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Evaporação líquida no lago de Sobradinho e impactos no escoamento devido à construção do reservatório

Net evaporation in Sobradinho dam and impacts on runoff due to the construction of the reservoir

Resumos

Um dos problemas que dificultam a gestão de recursos hídricos, são as perdas de água por evaporação nos reservatórios de regularização, fazendo com que estimativas confiáveis de evaporação nos reservatórios sejam essenciais, tanto no planejamento e gerenciamento dos recursos hídricos, quanto em estudos de impacto ambiental. Com base neste enfoque objetivou-se, através do trabalho ora apresentado, estimar a evaporação líquida no lago de Sobradinho por meio da metodologia do tanque Classe A e dos modelos Linacre (1993), Kohler et al. (1955) e CRLE, além dos impactos ocorridos nas condições de escoamento devido à construção do reservatório. Os resultados permitiram concluir que: a construção do reservatório de sobradinho alterou sensivelmente o comportamento hidrológico do rio São Francisco à jusante da mesma; os valores obtidos pelo modelo Kohler et al. (1955) podem ser utilizados como base de referência para a estimativa da evaporação média anual do lago de Sobradinho; o coeficiente de tanque Classe A que melhor representou a variação sazonal de evaporação no lago de Sobradinho foi de 0,57; finalmente, a vazão média anual correspondente à evaporação líquida do reservatório de Sobradinho foi de 132 m³ s-1.

aproveitamento hidrelétrico; evaporação em lagos; recursos hídricos


Losses of water by evaporation in regulatory reservoirs are one of the problems that exist in water resources management, the reliable estimates of evaporation in the reservoirs becoming essential not only in the planning and administration of the water resources but also in studies of environmental impact. The objective of this paper was to estimate the net evaporation in the Sobradinho dam through the Class A tank methodology and the Linacre (1993), Kohler et al. (1955) and CRLE models, as well as to verify the impacts on the flow conditions due to the construction of the reservoir. The results showed that: the construction of the Sobradinho reservoir, associated to the other activities developed in the basin, caused a reduction of the average flow of 163 m³ s-1; the values obtained by the Kohler et al. (1955) model can be used as a reference base to estimate the annual average evaporation in the Sobradinho dam; the coefficient of Class A tank that represented better the seasonal variation of evaporation in the Sobradinho dam was 0.57 and the annual average flow corresponding to net evaporation of Sobradinho reservoir was 132 m³ s-1.

hydroelectric power; regulated flow; water resources


GESTÃO E CONTROLE AMBIENTAL

Evaporação líquida no lago de Sobradinho e impactos no escoamento devido à construção do reservatório1 1 Parte da tese de doutorado do primeiro autor apresentada à UFV

Net evaporation in Sobradinho dam and impacts on runoff due to the construction of the reservoir

Silvio B. PereiraI; Fernando F. PruskiII; Demetrius D. da SilvaII; Márcio M. RamosII

IFaculdade de Ciências Agrárias/UFGD, CEP 79804-970, Cx. Postal 533, Dourados, MS. Fone: (67) 3411-3854. E-mail: sbueno@ufgd.edu.br

IIDEA/UFV, CEP 36571-000, Fone: (31) 3899-1912. E-mail: ffpruski@ufv.br, david@ufv.br, mmramos@ufv.br

RESUMO

Um dos problemas que dificultam a gestão de recursos hídricos, são as perdas de água por evaporação nos reservatórios de regularização, fazendo com que estimativas confiáveis de evaporação nos reservatórios sejam essenciais, tanto no planejamento e gerenciamento dos recursos hídricos, quanto em estudos de impacto ambiental. Com base neste enfoque objetivou-se, através do trabalho ora apresentado, estimar a evaporação líquida no lago de Sobradinho por meio da metodologia do tanque Classe A e dos modelos Linacre (1993), Kohler et al. (1955) e CRLE, além dos impactos ocorridos nas condições de escoamento devido à construção do reservatório. Os resultados permitiram concluir que: a construção do reservatório de sobradinho alterou sensivelmente o comportamento hidrológico do rio São Francisco à jusante da mesma; os valores obtidos pelo modelo Kohler et al. (1955) podem ser utilizados como base de referência para a estimativa da evaporação média anual do lago de Sobradinho; o coeficiente de tanque Classe A que melhor representou a variação sazonal de evaporação no lago de Sobradinho foi de 0,57; finalmente, a vazão média anual correspondente à evaporação líquida do reservatório de Sobradinho foi de 132 m3 s-1.

