Acessibilidade / Reportar erro

Índices de sazonalidade para regionalização hidrológica de vazões de estiagem no Rio Grande do Sul

Seasonality indices for hydrological regionalization of low stream flows in Rio Grande do Sul State

Resumos

Informações sobre vazões de estiagem são cruciais no contexto da gestão de recursos hídricos; todavia, a rede de monitoramento fluviométrico atualmente existente no Brasil não supre as necessidades dos técnicos, caso em que a análise regional pode ser empregada para estimar vazões de estiagem em locais sem monitoramento ou com um curto período de monitoramento. O objetivo deste trabalho foi verificar o potencial de três métodos de sazonalidade aplicados à avaliação do regime temporal e espacial de vazões de estiagem no Rio Grande do Sul, de modo que possam ser usados como subsídio técnico para a regionalização em regiões hidrologicamente homogêneas. Aplicando os métodos Seasonality Ratio (SR), Seasonality Index (SI) e Seasonality Histogram (SH) com base nas séries históricas de 108 estações fluviométricas, foi possível constatar que existe uma forte sazonalidade de vazões de estiagem no estado. Entre as três medidas de sazonalidade, SI e SH foram mais apropriadas em função das características hidrológicas específicas do estado; portanto, elas podem ser consideradas metodologias relevantes para delinear regiões hidrologicamente homogêneas para a regionalização hidrológica de vazões de estiagem.

gestão de recursos hídricos; bacias hidrográficas; simulação hidrológica


Information on stream flows in dry season is crucial in the context of water resources management, however, the existing stream flows gauging network in Brazil does not satisfy the demand of practitioners. Under these circumstances, regional analysis might be applied to estimate low stream flows at sites with no gauging or sites with little stream flow records. The objective of this study was to verify the potential of three seasonality measures applied to the evaluation of the temporal and spatial regime of low stream flows in Rio Grande do Sul, in such a way that they can be used as technical support for regionalization in hydrologically homogeneous regions. In applying the methods, Seasonality Ratio (SR), Seasonality Index (SI) and Seasonality Histogram (SH), based on historical series of 108 stream flow gauging stations, it was found that there is a pronounced seasonality of low flows in this State. Among the three seasonality measures, SI and SH were more appropriate due to specific hydrological characteristics in the state, therefore, they can be considered as relevant methodologies to delineate hydrologically homogeneous regions for the regionalization of low stream flows.

water resources management; watersheds; hydrological simulation


METEOROLOGIA E CLIMATOLOGIA AGRÍCOLA

Índices de sazonalidade para regionalização hidrológica de vazões de estiagem no Rio Grande do Sul

Seasonality indices for hydrological regionalization of low stream flows in Rio Grande do Sul State

Samuel BeskowI,* * (Autor correspondente) ; Carlos R. de MelloII; Lessandro C. FariaIII; Matheus C. SimõesIV; Tamara L. CaldeiraV; Gabriela S. NunesVI

ICDTec/Eng. Hídrica/UFPel. Pelotas, RS. E-mail: samuel.beskow@ufpel.edu.br

IIDEG/UFLA. Lavras, MG. E-mail: crmello@deg.ufla.br

IIICDTec/Eng. Hídrica/UFPel. Pelotas, RS. E-mail: lessandro.faria@ufpel.edu.br

IVGraduando, Engenharia Hídrica/UFPel. Pelotas, RS. E-mail: matheus.simoes.hidrica@gmail.com

VMestranda, PPG Recursos Hídricos/UFPel. Pelotas, RS. E-mail: tamaracaldeira.eh@gmail.com

VIMestranda, PPG Recursos Hídricos/UFPel. Pelotas, RS. E-mail: gabriela-schiavon@hotmail.com

