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Toposseqüência de solos fertigados com vinhaça: contribuição para a qualidade das águas do lençol freático

Toposequence of soils fertigated with stillage: contribution towards the quality of ground water table

Resumos

Este trabalho teve como objetivo avaliar a qualidade da água do lençol freático de uma área cultivada com cana-de-açúcar que, ao longo do tempo, vem sendo fertirrigada com vinhaça. Para isto, trincheiras foram abertas para identificação e caracterização das classes de solos. O dispositivo experimental foi composto por uma malha referenciada de 19 poços de monitoramento, distribuídos em 12 ha, constituídos por duas áreas cultivadas. Os poços de monitoramento foram localizados em 6 transectos paralelos, dois dos quais na primeira área e os outros na seguinte, distanciados 100 m. Foram realizadas 3 coletas para avaliação da qualidade da água do lençol freático através da determinação da DQO, DBO5, CE e SDT, além da análise físico-química da vinhaça fertirrigada. A análise estatística dos dados da DQO indicou que não ocorreram mudanças significativas para os solos (tratamentos), tempos e interação entre eles no período das três coletas. Com relação à DBO5, ocorreram diferenças significativas unicamente para o tempo. Para CE e STD constataram-se diferenças significativas entre os tratamentos e na interação com os tempos. DQO, DBO5, CE e SDT da vinhaça "in natura" após passagem pelo perfil do solo, tiveram significativa redução nos seus valores. De maneira geral, as classes de solo apresentaram influências semelhantes em relação à qualidade de água do lençol freático.

vinhaça; solo; fertigação; DBO5


This study had the objective of evaluating ground water table quality in an area cultivated with sugarcane and fertigated with stillage for a long time. Soil profiles were opened for identification and characterization of soil classes. The samples were collected from 19 observation wells distributed in six parallel transects at 100 m interval in an area of 12 ha. Three data collections were accomplished for water quality evaluation through determination of COD, BOD5, EC, TDS and physicochemical analysis of the stillage. Statistical analysis of COD indicated there were no significant differences among the soils (treatments), times or interaction between them during the 3-collection periods. Regarding BOD5, there were no significant differences among treatments or interaction but significant differences in time were observed. In relation to EC and TDS, both interaction and time responses were significant. After passing through the soil profile, COD, BOD5, EC, and TDS of in natura stillage decreased significantly. In general, the soil classes presented similar pattern in relation to the water table quality.

stillage; soil; fertigation; BOD5


GESTÃO E CONTROLE AMBIENTAL

Toposseqüência de solos fertigados com vinhaça: contribuição para a qualidade das águas do lençol freático1 1 Parte da Dissertação de Mestrado da primeira autora apresentada ao Prog. de Pós-Graduação em Ciência do Solo, UFRPE

Toposequence of soils fertigated with stillage: contribution towards the quality of ground water table

Marília R.C.C. LyraI; Mário M. RolimII; José A. A da SilvaIII

IUFRPE/DTR. Rua Dom Manoel de Medeiros s/n, Dois Irmãos, CEP 52171-900, Recife, PE. Fone: (81) 3302-1276. E-mail: mrlyra@uol.com.br