Palavras-chave: aproveitamento hidrelétrico, evaporação em lagos, recursos hídricos

ABSTRACT

Losses of water by evaporation in regulatory reservoirs are one of the problems that exist in water resources management, the reliable estimates of evaporation in the reservoirs becoming essential not only in the planning and administration of the water resources but also in studies of environmental impact. The objective of this paper was to estimate the net evaporation in the Sobradinho dam through the Class A tank methodology and the Linacre (1993), Kohler et al. (1955) and CRLE models, as well as to verify the impacts on the flow conditions due to the construction of the reservoir. The results showed that: the construction of the Sobradinho reservoir, associated to the other activities developed in the basin, caused a reduction of the average flow of 163 m3 s-1; the values obtained by the Kohler et al. (1955) model can be used as a reference base to estimate the annual average evaporation in the Sobradinho dam; the coefficient of Class A tank that represented better the seasonal variation of evaporation in the Sobradinho dam was 0.57 and the annual average flow corresponding to net evaporation of Sobradinho reservoir was 132 m3 s-1.

Key words: hydroelectric power, regulated flow, water resources

INTRODUÇÃO

Em 1973, a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF) começou a construção da hidrelétrica de Sobradinho, cujo lago, formado em 1979, com superfície de 4.214 km2, um dos maiores do mundo, serve como reservatório de regularização plurianual de vazão do Rio São Francisco. O reservatório de Sobradinho se localiza no Estado da Bahia, acerca de 40 km à montante das cidades de Juazeiro, BA, e Petrolina, PE, cuja potência instalada é de 1.140 MW (Correia & Dias, 2003).

Um fator de grande importância na análise da vazão máxima permissível para a concessão de outorga se refere às perdas de água por evaporação nos reservatórios de regularização. A obtenção dos valores de evaporação permite avaliar a quantidade de água que se perde ou se ganha com a construção de um reservatório (Kan & Dias, 1999); portanto, estimativas confiáveis de evaporação nos reservatórios são essenciais, tanto no planejamento e gerenciamento dos recursos hídricos como em estudos de impacto ambiental.

O desenvolvimento de métodos confiáveis para estimativa da evaporação em lagos baseados em informações climatológicas de fácil obtenção, ainda é um desafio. A maioria dos métodos atualmente disponíveis estima a evaporação a partir de observações de temperatura, umidade, velocidade do vento e radiação solar ou usa as medidas de evaporação feitas em tanques instalados em estações meteorológicas situadas em ambiente terrestre (Roque & Sansigolo, 2001).

Normalmente, os modelos disponíveis para estimar a evaporação em lagos são divididos, em termos práticos, em duas classes: nos em que se utilizam equações baseadas em informações climatológicas para a predição da evaporação, como os modelos propostos por Morton (1983), Linacre (1993) e Kohler et al. (1955), entre outros, naqueles em que se empregam medidas de tanques de evaporação.

Um dos principais problemas na utilização de modelos climatológicos na estimativa da evaporação é a escassez de dados climatológicos sobre a superfície do lago, fazendo-se uso das informações climatológicas de estações situadas em ambiente terrestre e, portanto, não representativas do ambiente sobre o lago; no caso do uso de medidas realizadas em tanques, é a escolha apropriada do coeficiente do tanque (Reis & Dias, 1998).

Com base neste enfoque é que se teve, neste trabalho, como objetivo principal, estimar a evaporação líquida no lago de Sobradinho com o emprego da metodologia do tanque Classe A e dos modelos Linacre (1993), Kohler et al. (1955) e CRLE, além dos impactos ocorridos nas condições de escoamento em virtude da construção do reservatório de Sobradinho.

