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Torta de mamona residual e irrigação com efluente sobre crescimento e produção de algodoeiro herbáceo

Residual effect of castor cake on growth and yield of cotton irrigated with wastewater

Resumos

Objetivou-se, neste estudo, avaliar o efeito residual da adubação orgânica com torta de mamona sobre o crescimento, o acúmulo de nitrogênio foliar e a produção de algodoeiro irrigado com efluente de esgoto doméstico tratado. As plantas de algodoeiro foram cultivadas em vasos com material de solo proveniente de plantio anterior com gergelim submetido aos tratamentos que resultaram da combinação fatorial de cinco doses de torta de mamona (0, 2, 3, 4 e 5 t ha-1) e duas qualidades de água de irrigação (água de abastecimento e efluente doméstico tratado), com três repetições. Aos 30, 50, 70, 90 e 110 dias após a emergência determinaram-se a altura das plantas, a área foliar total e o teor de nitrogênio nas folhas com auxílio de um medidor portátil de clorofila. A produção da cultura foi avaliada com base no número de capulhos por planta, massa de um capulho, massa de cem sementes, percentual de fibra e sementes e teor de óleo nas sementes. Observou-se efeito residual da torta de mamona aplicada em primeiro ciclo propiciando maior crescimento do algodoeiro cultivado no sistema de sucessão gergelim-algodão. A irrigação com efluente promoveu maior crescimento de plantas, elevação nos teores de nitrogênio foliar e aumento na produção do algodoeiro.

adubação orgânica; Gossypium hirsutum L.; reúso de água; nitrogênio


This study aimed to evaluate the residual effects of organic fertilization with castor cake on growth, leaf nitrogen accumulation and yield of cotton plants irrigated with treated wastewater. Cotton plants were grown in pots with soil from a previous experiment with sesame plants submitted to the treatments which resulted from the factorial combination between five levels of castor cake (0, 2, 3, 4 and 5 t ha-1) and two types of irrigation water (potable water and treated wastewater) with three replications. At 30, 50, 70, 90 and 110 days after plant emergence, plant height, total leaf area and the nitrogen leaf content using a portable chlorophyll meter were determined. Crop yield was evaluated based on number of bolls per plant, mean weight of bolls, mass of hundred seeds, percentage of fiber and seeds, and oil content in seeds. A residual effect of castor cake levels on growth of cotton plant was observed. Irrigation with wastewater resulted in better plant growth and cotton yield; it also increased nitrogen content in leaf.

organic fertilization; Gossypium hirsutum L.; wastewater reuse; nitrogen


MANEJO DE SOLO, ÁGUA E PLANTA

Torta de mamona residual e irrigação com efluente sobre crescimento e produção de algodoeiro herbáceo

Residual effect of castor cake on growth and yield of cotton irrigated with wastewater

Leda V. B. D. SilvaI; Vera L. A. de LimaI; Vivianny N. B. SilvaII; Valdinei SofiattiIII; Tamyris L. P. PereiraI

IUAEA/UFCG, Av. Aprígio Veloso, 882, Bodocongó, CEP 58429-140, Campina Grande, PB. Fone: (83) 2101-1055. E-mail: ledavdantas@yahoo.com.br; antunes@deag.ufcg.edu.br; tamypedroza@gmail.com

IIUFLA, Campus Universitário, C.P. 3037, CEP 37200-000, Lavras, MG. Fone: (31) 9476-9770. E-mail: viviannybiologa@gmail.com

IIIEmbrapa Algodão, R. Osvaldo Cruz, 1143, Centenário, CEP 58428-095, Campina Grande, PB. Fone: (83) 3182-4300. E-mail: valdinei.sofiatti@embrapa.br

