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Indicadores eco-fisiológicos da qualidade de um solo irrigado com esgoto tratado

Eco-physiological indicators of the quality of a soil irrigated with treated wastewater

Resumo

Com o objetivo de contribuir nas investigações sobre reúso agrícola, avaliou-se o impacto da aplicação de esgoto tratado no metabolismo microbiano de um solo sob pastagem (capim-Bermuda), em Lins/SP. Em um delineamento experimental em blocos, com 6 tratamentos e 4 repetições: SI (controle), A100 (água potável e adição de 520 kg ha-1 ano-1 de nitrogênio (N), E0, E33, E66 e E100 (irrigação com esgoto tratado e adição de 0, 172 , 343 e 520 kg ha-1 ano-1 de N), os indicadores qCO2, e Cmic:Corg foram determinados na estação seca (2004) e chuvosa (2005). Valores de qCO2 acima de 2 e valores de Cmic:Corg abaixo de 2% podem ser considerados críticos em termos de qualidade de solo. Os resultados mostraram aumentos de qCO2 ao longo do manejo, na estação seca mas não na chuvosa, indicando ativação metabólica pela umidade somada ao aporte de N. Não houve variação significativa de Cmic:Corg entre os tratamentos, ao longo dos manejos e do tempo, indicando boa resiliência da microbiota ao impacto agrícola.

Palavras-chave:
reúso; agricultura irrigada; qCO2; Cmic:Corg

Abstract

The impact of treated wastewater application was evaluated in microbial metabolismo of a soil under pasture (Bermuda grass), in Lins/São Paulo State aiming to contribute to investigations on agricultural reuse. In an experimental design in blocks, with 6 treatments and 4 replicates: SI (control), A100 (drinkable water and addition of 520 kg ha-1 year-1 of nitrogen (N), E0, E33, E66 and E100 (treated wastewater irrigation and addition of 0, 172, 343 and 520 kg ha-1 year-1 of N), the indicators qCO2, and Cmic:Corg were determined in dry (2004) and rainy season (2005). Values of qCO2 above 2 and values of Cmic:Corg below 2% can be considered critical regarding soil quality. The results showed qCO2 increases along the crop management, in dry but not in the rainy season, indicating metabolic activation by moisture added to the N contribution. There was no significant Cmic:Corg variation among the treatments, along crop management and seasons, indicating good microorganisms resistance to agricultural impact.

Key words:
reuse; irrigated agriculture; qCO2; Cmic:Corg

INTRODUÇÃO

Excetuando sua região semi-árida do Nordeste, o Brasil foi considerado um país muito rico em água, situação, no entanto, que se modificou muito nos últimos trinta anos. A evolução dos padrões demográficos e o tipo de crescimento econômico observado no Brasil aumentaram a pressão sobre os recursos hídricos, provocando situações de escassez de água ou de conflitos de utilização em várias regiões do País. No mesmo período, houve progressiva piora das condições de qualidade das águas dos rios que atravessam cidades e regiões com intensas atividades industriais, agropecuárias e de mineração. Desta maneira, em situações onde não havia restrições de natureza quantitativa, a piora da qualidade da água tem inviabilizado seu uso para determinados fins (ANA, 2002ANA - Agência Nacional de Águas. A Evolução da gestão dos recursos hídricos no Brasil = The evolution of water resources management in Brazil. 1. ed. Brasília: ANA, 2002. 64p.).

A agricultura depende, atualmente, de suprimento de água, tanto que a sustentabilidade da produção de alimentos não poderá ser mantida sem o desenvolvimento de novas fontes de suprimento e a gestão adequada dos recursos hídricos convencionais. Esta condição crítica é fundamentada no fato de que o aumento de produção não pode mais ser efetuado simplesmente através da expansão de terra cultivada (Hespanhol, 1999Hespanhol, I. Água e o Saneamento Básico, uma visão realista. In: Instituto de Estudos Avançados. Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. São Paulo: USP/ABC, 1999. p.39-64.).