MATERIAL E MÉTODOS

Com o objetivo de avaliar os impactos ocorridos nas condições de escoamento do Rio São Francisco, devido à construção do reservatório de Sobradinho, utilizou-se a série original da estação Juazeiro, localizada à jusante do reservatório de Sobradinho, e a obtida a partir da extensão de série, e também as informações das estações Ibotirama (área de drenagem de 325.200 km2) e Morpará (área de drenagem de 348.074 km2) situadas à montante de Juazeiro e o período de dados comum anterior à construção do reservatório de Sobradinho; portanto, a extensão de série para Juazeiro a partir dos dados das estações de apoio, permitiu que se projetasse o comportamento esperado em Juazeiro caso não ocorresse a interferência advinda da criação do lago.

Realizou-se a extensão de série para Juazeiro por meio de correlações, segundo critérios consagrados de escolha de bases para as regressões, sendo os coeficientes de determinação obtidos para o período de 1950 a 1976 de 0,91 entre Juazeiro e Ibotirama e de 0,84, entre Juazeiro e Morpará.

A estimativa da evaporação no lago de Sobradinho foi calculada pelas seguintes metodologias: tanque Classe A (ECA), modelo de Linacre (1993), modelo de Kohler et al. (1955) e modelo conceitual de relação complementar (CRLE), proposto por Morton (1983).

Fez-se a estimativa da evaporação no lago pelo método do tanque Classe A, pela equação:

EL = C * ECA

(1)

em que:

EL - evaporação no lago, mm mês-1

C - coeficiente do tanque, adimensional

ECA - evaporação no tanque Classe A, mm mês-1

Os coeficientes de tanque normalmente utilizados para a estimativa da evaporação em lagos, são de 0,6 a 0,8. Neste trabalho se adotou o coeficiente de 0,6, em função de ser este o valor de uso mais comum em regiões áridas, como é o caso do reservatório de Sobradinho.

A equação utilizada para a estimativa da evaporação no lago de Sobradinho por meio do modelo proposto por Linacre (1993) corresponde a uma simplificação da equação de Penman quando os dados de temperatura média, precipitação e velocidade do vento são conhecidos. A equação seguinte foi utilizada:

EL = (0,015 + 0,00042 T + 10-6 h)[ 0,8 RS - 40 + 2,5 Fu2 (T - Td)]

(2)

em que:

T - temperatura média do ar, ºC

Td - temperatura média do ponto de orvalho, ºC

h - altitude do logal, m

Rs - irradiância solar na superfície do lago, W m-2

F - fator de correção, adimensional

u2 - velocidade do vento a 2 m de altura, m s-1

O modelo proposto por Kohler et al. (1955) também consiste em uma adaptação da equação de Penman, feita a partir de várias observações de evaporações em lagos. Para a estimativa da evaporação em lagos pelo modelo Kohler et al. (1955) empregou-se a equação:

(3)

em que:

D - declividade da curva de pressão de vapor saturado, kPa ºC-1

Rn - saldo de radiação, em equivalente de lâmina de água evaporada, mm dia-1

gL - coeficiente psicrométrico corrigido, kPa ºC-1

Ea - poder evaporante do ar, mm dia-1

A equação utilizada para estimar a evaporação no lago de Sobradinho, por meio do modelo CRLE, foi obtida da modificação da equação de Piestley e Taylor (Morton, 1983) com vista a atender ao modelo CRLE, sendo e expressa por:

(4)

em que:

EW - evaporação no lago, mm mês-1

P - pressão atmosférica na localidade, mb

PS - pressão atmosférica a nível do mar, mb

DP - declividade da curva de pressão de saturação do vapor d'água a temperatura de equilíbrio, mb ºC-1

RTP - saldo de radiação a temperatura de equilíbrio, W m-2

Os valores 13 e 1,12, apresentados na Eq. 6, são constantes empíricas obtidas por meio de calibrações em diversas regiões áridas do mundo. Os cálculos para a estimativa da evaporação obtida pelo modelo CRLE foram realizados segundo a metodologia proposta por Morton (1983).

