcionada a Pessoas com Deficiência. Disponível em: https://site.cfp.org.br/publicacao/premio-profissional-avaliacao-psicologica-direcionada-a-pessoas-com-deficiencia/
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; 2022aConselho Federal de Psicologia [CFP]. (2022a). Cartilha da avaliação psicológica: 2022. CFP. Disponível em: https://site.cfp.org.br/publicacao/cartilha-avaliacao-psicologica-2022/
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).

Ainda nessa perspectiva, vale destacar que, em 2011, a American Psychological Association disponibilizou um guia de diretrizes para avaliação e intervenção com pessoas com deficiência, com o objetivo de estimular um olhar com qualidade e criterioso quanto às necessidades de se refletir sobre a prática de AP justa e ética com populações específicas. Destaca-se nesse Guia informações sobre como os fatores relacionados à deficiência e as experiências socioculturais da deficiência podem impactar nestes processos, sugerindo a necessidade de que esses aspectos sejam norteadores em um processo de tomada de decisão dentro da AP (APA, 2012American Psychological Association [APA]. (2012). Guidelines for assessment of and intervention with persons with disabilities. The American Psychologist, 67(1), 43. https://doi.org/10.1037/a0025892
https://doi.org/10.1037/a0025892...
).

Diante disso, a CCAP vem sugerindo ao CFP ações que também possam fomentar a prática do profissional em AP, com discussões e lives acerca da temática da avaliação psicológica inclusiva, bem como vem discutindo sobre a elaboração e uso de instrumentos psicológicos para este fim, e possíveis alterações nas resoluções vigentes que visem contemplar os processos de avaliação psicológica inclusiva. Um aspecto que merece destaque é a construção de instrumentos específicos destinados a pessoas com deficiência.

Outra ação possível nessa direção foi o fomento de estudos de equivalência dos testes psicológicos, a fim de assegurar adaptações e evidências científicas da estabilidade das propriedades psicométricas desses instrumentos quando aplicados a populações específicas. A proposta de estudos de equivalência foi fomentada inicialmente na Cartilha de Avaliação Psicológica (CFP, 2022aConselho Federal de Psicologia [CFP]. (2022a). Cartilha da avaliação psicológica: 2022. CFP. Disponível em: https://site.cfp.org.br/publicacao/cartilha-avaliacao-psicologica-2022/
https://site.cfp.org.br/publicacao/carti...
), e tinha como objetivo convocar entidades científicas, laboratórios de pesquisa, pesquisadores e editoras para o enfrentarem os desafios impostos pela pandemia da covid-19. A necessidade de isolamento social ampliou significativamente a necessidade de aplicações remotas de testes. Isso, por sua vez, exigiu esforços para a realização de estudos de evidências de validade, estimativas de fidedignidade e normatização para os instrumentos aplicados por intermédio das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Em um segundo momento, foram formalizados na Resolução nº 31/2022Resolução nº 31, de 15 dezembro de 2022. (2022). CFP. Brasília, DF. os critérios dos estudos de equivalência entre os testes respondidos em formato de lápis e papel e testes informatizados, seguidos das etapas de submissão desses estudos ao SATEPSI (ver anexo 2 da Resolução nº 31/2022Resolução nº 31, de 15 dezembro de 2022. (2022). CFP. Brasília, DF.).

Destaca-se que o engajamento dos agentes supracitados contribuiu para o avanço da qualidade dos instrumentos aplicados por intermédio das TICs, bem como para o constante aumento do número de instrumentos disponíveis para uso remoto/online. Observamos que em 2020 havia na lista do SATEPSI apenas quatro instrumentos de aplicação informatizada, enquanto em 2023 estão disponibilizados para a(o) psicóloga(o) brasileira(o) nove instrumentos com plataformas informatizadas e 15 instrumentos de aplicação remota/online. Entendemos que esse movimento pode se estender aos esforços para a disponibilização de instrumentos cujas evidências de validade, estimativas de precisão e estudos normativos incluam pessoas com deficiência e outras populações específicas. Avanços ainda são requeridos em termos do quantitativo de instrumentos disponibilizados no mercado com adequadas propriedades psicométricas e que venham instrumentalizar qualitativamente a práxis da(o) psicóloga(o) brasileira(o).