A prática da irrigação com esgoto tratado e fertilização nitrogenada pode, contudo, afetar a qualidade do solo ao longo do tempo. O termo qualidade do solo tem sido usado como sinônimo de solo saudável. Solo saudável, entretanto, foca principalmente os componentes bióticos do solo, refletindo a manutenção dos organismos no solo e o seu adequado funcionamento como reguladores da ciclagem de nutrientes e, com isto, a fertilidade do solo (Doran & Zeiss, 2000Doran, J.W.; Zeiss, M.R. Soil health and sustainability: managing the biotic component of soil quality. Applied Soil Ecology, Cambridge, v.15, p.3-11, 2000.). A interrelação entre os microrganismos e o ambiente abiótico e as sucessões de microrganismos que ocorrem ao longo da decomposição de restos vegetais, são parte de um processo auto-regulador, o qual determina uma grande extensão de sítios específicos de fertilidade do solo (Anderson, 2003Anderson, T.H. Microbial eco-physiological indicators to assess soil quality. Agriculture, Ecosystems and Environment, Cambridge, v.98, p.285-293, 2003.).

Desta forma e na busca de indicadores adequados da qualidade do solo, parece ser óbvio considerar parâmetros que demonstrem a inter-ligação entre os processos bióticos e abióticos e, para tal, os indicadores eco-fisiológicos têm sido utilizados (Wardle et al., 1999Wardle, D.A.; Yeates, G.W.; Nicholson, K.S.; Bonner, K.I.; Watson, R.N. Response of soil microbial biomass dynamics, activity and plant litter decomposition to agricultural intensification over a seven-year period. Soil Biology and Biochemistry , Cambridge, v.31, p.1707-1720, 1999.). O termo eco-fisiológico implica em uma estreita relação entre o funcionamento das células microbianas sob a influência dos fatores ambientais (Anderson, 2003Anderson, T.H. Microbial eco-physiological indicators to assess soil quality. Agriculture, Ecosystems and Environment, Cambridge, v.98, p.285-293, 2003.).

O indicador eco-fisiológico quociente metabólico (qCO2) é gerado a partir de desempenhos fisiológicos (respiração, absorção de carbono, crescimento/morte, etc.) no total da biomassa microbiana por unidade de tempo. Qualquer alteração no ambiente natural que afete a comunidade microbiana do solo, pode ser detectada através de avaliações que podem medir as alterações nas atividades metabólicas de determinada comunidade (Balota et al., 2004Balota, E.L.; Colozzi-Filho, A.; Andrade, D.S.; Dick, R.P. Longterm tillage and crop rotation effects on microbial biomass and C and N mineralization in a Brazilian Oxisol, Soil and Tillage Research, Cambridge, v.77, p.137-145, 2004.). Se a respiração da comunidade microbiana é baixa, mais carbono estará disponível para a produção da biomassa, o que pode refletir em alta porcentagem de carbono da biomassa microbiana em relação ao carbono orgânico do solo (Cmic:Corg) (Anderson & Domsch, 1990Anderson, T.H.; Domsch, K.H. Application of ecophysiological quotients (qCO2 and qD) on microbial biomasses from soils of different cropping histories. Soil Biology and Biochemistry , Cambridge, v.22, p.251-255, 1990.).

Este trabalho apresenta os resultados de monitoramento dos indicadores eco-fisiológicos, em uma área experimental de capim bermuda, após 1,5 ano de irrigação com esgoto tratado e fertilização nitrogenada. A partir dessas informações será possível criar estratégias para que os possíveis efeitos negativos que possam ocorrer, sejam minimizados e as vantagens do reúso agrícola (e.g. disponibilidade hídrica, suspensão da descarga de águas residuárias em rios e a redução do uso de fertilizantes minerais) sejam reconhecidas.

MATERIAL E MÉTODOS

A área de estudos sobre reúso agrícola foi instalada no município de Lins, SP (49º 50’ W e 22º 21’ S), local em que o campo experimental se situa em um terreno anexo ao sistema de lagoas de estabilização operado pela SABESP. O clima na região é classificado como subtropical, com inverno seco e verão chuvoso. O solo da área foi classificado como argissolo (Ibrahim, 2002Ibrahim, L. Caracterização física, química, mineralógica e morfológica de uma seqüência de solos em Lins/SP. Piracicaba: ESALQ, 2002. 86p. Dissertação Mestrado.). Os horizontes superficiais apresentam textura arenosa enquanto os sub-superficiais são de textura média. Quimicamente, o solo é ácido, com baixa capacidade de troca de cátions (CTC) e saturação por bases (V) menor que 50%.