IIUFRPE/DTR. Fone: (81) 3302-1276. E-mail: rolim@ufrpe.br

IIIUFRPE/DCF. Fone: (81) 3302-1288. E-mail: jaaleixo@uol.com.br

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo avaliar a qualidade da água do lençol freático de uma área cultivada com cana-de-açúcar que, ao longo do tempo, vem sendo fertirrigada com vinhaça. Para isto, trincheiras foram abertas para identificação e caracterização das classes de solos. O dispositivo experimental foi composto por uma malha referenciada de 19 poços de monitoramento, distribuídos em 12 ha, constituídos por duas áreas cultivadas. Os poços de monitoramento foram localizados em 6 transectos paralelos, dois dos quais na primeira área e os outros na seguinte, distanciados 100 m. Foram realizadas 3 coletas para avaliação da qualidade da água do lençol freático através da determinação da DQO, DBO5, CE e SDT, além da análise físico-química da vinhaça fertirrigada. A análise estatística dos dados da DQO indicou que não ocorreram mudanças significativas para os solos (tratamentos), tempos e interação entre eles no período das três coletas. Com relação à DBO5, ocorreram diferenças significativas unicamente para o tempo. Para CE e STD constataram-se diferenças significativas entre os tratamentos e na interação com os tempos. DQO, DBO5, CE e SDT da vinhaça "in natura" após passagem pelo perfil do solo, tiveram significativa redução nos seus valores. De maneira geral, as classes de solo apresentaram influências semelhantes em relação à qualidade de água do lençol freático.

Palavras-chave: vinhaça, solo, fertigação, DBO5

ABSTRACT

This study had the objective of evaluating ground water table quality in an area cultivated with sugarcane and fertigated with stillage for a long time. Soil profiles were opened for identification and characterization of soil classes. The samples were collected from 19 observation wells distributed in six parallel transects at 100 m interval in an area of 12 ha. Three data collections were accomplished for water quality evaluation through determination of COD, BOD5, EC, TDS and physicochemical analysis of the stillage. Statistical analysis of COD indicated there were no significant differences among the soils (treatments), times or interaction between them during the 3-collection periods. Regarding BOD5, there were no significant differences among treatments or interaction but significant differences in time were observed. In relation to EC and TDS, both interaction and time responses were significant. After passing through the soil profile, COD, BOD5, EC, and TDS of in natura stillage decreased significantly. In general, the soil classes presented similar pattern in relation to the water table quality.

Key words: stillage, soil, fertigation, BOD5

INTRODUÇÃO

Resíduo líquido resultante do processamento do álcool, a vinhaça é, pela grande quantidade produzida, o principal subproduto da indústria sucroalcooleira. Dentre os principais elementos químicos componentes da vinhaça tem-se o potássio, o nitrogênio e grande porcentagem de matéria orgânica.

Vários estudos sobre a disposição de vinhaça no solo vêm sendo conduzidos, enfocando-se os efeitos no pH do solo, propriedades físico-químicas e seus efeitos sobre a cultura da cana-de-açúcar, mas poucos avaliaram o real potencial poluidor da vinhaça sobre o solo e o lençol freático.

Embora os estudos sobre a disposição de vinhaça no solo se tenham iniciado em 1950, somente com o advento do Proálcool é que foram desenvolvidas pesquisas com o intuito de se verificar a possibilidade de poluição das águas subterrâneas e lençóis freáticos, por alguns componentes da vinhaça.

Por sua vez, a utilização da vinhaça na fertirrigação promove a adição de nutrientes ao solo, elevação da umidade e do pH e melhora a resistência do solo à erosão, resultando no acréscimo da produtividade agrícola (Cambuim, 1983).

Mesmo com os efeitos benéficos da vinhaça no solo, Centuríon et al. (1989) alertam que, quando aplicada em altas taxas, conduz a efeitos indesejáveis, como o comprometimento da qualidade da cana para produção de açúcar, poluição do lençol freático e até para a salinização do solo.

A dinâmica dos constituintes da vinhaça no solo focando os aspectos físicos e químicos e a possível poluição do lençol freático, foi estudada por Cunha et al. (1987), concluindo que houve pequeno risco do potássio e do nitrato em poluir a água subterrânea devido à irrigação com vinhaça, visto que a lixiviação de íons abaixo da profundidade máxima de observação (1,20 m) das unidades coletoras foi pequena.