RESUMO

Informações sobre vazões de estiagem são cruciais no contexto da gestão de recursos hídricos; todavia, a rede de monitoramento fluviométrico atualmente existente no Brasil não supre as necessidades dos técnicos, caso em que a análise regional pode ser empregada para estimar vazões de estiagem em locais sem monitoramento ou com um curto período de monitoramento. O objetivo deste trabalho foi verificar o potencial de três métodos de sazonalidade aplicados à avaliação do regime temporal e espacial de vazões de estiagem no Rio Grande do Sul, de modo que possam ser usados como subsídio técnico para a regionalização em regiões hidrologicamente homogêneas. Aplicando os métodos Seasonality Ratio (SR), Seasonality Index (SI) e Seasonality Histogram (SH) com base nas séries históricas de 108 estações fluviométricas, foi possível constatar que existe uma forte sazonalidade de vazões de estiagem no estado. Entre as três medidas de sazonalidade, SI e SH foram mais apropriadas em função das características hidrológicas específicas do estado; portanto, elas podem ser consideradas metodologias relevantes para delinear regiões hidrologicamente homogêneas para a regionalização hidrológica de vazões de estiagem.

Palavras-chave: gestão de recursos hídricos, bacias hidrográficas, simulação hidrológica

ABSTRACT

Information on stream flows in dry season is crucial in the context of water resources management, however, the existing stream flows gauging network in Brazil does not satisfy the demand of practitioners. Under these circumstances, regional analysis might be applied to estimate low stream flows at sites with no gauging or sites with little stream flow records. The objective of this study was to verify the potential of three seasonality measures applied to the evaluation of the temporal and spatial regime of low stream flows in Rio Grande do Sul, in such a way that they can be used as technical support for regionalization in hydrologically homogeneous regions. In applying the methods, Seasonality Ratio (SR), Seasonality Index (SI) and Seasonality Histogram (SH), based on historical series of 108 stream flow gauging stations, it was found that there is a pronounced seasonality of low flows in this State. Among the three seasonality measures, SI and SH were more appropriate due to specific hydrological characteristics in the state, therefore, they can be considered as relevant methodologies to delineate hydrologically homogeneous regions for the regionalization of low stream flows.

Key word: water resources management, watersheds, hydrological simulation

Introdução

A determinação de vazões de estiagem em rios e as frequências que lhes são associadas, apresentam inúmeras aplicações na área de recursos hídricos, tais como: planejamento para abastecimento de água, projeto de reservatórios, manutenção de quantidade e qualidade de água para irrigação, recreação e vazão ecológica para conservação de espécies animais (Vezza et al., 2010).

A existência de monitoramento hidrológico consistente é a situação ideal para fins de determinação de vazões em épocas de estiagem em um curso d'água de interesse, visto que nenhuma tecnologia, por mais moderna que seja, substitui os dados provenientes de monitoramento; entretanto, a realidade brasileira é preocupante no tocante à quantidade insuficiente de estações fluviométricas as quais frequentemente apresentam séries com curta extensão. Neste sentido, o que mais chama a atenção é a carência de dados especialmente em pequenas bacias hidrográficas (Beskow et al., 2013).

Visando minimizar o problema da carência de monitoramento fluviométrico no Brasil e em vários outros países, algumas metodologias têm sido desenvolvidas no intuito de oportunizar a estimativa de variáveis hidrológicas, como a vazão de estiagem associada a dada permanência, em especial em bacias hidrográficas não monitoradas. Já é comum, no Brasil, o emprego de modelos hidrológicos conceituais para esta finalidade (Viola et al., 2009; Beskow et al., 2011; Viola et al., 2012; Andrade et al., 2013; Beskow et al., 2013) e também da técnica de regionalização hidrológica.

A técnica de regionalização hidrológica vem sendo muito utilizada no País com o objetivo de transpor informações de locais com a existência de registros provenientes de monitoramento sobremaneira de vazões para outros locais cujo monitoramento é inexistente ou apresenta um curto período com dados (Silva et al., 2006; Novaes et al., 2007).

Quando o interesse é realizar análises em escala regional heterogênea no que diz respeito aos processos hidrológicos, é plausível dividir a região de interesse em sub- regiões a fim de agrupar as bacias que apresentam comportamento hidrológico homogêneo, como tem sido apontado por diversos estudiosos (Mamun et al., 2010; Booker & Snelder, 2012; Tongal et al., 2013).