A estimativa da evapotranspiração real concernente ao período anterior à construção do reservatório de Sobradinho, foi realizada com o método do balanço hídrico climatológico proposto por Thorntwaite & Mather (1955). Partindo do suprimento natural de água ao solo, representado pela precipitação e da demanda atmosférica, representada pela evapotranspiração potencial, o balanço hídrico climatológico fornece estimativas da evapotranspiração real, da deficiência, do excedente e do armazenamento de água no solo.

A estimativa da evapotranspiração potencial, parâmetro de entrada no modelo, foi baseada na metodologia proposta por Penman-Monteith, contida na publicação da FAO 56 (Allen et al., 1998).

Obtiveram-se os valores de evaporações líquidas médias mensais para o reservatório de Sobradinho pela diferença entre a evaporação do lago, estimada por meio de modelos climatológicos, e a evapotranspiração real na área correspondente ao reservatório de Sobradinho, antes da sua construção.

Os dados climatológicos utilizados neste trabalho, foram: temperatura média mensal, umidade relativa, velocidade do vento, precipitação, evaporação no tanque Classe A e insolação. Na Tabela 1 se apresentam as estações utilizadas, coordenadas geográficas e períodos considerados na análise. Para o período anterior à construção do reservatório de Sobradinho, utilizaram-se as informações climatológicas fornecidas pela Agência Nacional das Águas (ANA) e, para o período posterior às informações, foram fornecidas pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF).

Realizou-se a análise de sensibilidade para os modelos Linacre (1993), Kohler et al. (1955) e CRLE, conduzida para os parâmetros de entrada dos modelos, tais como: precipitação, temperatura média, velocidade do vento e insolação, variando-os, individualmente, enquanto os outros eram mantidos constantes. A análise de sensibilidade quantifica o efeito que as mudanças nas variáveis de entrada exercem na evaporação média anual, no reservatório de Sobradinho.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apresentam-se, na Tabela 2, para a estação Juazeiro, as vazões médias anual e mensais referentes aos períodos de 1950 a 1976 e de 1979 a 2000 compreendendo, portanto, os períodos anterior e posterior à construção do reservatório, respectivamente.

Pode-se, na Tabela 2, não só contemplar a análise dos dados originais mas, também, considerar as séries pertinentes aos dados preenchidos a partir das estações Ibotirama e Morpará, as quais também estão localizadas no rio São Francisco à montante do reservatório de Sobradinho não apresentando, portanto, a influência do reservatório de acumulação no comportamento do curso d'água.

Conforme se evidencia na Tabela 2, foi transparente a diferença entre as vazões médias anuais obtidas para Juazeiro (período de 1979 a 2000) a partir da série original, cujo valor é de 2.557 m3 s-1, e a estimada quando do preenchimento, igual a 2.720 m3 s-1, o que corresponde a uma diferença de 162 m3 s-1 (6,3%) por ocasião do preenchimento, a partir de Ibotirama, e a 2.722 m3 s-1, quando do preenchimento a partir de Morpará, correspondendo a uma diferença de 164 m3 s-1 (6,4%); este fato indica a alteração do comportamento do escoamento no rio São Francisco à jusante de Juazeiro a partir de 1979, com redução da vazão média observada em relação à estimada, da ordem de 163 m3 s-1.

Nota-se que o comportamento evidenciado pela análise feita a partir de Ibotirama, é bastante similar ao obtido a partir de Morpará, o que constitui forte indicativo da consistência da análise realizada.

Constata-se, ainda, que a vazão média observada para a estação Morpará (área de drenagem de 348.074 km2) igual a 2.710 m3 s-1 é, inclusive, superior à evidenciada em Juazeiro (área de drenagem de 510.800 km2), igual a 2.557 m3 s-1, comprovando o impacto que a construção do reservatório e outras atividades desenvolvidas nesse trecho da bacia, teve no comportamento das vazões verificadas no rio São Francisco uma vez que, mesmo com o aumento da área de drenagem de 162.726 km2 (acréscimo de 68,1% na área de drenagem) se evidencia um declínio da vazão média anual, de 153 m3 s-1.