Por outro lado, a ação do solo na redução da matéria orgânica foi, de maneira geral, mais efetiva na camada superficial de 10 a 15 cm (Paganini, 1997) e, em decorrência da aplicação de vinhaça, de forma mais intensa, até a profundidade de 24 cm (Lyra et al., 2001). A matéria orgânica particulada filtrada pelo solo e a dissolvida que percola pelo mesmo, são parcialmente degradadas por microrganismos. O solo contém uma quantidade de microrganismos heterotróficos que conferem ao sistema, como um todo, a habilidade de utilizar e degradar a maior parte dos compostos orgânicos sob as mais diversas condições (Paganini, 1997).

A este respeito, parte da água residuária que se infiltra no terreno sofre tratamento no interior do solo, que se comporta como camada filtrante, possibilitando ações de adsorsão e as atividades dos microrganismos, os quais usam a matéria orgânica contida nos despejos como alimento, convertendo-a em matéria mineralizada, que fica à disposição da vegetação (Couracci Filho et al., 1999).

Com relação aos parâmetros de qualidade de água após o tratamento, eles variam em função de vários fatores, entre os quais o clima, condições geológicas e topográficas das características do solo, tipo de vegetação, disponibilidade de área, sistema de manutenção e, especialmente, das características, das quantidades e da taxa de aplicação, de acordo com o método de tratamento adotado (Campos, 1999).

Entretanto, a eficiência de remoção da demanda bioquímica de oxigênio no quinto dia (DBO5), que doravante será chamada DBO, pelo solo, pode ser afetada pela cobertura vegetal e capacidade de infiltração. Quanto maior a cobertura vegetal, maior será a capacidade biológica de remoção. A eficiência de remoção da DBO tem sido constatada como elevada, mesmo nos solos com alta capacidade de infiltração. Assim, o solo atua como efetivo filtro na remoção da matéria orgânica dissolvida e coloidal presentes na vinhaça (RIDESA, 1994).

Dentro desse contexto, o presente estudo teve como objetivo avaliar o potencial poluidor da vinhaça sobre a qualidade de água do lençol freático em área cultivada com cana-de-açúcar que vem, ao longo do tempo, sendo fertirrigada com vinhaça.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido em área pertencente à Usina Salgado, localizada no município de Ipojuca, PE, caracterizando-se por apresentar um clima do tipo Ams’, segundo Koppen, tropical chuvoso de monção com verão seco e estação chuvosa entre os meses de março a agosto. A precipitação anual média na área é de 1.800 mm e a temperatura anual média de 25,2 °C.

Os dados sobre a precipitação mensal (mm) da área experimental durante 3 anos seqüenciais são apresentados na Figura 1.


Na área experimental foram identificadas três classes de solo classificadas de acordo com o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (EMBRAPA, 1997) como: Espodossolo ferro cárbico (textura arenosa), Gleissolo háplico tb (textura argilosa) e Gleissolo háplico tb (textura muito argilosa), sendo a área plantada com cana-de-açúcar, variedade 1SP – 4764.

Para a caracterização das amostras provenientes das trincheiras correspondentes aos três perfis dos solos existentes na área, até a profundidade (Prof) de 2 m, foram determinados os parâmetros condutividade hidráulica (k0), densidade global (Dg), densidade de partícula (Dp), porosidade (P), granulometria e umidade: capacidade de campo (CC) determinada a 33 kPa para solos argilosos e 10 kPa para solos arenosos e, ponto de murcha permanente (PMP) a 1500 kPa, todos realizados de acordo com a metodologia recomendada pela EMBRAPA (1997) (Tabela 1).

O dispositivo experimental utilizado se compunha de uma malha referenciada de 19 poços de monitoramento, distribuídos em área de 12 ha, constituídas de duas áreas cultivadas com cana-de-açúcar (Figura 2). Os poços de monitoramento foram localizados em 6 transectos paralelos, sendo os transectos 1 e 2 na primeira área e os de números 3, 4, 5 e 6 na outra, distanciados 100 m. A montagem dos transectos foi efetuada levando-se em consideração o posicionamento do terreno em relação ao Rio Ipojuca. O distanciamento dos poços, dentro de cada transecto, foi de 50 m.


