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Célula eletrolítica para monitoramento iônico de água residuária de indústrias de mandioca

Eletrolytic cell to ionic monitoring of wastewater from cassava processing

Resumo

Um sistema elétrico para monitorar a concentração iônica da solução do solo, composto de uma célula eletrolítica com eletrodos de ouro e uma ponte de resistores, tendo a célula como by-pass de um resistor, foi desenvolvido e testado com soluções de água residuária de indústria de mandioca entre as concentrações de 1,25 x 104 e 1,25 x 10-2 mol L-1 e as temperaturas de 281 K e 297 K. Ajustou-se uma equação, conforme o modelo proposto por Nernst, para determinar o potencial da célula em função da atividade iônica calculada com o coeficiente de atividade do modelo de Debye-Hückel generalizado. O equipamento reproduz as tensões estimadas pela equação de Nernst, corrigida pela corrente elétrica, em função da atividade iônica e da temperatura da solução.

Palavras-chave:
água residuária; lixiviação; drenagem agrícola; equação de Nernst

Abstract

An electric system to measure the ionic solution of the soil solution, containing a electrolytic cell with gold electrodes and bridge resistor was developed and tested with wastewater to following concentration 1.25 x 104 e 1.25 x 10-2 mol L-1 and following temperature 281 K and 297 K. It was adjusted a mathematic model equation according to Nernst to determine the cell potential in function of the ionic activity calculated by generalized Debye-Hückel model activity coefficient. The equipment reproduces the estimated tensions by Nernst equation, corrected by electric current in function of the ionic activity and the solution temperature.

Key words:
Wastewater; leaching; agriculture draining; Nernst equation

INTRODUÇÃO

Para serem definidas medidas de prevenção e recuperação de solos irrigados com água residuária de agroindústria de transformação e extração vegetal é importante se conhecer a alteração causada pela adição dos íons contidos na água, notadamente o potássio, nos aspectos físicos e químicos do solo.

Sabe-se que a elevação da concentração iônica pode provocar expansão e dispersão das partículas do solo, causando obstrução dos espaços porosos e, conseqüentemente, diminuindo a condutividade hidráulica e a disponibilidade de ar no solo, além de alterar o potencial osmótico, comprometendo seu uso para a agricultura, conforme Rhoades (1990Rhoades, J.D. Overview: Diagnosis of salinity problems and selection of control practices. In: Tanji, K.K.(ed). Agricultural salinity assessment and management. New York: American Society of Civil Engineers. 1990. p.18-41.) e Chhabra (1996Chhabra, R. Soil salinity and water quality. Rotterdam, A.A. Balkema Publishers, 1996. 283p.).

Dentre as alternativas para se monitorar a concentração iônica da solução do solo existem os extratores de solução, com os quais são extraídas amostras de solução para análise em laboratório ou determinação imediata da condutividade elétrica da solução. No entanto, a manipulação da amostra compromete seus resultados, particularmente na determinação da atividade iônica da solução que é o parâmetro químico a ser correlacionado com os parâmetros elétricos, segundo Skoog et al (2002Skoog, D.A.; Holler, F.J.; Nieman, T.A. Princípios de análise instrumental. 5a.ed. Porto Alegre: Editora Bookman, 2002. 836p.).

Com o propósito de monitorar a concentração iônica da solução, quando das irrigações com águas residuárias de agroindústria de origem vegetal, foi desenvolvida uma célula eletrolítica conectada a um condicionador de sinal (Atkins & Paula, 2002Atkins, P.; Paula, J. de. Físico-química. 7a.ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S. A, 2003. 356p.). O princípio de funcionamento deste equipamento se baseia na alteração de potencial do circuito que é dependente da atividade iônica da solução (Skoog et al., 2002Skoog, D.A.; Holler, F.J.; Nieman, T.A. Princípios de análise instrumental. 5a.ed. Porto Alegre: Editora Bookman, 2002. 836p.).