Após o agrupamento das bacias em regiões homogêneas o estudo de regionalização tem potencial de ser mais bem-sucedido visto que as análises de regressão regional, por exemplo, podem ser conduzidas por sub-região. Vários pesquisadores têm proposto metodologias para identificar regiões homogêneas no contexto de regionalização de vazões de estiagem e, dentre essas metodologias, Laaha & Blöschl (2006) destacam as medidas de sazonalidade, as quais têm sido aplicadas com sucesso em diversos estudos (Burn et al., 1997; Young et al., 2000; Laaha, 2002; Laaha & Blöschl, 2006; Vezza et al., 2010).

Objetivou-se, com este trabalho, avaliar a aplicabilidade e o potencial de diferentes índices de sazonalidade para a divisão do estado do Rio Grande do Sul em regiões hidrologicamente homogêneas com relação às vazões de estiagem esperando-se, assim, contribuir cientificamente com o processo de gestão dos recursos hídricos no estado.

Material e Métodos

Este estudo foi conduzido em bacias hidrográficas de diferentes tamanhos localizadas inteiramente no estado do Rio Grande do Sul. Informações extraídas de Hasenack & Weber (2010) disponibilizadas no formato de Sistemas de Informações Geográficas (SIG), foram utilizadas para o estudo do relevo, consistindo de dados altimétricos e hidrografia. O SIG ArcGIS foi empregado neste estudo juntamente com a ferramenta ArcHydro, para gerar o modelo digital de elevação hidrologicamente consistente e para delimitar as bacias hidrográficas.

Neste trabalho foi utilizado o banco de dados do portal Hidroweb/ANA (hidroweb.ana.gov.br) o qual continha, no momento da consulta, 801 estações fluviométricas cadastradas para o estado do Rio Grande do Sul. Porém muitas dessas estão desativadas e/ou apresentam séries de dados com muitas falhas ou, ainda, com pouco tempo de monitoramento resultando em fatores limitantes para a modelagem hidrológica. Deste montante de estações foram utilizadas 108 cuja base de dados é compatível considerando-se a extensão e a quantidade de falhas das séries com as necessidades do objeto deste estudo.

A escolha das estações fluviométricas foi baseada na extensão das séries históricas sendo adotado o critério destacado por Vezza et al. (2010) os quais ressaltam a necessidade da existência de um período mínimo de 10 anos de dados observados de vazões diárias; desta forma, as séries históricas selecionadas apresentaram pelo menos 10 anos de extensão e tiveram períodos diferenciados. A distribuição espacial das bacias hidrográficas, do relevo das mesmas e das estações fluviométricas, está ilustrada na Figura 1.


As vazões de estiagem foram calculadas a partir de séries de vazões médias diárias, usando-se o quantil de vazão Q90 que corresponde à vazão que é igualada ou excedida em 90% do tempo de monitoramento. Esta vazão de referência é amplamente utilizada no Brasil, inclusive no estado do Rio Grande do Sul, como instrumento destinado à avaliação de processos de outorgas e gestão dos recursos hídricos.

Buscando avaliar índices de sazonalidade para identificação de regiões hidrologicamente homogêneas no estado foram aplicados, do ponto de vista de vazões de estiagem, três métodos de análise de sazonalidade: Seasonality Ratio (SR), Seasonality Index (SI) e Seasonality Histogram (SH).

O método Seasonality Ratio (SR) foi proposto por Laaha & Blöschl (2006) e permite analisar as vazões de estiagem em diferentes estações do ano utilizando-se, como referência, a Q95%. Para calcular SR utiliza-se a Eq. (1):

em que:

Q95s - vazão igualada ou excedida em 95% do tempo, obtida a partir da série parcial do período de verão

Q95w - vazão igualada ou excedida em 95% do tempo, obtida a partir da série parcial do período de inverno

Os valores de SR > 1 indicam a presença de um regime de vazões de estiagem de inverno enquanto valores de SR < 1 indicam a presença de um regime de verão. Para o presente trabalho os dados de vazão foram separados em duas séries, uma abrangendo o período de inverno (1 de abril a 31 de setembro) e outra o período de verão (1 de outubro a 31 de março). Apesar dos períodos de inverno e verão serem bem definidos no Rio Grande do Sul, neste estudo foi utilizado o critério indicado na metodologia proposta por Laaha & Blöschl (2006) em razão da necessidade de dividir a série em dois períodos. Os dois períodos tiveram a mesma duração contemplando meses além daqueles definidos como de inverno e verão e levando em consideração o início e o final do ano hidrológico comumente considerado no estado. Além disso, por ser amplamente utilizada no estado, optou-se pela Q90, ao invés da Q95%.