A análise da variação das vazões médias mensais permite evidenciar um nítido efeito de regularização exercido pelo reservatório sendo que, de dezembro a maio, as vazões obtidas com o preenchimento foram superiores aos valores originais; nos meses de dezembro a março, a diferença entre as vazões originais e aquelas estimadas, considerando-se a tendência do comportamento das vazões observadas anteriores a 1976, tanto para Ibotirama como para Morpará, é de mais de 740 m3 s-1, fato que mostra o efeito exercido pelo reservatório no controle de enchentes o qual ocasionou uma redução das vazões máximas à jusante do reservatório.

Para o período de estiagem, as vazões médias mensais estimadas a partir do preenchimento são inferiores àquelas verificadas no rio, tendo-se observado, nos meses de junho a novembro, vazões estimadas a partir da extensão da série menores que as notadas; essas diferenças chegaram a atingir valores de até 723 m3 s-1, sendo a menor média mensal da série original igual a 1.950 m3 s-1, constatada em julho, enquanto o menor valor relativo às séries com valores preenchidos é de 1.306 m3 s-1 (considerando-se o preenchimento a partir de Morpará), evidenciada em setembro, o que mostra, inclusive, a mudança do mês com ocorrência da menor vazão à jusante de Juazeiro, que passou de setembro (anterior a 1976) para julho (posterior a 1979).

Embora a construção do reservatório de Sobradinho, associada às demais atividades desenvolvidas na bacia, tenha causado redução da vazão média da ordem de 163 m3 s-1, promoveu também um expressivo efeito de regularização com elevação da vazão média mensal correspondente ao mês mais seco, de 1.306 m3 s-1 para 1.950 m3 s-1 (aumento de 644 m3 s-1), tendo em vista as vazões projetadas a partir de Morpará, e decréscimo da vazão mensal relativa ao mês com maior vazão de 5.128 m3 s-1 (considerando-se vazões projetadas a partir de Ibotirama) para 3.768 m3 s-1 (diminuição de 1.360 m3 s-1).

Evaporação no lago de Sobradinho

A Figura 1 apresenta as evaporações médias mensais estimadas pelo método do tanque Classe A e pelos modelos Linacre (1993), Kohler et al. (1955) e CRLE. As evaporações totais anuais estimadas por esses modelos, foram: 2.149 mm (Linacre, 1993), 2.026 mm (ECA), 1.904 mm (Kohler et al., 1955) e 1.796 mm (CRLE).


Tendo em vista que o método do tanque Classe A apresentou valor médio entre os modelos Linacre (1993) e Kohler et al. (1955) e respondeu diretamente às condições climáticas da região, ele foi adotado como modelo-padrão na comparação dos comportamentos evidenciados pelos demais modelos.

Evidenciam-se dois efeitos distintos pela análise da Figura 1, os quais compreendem, de modo geral, expressivo aumento da evaporação a partir de junho (em outubro, todos os modelos atingem o valor máximo) e redução a partir de outubro, prolongada até junho, mês em que os valores foram mínimos em todos os modelos, com exceção de Linacre (1993), que apresentou a menor estimativa da evaporação em março.

A estimativa da evaporação obtida pelos modelos estudados pode ser melhor entendida pela análise de sensibilidade a variação da temperatura, velocidade do vento, precipitação e insolação, como mostrado na Figura 2.





Considerando-se o mês de maior evaporação no reservatório de Sobradinho (outubro), que se caracteriza pela baixa precipitação e umidade relativa, pela máxima insolação e por valores mais elevados de temperatura e velocidade de vento, observa-se que o modelo Linacre (1993) é o que apresenta a maior estimativa da evaporação no reservatório.

Pela análise de sensibilidade apresentada na Figura 2, o modelo Linacre (1993) é o único sensível à variação da precipitação, conforme pode ser evidenciado pela declividade da linha que representa este parâmetro (Figura 2A); sendo baixa a precipitação em outubro, o modelo Linacre (1993) tende a uma estimativa maior da evaporação em relação aos modelos Kohler et al. (1955) e CRLE.