RESUMO

Objetivou-se, neste estudo, avaliar o efeito residual da adubação orgânica com torta de mamona sobre o crescimento, o acúmulo de nitrogênio foliar e a produção de algodoeiro irrigado com efluente de esgoto doméstico tratado. As plantas de algodoeiro foram cultivadas em vasos com material de solo proveniente de plantio anterior com gergelim submetido aos tratamentos que resultaram da combinação fatorial de cinco doses de torta de mamona (0, 2, 3, 4 e 5 t ha-1) e duas qualidades de água de irrigação (água de abastecimento e efluente doméstico tratado), com três repetições. Aos 30, 50, 70, 90 e 110 dias após a emergência determinaram-se a altura das plantas, a área foliar total e o teor de nitrogênio nas folhas com auxílio de um medidor portátil de clorofila. A produção da cultura foi avaliada com base no número de capulhos por planta, massa de um capulho, massa de cem sementes, percentual de fibra e sementes e teor de óleo nas sementes. Observou-se efeito residual da torta de mamona aplicada em primeiro ciclo propiciando maior crescimento do algodoeiro cultivado no sistema de sucessão gergelim-algodão. A irrigação com efluente promoveu maior crescimento de plantas, elevação nos teores de nitrogênio foliar e aumento na produção do algodoeiro.

Palavras-chave: adubação orgânica, Gossypium hirsutum L., reúso de água, nitrogênio

ABSTRACT

This study aimed to evaluate the residual effects of organic fertilization with castor cake on growth, leaf nitrogen accumulation and yield of cotton plants irrigated with treated wastewater. Cotton plants were grown in pots with soil from a previous experiment with sesame plants submitted to the treatments which resulted from the factorial combination between five levels of castor cake (0, 2, 3, 4 and 5 t ha-1) and two types of irrigation water (potable water and treated wastewater) with three replications. At 30, 50, 70, 90 and 110 days after plant emergence, plant height, total leaf area and the nitrogen leaf content using a portable chlorophyll meter were determined. Crop yield was evaluated based on number of bolls per plant, mean weight of bolls, mass of hundred seeds, percentage of fiber and seeds, and oil content in seeds. A residual effect of castor cake levels on growth of cotton plant was observed. Irrigation with wastewater resulted in better plant growth and cotton yield; it also increased nitrogen content in leaf.

Key words: organic fertilization, Gossypium hirsutum L., wastewater reuse, nitrogen

Introdução

A utilização de subprodutos na agricultura tem-se tornado uma alternativa promissora que permite amparar tanto o aspecto ambiental quanto o econômico, uma vez que, além de conceder destinação aos resíduos com alta carga orgânica produzidos nas atividades humanas, também proporciona um elevado aporte de nutrientes às plantas e redução dos custos com fertilização química. O reúso de efluentes de esgotos e a adubação orgânica são práticas que atendem a esses princípios conservacionistas e sua aplicação permite que se obtenha uma série de benefícios combinados.

Estudos envolvendo a utilização de águas residuárias e compostos orgânicos em atividades agrícolas frequentemente têm relatado melhorias no estado nutricional de plantas cultivadas, com significativo incremento no crescimento e na produção atingindo resultados semelhantes aos obtidos mediante adubação com fertilizantes minerais na dose recomendada para as culturas.

Nobre et al. (2010) avaliaram o efeito da adubação com esterco bovino sobre o crescimento e a produção de girassol irrigado com águas residuárias e constataram que plantas adubadas com o fertilizante orgânico foram mais precoces e apresentaram maior altura de haste e a irrigação com efluente de esgoto conferiu maior crescimento e elevou a produção da cultura. Para a cana-de-açúcar irrigada com águas residuárias, Nobile et al. (2012) verificaram que a adubação com composto de lixo e dejeto de suínos contribuiu para a melhoria do aspecto nutricional da planta elevando os teores foliares de nitrogênio, potássio e cálcio.