Ainda no que diz respeito a ações de fomento de uma AP cada vez mais atenta às expressões das desigualdades sociais, e da implementação de esforços de combate a essas configurações sociais, vale refletir sobre o paradoxo observado a partir do crescimento dos estudos das propriedades psicométricas dos instrumentos por meio de amostras acessadas remotamente. Por um lado, essa estratégia metodológica possibilitou acesso a maiores números de participantes, avanços quanto à extensão territorial e, portanto, a criação de normas interpretativas que contemplem as diferentes regiões brasileiras. Por outro, o que se observa é uma homogeneidade de aspectos socioeconômicos com classe social, nível educacional, identidade étnico-racial, identidade de gênero, entre outros. Dessa forma, defende-se a intencionalidade dos pesquisadores ao acessar amostras que expressem de fato a diversidade da população brasileira em suas diferentes expressões. Essa intencionalidade pode permitir o enfrentamento das restrições comumente observadas nas pesquisas dessa natureza, ou seja, participantes brancos, com alto nível educacional, alocados nas classes sociais média e média alta (Ryff, 2022Ryff, C. D. (2022). Positive psychology: Looking back and looking forward. Frontiers in psychology, 13. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2022.840062
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).

Um outro ponto de discussão a ser relevado é que a atual resolução, nº 31 especifica que somente serão avaliados pela CCAP instrumentos considerados psicológicos, e não aqueles “não-psicológicos”, como alguns testes que apresentam aportes multidisciplinares ou específicos de outras áreas, como administração, educação e linguagem. Esses instrumentos podem inclusive ser utilizados durante o processo da AP, sendo classificados como “fonte complementar”, desde que possuam respaldo da literatura científica da área, que respeitem o Código de Ética Profissional da Psicóloga e do Psicólogo e as garantias da legislação da profissão (Resolução 31/2022Resolução nº 31, de 15 dezembro de 2022. (2022). CFP. Brasília, DF.).

Embora esses instrumentos sejam apresentados no site do SATEPSI, na janela de instrumentos que a “Psicóloga(o) pode usar” (atualmente essa lista conta com 23 instrumentos), eles não foram submetidos à avaliação de suas qualidades psicométricas, mas sim a avaliação de que eram ou não instrumentos de uso privativo da(o) psicóloga(o). Assim, vale ressaltar as demandas de autores que julgam importante a avaliação de seus instrumentos pela CCAP, mesmo quando classificados como não privativos, a fim de oferecer à comunidade de profissionais ferramentas cujos critérios mínimos tenham sido atestados. Conforme apontado por Oliveira et al. (2021), investimentos dessa natureza poderiam contribuir para a valorização de outros instrumentos psicológicos e, consequentemente, para a compreensão da AP como um processo composto por múltiplos métodos, técnicas e procedimentos.

No entanto, a inclusão da avaliação de testes não-psicológicos teria uma implicação na infraestrutura da própria CCAP. Essa comissão é composta por psicólogas(os) doutores com produções científicas relevantes na área da AP. Além disso, esse trabalho não é remunerado e não representa vínculo empregatício com o CFP (Resolução nº 17/2019Resolução nº 17, de 04 de setembro de 2019. (2019). Altera a Resolução CFP nº 03/2017, que define e regulamenta a Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica. CFP. Brasília, DF. Disponível em: https://atosoficiais.com.br/ cfp/resolucao-do-exercicio-profissional-n-17-2019-altera-a-resolucao-cfp-n-032017-que-define-e-regulamenta-a-comissao-consultiva-em-avaliacao-psicologica?origin=instituicao
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). Dentre as principais atribuições da CCAP estão: I emitir pareceres em resposta às demandas do Plenário do CFP em matéria de AP; II elaborar e propor atualizações de documentos técnicos e normativos do CFP relativos à AP; III conduzir o processo de avaliação dos instrumentos submetidos ao SATEPSI; IV discutir temas e dar subsídios ao CFP para embasar ações no âmbito da AP; V orientar psicólogas(os) e a sociedade sobre as normas relativas à AP, vedada manifestação sobre casos concretos.