O cultivo realizado foi de capim-Bermuda Tifton-85, sendo o delineamento experimental constituído de blocos completos casualizados, com seis tratamentos e quatro repetições. Os tratamentos empregados foram: (a) SI - sem irrigação e sem fertilização; (b) A100 - com água potável e adição de 520 kg ha-1 ano-1 de nitrogênio via fertilizante mineral; (c) E0, E33, E66 e E100 - irrigação com esgoto tratado e adição de 0, 172; 343 e 520 kg ha-1 ano-1 de nitrogênio por adubação, respectivamente. Todas as parcelas, com exceção da SI, receberam, bimestralmente, as mesmas quantidades de fertilizante mineral potássico (415 kg ha-1 ano-1 de potássio) e, semestralmente, fertilizante mineral fosfatado (140 kg ha-1 ano-1 de fósforo).

As parcelas, distantes 10 m, apresentaram tamanho de 10 x 10 m. O sistema de irrigação empregado foi o de aspersão convencional. O manejo da irrigação foi realizado com base na umidade crítica do solo, na camada 0 a 60 cm, através da leitura de tensiômetros. A lâmina de irrigação média, no período de seca (abril a setembro de 2004) foi de 3,6 mm dia-1, enquanto que no período das chuvas (outubro de 2004 a março de 2005) foi de 3 mm dia-1. A condutividade média do esgoto tratado foi 0,8 ± 0,1 dS m-1e o seu pH de 7,5 ± 0,4. A condutividade média da água utilizada para a irrigação do tratamento A100 foi 0,4 dS m-1 e o seu pH médio de 9,5.

Realizaram-se amostragens do solo da camada de 0-5 cm, em oito pontos dentro de cada parcela experimental obtendose, pela mistura e homogeneização das amostras simples, uma amostra composta representativa de cada parcela.

Após secagem (96 h, 55 ºC), o solo foi destorroado e quarteado (Schumacher et al., 1990Schumacher, B.A.; Shines, K.C.; Burton, J.V.; Lapp, M.L. Comparison of three methods for soil homogenization. Soil Science Society of America Journal, Madison, v.54, p.1187-1190, 1990.), obtendo-se alíquotas representativas para as diferentes determinações analíticas.

A freqüência de coleta das amostras foi realizada em função das práticas agrícolas de manejo e dos períodos de seca e chuva (ano hidrológico), ou seja, em setembro de 2004 e em janeiro de 2005. Em cada um desses meses coletaram-se amostras de todas as parcelas em três momentos: 1 dia antes do corte; 3 dias e 15 dias após o manejo da biomassa e adubação.

O carbono da biomassa microbiana (Cmic) foi determinado pelo método de fumigação-extração (Vance et al., 1987Vance, E.D.; Brookes, P.C.; Jenkinson, D.S. An extraction method for measuring soil microbial biomass C. Soil Biology and Biochemistry , Cambridge, v.19, p.703-707, 1987.), sendo o carbono orgânico dos extratos determinado por analisador de carbono Shimadzu TOC-5000 A. Para a determinação dos fluxos de CO2, utilizou-se o método da câmara fechada (Jacinthe & Dick, 1997Jacinthe, P.A.; Dick, W.A. Soil management and nitrous oxide emissions from cultivated fields in Southern Ohio. Soil Tillage Research, Cambridge, v.41, p.221-235, 1997.), sendo que a determinação da concentração dos gases se deu por cromatografia gasosa (Shimadzu, GC-14A), equipado com detector 63Ni de captura de elétrons (ECD) e um detector de ionização por chama (FID) (Steudler et al., 1991Steudler, P.A.; Melillo, J.M.; Bowden, R.D.; Castro, M.S.; Lugo, A.E. The effects of natural and human disturbances on soil nitrogen dynamics and trace gas fluxes in a Puerto Rican wet forest. Biotropica, Ann Arbor, v.23, p.356-363, 1991.). Os fluxos foram obtidos através da inclinação da curva após 20 minutos.