Como o potencial termodinâmico corrigido pela corrente elétrica (Skoog et. al., 2002Skoog, D.A.; Holler, F.J.; Nieman, T.A. Princípios de análise instrumental. 5a.ed. Porto Alegre: Editora Bookman, 2002. 836p.) pode ser determinado a partir da atividade iônica da solução e esta correlacionada com a concentração pelo modelo de Debye e Hükkel (Skoog et al., 2002Skoog, D.A.; Holler, F.J.; Nieman, T.A. Princípios de análise instrumental. 5a.ed. Porto Alegre: Editora Bookman, 2002. 836p.; Russell, 1981Russell, J.B. Química geral. 1a.ed. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil , 1981. 897p), o potencial medido por uma célula eletrolítica, imersa em uma solução, pode ser ajustado para se estimar a concentração dessa solução (Atkins & Paula, 2002Atkins, P.; Paula, J. de. Físico-química. 7a.ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S. A, 2003. 356p.; Reichardt & Timm, 2004Reichardt, K.; Timm, L.C. Solo, planta e atmosfera: Conceitos, processos e aplicações. 1a.ed. Barueri: Editora Manole Ltda, 2004. 478p.). Este foi o objetivo deste trabalho, desenvolver e testar um sistema elétrico para monitorar a concentração iônica da solução do solo, a ser testado com soluções de água residuária de indústria de mandioca entre as concentrações de 1,25 x 104 e 1,25 x 10-2 mol L-1 e as temperaturas de 281 K e 297 K.

MATERIAL E MÉTODOS

Foi construído um equipamento (Figura 1), capaz de quantificar a atividade iônica de solução em tempo real, corrigida pela temperatura, com o propósito de se estimar a concentração iônica da solução do solo. O equipamento é formado de uma sonda com paredes de cerâmica porosa, com 1,75 cm de raio interno e 1,0 cm de altura onde estão instalados dois eletrodos de ouro de 0,5 mm de diâmetro, distantes 10 mm, submetidos a 4,85 V de tensão e um sensor de temperatura.

Figura 1
(A) Ponte de resistores onde R1 e R2 são as resistências da ponte e “b” a célula eletrolítica. (B) Detalhamento da célula eletrolítica onde “a” é a base da célula, “b” o apoio dos terminais, “c” a cápsula de porcelana porosa, “d” a tampa da célula, “e” os terminais da célula eletrolítica, “f” os terminais do termopar, “g” o conduto por onde passam os cabos elétricos e “h” o tubo de sucção.

O sinal elétrico é condicionado por um circuito análogo a uma ponte de resistores de Wheatstone (Eisberg & Lerner, 1982Eisberg, R.M.; Lerner, L.S. Física: fundamentos e aplicações. 1a.ed. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1982. 422p.; Mioduski, 1982Mioduski, A.L. Elementos e técnicas modernas de medição analógica e digital. 1a.ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Dois, 1982. 405p.; Fialho, 2002Fialho, A.B. Instrumentação industrial: Conceitos, aplicações e análises. 1a.ed. São Paulo: Editora Érica, 2002, 240p.), substituindo o galvanômetro por um voltímetro e as resistências configuradas para manter o mesmo potencial entre os dois ramos do circuito, quando este estiver em equilíbrio.

A célula eletrolítica está instalada como by-pass do resistor R2 da ponte (Figura 1); assim, qualquer reação redox (Atkins & Paula, 2002Atkins, P.; Paula, J. de. Físico-química. 7a.ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S. A, 2003. 356p., pg. 270), entre os eletrodos e o eletrólito, desequilibra a ponte e uma diferença de potencial poderá ser lida no voltímetro (Eisberg & Lerner, 1982Eisberg, R.M.; Lerner, L.S. Física: fundamentos e aplicações. 1a.ed. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1982. 422p.; Mioduski, 1982Mioduski, A.L. Elementos e técnicas modernas de medição analógica e digital. 1a.ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Dois, 1982. 405p.; Fialho, 2002Fialho, A.B. Instrumentação industrial: Conceitos, aplicações e análises. 1a.ed. São Paulo: Editora Érica, 2002, 240p.).

Na escolha dos resistores do circuito condicionador de sinal da célula eletrolítica, fixou-se o valor da resistência R1 (Figura 1) em 4,7 k&! e se analisou o desempenho do sistema, variando R2 com valores de 6,8, 15, 150 e 470 k&! para leituras no voltímetro em função das soluções de manipueira diluída em água. A seleção de R2 se deu pelo valor do coeficiente de determinação e pela significância dos termos da equação através do teste t de Student para o modelo da Eq. (1).

em que:

VL -tensão lida no display, V;

C - concentração da solução, mol kg-1 e

β1, β2 e β3 - coeficientes do modelo.