O método Seasonality Index (SI) foi proposto por Burn et al. (1997) e também foi apresentado nos trabalhos de Young et al. (2000) e Laaha & Blöschl (2006). Foi desenvolvido para representar a distribuição sazonal da ocorrência de vazões de estiagem, conforme a sequência de Eqs. de 2 a 6. O SI é obtido por meio de dois parâmetros: ângulo direcional e comprimento médio do vetor, simbolizados por θ e r, respectivamente. Esses parâmetros são calculados a partir das datas do calendário Juliano considerando-se todos os dias do período de observação em que as vazões foram iguais ou inferiores à vazão de referência e usando uma estatística circular. O parâmetro θ está relacionado ao dia médio de ocorrência, em radianos, e é uma medida de sazonalidade média das vazões de estiagem. O parâmetro r é o resultado médio dos dias de ocorrência sendo também uma medida adimensional da variabilidade da sazonalidade das vazões de estiagem. Os valores possíveis de r podem variar entre 0 e 1.

Neste trabalho foram obtidos, para cada estação fluviométrica, os dias em que a vazão foi menor ou igual a Q90 e estes foram transformados em datas do calendário Juliano (Dj). Posteriormente, a obtenção do ângulo direcional (θj) em radianos, relacionado à Dj, foi obtida por:

A média aritmética das coordenadas cartesianas xθ e yθ de um total de n dias j foi obtida por:

O ângulo direcional do vetor médio é computado como:

A Eq. 5 é empregada através de transformação do ângulo médio de volta para uma data no calendário Juliano, para originar o dia médio de ocorrência (D).

O comprimento r do vetor médio indica a variabilidade dos dias de ocorrência das vazões de estiagem.

O método Seasonality Histogram (SH) foi proposto por Laaha (2002) e resulta em um histograma de sazonalidade na escala mensal que tem inúmeras aplicações. Neste trabalho o SH foi aplicado para caracterizar a sazonalidade de vazões de estiagem sendo consideradas vazões inferiores à Q90. Para executar este procedimento foi preciso separar, em cada seção de controle e a partir da série histórica de vazões médias diárias, todos os valores de vazão com suas respectivas datas de ocorrência em que foram observados valores inferiores a Q90. Com base nas datas de ocorrência das vazões de estiagem e nos procedimentos recomendados por Laaha & Blöschl (2006) e Vezza et al. (2010), foi contabilizado o número de dias com vazões de estiagem em cada mês do ano e posteriormente obtida a frequência correspondente originando o histograma de sazonalidade de vazões de estiagem em cada seção de controle.

A importação, o manuseio e a elaboração das séries hidrológicas com as características desejadas, tal como as análises hidrológicas com as medidas de sazonalidade supracitadas, foram conduzidos com o auxílio de um aplicativo computacional chamado "System of Hydrological Data Acquisition and Analysis" (SHYDA). O SHYDA está em fase de desenvolvimento no Laboratório de Simulação Hidrológica e Processamento de Dados, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Resultados e Discussão

Os valores de SR variaram entre 0,05 e 1,21, sendo possível observar a distribuição espacial desses valores na Figura 2. Verifica-se, a partir da Figura 2A, o enquadramento de 6, 19, 49 e 34 bacias hidrográficas nas classes SR < 0,3; 0,3 < SR < 0,6; 0,6 < SR < 0,9 e SR > 0,9, respectivamente. Para melhor entender a predominância de vazões de estiagem outro mapa foi elaborado (Figura 2B) contendo apenas duas classes (SR < 1 e SR > 1) quando então foi possível identificar o regime de vazões de estiagem.


Na Figura 2B fica evidente que ocorre, predominantemente, a presença de regime de vazões de estiagem de verão no Rio Grande do Sul, fato este sustentado pelo grande número de bacias hidrográficas com valor de SR menor que 1 (97) em relação àquelas com SR maior que 1 (11). Mesmo nas 11 bacias hidrográficas que apresentaram SR superior a 1, os valores não destoaram muito deste limiar de modo que a máxima variação foi de 21%, permitindo concluir que, praticamente, não há presença forte de vazões de estiagem de inverno.