De acordo com o relatório de gestão da CCAP, de 2020 a 2022 (CFP, 2022bConselho Federal de Psicologia [CFP]. (2022b). Relatório de gestão da comissão consultiva em avaliação psicológica (CCAP): 2020-2022. CFP. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2023/01/Relatorio_CCAP_2020_2022.pdf
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), a demanda de trabalho dessa comissão tem sido extensa. A exemplo, durante esses anos foi vivenciada a pandemia da covid-19, que demandou 26 reuniões na modalidade remota, por meio de videoconferências, outras nove reuniões extraordinárias, cumprindo um total de 42 reuniões, quando somadas sete presenciais, do período pré-pandêmico. Além disso, somente em 2020 foram realizadas, à parte, 32 reuniões com os CRPs. Foram geradas duas notas orientativas, três resoluções e duas cartilhas, além de participações em eventos, lives e a criação de grupos de trabalhos importantes para demandas atuais da profissão, como o de Neuropsicologia. Além disso, foram feitas 55 avaliações referentes a testes psicológicos, dos quais foram avaliados se cinco instrumentos, submetidos pelos CRPs, seriam ou não testes psicológicos.

A gestão anterior era composta por dez membros, enquanto a gestão atual (2023-2025) não possui um número tão distante disso, a saber, 12 membros. Somadas a todas essas atividades da CCAP, tais integrantes possuem seus trabalhos externos, de no mínimo 40 horas semanais, sendo inclusive por essa via que mantêm os critérios de produtividade exigidos para integrarem esse grupo (Resolução nº 17/2019Resolução nº 17, de 04 de setembro de 2019. (2019). Altera a Resolução CFP nº 03/2017, que define e regulamenta a Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica. CFP. Brasília, DF. Disponível em: https://atosoficiais.com.br/ cfp/resolucao-do-exercicio-profissional-n-17-2019-altera-a-resolucao-cfp-n-032017-que-define-e-regulamenta-a-comissao-consultiva-em-avaliacao-psicologica?origin=instituicao
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). Com essa infraestrutura, pergunta-se novamente, haveria a possibilidade de inclusão de mais uma pauta, a de avaliação de testes não-psicológicos? Em decorrência de todas as demandas apresentadas, acredita-se que no momento essa não seja mais uma a ser absorvida, e que seja exequível pela comissão. Contudo, com o amadurecimento de seu funcionamento e mudanças futuras em tal infraestrutura, seria, sim, possível avaliar as qualidades psicométricas desses instrumentos.

Uma outra discussão, relacionada à anterior, refere-se ao uso dos testes psicológicos por outras profissões que não a da(o) psicóloga(o). De fato, esse é um assunto delicado, visto que recentemente, em 2021, por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade da restrição da comercialização dos testes psicológicos a profissionais inscritos no conselho. Ou seja, basicamente os testes podem ser adquiridos por qualquer pessoa. Os riscos de tal liberação são discutidos por Noronha et al. (2021Noronha, A. P. P., Resende, A. C., Oliveira, K. L. D., Muniz, M., & Reppold, C. T. (2021). Os impactos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3481 na psicologia e na sociedade. Psicologia: Ciência e Profissão, 41(spe1). https://doi.org/10.1590/1982-3703003252730
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).