Em decorrência do avanço das pesquisas em biocombustíveis, um resíduo que se tem destacado como adubo orgânico para a agricultura, é a torta de mamona; trata-se de um composto resultante do processo de extração de óleo das sementes de mamoneira (Ricinus communis L.), produzido na proporção de 530 kg de torta para cada tonelada de sementes prensadas. Este resíduo tem sido utilizado como adubo desde meados do século passado em diversos países devido, provavelmente, ao seu elevado teor de N, que é da proporção de 75,4 g kg-1, enquanto outros subprodutos tradicionalmente utilizados para adubação orgânica, como bagaço de cana, cinza de árvore e esterco bovino apresentam, respectivamente, 2,4; 5,1 e 7,7 g kg-1 de N em sua composição (Lima et al., 2011).

Investigações experimentais conduzidas na Índia por Yadav et al. (2007), e Bodake & Rana (2009) tiveram por objetivo atestar os efeitos fertilizantes da torta de mamona em cultivos de sorgo forrageiro e na sucessão girassol-milho, respectivamente; no entanto, existe pouca informação científica sobre os efeitos deste biofertilizante no solo e em culturas em ciclos sucessivos.

Diante deste contexto o objetivo do estudo foi avaliar o efeito residual da adubação orgânica com torta de mamona sobre o crescimento, acúmulo de nitrogênio foliar e a produção de plantas de algodoeiro irrigadas com efluente de esgoto doméstico tratado.

Material e Métodos

O estudo foi conduzido em área pertencente à Companhia de Águas e Esgotos do Estado da Paraíba (CAGEPA), localizada no município de Campina Grande, PB. Cultivaram-se plantas de algodoeiro herbáceo cultivar BRS Camaçari em vasos de 20 L preenchidos com solo Neossolo Regolítico psamítico solódico (EMBRAPA, 1999) após cultivo de gergelim adubado com cinco doses de torta de mamona no substrato (0, 2, 3, 4 e 5 t ha-1) e irrigado com duas qualidades de água de irrigação (água de abastecimento e água residuária) em delineamento experimental inteiramente casualizado, com três repetições.

A análise do material de solo utilizado nos vasos indicou a seguinte composição: pH em água de 6,03; 8,8 mg dm-3 de P assimilável; 3,0 cmolc dm-3 de K; 1,90 cmolc dm-3 de Ca; 6,4 mg dm-3 de Mg; 0,70 mg dm-3 de Na e 7,3 g kg-1 de MO.

Determinaram-se, na torta de mamona utilizada para adubação orgânica, os teores de óleo, proteína bruta, cinzas e nutrientes (Tabela 1).

A água residuária doméstica aplicada na irrigação se tratava de efluente decantado de um reator anaeróbio de fluxo ascendente (UASB) instalado nas dependências da CAGEPA, que trata o esgoto bruto doméstico proveniente de bairros circunvizinhos ao local. A água de abastecimento, por sua vez, foi proveniente do sistema de abastecimento público municipal; a caracterização química das fontes de água utilizadas para irrigação pode ser observada nas Tabelas 2 e 3.

Para o plantio em sucessão com algodoeiro herbáceo não foi realizada suplementação da adubação mantendo-se apenas o esquema de irrigação do ciclo anterior de maneira a atender à demanda hídrica da cultura, calculada em função do coeficiente de cultivo (kc) determinado por Azevedo et al. (1993).

Aos 30, 50, 70, 90 e 110 dias após a emergência das plantas (DAE), determinaram-se a altura e a área foliar total em cada planta. A área foliar individual foi estimada por meio de medidas lineares, conforme a equação proposta Grimes & Carter (1969): y = 0,4322 X2,3002; em que X é o comprimento da nervura principal da folha do algodoeiro, em cm, e y é a área foliar por folha, expressa em cm2.

O estado nutricional das plantas foi avaliado por meio da determinação do teor de nitrogênio na quinta folha totalmente expandida do algodoeiro com auxílio de um medidor portátil de clorofila – Minolta SPAD-502 (Soil Plant Analysis Development). Para transformação das leituras SPAD em teores de nitrogênio no tecido foliar das plantas de algodoeiro foi utilizada a equação: y = 9,46 - 0,04X + 0,008X2; em que X é a leitura obtida pelo medidor portátil de clorofila e y é o teor de nitrogênio foliar em g kg-1 (Brito et al., 2009).