O comportamento da sazonalidade das vazões mínimas no Rio Grande do Sul tem relação importante com as características climáticas do estado, nas quais predominam os tipos Cfa e Cfb da classificação climática proposta por Köppen (Sparovek et al., 2007). Isto significa que não há concentração de chuvas em determinada estação do ano (Mello et al., 2013) justificando valores de SR predominantemente menores ou próximos de 1.

Laaha (2002) observou, nas bacias austríacas analisadas, forte relação entre o regime de vazões de estiagem e a altitude, de modo que as bacias hidrográficas com altitude maior que 1.870 m apresentaram regime de inverno enquanto as com altitude menor do que 1.790 m apresentaram regime de verão, o que está associado às condições climáticas e hidrológicas específicas dos Alpes, nas quais os rios são alimentados pelo derretimento de neve na primavera e por chuvas no verão.

A partir do processamento do mapa representando o relevo (Figura 1) foi possível constatar que a altitude média das bacias hidrográficas analisadas neste trabalho varia de 43 a 852 m. Contudo, neste estudo não foi encontrada uma relação definida, como a obtida por Laaha (2002), entre altitude e regime de vazões de estiagem pelo método SR, de maneira que não é possível afirmar que bacias com altitude média maior do que um dado limiar têm regime de inverno. A não ocorrência nas bacias deste trabalho de um forte regime de inverno pode ser atribuída: i) à distribuição de chuvas no Rio Grande do Sul no período considerado neste trabalho como de inverno (abril a setembro) e ii) à insignificância de precipitação na forma de neve quando comparada às regiões estudadas por Laaha (2002), Laaha & Blöschl (2006) e Tongal et al. (2013).

Dentre as três medidas de sazonalidade usadas neste trabalho o SR é o que contém o menor número de parâmetros. De acordo com Laaha & Blöschl (2006) a medida SR é a que fornece menos informações associadas à sazonalidade de vazões de estiagem. Esta característica limita sua utilização pelo menos de forma isolada, para identificar regiões hidrologicamente homogêneas do ponto de vista das vazões de estiagem no Rio Grande do Sul. Este fato ocorreu especialmente porque não houve uma grande amplitude de valores de SR quando comparada com a dos estudos de Laaha & Blöschl (2006) e Tongal et al. (2013) e além disso é evidente a predominância de vazões de estiagem de verão no estado, dada à quantidade de bacias com SR < 1.

Fazendo uma analogia com o método SR conclui-se que o método SI possui dois parâmetros representados, neste trabalho, pelo dia médio (D) de ocorrência das vazões inferiores à Q90 e variabilidade (r) dos dias em que as vazões foram inferiores à Q90. A distribuição espacial dos valores de D e r pode ser analisada nas Figuras 3A e B, respectivamente.


Os valores de D (Figura 3A) variaram entre 4 e 110, havendo o enquadramento de 8, 31, 57 e 12 bacias hidrográficas nas classes D < 30; 30 < D < 60; 60 < D < 90 e 90 < D < 110, respectivamente. Os resultados encontrados para D indicam que o dia médio de ocorrência de vazões de estiagem, consideradas vazões menores que a Q90, nas bacias hidrográficas analisadas no Rio Grande do Sul, está compreendido entre 1 de janeiro e 20 de abril. Contudo, 81% das bacias apresentaram o dia médio D entre 31 de janeiro e 31 de março comprovando haver uma forte sazonalidade de vazões de estiagem no Rio Grande do Sul.