Por outro lado, sem defender essa venda irrestrita dos testes à população, Primi (2018Primi, R. (2018). Avaliação psicológica no século XXI: De onde viemos e para onde vamos. Psicologia: Ciência e Profissão , 38(spe), 87-97. https://doi.org/10.1590/1982-3703000209814
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) observa que existem dois grupos de profissionais psicólogas(os): I um que preconiza o fechamento completo dos testes à(ao) psicóloga(o), defendida por profissionais e pesquisadores que advogam por uma definição ampla de testes psicológicos e acreditam que todos deveriam ser de uso exclusivo; II outro que é favorável à abertura relativa, sustentada por profissionais e pesquisadores que aceitam que alguns testes com características especiais possam ser compartilhados com outras profissões específicas. O autor afirma que, apesar desses posicionamentos, legalmente, até o presente momento, o segundo grupo estaria correto.

Ou seja, de acordo com a Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962,“constitui função privativa do Psicólogo a utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes objetivos: a) diagnóstico psicológico; b) orientação e seleção profissional; c) orientação psicopedagógica; d) solução de problemas de ajustamento”. Dessa forma, quando os testes forem utilizados para outras funções, como em práticas profissionais que não sejam as descritas, não haveria ilegalidade. O autor também defende que a limitação de uso deveria incorporar algum tipo de modelo de restrição centrado em competências, semelhante ao que tem sido implementado, por exemplo, nos Estados Unidos.

É interessante, então, observar como é feita a classificação norte-americana, que abrange três níveis de testes para o uso profissional: A, B e C. Ressalta-se que essa classificação foi desenvolvida há mais de 70 anos pela American Psychological Association (APA, 1950American Psychological Association, Committee On Ethical Standards for Psychology. (1950). Ethical standards for the distribution of psychological tests and diagnostic aids. American Psychologist, 5(11), 620-626. https://doi.org/10.1037/h0061413
https://doi.org/10.1037/h0061413...
). É um sistema que categoriza os testes psicométricos nos termos das qualificações profissionais ou das necessidades de formação a que os avaliadores devem satisfazer. O documento publicado inclui um anexo dos critérios a serem avaliados no teste para sua classificação.

O nível A inclui testes que podem ser adequadamente administrados, pontuados e interpretados com a ajuda do manual e uma orientação geral sobre o tipo de organização na qual ele é realizado. Tais testes podem ser aplicados e interpretados por não-psicólogas(os), por exemplo, diretores(as) de escolas e executivos(as) de empresas. Tal nível requer curso(s) de graduação ou pós-graduação nessas áreas, e inclui testes de desempenho educacional e de proficiência vocacional.

O nível B inclui testes que requerem treinamento específico para administração, pontuação e interpretação. Esses testes são mais complexos do que os testes de nível A, e exigem alguma compreensão dos princípios psicométricos (confiabilidade, validade, construção de testes) e da área em que são utilizados (por exemplo, educação, clínica, aconselhamento). Também requer: I uma formação (graduação ou pós-graduação) ou licença para exercer uma profissão na área de saúde ou afins; II certificação ou filiação plena e ativa em uma organização profissional (como American Speech-Language-Hearing Association (ASHA), American Occupational Therapy Association (AOTA), American Educational Research Association (AERA) etc.), que requer treinamento e experiência na área da avaliação; III trabalhar para uma instituição credenciada; IV mestrado em psicologia, educação, fonoaudiologia, terapia ocupacional, serviço social, aconselhamento ou em uma área intimamente relacionada ao uso pretendido da avaliação e treinamento formal em administração ética, pontuação e interpretação de avaliações clínicas; V treinamento formal e supervisionado em saúde mental, fala/linguagem, terapia ocupacional, serviço social, aconselhamento e/ou educação específica para avaliação de crianças, ou no desenvolvimento infantil, e treinamento formal na administração ética, pontuação e interpretação de avaliações clínicas. Incluem testes de inteligência geral, testes de aptidão especial, inventários de interesses, e inventários de triagem de personalidade.