As estações de monitoramento foram constituídas de poços confeccionados com tubos de PVC de 75 mm de diâmetro e 3 m de comprimento, perfurados e recobertos com tela filtrante no terço médio inferior. A abertura de cada poço de monitoramento ficou rente à superfície do solo. Foram confeccionadas tampas metálicas e vedações de borracha para impedir a entrada de água pela parte superior do poço (Figuras 3 e 4).



As classes de solo foram denominadas na seguinte ordem: Espodossolo (Solo A), Gleissolo textura argilosa (Solo B) e Gleissolo textura muito argilosa (Solo C) (Tabela 2).

A vinhaça fertigada na área experimental foi produzida pela Usina Salgado e conduzida através de um canal principal até a lagoa de distribuição de onde foi retirada para fertirrigação por conjuntos aspersores, aplicada após o corte da cana-de-açúcar e distribuída a uma taxa de 300 m3 ha-1 ano-1. A caracterização química da vinhaça na forma "in natura", coletada no canal principal em meses subseqüentes, foi realizada no Laboratório de Análises Agrícolas Ltda – LAGRI, seguindo a metodologia de BRASIL (1983) (Tabela 3).

Realizaram-se 3 coletas para avaliação da qualidade da água proveniente do lençol freático, uma quando não se tinha vinha-ça na área (13/12/2001), e as demais após a aplicação de vinhaça, nos 5º e 35º dias, respectivamente (14/02/2002 e 14/03/2002).

As amostras foram coletadas com o auxílio de uma bomba de vácuo, acondicionadas em garrafas de plástico de 2 L, armazenadas em caixa de isopor com gelo para o transporte e posterior análise. A avaliação da profundidade do lençol freático foi efetuada no momento de cada coleta para os diversos poços de monitoramento, medida com auxílio de uma trena. Enfim, as análises de qualidade de água foram realizadas no Laboratório de Saneamento Ambiental da Universidade Federal de Pernambuco e nos Laboratórios de Química e Fertilidade do Solo, da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

As variáveis físico-químicas determinadas, foram: demanda química de oxigênio (DQO), demanda bioquímica de oxigênio no quinto dia (DBO5), condutividade elétrica (CE) e sólidos dissolvidos totais (SDT), todos segundo o Standard Methods for Examination of Water and Wastewater (APHA, 1995).

Com a finalidade de se avaliar o tempo de decomposição da matéria orgânica contida na água amostrada do subsolo, decidiu-se realizar, na terceira coleta, análises da demanda última de oxigênio, que representa a DBO total ao final da estabilização da matéria orgânica contida no resíduo. A escolha de um poço de monitoramento em cada tipo de solo ocorreu em um sorteio inteiramente aleatório, cujos poços de monitoramento selecionados foram P4, P11 e P15, respectivamente, nos solos A, B e C, utilizando-se o Oxitop, aparelho que mede a DBO manométrica, por um período de incubação de 10 dias.

Para a análise estatística dos dados em função de se mensurar a variável ao longo do tempo, aplicou-se o teste de Mauchly (Xavier, 2000) para selecionar o delineamento estatístico a ser utilizado, resultando em medidas repetidas (multivariada) para DQO e DBO e inteiramente aleatório, com arranjo em parcelas subdivididas (univariada) para CE e SDT. Para comparação de médias de tratamentos utilizou-se o teste de Tukey a nível de 5% de probabilidade. Em função da variabilidade dos dados, fez-se necessário o uso da transformação logarítmica sobre os mesmos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tabela 4 tem-se os valores de DQO, DBO, CE e SDT nos diversos poços para as três coletas efetuadas. Com base nos dados obtidos realizou-se a análise estatística para as quatro variáveis. Os valores mínimos, máximos, médios e coeficientes de variação (CV) para as profundidades do lençol freático nas três coletas, estão na Tabela 5.

Na Figura 5 encontram-se os resultados por média das classes de solos nas três coletas efetuadas para a variável DQO.