É possível verificar, na Figura 3A, que a ocorrência de D entre 1 de janeiro e 1 de março se dá basicamente do centro do estado em direção à região oeste, valores de D entre 2 de março e 31 de março ocorrem predominantemente no extremo sul e centro do estado em direção à região norte, enquanto a ocorrência de D entre 1 e 20 de abril está concentrada em bacias localizadas na região norte do estado. A explicação para a divisão geográfica do estado com relação às classes de D supracitadas pode ser atribuída, inicialmente, às diferenças no relevo e no regime de chuvas no estado. De acordo com o mapa de isoietas do Rio Grande do Sul apresentado por Grimm (2009) a precipitação total anual média varia de aproximadamente 1.200 a 1.900 mm; entretanto, esta distribuição do total anual é variável dentro do estado. Este pesquisador ressalta que o ciclo anual de precipitação tem regime bimodal e até trimodal em grande parte do Rio Grande do Sul. Grimm (2009) e Grimm et al. (1998) relatam que o trimestre mais chuvoso varia consideravelmente no estado havendo predominância do trimestre agosto-setembro-outubro como o de pico da estação chuvosa porém, outras regiões têm comportamento levemente diferente, tais como: i) sudeste do estado: o pico da estação chuvosa se dá no inverno (trimestre julho-agosto-setembro); ii) sudoeste do estado: estações úmidas ocorrem no outono, especialmente no trimestre março-abril-maio e na primavera, no trimestre setembro-outubro-novembro; iii) nordeste do estado: concentração no inverno, conforme predominância observada no estado, e também no verão (trimestre janeiro-fevereiro-março). Este comportamento demonstra que os resultados encontrados para os valores de D se respaldam em subsídio nas condições climáticas associadas ao regime pluvial do Rio Grande do Sul.

Os valores de r (Figura 3B) variaram entre 0,2 e 0,83 havendo a classificação de 1, 11, 66 e 30 bacias hidrográficas nas categorias r < 0,2; 0,2 < r < 0,4; 0,4 < r < 0,6 e 0,6 < r < 0,83, respectivamente. Um valor de r igual a 1 indica que todas as vazões de estiagem ocorreram no mesmo dia (forte sazonalidade) e, por outro lado, r igual a 0 significa que todas as vazões de estiagem ocorreram em dias alternados (não existência de sazonalidade).

De acordo com Burn et al. (1997) supõe-se que bacias com valores similares de D e r possam também demonstrar similaridade frente a importantes características hidrológicas. A forte sazonalidade encontrada pelos valores de D pode ser reforçada com o uso dos valores e da interpretação de r, visto que neste estudo se constatou que 89% das bacias tiveram valor de r superior a 0,4. Embora não tenha sido encontrada uma classificação precisa dos valores de r em função da intensidade da sazonalidade, os autores pressupõem que valores superiores a 0,4 representam sazonalidade de média a forte visto que r pode variar de 0 a 1. Os resultados de r são condizentes com a sazonalidade da chuva no estado, conforme apontado por Grimm (2009) e Grimm et al. (1998) visto que cada região do estado tem sua distribuição anual de chuva bem definida, sendo este o aspecto mais importante para valores maiores de r que indicam média ou forte sazonalidade de vazões de estiagem.

O estudo hidrológico em questão realizado no estado sugere que a utilização de D associado a r constituindo a medida SI, pode ser uma boa alternativa para delinear regiões hidrologicamente homogêneas no que diz respeito às vazões de estiagem.

É notório que o SI fornece informações mais detalhadas sobre a sazonalidade de vazões de estiagem quando comparado ao SR. Outros pesquisadores têm utilizado o teste SI para estudos hidrológicos visando avaliar a sazonalidade das vazões de estiagem e também das vazões de cheias (Burn et al., 1997; Young et al., 2000; Laaha, 2002; Laaha & Blöschl, 2006) sendo relatado, em todos os estudos, um bom potencial para analisar a sazonalidade e também como suporte para definir regiões hidrologicamente homogêneas.

Uma desvantagem do SI é que, em função de um número maior de parâmetros, a interpretação sintética desta medida de sazonalidade se torna mais difícil a partir de várias bacias hidrográficas inclusive para identificação de padrões no comportamento entre bacias (Laaha & Blöschl, 2006). Um detalhe adicional que deve ser levado em conta ao se utilizar o SI é destacado por Laaha (2002). Este pesquisador relata que, do ponto de vista estatístico, a caracterização da distribuição sazonal usando a média e o desvio padrão requerem que as ocorrências tenham distribuição unimodal das vazões de estiagem; caso contrário, o SI pode resultar em interpretação ambígua ou fisicamente não significativa.