O nível C é a categoria mais restrita, e inclui testes que exigem treinamento avançado e experiência em administração, pontuação e interpretação, que requerem pós-graduação na área profissional específica à qual os testes se aplicam (por exemplo, escola, clínica ou aconselhamento psicológico). Exige mínimo de doutorado em educação, psicologia ou disciplina relacionada, com treinamento formal em administração ética, pontuação e interpretação de avaliações clínicas relacionadas ao uso pretendido do teste. Deve incluir no mínimo duas das seguintes formações: I treinamento em construções teóricas que fundamentem o instrumento específico a ser utilizado; II treinamento na administração, pontuação e interpretação desses instrumentos; III treinamento em princípios psicométricos; e IV supervisão na administração, pontuação e interpretação dos instrumentos.

Em alguns casos, entretanto, tais testes podem ser administrados por alguém com mestrado ou bacharelado ou equivalente, mas apenas se forem supervisionados por um consultor qualificado ou supervisor. Também é necessária a verificação do licenciamento ou registro de psicóloga(o), ou a certificação por uma associação de psicólogas(os) ou uma agência que exija formação e experiência na área da avaliação (por exemplo, APA). São exemplos testes clínicos de inteligência e testes de personalidade.

Ao transpor essa classificação à realidade brasileira, algumas questões se fazem importantes: I quais construtos pertenceriam a cada nível?; II quais os tipos de testes (escalas, inventários, questionários, métodos projetivos e expressivos) poderíamos considerar em cada nível?; e III qual formação seria exigida para cada nível? Ainda não temos respostas, mas observam-se discussões atuais importantes que podem vir a respondê-las em breve.

Uma delas pode ser relativa às publicações em neuropsicologia no país, que reconhecem a área por uma perspectiva multidisciplinar de produção intelectual e atuação (Hazin et al., 2018Hazin, I., Fernandes, I., Gomes, E., & Garcia, D. (2018). Neuropsicologia no Brasil: passado, presente e futuro. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 18(spe), 1137-1154. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812018000400007&lng=pt&tlng=pt
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). Em artigo publicado por autores de referência da área, os construtos que a permeiam seriam os de atenção, percepção, orientação temporal e espacial, linguagem oral e escrita, memória, aprendizagem, funções motoras, praxias, cálculo, funções executivas, dentre outros (Haase et al., 2012Haase, V. G., Salles, J. F., Miranda, M. C., Malloy-Diniz, L., Abreu, N., Parente, M. A. M., Fonseca, R., Mattos, P., Landeira-Fernandez, J., Caixeta, L., Nitrini, R., Caramelli, P., Teixeira Jr, A. L., Grassi-Oliveira, R., Christensen, C. H., Brandão, L., Corrêa, H., Silva, A. G., & Bueno, O. (2012). Neuropsicologia como ciência interdisciplinar: consenso da comunidade brasileira de pesquisadores/clínicos em Neuropsicologia. Revista Neuropsicologia Latinoamericana, 4(4), 1-8. http://dx.doi.org/10.5579/rnl.2012.125
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). Desse modo, uma agenda para o futuro poderia ser, de fato, a delimitação desses construtos no país por autores e instituições representativas desta área em conjunto aos conselhos de classe, a fim de garantir apoio a uma classificação por competências mais robustas.

Em relação à formação, a CCAP já tem proporcionado ações nesse âmbito, como ao propor e consolidar junto ao CFP a especialidade em AP (CFP, 2022bConselho Federal de Psicologia [CFP]. (2022b). Relatório de gestão da comissão consultiva em avaliação psicológica (CCAP): 2020-2022. CFP. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2023/01/Relatorio_CCAP_2020_2022.pdf
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploa...
). Talvez esse possa ser mais um dos critérios incluídos em alguns dos níveis de competência. Deverá ser pensado também em qual nível se localiza, por exemplo, a atuação em AP na Psicologia do Trânsito/Tráfego, em que é necessário o título de especialista nessa área (Resolução CONTRAN nº 927/2022Resolução CONTRAN nº 927, de 28 de março de 2022. (2022). Dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro. Brasília, DF. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-contran-n-927-de-28-de-marco-de-2022-390332179
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). Da mesma forma para a AP do manuseio de armas de fogo, na qual são exigidas formações específicas nos testes que serão administrados (Instrução normativa nº 78/2014Instrução normativa nº 78, de 10 de fevereiro de 2014. Estabelece procedimentos para o credenciamento, fiscalização da aplicação e correção dos exames psicológicos realizados por psicólogos credenciados, responsáveis pela expedição do laudo que ateste a aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo e para exercer a profissão de vigilante. [DPF]. Brasília, DF. Disponível em: https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/armas/psicologos/instrucao-normativa_78_10defevereiro2014-1.pdf
https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/arm...
).