Das amostras de solo moídas e homogeneizadas (0,2 mm) foram retiradas alíquotas de 50 mg, condicionadas em cápsulas de estanho e encaminhadas ao analisador elementar (Carlo Erba, modelo EA 1110) acoplado a um espectrômetro de massa Finigan Delta Plus, para detecção do C total.

Com o objetivo de dar um enfoque mais interpretativo e estabelecer relações mais dinâmicas entre as formas de quantificação da biomassa e atividades (respiração microbiana), alguns indicadores são utilizados como, por exemplo, a relação entre o C da biomassa microbiana e o C orgânico do solo (Cmic:Corg) e a medida de atividade metabólica denominada quociente metabólico (qCO2) (Anderson & Domsch, 1990Anderson, T.H.; Domsch, K.H. Application of ecophysiological quotients (qCO2 and qD) on microbial biomasses from soils of different cropping histories. Soil Biology and Biochemistry , Cambridge, v.22, p.251-255, 1990.).

O quociente metabólico (qCO2) foi determinado através da relação entre a quantidade de carbono liberado na forma de CO2, determinado no campo e multiplicado por 0,6 para a remoção da respiração autotrófica das raízes (Bond-Lamberty et al., 2004Bond-Lamberty, B.; Wang, C.; Gower, S.T. A global relationship between the heterotrophic and autotrophic components of soil respiration Global Change Biology, Urbana, v.10, p.1756-1766, 2004.) e a quantidade de Cmic (Anderson & Domsch, 1977Anderson, J.P.E.; Domsch, K.H. A physiological method for the quantitative measurement of microbial biomass in soil. Soil Biology and Biochemistry, Cambridge, v.10, p.215-221, 1977.). Sendo:

Os valores serão expressos em mg C-CO2-1 x g-1 Cmic. h-1.

Para que os cálculos de qCO2 pudessem ser efetuados em termos de massa de solo, já que a informação de Cmic é gerada em mg de Cmic kg de solo-1, tomou-se como massa de solo o volume contido em 1 m2 x 0,2 m de profundidade e este valor foi multiplicado pela densidade do solo, 1,6 g cm-3 (Vinther et al., 2004Vinther, F.P.; Hansen, E.M.; Olesen, J.E. Effects of plant residues on crop performance, N mineralization and microbial activity including field CO2 and N2O fluxes in unfertilized crop rotations. Nutrient Cycling in Agroecosystems, Dordrecht , v.70, p.189-199, 2004.; Gloaguen, 2005Gloaguen, R.A.B.G. Efeito da irrigação com efluente de esgoto tratado nas propriedades físicohídricas de um latossolo. Piracicaba: ESALQ, 2005. 120p. Tese Doutorado.).

Os dados foram submetidos a análise de variância (ANOVA) seguida pela comparação de médias (Teste de Tukey 5%).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 1 apresenta os resultados de qCO2 e Cmic:Corg obtidos para cada tratamento, nas estações seca (setembro de 2004) e chuvosa (janeiro de 2005).

Figura 1
Média e desvio padrão dos indicadores qCO2 e Cmic:Corg nos tratamentos da área experimental de capim-Bermuda, sendo os gráficos (A) e (C) referentes à caracterização da estação de seca de 2004, e os gráficos (B) e (D) relativos à estação de chuvas de 2005

As médias dos índices eco-fisiológicos para cada tratamento foram comparadas com os seguintes objetivos: avaliar a variação dos indicadores entre os tratamentos em cada momento de coleta; avaliar a interferência do manejo em cada estação climática e identificar a interferência das estações de seca e de chuva sobre os tratamentos.