Com base nas análises estatísticas pode-se constatar, através dos testes Lambda de Wilks e Traço de Hotteling-Lawley, o aceite da hipótese de perfis horizontais que testa o fator tempo, isto é, igualdade no efeito tempo, indicando ausência de mudanças significativas das distâncias médias para os tratamentos no período das três coletas. Da mesma forma, aceitou-se a hipótese de paralelismo, mostrando que não existe interação entre os tratamentos e o tempo.

Através da análise de medidas repetidas também foram testadas as hipóteses de igualdade do efeito tratamento (perfis coincidentes), igualdade do efeito tempo (perfis horizontais) e não interação entre tempo e tratamentos (perfis paralelos). Todas as hipóteses foram aceitas, confirmando assim que não há efeito dos tratamentos, do tempo nem da interação entre os tratamentos e os tempos (Tabela 4).

Os coeficientes de variação (CV) foram: CV1=17,36; CV2=12,98; CV3=15,62 para as coletas 1, 2 e 3, repectivamente.

Na primeira coleta havia presença de vinhaça no canal transportador há 2 meses, tendo em vista que estava em plena safra da cana. Os valores mais elevados de DQO observados no Solo B em relação às outras áreas, podem ser atribuídos à sua localização a jusante de uma lagoa de distribuição do efluente como, também, pela provável infiltração de vinhaça através da camada arenosa do Solo A para a área do solo B.

Independentemente das coletas observadas, os valores de DQO médios foram praticamente idênticos para o mesmo tipo de solo, mesmo após a fertirrigação. Por outro lado, o solo também foi eficiente na redução deste parâmetro, uma vez que, conforme valor médio observado para DQO resíduo in natura, de 21.475 mg L-1 (Tabela 3), resultou em valores muito inferiores no lençol, após infiltração pelo perfil do solo.

Em termos de remoção de carga orgânica pelo solo, resultado semelhante foi obtido por Figueiredo et al. (1991) trabalhando com tratamento de efluente cítrico pelo processo de irrigação por aspersão, indicando uma significativa diminuição da DQO.

Ludovice (1997) também em estudo realizado em canal condutor de vinhaça, utilizando profundidades de coleta de 0,50 e 1,50 m, observou que a remoção média da DQO foi maior na profundidade de 1,5 m, indicando que a concentração desta variável sofreu decréscimo ao longo do perfil do solo, o que corrobora com a redução de DQO ocorrida nas três coletas entre os valores do resíduo in natura utilizado na fertigação e os analisados no lençol freático.

Os resultados da determinação da DBO por média das classes de solos nas três coletas efetuadas, estão na Figura 6.


Com base na análise estatística constata-se que, através dos testes Lambda de Wilks e Traço de Hotteling-Lawley, para o fator tempo que testa a hipótese de perfis horizontais, isto é, igualdade no efeito tempo, é rejeitada, indicando que as distâncias médias para os tratamentos mudam nas três coletas, enquanto pelos mesmos testes se aceita a hipótese de que não existe interação entre os tratamentos e o tempo (perfis paralelos).

Através da análise de medidas repetidas constatou-se que as hipóteses de perfis coincidentes e perfis paralelos foram aceitas e a de perfis horizontais foi rejeitada.

Os coeficientes de variação (CV) foram: CV1 = 24,25; CV2 = 16,61; CV3 = 36,41 para as coletas 1, 2 e 3, repectivamente.

Aumento considerável nos valores da DBO do lençol freático eram esperados após a fertigação de vinhaça, porém os coletados ficaram aquém dos previstos após o período, decorrente, talvez, da diluição que experimentou a matéria orgânica (Tabela 5), em função da ocorrência de altas precipitações durante o mês da fertigação (Figura 1).

Corrobora com os resultados obtidos referentes à DBO, experimento com fertirrigação de vinhaça realizado por Vieira (1983) que afirma que, quando aplicada de acordo com a capacidade de retenção do solo, não causa grande problema de poluição à água temporariamente retida no subsolo.