Por ocasião da etapa de colheita do experimento a produção do algodoeiro foi avaliada com base nas seguintes variáveis: número de capulhos por planta; massa de um capulho; massa de cem sementes; percentual de fibra e sementes e teor de óleo nas sementes, determinado por meio de Ressonância Magnética Nuclear (RMN).

Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância seguida de análise de regressão polinomial.

Resultados e Discussão

O efeito residual das doses de torta de mamona aplicadas como adubo orgânico no primeiro ciclo de cultivo influenciou o crescimento do algodoeiro cultivado em sucessão; até os 30 DAE, a altura da planta apresentou comportamento quadrático e, a partir dos 50 DAE até o final do ciclo, aumentou linearmente em função do incremento das doses de torta de mamona aplicadas. Durante o período de avaliação a área foliar das plantas de algodoeiro apresentou comportamento quadrático em relação às doses de torta de mamona aplicadas inicialmente (Figura 1A e B).


Ao final do ciclo observou-se que cada incremento de uma tonelada por hectare na dose de torta de mamona aplicada em primeiro ciclo, resultou em aumento de 1,37 cm na altura final das plantas de algodão mensurada aos 110 DAE.

Na cultura do algodoeiro a máxima interseção de luz, ou fechamento da copa, ocorre na fase de florescimento da planta (Rosolem, 2011) que, no presente experimento, teve início por volta dos 50 dias após a emergência. Nesta etapa a área foliar máxima estimada foi de 1345,6 cm2 planta-1 e seria alcançada quando a dose de torta de mamona aplicada no primeiro ciclo de cultivo fosse igual a 3,5 t ha-1. De acordo com Oosterhuis (1999), durante esta fase é imperativo que a formação de área foliar não seja atrasada a fim de produzir a quantidade necessária de fotoassimilados à formação de gemas e desenvolvimento das flores.

Informações científicas acerca do efeito residual da adubação com torta de mamona em cultivos agrícolas ainda são escassas; no entanto, estudos contemplando outros adubos orgânicos têm constatado seu efeito fertilizante ao longo de diversos cultivos. Benefícios ao crescimento e produção de plantas de algodoeiro herbáceo foram atribuídos por Garrido et al. (2009) e Mitchell & Tu (2005), respectivamente, ao efeito residual de gliricídia + esterco bovino e cama de frango utilizados como adubos orgânicos. Quando em comparação com fertilizantes minerais, os biocompostos apresentam efeito mais prolongado no solo devido à sua taxa mais lenta de mineralização, o que garante às culturas disponibilização mais constante de nutrientes ao longo do ciclo e entre diversos ciclos.

No que diz respeito às diferentes fontes de água aplicadas para irrigação, observou-se que estas ocasionaram diferenças significativas no crescimento das plantas. Quando em comparação com aquelas irrigadas com água de abastecimento, as plantas cultivadas sob irrigação com água residuária doméstica apresentaram maior altura e maior área foliar a partir dos 50 DAE até o final do ciclo do algodoeiro, confirmando o efeito fertilizante dos efluentes de esgoto (Figura 2); aos 110 DAE as plantas que receberam efluente doméstico apresentaram estatura e área foliar, respectivamente, 30,6 e 145% maior do que aquelas irrigadas com água de abastecimento público.



Estudos sobre os efeitos da aplicação de efluentes de esgoto no crescimento de culturas agrícolas geralmente têm encontrado resultados semelhantes aos do presente experimento. Khan et al. (2009) observaram que plantas de girassol irrigadas com efluente de esgoto tratado em lagoas de estabilização apresentaram altura e área foliar semelhante à obtida sob cultivo convencional com adubação mineral de base e irrigação com água potável.