A variação do qCO2, como resposta do solo aos tratamentos empregados, somente foi significativa na estação seca, entre SI (1,4) e E33 (7,1) 3 dias após o manejo e entre SI (2,0) e E33 (10,4); E66 (7,6); E100 (7,7) 15 dias após o manejo (Figura 1a). Segundo Anderson (2003Anderson, T.H. Microbial eco-physiological indicators to assess soil quality. Agriculture, Ecosystems and Environment, Cambridge, v.98, p.285-293, 2003.), valores de qCO2 acima de 2,0 podem ser considerados críticos para solos com pH neutros, indicando estresse da comunidade microbiana. Desta forma, os altos valores encontrados para os tratamentos com efluente e fertilização demonstram haver relação positiva entre umidade, nitrogênio e ativação do metabolismo microbiano (Wardle, 1992Wardle, D.A. A comparative assessment of factors which influence microbial biomass carbon and nitrogen levels in soil. Biological Reviews, Cambridge, v.67, p.321-358, 1992.). A ausência de variação de qCO2 entre os tratamentos, no período de chuva (Figura 1b), sugere uma diminuição da atividade metabólica pelo aumento das condições anaeróbias ou pela lixiviação dos nutrientes ao longo do perfil do solo, fatores que podem ter impedido uma ativação efetiva do metabolismo microbiano e com isso uma ausência de assimilação de carbono lábil do solo (Balota et al., 2004Balota, E.L.; Colozzi-Filho, A.; Andrade, D.S.; Dick, R.P. Longterm tillage and crop rotation effects on microbial biomass and C and N mineralization in a Brazilian Oxisol, Soil and Tillage Research, Cambridge, v.77, p.137-145, 2004.). Friedel et al, (2000Friedel, J.K.; Langer, T.; Siebe, C.; Stahr, K. Effects of longterm waste water irrigation on soil organic matter, soil microbial biomass and its activities in central Mexico. Biology and Fertility of Soils , Heidelberg , v.31, p.414-421, 2000.) observaram que áreas agrícolas irrigadas com esgoto bruto (ao longo de 25,65 e 80 anos) não apresentavam variação significativa de qCO2 na estação de chuvas.

Analisando o comportamento de cada tratamento, sob os efeitos do corte e adubação nitrogenada, observa-se que apenas para o período de seca (Figura 1a), os tratamentos E33, E66 e E100 apresentaram aumentos significativos de metabolismo microbiano entre o período anterior ao corte do capim (2,4; 2,5; e 1,8) e 15 dias após o manejo (10,4; 7,6 e 7,6). Esse aumento de metabolismo pode ser relacionado com condições de umidade favorecidas pela irrigação e pela disponibilidade de nitrogênio (Wardle, 1995Wardle, D.A.; Ghani, A. A critique of the microbial metabolic quocient (qCO2) as a bioindicator of disturbance and ecosystem development. Soil Biology and Biochemistry , Cambridge, v.27, p.1601-1610, 1995.). Aumentos no qCO2 também estão relacionados aos aumentos na concentração de Na (Sarig & Steinberger, 1994Sarig S.; Steinberger, Y. Microbial biomass response to seasonal fluctuation in soil salinity under the canopy of desert halophytes. Soil Biology and Biochemistry , Cambridge, v.26, p.1405-1408, 1994.) e surfactantes (Friedel et al, 1999Friedel, J.K.; Langer, T.; Siebe, C.; Rommel, J.; Kaupenjohann, M. Increase in denitrification capacity throught alkylbenzene sulfonate in soils. Biology and Fertility of Soils, Heidelberg, v.26, p.397-402, 1999.) no solo.

Quanto à interferência da estação climática, apenas os tratamentos SI e A100 foram afetados pela mudança da estação climática. O tratamento SI apresentou aumento em seu metabolismo microbiano na estação das chuvas (1,8 para 3,8) e o tratamento A100 apresentou diminuição (5,2 para 3,2) (Figura 1b). No tratamento SI houve aumentos no qCO2 durante o período chuvoso, pois a variação da umidade do solo auxiliou na decomposição do material vegetal depositado, gerando oferta de carbono disponível para a microbiota.