Outro fator que contribui para a maior estimativa da evaporação pelo uso do modelo Linacre (1993), é a sensibilidade que este apresenta à variação da velocidade do vento, principalmente quando comparado com o modelo CRLE, que não indica sensibilidade a esta variável climática. A alta velocidade de vento em outubro ocasionou maior aumento na estimativa de evaporação pelo modelo Linacre (1993) porém, com relação ao modelo Kohler et al. (1955), notou-se que as declividades das linhas representadas pelas variações desse parâmetro (Figura 2B) são praticamente iguais, não sendo, portanto, o fator que conduziu a diferença na estimativa da evaporação nesse mês.

Em relação à análise de sensibilidade a temperatura (Figura 2C), o modelo Linacre (1993) é menos sensível em comparação com os modelos Kohler et al. (1955) e CRLE, fazendo com que o aumento da temperatura em outubro ocasionasse maior aproximação entre eles, bem como a falta de sensibilidade a insolação, pelo modelo Linacre (1993) e as altas sensibilidades dos modelos Kohler et al. (1955) e CRLE (Figura 2D).

Constatou-se, também, que o modelo Kohler et al. (1955) apresentou um valor de evaporação muito acima do estimado por CRLE, fato que pode ser explicado pela análise da velocidade do vento e pela temperatura, as quais o modelo Kohler et al. (1955) apresentou maior e menor sensibilidade, respectivamente.

O mês de menor evaporação no reservatório de Sobradinho (junho) correspondeu ao final do período chuvoso, com exceção do modelo Linacre (1993); este mês se caracterizava por baixas precipitação, temperatura e insolação e alta umidade relativa e velocidade de vento correspondente à média anual. A maior proximidade na estimativa da evaporação entre os modelos Kohler et al. (1955) e CRLE pode ser explicada por: maior sensibilidade dos modelos Kohler et al. (1955) e CRLE a temperatura, tendo-se identificado, no mês, baixa temperatura, e ocorrência de velocidade de vento, ainda não expressiva na região. O aumento das diferenças entre os modelos Kohler et al. (1955) e CRLE em relação ao Linacre (1993) (Figura 2) ocorreu principalmente devido às baixas precipitação e insolação.

A alta precipitação evidenciada em março (157 mm), correspondendo a cerca de 30% do total anual precipitado e a baixa velocidade do vento (1,1 m s-1) fizeram com que o modelo Linacre (1993) apresentasse a menor estimativa da evaporação no mês; outro fato considerado em março foi a maior estimativa da evaporação obtida pelo modelo CRLE, que estava relacionada com a maior sensibilidade do modelo a temperatura e com a falta de sensibilidade à velocidade do vento.

Observou-se que, de modo geral, o modelo Linacre (1993) tendeu a uma estimativa maior da evaporação em toda a faixa de variação contemplada na análise de sensibilidade; entretanto, quando a precipitação, a temperatura e a insolação aumentavam e a velocidade do vento diminuía, os modelos estudados tendiam a convergir para uma mesma estimativa da evaporação fato evidenciado principalmente nos meses de janeiro e dezembro.

Evaporação líquida no lago de Sobradinho

Apresentam-se, na Tabela 3, a estimativa da evapotranspiração real obtida pelo balanço hídrico climático, segundo o método proposto por Thornthwaite & Mather (1955), a evapotranspiração potencial e a precipitação na região estudada antes da implantação do reservatório de Sobradinho.

Verifica-se, através da análise da Tabela 3, uma evapotranspiração potencial superior à precipitação total anual fazendo com que ocorra déficit hídrico muito acentuado na localidade do reservatório de Sobradinho e que a evapotranspiração real fique limitada ao total precipitado, uma vez que a evapotranspiração real não poderia superar a precipitação evidenciada na região.

Na Figura 3 se apresenta a evaporação líquida no lago de Sobradinho estimada pelos modelos do tanque Classe A, Linacre (1993), Kohler et al. (1955) e CRLE, a qual foi calculada subtraindo-se as evaporações do lago estimadas pelos modelos da evapotranspiração real. Os comportamentos foram semelhantes aos da evaporação do lago; entretanto, a queda nos valores calculados foi mais acentuada em março, em decorrência da alta evapotranspiração real ocasionada pela elevação da precipitação média mensal.