Para o algodão branco, cultivar CNPA 8H, Bezerra & Fideles Filho (2009) constataram que a irrigação com efluente de esgoto tratado em lagoa de maturação resultou em plantas com maior atividade fotossintética, índice de vegetação e fitomassa do que o observado em plantas irrigadas com água de abastecimento público. Fideles Filho et al. (2005) estudaram o efeito da aplicação de efluentes domésticos no crescimento e na produção de algodão colorido e constataram que plantas fertirrigadas com esgoto decantado e efluente tratado em lagoa de polimento, apresentaram crescimento similar àquelas adubadas com 20 L m-2 de húmus. De acordo com Ferreira et al. (2005) a irrigação com efluente de esgoto tratado pode substituir a adubação mineral em algodoeiro, até a dose de 120 kg ha-1 de N.

Na Figura 2 é possível observar que nos tratamentos irrigados com água potável a fase de crescimento vegetativo mais acentuado se concentrou nos 50 primeiros dias após a emergência das plantas enquanto que, quando a irrigação se deu mediante a aplicação do efluente doméstico, esta fase se estendeu até os 70 DAE, quando as plantas atingiram sua altura máxima. Este alongamento da fase de intenso crescimento vegetativo é devido, provavelmente, ao aporte contínuo de nutrientes proporcionado pela irrigação diária com o efluente tratado. Em geral, as águas residuárias possuem maiores teores de nutrientes com destaque para o nitrogênio que, de acordo com Carvalho et al. (2011), estimula o crescimento, o florescimento e regulariza o ciclo da planta.

A partir dos 70 DAE observou-se redução gradativa na área foliar das plantas, que se estendeu até o final do experimento (110 DAE). Isto ocorreu devido à abcisão foliar, evento comum em algodoeiro herbáceo na fase que começa com o aparecimento do primeiro capulho e se estende até a colheita. Este fato ocorre porque o grande número de maçãs em desenvolvimento nesta etapa impõe intensa competição ao crescimento vegetativo, reduzindo-o. Somado a isto, tem-se a redução da atividade do sistema radicular e o declínio da fotossíntese devido à senescência das folhas de algodoeiro que, em geral, duram cerca de 65 dias (Rosolem, 2011).

De acordo com Oosterhuis (1999) a área foliar do algodoeiro atinge seu ponto máximo antes da abertura da primeira flor e permanece relativamente constante depois disto. Este comportamente foi observado nos tratamentos que receberam efluente doméstico tratado; no entanto se verificou, ao final do experimento, que as plantas irrigadas com água potável sofreram redução de cerca de 50% em sua área foliar (Figura 2B) em virtude, provavelmente, da alta taxa de abscisão foliar ocasionada por carência em nutrientes.

Acúmulo de N foliar

Não houve efeito residual das doses de torta de mamona aplicadas sobre os níveis de nitrogênio foliar do algodoeiro cultivado em sucessão possivelmente em decorrência da elevada velocidade de mineralização da matéria orgânica do biocomposto, que pode ter ocasionado a disponibilização de grande parte do nitrogênio ainda no primeiro cultivo. De fato, Severino et al. (2004) afirmam que, quando comparada a outros compostos orgânicos, a torta de mamona apresenta maior velocidade de mineralização sendo esta sete e quinze vezes mais rápida do que a verificada para o esterco bovino e o bagaço de cana, respectivamente.

No que diz respeito à água de irrigação, observou-se que a utilização de água residuária ocasionou elevação significativa dos teores de N a partir dos 50 dias após a emergência das plantas. Quando comparadas às irrigadas com água potável, as plantas que receberam efluente de esgoto tratado apresentaram teores de N foliar aproximadamente 15, 50, 110 e 120% maiores nas avaliações realizadas aos 50, 70, 90 e 110 DAE, respectivamente (Figura 3), o que se deve, provavelmente, ao aporte contínuo de N proporcionado ao solo por meio da aplicação diária de efluente doméstico, que possibilitou que as plantas acumulassem o nutriente em seus tecidos de forma progressiva.