Os resultados referentes ao método SH estão ilustrados na Figura 4, na qual cada mapa contém as frequências de ocorrência de vazões de estiagem em diferentes classes para cada mês do ano. O comportamento dos resultados oriundos do SH corresponde, de forma muito similar, ao obtido pelo SI, através da medida D, quando da análise visual por regiões, o que leva a pressupor que a ocorrência de vazões de estiagem no Rio Grande do Sul segue uma distribuição unimodal. Ao analisar a Figura 4 é possível constatar que a predominância de ocorrência de vazões de estiagem no estado ocorre de dezembro a maio de acordo, portanto, com o comportamento geral do regime de chuvas do estado apontado por Grimm (2009) e Grimm et al. (1998).


Laaha & Blöschl (2006) enfatizam que dentre os três testes de sazonalidade contemplados neste estudo, o SH é o que fornece informações mais detalhadas no que concerne à sazonalidade de vazões de estiagem, uma vez que o SH é composto por 12 parâmetros que quantificam a frequência mensal de ocorrência de vazões menores do que a de referência (Q90 neste estudo). Ao comparar o método SH com o SI, Laaha (2002) destaca que as informações sobre a sazonalidade das vazões de estiagem representadas pela forma do histograma, vão além do uso da média e desvio padrão das datas de ocorrência das vazões de estiagem. Os resultados deste trabalho corroboram com as conclusões relatadas por Laaha & Blöschl (2006) a respeito do SH pois se constatou, neste estudo, que foi possível identificar quais meses são mais afetados pelas vazões de estiagem e como avaliar o formato da distribuição sazonal.

Em função da grande quantidade de informações provenientes do método SH e da difícil interpretação simplificada em uma escala regional ao se comparar a sazonalidade entre várias bacias, Laaha & Blöschl (2006) sugerem a utilização de alguma técnica de classificação para investigar, de maneira mais consistente e aprofundada, as informações derivadas deste método.

Os resultados obtidos neste trabalho apontam para a necessidade de se aprofundar as análises no intuito de verificar a influência do relevo e do regime de chuvas sobre os métodos SR, SI e SH. Com base nos resultados encontrados, os autores julgam que os métodos SI e SH apresentam grande potencial para serem aplicados à análise de sazonalidade de vazões de estiagem no Rio Grande do Sul e sugerem a avaliação de métodos de agrupamento tomando SI e SH como medidas principais de dissimilaridade, além de outras características que possam ter importância (posição geográfica, altitude, etc.), para compor grupos de bacias hidrográficas homogêneas, do ponto de vista de vazões de estiagem, visando à regionalização hidrológica de forma adequada e auxiliando a gestão de recursos hídricos no estado.

Conclusões

1. O Rio Grande do Sul apresenta forte sazonalidade de vazões de estiagem, sendo variável espacialmente no estado;

2. Os três métodos de sazonalidade apresentam potencial para serem utilizados no estado a fim de identificar regiões hidrologicamente homogêneas, no que se refere às vazões de estiagem; entretanto, os métodos SI e SH dão indícios de se enquadrarem melhor diante das características hidrológicas do estado;

Agradecimentos

Os autores agradecem a FAPERGS pela concessão de bolsas de iniciação científica e mestrado, e ao CNPq, pela bolsa de produtividade do segundo autor.