Nesse momento, vale rememorar a discussão recentemente realizada neste texto, de avaliação de testes não-psicológicos. Tomando-se como modelo os níveis propostos pelos EUA, caberia à CCAP avaliar instrumentos pertencentes a todos eles? E, além disso, caberia à CCAP classificá-los, uma vez que, principalmente nos níveis A e B, existem testes multidisciplinares, inclusive nos quais provavelmente seriam considerados os testes neuropsicológicos? Possivelmente sim, porém, novamente, seria necessária uma revisão de infraestrutura e recursos humanos. Ressalta-se também que todos esses esforços tenham amparo legal. Os aspectos jurídicos muito bem descritos, delimitados e consistentes serão fundamentais para consolidação desses processos, que têm sido dispendiosos, como pôde-se observar, não somente à AP brasileira, mas também para outras profissões.

Outro aspecto que tem chamado atenção nas reuniões da CCAP é a discrepância que pode haver na qualidade psicométrica, não apenas entre instrumentos classificados como favoráveis e desfavoráveis para o uso profissional, mas entre diferentes instrumentos classificados como favoráveis. Entre os instrumentos que recebem a menção favorável para o uso profissional, há os que apresentam um manual que apenas atende aos critérios mínimos estabelecidos, enquanto outros ultrapassam muito esse mínimo, aproximando-se mais de um manual em nível de excelência. No entanto, ambos recebem apenas a menção favorável no SATEPSI (Resolução nº 31/2022Resolução nº 31, de 15 dezembro de 2022. (2022). CFP. Brasília, DF.), sem que haja informação para os usuários sobre o quanto cada instrumento ultrapassa o mínimo estabelecido.

Nesse sentido, a CCAP tem refletido sobre a hipótese de criar classificações para a menção favorável, que, na verdade, já existem no Formulário de Avaliação da Qualidade de Testes Psicológicos, utilizado pelos pareceristas ad hoc para avaliação dos instrumentos submetidos ao SATEPSI. Nesse formulário, os diversos quesitos considerados na análise do material apresentado são avaliados em níveis, sendo o C considerado insuficiente por não atender às especificações mínimas de qualidade; o nível B é considerado suficiente pela presença de indicadores mínimos, com uma amostra também minimamente representativa de uma parte da população brasileira; o nível A é considerado bom por apresentar estudos psicométricos um pouco mais diversificados, que superam o mínimo exigido e que foram realizados com uma amostra mais representativa da população brasileira; e o nível A+ é considerado o nível de excelência, por apresentar uma diversidade de estudos psicométricos com resultados bastante robustos e realizados com uma amostra ampla e diversificada, considerada representativa da população brasileira (Resolução nº 31/2022Resolução nº 31, de 15 dezembro de 2022. (2022). CFP. Brasília, DF.).