Ademais, deve-se considerar que durante a fase de enchimento dos capulhos as plantas de algodoeiro remobilizam boa parte de seus nutrientes do tecido vegetativo para as partes produtivas da planta, o que torna necessária a reposição por meio da absorção radicular. Uma vez que a água potável não garantia ao solo concentrações elevadas de nutrientes, esta pode ter sido a causa do decréscimo gradual nos teores foliares de N verificado entre as plantas irrigadas com água de abastecimento público.

O fornecimento de teores de nitrogênio apropriados ao pleno desenvolvimento de várias culturas por meio da aplicação de efluentes de esgoto tratados, tem sido relatado por diversos autores (Tsadilas & Vakalis, 2003; Mohammad & Ayadi, 2004; Leal et al., 2009). Isto ilustra o elevado potencial das águas residuárias de origem doméstica de adicionar ao solo, via irrigação, quantidades de N similares ou até mesmo superiores àquelas obtidas pela dose recomendada de adubo mineral contribuindo, de forma significativa, para a nutrição das culturas.

Medeiros et al. (2008) avaliaram, em plantas de cafeeiro com três anos de idade, o efeito nutricional proporcionado por dois diferentes manejos: manejo convencional, com aplicação de fertilizante mineral e irrigação com água de represa; e aplicação de água residuária doméstica filtrada. Os autores realizaram amostragens foliares aos 90, 180 e 270 dias após o início da aplicação dos manejos e verificaram que o manejo convencional superou a aplicação do efluente tratado em relação ao teor médio de N nas folhas, durante as duas primeiras avaliações realizadas, porém aos 270 dias o teor deste nutriente foi 13,6% maior nas plantas irrigadas com efluente de esgoto.

Malavolta (1997) afirma que o teor adequado de nitrogênio foliar durante a fase inicial de florescimento do algodoeiro herbáceo se situa entre 35 e 40 mg kg-1. Constatou-se, entretanto, no presente experimento, que aos 50 DAE (início da fase reprodutiva do algodoeiro) os teores médios de N foliar se encontravam aquém no nível apropriado mesmo entre os tratamentos irrigados com efluente doméstico tratado. Como alternativas no sentido de elevar os teores foliares de nitrogênio aos níveis adequados poder-se-ia aplicar maiores lâminas de água residuária ou realizar suplementação com fertilizante mineral nitrogenado no início da fase de maior demanda da planta.

Produção do algodoeiro

As plantas de algodoeiro irrigadas com água residuária tratada apresentaram número de capulhos, peso médio de capulhos, peso de 100 sementes e peso de algodão em caroço, respectivamente, 250, 16, 28 e 270% mais elevados em comparação àquelas irrigadas com água potável (Tabela 4).

Resultados semelhantes aos do presente estudo foram encontrados por Alikasi et al. (2012) que avaliaram os efeitos da irrigação com diferentes níveis de mistura entre água residuária e água potável em algodoeiro e constataram que a irrigação com 100% de efluente de esgoto tratado resultou em maior número de capulhos por m2, peso de capulhos e produção de algodão em fibra e em caroço.

Ao estudar a influência de quatro lâminas de água residuária sobre as componentes de produção do algodoeiro de fibra marrom, Alves et al. (2005) verificaram, em comparação com a irrigação com água potável, que a aplicação do efluente de esgoto resultou em maior número de botões florais e, consequentemente, de capulhos por planta, tendo sido o maior número de frutos observado quando se aplicou a maior lâmina de água residuária testada. De acordo com os autores, a irrigação com efluente foi capaz de substituir a adubação mineral para a cultura com 90 kg ha-1 de nitrogênio e 60 kg ha-1 de potássio.