Outro estudo, também relacionado com a redução da DBO, foi o realizado por Gilde et al. (1997) citado por Paganini (1997) que, estudando a eficiência de remoção para concentração de efluentes com DBO relativamente altas, verificaram que, sob efeito de chuvas, a eficiência na remoção da DBO foi aumentada, passando de 98 para 99,1%.

Resultado semelhante também foi encontrado por Coraucci Filho (1999) que avaliando o poder de remoção do solo sobre a qualidade de águas residuárias aplicadas pelo método de irrigação constatou que, em relação à DBO e sólidos solúveis, ocorreu eliminação total.

Ainda quanto à redução dos valores de DBO após a passagem pelo solo, Paganini (1997) trabalhando com resíduo urbano utilizado em sistemas de disposição de esgoto no solo, verificou a interferência sobre a qualidade de água do lençol freático tendo as análises demonstrado que, enquanto o afluente apresentou DBO de 510,20 mg L-1, no lençol foram obtidos valores de 3,80 mg L-1.

Por outro lado, os valores médios por tratamento para DBO se mantiveram acima de 5 mg L-1, que é o recomendado para rio classe 2 (BRASIL, 1986); entretanto, nos estados onde existe legislação específica para lançamento de efluente em corpos de água, oriunda de qualquer fonte poluidora, o valor imposto como limite para DBO é de 60 mg L-1, valor este só ultrapassado pelo P12, na coleta 3. Relacionando-se com a DBO média do resíduo "in natura" utilizado, que foi de 11.000 mg L-1, ocorreu redução considerável, em torno de 99%.

Em se tratando dos parâmetros DQO e DBO, o poço 12 (Tabela 4) apresentou os maiores valores após a fertirrigação da área, sendo provável influência do aumento desses parâmetros nas áreas de drenagem, tendo em vista o poço ficar localizado a 30 cm da margem de uma várzea, evidenciando o escoamento superficial da vinhaça aplicada.

Os resultados das determinações diárias da DBO obtidos do teste da biodegrabilidade da vinhaça presente nas águas do lençol freático, estão na Figura 7. Observa-se que nos valores da água coletada dos poços de monitoramento insta-lados, a estabilização completa da matéria orgânica ocorreu no nono dia, sendo iguais nas três classes de solo.


A cinética da decomposição nas áreas cultivadas foi semelhante, independente da classe de solo, apesar do maior aporte de material orgânico no Solo B.

Os valores observados da CE por poços de monitoramento por média das classes de solos nas três coletas efetuadas nos três tratamentos, estão indicados na Figura 8.


No caso da CE, a hipótese de esfericidade foi aceita, indicando como delineamento estatístico o inteiramente aleatório, com arranjo de parcelas subdivididas.

Como se constatou que havia interação entre os tratamentos e tempos de coleta, aplicou-se o teste de Tukey, indicando que na primeira coleta o solo C diferiu do solo A, mas foi semelhante ao solo B. Na segunda e terceira coletas, o solo C diferiu dos demais, que foram semelhantes entre si. Os coeficientes de variação (CV) foram: CV1 = 10,30; CV2 = 9,94; CV3 = 9,07 para as coletas 1, 2 e 3, respectivamente.

A CE das amostras coletadas no tratamento solo C apresentou maiores valores em função das altas concentrações de sais solúveis no solo. Após a fertirrigação, os valores medidos de CE não apresentaram variações significativas, indicando a eficiência do sistema solo na remoção dos ânions e cátions contidos na água residuária.

A CE da vinhaça in natura foi, em média, de 13,94 dS m-1, e na área de maiores concentrações no lençol freático, consi-derando-se a profundidade de 2 m, reduzida para valores em torno de 1,00 dS m-1.