Após definidos os resistores de cada ramo da ponte, realizaram-se ensaios com resistência de: 1,2; 4,7; 6,8; 15,0; 154,0 e 470,0 k&!, em substituição à célula eletrolítica para avaliar o desempenho do circuito com a Eq. (2).

em que:

RC - resistência estimada, &!;

Vt - potencial do circuito, 5 V e

VL - leitura do display, V.

As soluções utilizadas para calibração do equipamento foram preparadas considerando-se a molaridade total da manipueira pura (Tabela 1) como a soma das molaridades do potássio, nitrogênio, fósforo, cálcio, magnésio e sódio. Realizaram-se diluições de manipueira em água destilada, com resistividade de 18,000 M&!m em concentrações de 1,25 x 10-4 até 1,25 x 10-2 mol L-1, que corresponde ao intervalo de 0 a 100% da concentração de manipueira (em água destilada).

Tabela 1
Características da água residuária da indústria de mandioca utilizada no estudo

Realizaram-se ensaios com altura de lâmina de solução de 1, 5 e 30 mm dentro da célula eletrolítica, acima dos eletrodos, e temperaturas de 281 K, 285 K, 287 K, 291 K e 297 K para todas as concentrações estudadas.

A partir das concentrações molares dos íons nas soluções de manipueira diluída em água destilada, determinou-se a atividade da solução, usando-se o modelo de Debye-Hückel generalizado.

Ajustou-se o potencial da célula em função da atividade e da temperatura da solução, a partir de um ajuste empírico, conforme a Eq. (3); este ajuste foi selecionado como o de maior coeficiente de determinação, com “F” significativo para a equação e com significância dos coeficientes pelo teste “T”.

em que:

L - leitura do equipamento,V;

a - atividade da solução, adimensional;

T - temperatura absoluta, K e

β0, β1, β11, β2, β22 e β12 - coeficientes do modelo.

Para o cálculo do potencial da célula eletrolítica utilizou-se da equação de Nernst, corrigida pela corrente elétrica da célula (Atkins & Paula, 2002Atkins, P.; Paula, J. de. Físico-química. 7a.ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S. A, 2003. 356p.; Skoog et al., 2002Skoog, D.A.; Holler, F.J.; Nieman, T.A. Princípios de análise instrumental. 5a.ed. Porto Alegre: Editora Bookman, 2002. 836p.) e também o número de elétrons transferidos na reação igual a um (Eq. 4).

em que:

Eref - tensão entre os dois eletrodos da célula, 4,85 V;

R - constante dos gases, 8,31447 J K-1 mol-1 e

F - constante de Faraday, 96485,3 C mol-1.

A correção da equação em função da corrente foi dada pela Eq. (5).

em que:

f - correção, adimensional;

I - corrente elétrica da célula eletrolítica, A e

β0, β1 - coeficientes do modelo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os potenciais da célula em soluções de manipueira, em função de R2 no circuito, apresentaram maior taxa de variação para as resistências de 150 k&! e 470 k&!, em relação às resistências de 6,8 e 15 k&! (Figura 2), para todo o intervalo de concentração de manipueira. Selecionou-se a resistência de 150 k&! para R2, por ser a que apresentou maior coeficiente angular das equações ajustadas e, em relação à 470 k&!, apresentou maior valor para o coeficiente de determinação, 99,61 contra 99,11% respectivamente. Os termos, lineares e quadráticos, das equações ajustadas com as quatro resistências, foram significativos para p d” 0,001.

Figura 2
Potencial elétrico em soluções de manipueira para R2 de 6,8, 15, 150 e 470 k&!

Após definidos os resistores da ponte, a tensão sobre a célula eletrolítica sem solução condutora ficou estabilizada com valor de 4,85 V. Este valor é considerado o potencial padrão da célula eletrolítica. Sua tensão, quando houver uma solução condutora, é dada pela diferença algébrica entre o seu potencial padrão e a leitura de potencial no voltímetro. Assim, para a relação entre as 34 resistências de valores conhecidos no lugar da célula eletrolítica e os valores determinados com a célula eletrolítica ajustou-se uma regressão linear com coeficiente angular igual a 1,005201, significativo para p d” 0,001 e coeficiente de determinação de 99,99%. Variando a altura da lâmina sobre os eletrodos da sonda, não ocorreu diferença para os potenciais lidos, em função das concentrações estudadas.

Nota-se, na Eq. (6), que as diferenças de leitura podem ocorrer tanto em função da atividade como da temperatura da solução. Esta equação de regressão foi ajustada com coeficiente de determinação igual a 99,66% e com os termos da equação significativos, para p£0,001.