Literatura Citada

Protocolo 213.13 - 06/07/2013

Aprovado em 14/02/2014

  • Andrade, M. A.; Mello, C. R. de; Beskow, S. Simulação hidrológica em uma bacia hidrográfica representativa dos Latossolos na região Alto Rio Grande, MG. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v.17, p.69-76, 2013.
  • Beskow, S.; Mello, C. R. de; Norton, L. D.; Silva, A. M. Performance of a distributed semi-conceptual hydrological model under tropical watershed conditions. Catena, v.86, p.160-171, 2011.
  • Beskow, S.; Norton, L. D.; Mello, C. R. de. Hydrological prediction in a tropical watershed dominated by Oxisols using a distributed hydrological model. Water Resources Management, v.27, p.341-363, 2013.
  • Booker, D. J.; Snelder, T. H. Comparing methods for estimating flow duration curves at ungauged sites. Journal of Hydrology, v. 434-435, p.78-94, 2012.
  • Burn, D. D.; Zrinji, Z.; Kowalchuk, M. Regionalization of catchments for regional flood frequency analysis. Journal of Hydrologic Engineering, v.2, p.76- 82, 1997.
  • Grimm, A. M. Clima da região sul do Brasil. In: Cavalcanti, I. F. A.; Ferreira, N. J.; Silva, M. G. A. J. da; Dias, M. A. F. S.Tempo e clima no Brasil. São Paulo: Oficina de textos, 2009. Cap.5, p.259-275.
  • Grimm, A. M.; Ferraz, S. E. T.; Gomes, J. Precipitation anomalies in Southern Brazil associated with El Niño and La Niña events. Journal of Climate, v.11, p.2863-2880, 1998.
  • Hasenack, H.; Weber, E. (org.) Base cartográfica vetorial contínua do Rio Grande do Sul - escala 1:50.000, PortoAlegre: UFRGS-IB-Centro de Ecologia, 2010. DVD-Rom. Série Geoprocessamento, 3
  • Laaha, G. Modelling summer and winter droughts as a basis for estimating river low flows. In: International Conference held in Cape Town, FRIEND, 4, 2002 - Regional hydrology: Bridging the gap between research and practice, South Africa. Proceedings... Cape Town: IAHS Publ. 274, 2002, p.289-295.
  • Laaha, G.; Blöschl, G. Seasonality indices for regionalizing low flows. Hydrological Processes, v.20, p.3851-3878, 2006.
  • Mamun, A. A.; Hashim, A.; Daoud, J. I. Regionalization of low flow frequency curves for the Peninsular Malaysia. Journal of Hydrology, v.381, p.174-180, 2010.
  • Mello, C. R. de; Viola, M. R.; Beskow, S.; Norton, L. D. Multivariate models for annual rainfall erosivity in Brazil. Geoderma, v.202-203, p.88-102, 2013.
  • Novaes, L. F.; Pruski, F. F.; Queiroz, D. O.; Rodriguez, R. G.; Silva, D. D.; Ramos, M. M. Avaliação de desempenho de cinco metodologias de regionalização de vazões. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v.12, p.51-61, 2007.
  • Silva, A. M.; Oliveira, P. M.; Mello, C. R. de; Pierangeli, C. Vazões mínimas e de referência para outorga na região Alto do Rio Grande, Minas Gerais. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v.10, p.374-380, 2006.
  • Sparovek, G.; van Lier, Q. J.; Dourado Neto, D. Computer assisted Köppen climate classification: a case study for Brazil. International Journal of Climatology, v.37, p.257-266, 2007.
  • Tongal, H.; Demired, M. C.; Booij, M. J. Seasonality of low flows and dominant processes in the Rhine River. Stochastic Environmental Research and Risk Assessment, v.27, p.489-503, 2013.
  • Vezza, P.; Comoglio, C.; Rosso, M.; Viglione, A. Low flows regionalization in North-Western Italy. Water Resources Management, v.24, p.4049-4074, 2010.
  • Viola, M. R.; Mello, C. R. de; Acerbi Júnior, F. W.; Silva, A. M. Modelagem hidrológica na bacia hidrográfica do Rio Aiuruoca, MG. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v.13, p.581-590, 2009.
  • Viola, M. R.; Mello, C. R. de; Beskow, S.; Norton, L. D. Applicability of the LASH model for hydrological simulation of the Grande river basin, Brazil. Journal of Hydrologic Engineering, v.18, p.1639-1652, 2012.
  • Young, A. R.; Round, C. E.; Gustard, A. Spatial and temporal variations in the occurrence of low flow events in the UK. Hydrology and Earth System Sciences, v.4, p.35-45, 2000.
  • *
    (Autor correspondente)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jun 2014
    • Data do Fascículo
      Jul 2014

    Histórico

    • Recebido
      06 Jul 2013
    • Aceito
      14 Fev 2014
    Unidade Acadêmica de Engenharia Agrícola Unidade Acadêmica de Engenharia Agrícola, UFCG, Av. Aprígio Veloso 882, Bodocongó, Bloco CM, 1º andar, CEP 58429-140, Campina Grande, PB, Brasil, Tel. +55 83 2101 1056 - Campina Grande - PB - Brazil
    E-mail: revistagriambi@gmail.com