Levando-se em consideração a taxa de absorção da planta para o principal nutriente fornecido pela vinhaça, sua concentração no resíduo (Tabela 2), além da baixa CE observada na maioria dos poços de monitoramento, pode-se esperar uma elevação da concentração de sais na solução do solo e potencial risco de salinização com aplicação de vinhaça ao longo dos anos.

Os valores obtidos de SDT por poço de monitoramento e média das classes de solo nas três coletas efetuadas, encontram-se na Figura 9.


No caso do SDT, a hipótese de esfericidade foi aceita, indicando também que a análise estatística utilizada foi a inteiramente aleatória, com arranjo de parcelas subdivididas.

Como se constatou que havia interação entre os tratamentos e os tempos de coleta, aplicou-se o teste de Tukey, em nível de 5% de probabilidades, indicando que na primeira coleta não se verificaram diferenças entre os solos (Tratamentos), porém nas segunda e terceira coletas, o tratamento solo C diferiu dos demais, que foram semelhantes entre si.

Os coeficientes de variação (CV) foram: CV1 = 12,64; CV2 = 11,47; CV3 = 10,64 para as coletas 1, 2 e 3, repectivamente.

O comportamento dos SDT foi praticamente idêntico ao da condutividade elétrica por se tratar de dois parâmetros altamente correlacionados. O valor médio do SDT para o resíduo in natura foi de 7.815 mg L-1 obtendo-se, nas três obser-vações do lençol freático, o máximo de 1.020 mg L-1.

Entre os transectos 4 e 5 existe um canal de drenagem por onde escoa parte da água superficial da área oriunda da várzea no final dos transectos, justificando os valores mais elevados para os poços de monitoramento 14, 15 e 16 para os parâmetros CE e SDT, por existir uma contribuição maior do efluente.

Segundo as diretrizes, para se avaliar a qualidade da água de irrigação e seus efeitos sobre a produção das culturas, condições de solo e manejo agrícola utilizadas na avaliação dos constituintes da água superficial, subterrânea, drenagem, efluentes de esgotos e outras águas residuárias, a vinhaça se enquadrou (Tabela 3) no grau de restrição para uso severo (Ayers & Westcot, 1991). Por outro lado, a avaliação do lençol freático após a fertirrigação, não apresentou grau de restrição para uso na irrigação, indicando a modificação na qualidade da água residuária, após passagem pelo solo.

Como a avaliação da qualidade de água engloba uma série de parâmetros a serem contemplados com as devidas concentrações permitidas pela legislação, o impacto sobre a qualidade de água do lençol freático foi consideravelmente minimizado, mas não o suficiente para garantir o atendimento a todas as exigências dos parâmetros ambientais.

O comportamento dos poços de monitoramento em cada classe de solo sofreu influência da classe textural, da quantidade de matéria orgânica no solo, da quantidade de efluente fertirrigado e residual e da direção de fluxo das águas subterrâneas.

CONCLUSÕES

1. O poder de remoção do solo para as variáveis DBO e DQO, indica sua alta eficiência como sistema de tratamento.

2. O grau de variabilidade dos resultados obtidos no monitoramento das águas freáticas foi elevado em virtude das características do solo em cada estação de monitoramento e pela forma de disposição do resíduo na área.

3. As classes de solo se comportaram de forma semelhante em relação à qualidade de água do lençol freático sob sua influência.

4. A aplicação de vinhaça na fertirrigação de canaviais, apesar de minimizar seu potencial poluidor, não garante o atendimento a todos os parâmetros de qualidade exigidos pelo CONAMA para rios Classe 2, afetando a qualidade da água do lençol freático, para uma taxa de aplicação de 300 m3 ha-1, nas condições do estudo.

LITERATURA CITADA

Protocolo 074 - 30/4/2003 – Aprovado em 15/10/2003

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  • 1
    Parte da Dissertação de Mestrado da primeira autora apresentada ao Prog. de Pós-Graduação em Ciência do Solo, UFRPE
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      15 Out 2003
    • Recebido
      30 Abr 2003
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