As evaporações líquidas totais anuais estimadas pelos modelos tanque Classe A, Linacre (1993), Kohler et al. (1955) e CRLE, foram de 1.452, 1.575, 1.330 e 1.222 mm, respectivamente.

Com os valores das estimativas das evaporações líquidas e conhecidas as áreas de acumulação do lago de Sobradinho (fornecida, pela CHESF), calcularam-se as vazões decorrentes dessas evaporações, apresentadas na Tabela 4. A comparação entre os quatros modelos utilizados permitiu evidenciar que o modelo CRLE, embora seja o de maior complexidade de utilização, foi o que apresentou o comportamento com maior discrepância em relação aos demais subestimando, inclusive, a evaporação no reservatório, fato que ocorreu, basicamente, em virtude da falta de sensibilidade do modelo à velocidade do vento.

Tendo em vista que o modelo Kohler et al. (1955) apresenta uma base conceitual mais fundamentada na equação original de Penman e se levando em conta, ainda os termos aerodinâmicos e o saldo de radiação, considera-se que os valores estimados pelo modelo Kohler et al. (1955) podem ser utilizados como boa alternativa na determinação da evaporação média anual no lago de Sobradinho. O modelo Linacre (1993), apesar de baseado na equação original de Penman considera, na estimativa do saldo de radiação, os dados de chuva, diferentemente do modelo Kohler et al. (1955), que se baseia apenas na insolação.

Considerando-se que o modelo do tanque Classe A representa bem a variação sazonal da evaporação e que o principal problema desse método reside na determinação do coeficiente do tanque sugere-se, como procedimento alternativo para representação da evaporação do reservatório de Sobradinho, a correção dos valores obtidos pelo método do tanque Classe A a partir do uso de um coeficiente de tanque que represente a relação entre o valor de evaporação obtido pelo modelo de Kohler et al. (1955) e as evaporações medidas no tanque Classe A; esta correção conduz a um valor de 0,57 ao invés de 0,6, inicialmente utilizado como coeficiente de tanque; portanto, levando-se em conta os valores obtidos por este procedimento, a vazão média anual correspondente à evaporação líquida no lago de Sobradinho foi de 132 m3 s-1 sendo, na análise mensal, a vazão líquida evaporada de maior magnitude de 211 m3 s-1, ocorrida em setembro.

Comparando-se o valor obtido pela redução da vazão média anual (163 m3 s-1), devido à construção do reservatório de Sobradinho, associada às demais atividades desenvolvidas na bacia, com a vazão média anual correspondente à evaporação líquida (132 m3 s-1), tem-se, por diferença, o valor da ordem de 31 m3 s-1, sendo este o valor médio associado às demais atividades desenvolvidas no trecho entre Morpará e Juazeiro. De acordo com ONS et al. (2003), em estudos realizados visando à estimativa das vazões para atividade de uso consuntivo da água nas principais bacias do sistema interligado nacional, se obteve, para a bacia do São Francisco, no mesmo trecho, o valor da ordem de 20 m3 s-1, considerando-se o ano de 1996, que compreende o último ano de censo agropecuário durante a realização do trabalho.

CONCLUSÕES

1. A construção do reservatório de Sobradinho, associada às demais atividades desenvolvidas na bacia, causou redução da vazão média, da ordem de 163 m3 s-1.

2. Os valores obtidos pelo modelo de Kohler et al. (1955) podem ser utilizados como base de referência para a estimativa da evaporação média anual do lago de Sobradinho.

3. O coeficiente de tanque Classe A que melhor representou a variação sazonal de evaporação no lago de Sobradinho, foi 0,57.

4. A vazão média anual correspondente à evaporação líquida do reservatório de Sobradinho, foi de 132 m3 s-1.

LITERATURA CITADA

Protocolo 125.06 - 05/10/2006

Aprovado em 25/07/2008

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  • 1
    Parte da tese de doutorado do primeiro autor apresentada à UFV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Recebido
      05 Out 2006
    • Aceito
      25 Jul 2008
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