No entanto, no site do SATEPSI2 2 Disponível em: https://satepsi.cfp.org.br/ só são publicadas as menções desfavorável, quando o instrumento recebe menção C em qualquer dos itens considerados, ou favorável, quando o instrumento recebe pelo menos menção B em todos os quesitos avaliados. Isso ocorre por razões históricas e comerciais. Históricas porque, no momento da implantação do SATEPSI, há 20 anos, grande parte dos instrumentos disponíveis apresentava qualidades psicométricas duvidosas, ou sequer as apresentava, o que fez com que se optasse pela adoção apenas de critérios mínimos de qualidade. E, de fato, mesmo assim, mais da metade dos instrumentos comercializados naquela época foram considerados desfavoráveis. A razão comercial, por sua vez, se dá pelo fato de que o CFP, por sua natureza e missão, evita entrar em julgamentos de valor que possam favorecer comercialmente uma editora em detrimento de outra. Além disso, em situações de avaliação menos complexas, instrumentos aprovados com nível B podem atender as demandas profissionais tanto quanto um instrumento de nível A ou A+, com, talvez, a vantagem de ter um custo mais baixo. Portanto, a qualidade psicométrica de um instrumento não quer dizer que sempre será mais vantajoso utilizá-lo.

Apesar disso, há motivos que levam a CCAP a refletir sobre essa hipótese. Um deles é detalhar as informações sobre os instrumentos aprovados e contribuir para a escolha do melhor instrumento para os diferentes objetivos de uma avaliação psicológica. Isso vai ao encontro das finalidades de orientar e zelar pela fiel observância dos princípios ético-profissionais da Psicologia. Além disso, as diferentes classificações fariam justiça aos esforços empreendidos pelos desenvolvedores de testes, estimulando o desenvolvimento da psicologia enquanto ciência e profissão, ao fomentar a melhoria da qualidade dos instrumentos de AP comercializados no país. Contudo, vale ressaltar que investimentos dessa natureza só poderiam ser realizados a partir de discussões com a comunidade científica, pesquisadores da área e laboratórios de pesquisa representados pelas associações científicas, como Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP), Associação Brasileira de Rorschach e Métodos Projetivos (ASBRo), Instituto Brasileiro de Neuropsicologia e Comportamento (IBENEC), entre outros, bem como as editoras dos testes. Adicionalmente, essa classificação deveria levar em consideração os desafios inerentes às diferentes naturezas dos instrumentos psicológicos, com os testes projetivos e expressivos, que exigem o estabelecimento de critérios específicos (Resolução nº 31 de 2022Resolução nº 31, de 15 dezembro de 2022. (2022). CFP. Brasília, DF.).

Considerações Finais

Este artigo teve como objetivo apresentar as principais inovações e movimentos da CCAP, bem como os caminhos possíveis e perspectivas futuras na área da AP. Foram discutidas as ações atuais que vêm sendo desenvolvidas pela CCAP, bem como as ações futuras delineadas, que buscam promover uma AP cada vez mais científica, justa e democrática. Faz-se importante refletir que, nos últimos 20 anos do SATEPSI, muitas ações foram realizadas com o objetivo de promover qualificação na área da AP. No entanto, novas demandas vêm surgindo como necessárias.

Ressalta-se que os enfrentamentos dessas demandas devem ser realizados em consonância com os agentes que têm contribuído para o avanço da área e, como os pesquisadores, laboratórios de pesquisa, associações científicas e editoras. Por fim, vale usar esse espaço para reconhecer o papel de outros agentes, sem os quais o trabalho da CCAP não seria possível, a saber: os autores dos testes, que demonstram sua confiança no SATEPSI e nos esforços de promoção de uma avaliação psicológica comprometida com a ciência e com os direitos humanos, e os pareceristas ad hoc, que, de forma voluntária, realizam avaliações de alta qualidade técnico-científica dos testes psicológico e, portanto, tornam possível o trabalho da CCAP. No ano de 2023 foi publicada a nova lista de pareceristas aprovados do SATEPSI, que conta com número recorde de participantes, o que mostra a intenção de profissionais em contribuir para o desenvolvimento dos trabalhos realizados pela CCAP e para o aumento da qualidade da AP no Brasil. A área da AP segue em desenvolvimento no Brasil, e esforços múltiplos de todos os atores são necessários para uma atuação cada vez mais inclusiva, democrática e baseada em evidências.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2023
  • Aceito
    19 Set 2023
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