O maior rendimento das plantas de algodoeiro irrigadas com efluentes de esgotos tem sido geralmente atribuído ao elevado aporte de nutrientes, em especial fósforo e nitrogênio, providos por esta fonte de água. O fósforo favorece a maturação dos capulhos acelerando sua abertura e, juntamente com o potássio, beneficia a fotossíntese, o acúmulo e a translocação de carboidratos para os frutos (Carvalho et al., 2011). A deficiência desses nutrientes pode reduzir o tamanho das maçãs e acarretar em baixa retenção das mesmas.

Em estudo no qual foram avaliados a influência da irrigação com água residuária e diferentes níveis de adubação nitrogenada sobre o crescimento e produção do algodoeiro herbáceo, Ferreira et al. (2005) observaram que a irrigação com esgoto doméstico proporcionou um incremento de 73% na produtividade do algodão quando em comparação com o tratamento-testemunha irrigado com água de abastecimento. Os autores constataram, também, que a água residuária foi capaz de substituir a adubação nitrogenada mineral em aproximadamente 90 kg ha-1 de N.

Tsadilas & Vakalis (2003) testaram o efeito da aplicação de diferentes níveis de fertilizantes nitrogenados e efluentes de esgoto sobre a produção de algodão e verificaram que a irrigação com água residuária doméstica tratada pode proporcionar, à cultura, a mesma produtividade obtida pela adubação mineral com 180 kg ha-1 N, 80 kg ha-1 P2O5 e 80 kg ha-1 K2O.

A produção de algodão em caroço foi beneficiada pelas doses residuais de torta de mamona verificando-se incremento de 1,032 g a cada aumento de uma tonelada por hectare do adubo orgânico aplicado na cultura anterior (Figura 4). Esses resultados concordam com Medeiros & Pereira (2000) que notaram a ocorrência de efeito residual da adubação orgânica com 4 t ha-1 de esterco bovino na produtividade do algodoeiro arbóreo, até o quarto ano de cultivo.


Apesar de promover maior produtividade, a irrigação com efluente de esgoto resultou em menor percentual de fibra e de óleo nas sementes (Tabela 4). Esses resultados corroboram com as observações de Alves (2006) que verificou que o rendimento de fibra diminui com o aumento da lâmina de água residuária aplicada à cultura e de Medeiros et al. (2008) que, em estudo preliminar visando classificar sementes de mamona provenientes de plantas irrigadas com diferentes níveis de águas residuárias de acordo com o teor de óleo determinado por RMN, observaram que as sementes das plantas irrigadas com 100% de efluente doméstico apresentaram rendimento de óleo mais baixo do que daquelas irrigadas com 100% de água potável.

Bielorai et al. (1984) cultivaram algodão fertirrigado por gotejamento durante três anos utilizando duas fontes de água e nutrientes: (i) água residuária doméstica e (ii) água potável adicionada de fertilizante nitrogenado. Os autores observaram que o percentual de pluma foi menor nos tratamentos irrigados com água residuária e atribuíram este efeito ao excesso de nitrogênio aplicado via água residuária, que pode ter estendido o período vegetativo acarretando excesso de crescimento das plantas de algodão com consequente redução na produção de fibra. Feigin et al. (1984) afirmam que a irrigação do algodoeiro com efluentes de esgoto pode ser realizada com sucesso desde que se ajuste o período de irrigação, de forma a evitar o crescimento vegetativo excessivo das plantas.

Conclusões

1. A utilização de torta de mamona como adubo orgânico propicia efeito residual sobre o crescimento e a produção de algodoeiro herbáceo cultivado de 7 a 10 meses após a aplicação do composto, mas não afeta o teor de nitrogênio foliar das plantas.

2. Em relação à irrigação com água potável, a aplicação do efluente de esgoto tratado intensifica o crescimento vegetativo e incrementa a produção de plantas de algodoeiro.

3. A aplicação de água residuária aumentou o teor de nitrogênio foliar; no entanto, este acréscimo não foi o suficiente para suprir as necessidades da cultura.

Literatura Citada

Protocolo 279.12 – 22/11/2012

Aprovado em 23/08/2013

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2012
  • Aceito
    23 Ago 2013
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