Não foi observada variação da relação Cmic:Corg entre os diferentes tratamentos para cada momento avaliado, tanto na estação seca como na chuvosa. Estes resultados demonstram que o ecossistema avaliado apresenta uma boa resiliência e está altamente redundante ou seja, os microrganismos não estão sendo negativamente afetados pelo impacto ambiental que a prática agrícola está inferindo ao sistema. Além disso, os microorganismos do solo apresentam uma capacidade de variar ou não sua habilidade em conservar o carbono, após um distúrbio sofrido pelo ecossistema (Odum, 1969Odum, E.P. The strategy of ecosystem development. Science, v.164, p.262-270. 1969.).

As taxas entre os tratamentos variaram de 2,2 a 2,8 % de carbono da biomassa microbiana em relação ao carbono orgânico do solo. De acordo com Anderson (2003Anderson, T.H. Microbial eco-physiological indicators to assess soil quality. Agriculture, Ecosystems and Environment, Cambridge, v.98, p.285-293, 2003.), a taxa Cmic:Corg. para solos agrícolas em pH ≅7,0 transitam entre 2,0 e 4,4%, dependendo do estado nutricional do solo, manejo, teor de argila, granulometria e clima, além disso, ressalta que valores abaixo de 2% podem ser considerados críticos em termos de qualidade de solo.

A interferência do manejo foi observada nos tratamentos E66, na estação seca, e E33, na estação chuvosa. O tratamento E66 apresentou aumento de Cmic:Corg entre o período anterior ao corte (2%) e 2 semanas após o manejo (3%) (Figura 1c). No tratamento E33, a relação Cmic:Corg aumentou entre a coleta feita 3 dias após o manejo (2%) e 15 dias após o manejo (3,2%) (Figura 1d). Se a respiração da comunidade microbiana é baixa, mais carbono estará disponível para a produção da biomassa, o que pode refletir em alta porcentagem de Cmic:Corg (Anderson & Domsch, 1990Anderson, T.H.; Domsch, K.H. Application of ecophysiological quotients (qCO2 and qD) on microbial biomasses from soils of different cropping histories. Soil Biology and Biochemistry , Cambridge, v.22, p.251-255, 1990.).

Considerando a mudança da estação climática, constatou-se que a relação Cmic:Corg do solo somente alterou no tratamento E33, apresentando aumento na estação chuvosa, ou seja, de 1,7 (estação seca) para 2,6%.

Sistemas agrícolas irrigados promovem condições de umidade mais constantes ao longo do ano do que os dependentes de chuva, e com isso a produção vegetal aumenta e deposita maior quantidade de resíduos vegetais no solo. Esse aumento no aporte de matéria orgânica (carbono disponível) pode explicar a relação entre o aumento do metabolismo microbiano promovido pela umidade constante e presença de nitrogênio (principalmente na seca) e a baixa variação de Cmic:Corg no presente estudo. Ou seja, o aporte contínuo de carbono disponível ,via planta e esgoto, mantem a comunidade microbiana estável e compensa o consumo de carbono pelo seu aumento de metabolismo (Friedel et al, 2000Friedel, J.K.; Langer, T.; Siebe, C.; Stahr, K. Effects of longterm waste water irrigation on soil organic matter, soil microbial biomass and its activities in central Mexico. Biology and Fertility of Soils , Heidelberg , v.31, p.414-421, 2000.).

CONCLUSÕES

Os resultados apresentaram aumentos de qCO2 ao longo das práticas agrícolas, na estação seca, mas não na chuvosa, demonstrando um acréscimo da atividade metabólica dos microrganismos em condições de umidade e quando o carbono se encontra mais lábil pela diminuição da relação C:N do solo devido à fertilização nitrogenada.

Não ocorreu variação significativa de Cmic:Corg entre os tratamentos, ao longo das práticas agrícolas e do tempo, com valores médios entre 2,2 a 2,8%. Esta baixa variação sugere que as práticas agrícolas estudadas não afetaram a comunidade microbiana tanto na sua genética como na sua funcionalidade ou existe um sincronismo entre o aumento da biomassa microbiana e o carbono orgânico do solo, fazendo com que não tenha sido observada uma diferença numérica dos dados.

LITERATURA CITADA

  • ANA - Agência Nacional de Águas. A Evolução da gestão dos recursos hídricos no Brasil = The evolution of water resources management in Brazil. 1. ed. Brasília: ANA, 2002. 64p.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    Dez 2005
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