A variação da leitura do equipamento, em função da raiz quadrada da atividade, é explicada pela variação da força iônica da solução eletrolítica analisada. Segundo Atkins & Paula (2002Atkins, P.; Paula, J. de. Físico-química. 7a.ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S. A, 2003. 356p.) e Skoog et al. (2002Skoog, D.A.; Holler, F.J.; Nieman, T.A. Princípios de análise instrumental. 5a.ed. Porto Alegre: Editora Bookman, 2002. 836p.), a dependência dos coeficientes de atividade com a raiz quadrada da concentração é função do efeito da força retardadora no movimento dos íons, devido à deformação da simetria esférica da atmosfera iônica durante o seu deslocamento. Pode ser explicada, também, devido à variação de condutividade e de viscosidade da solução com a temperatura (Atkins & Paula, 2002Atkins, P.; Paula, J. de. Físico-química. 7a.ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S. A, 2003. 356p.).

Em virtude da heterogeneidade da solução de manipueira, que possui íons de diversas valências, optou-se, nos cálculos termodinâmicos do potencial elétrico da célula eletrolítica, por se utilizar o número de elétrons transferidos na reação igual a um. Esta escolha se baseou na grande quantidade de potássio presente na manipueira, simplificando o uso da equação de Nernst.

O potencial elétrico da célula, calculado pela equação de Nernst, somente com o ajuste devido à variação de temperatura, superestimou os valores medidos, o que está de acordo com Skoog et al. (2002Skoog, D.A.; Holler, F.J.; Nieman, T.A. Princípios de análise instrumental. 5a.ed. Porto Alegre: Editora Bookman, 2002. 836p.), fato que determinou a correção do potencial calculado por Nernst, também pela corrente elétrica que passa pela célula eletrolítica, conforme Atkins & Paula (2002Atkins, P.; Paula, J. de. Físico-química. 7a.ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S. A, 2003. 356p.).

Essa correção apresentou tendência linear com coeficiente de determinação igual a 99,91% e o termo da equação significativo para p£0,001, no intervalo de temperatura empregado (Eq. 7); assim, o potencial termodinâmico da célula eletrolítica do equipamento é dado pela Eq. (8).

Na Figura 3 observa-se a relação entre o potencial lido da célula eletrolítica e o potencial da célula, calculado com o modelo de Nernst corrigido com a temperatura e a corrente elétrica com coeficiente de determinação igual a 99,86%.

Figura 3
Potencial determinado com a célula eletrolítica e estimado por Nernst

CONCLUSÕES

A altura da lâmina da solução na célula eletrolítica não determina variação na leitura do equipamento;

A leitura do equipamento reproduz as tensões estimadas, empiricamente, em função da atividade da solução, determinada a partir de sua concentração e da constante de Debye e Hukel, corrigida pela temperatura da solução;

O equipamento reproduz as tensões estimadas pelo ajuste da equação de Nernst, corrigida pela corrente elétrica, em função da atividade iônica e da temperatura da solução.

LITERATURA CITADA

  • Atkins, P.; Paula, J. de. Físico-química. 7a.ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S. A, 2003. 356p.
  • Chhabra, R. Soil salinity and water quality. Rotterdam, A.A. Balkema Publishers, 1996. 283p.
  • Eisberg, R.M.; Lerner, L.S. Física: fundamentos e aplicações. 1a.ed. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1982. 422p.
  • Fialho, A.B. Instrumentação industrial: Conceitos, aplicações e análises. 1a.ed. São Paulo: Editora Érica, 2002, 240p.
  • Mioduski, A.L. Elementos e técnicas modernas de medição analógica e digital. 1a.ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Dois, 1982. 405p.
  • Reichardt, K.; Timm, L.C. Solo, planta e atmosfera: Conceitos, processos e aplicações. 1a.ed. Barueri: Editora Manole Ltda, 2004. 478p.
  • Rhoades, J.D. Overview: Diagnosis of salinity problems and selection of control practices. In: Tanji, K.K.(ed). Agricultural salinity assessment and management. New York: American Society of Civil Engineers. 1990. p.18-41.
  • Russell, J.B. Química geral. 1a.ed. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil , 1981. 897p
  • Skoog, D.A.; Holler, F.J.; Nieman, T.A. Princípios de análise instrumental. 5a.ed. Porto Alegre: Editora Bookman, 2002. 836p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    Dez 2005
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