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Armazenamento de grãos residuais de urucum sob atmosfera controlada

Storage of waste grains of annatto under controlled atmosphere

RESUMO

Neste trabalho avaliou-se a estabilidade de grãos residuais de urucum acondicionados em embalagens flexíveis laminadas durante 90 dias de armazenamento em condições controladas de temperatura (25 e 40 °C) e umidades relativas (55 e 83%). As amostras foram analisadas a cada 15 dias, por meio da análise do teor de água, atividade de água, pH, acidez titulável, cor (luminosidade, intensidade de vermelho e intensidade de amarelo) proteína bruta, amido e bixina. Observou-se, no decorrer dos tempos de armazenamento, que as embalagens não evitaram a absorção de água acarretando em aumentos do teor de água (42,62; 43,06; 41,78 e 42,90%), atividade de água (6,39; 6,94; 5,97 e 6,94%), acidez titulável (12,28; 13,79; 9,09 e 13,79%) e luminosidade (4,48; 12,18; 4,73; 4,91%) e ocorreram reduções na intensidade de vermelho (8,19; 7,77; 4,66 e 7,93%), pH (9,21; 8,56; 12,44 e 18,12) e bixina (51,72;56,32; 57,47 e 55,17%) respectivamente, para as seguintes combinações de umidades relativas e temperaturas (55% e 25 ou 40 °C; 85% e 25 ou 40 °C).

Palavras-chave:
Bixa orellana L.; bixina; embalagem laminada; umidade relativa; resíduos agroindustriais

ABSTRACT

This study evaluated the stability of residual annatto beans packed in flexible laminated packaging during 90 days of storage under controlled temperature conditions (25 and 40 °C) and relative humidity (55 to 83%). Samples were analysed every 15 days, for analyzing the moisture content, water activity, pH, acidity, color (brightness, redness and yellowness), protein, starch and bixin. It was observed during the storage time of the packaging did not prevent the absorption of water leading to increases in moisture content (42.62; 43.06; 41.78 and 42.90%), water activity (6.39; 6.94; 5.97 and 6.94%), titratable acidity (12.28; 13.79; 13.79 and 9.09%), and brightness (4.48; 12.18; 4.73 and 4.91%) occurred reductions in redness (8.19; 7.77; 4.66 and 7.93%), pH (9.21; 8.56; 12.44 and 18.12%) and bixin (51.72; 56.32; 57.47 and 55.17%), respectively, for the following combinations of relative humidity and temperature (55% and 25 or 40 °C, 85% and 25 or 40 °C).

Key words:
Bixa orellana L.; bixin; laminated packaging; relative humidity; waste agribusiness

Introdução

O urucum (Bixa orellana L.) é uma espécie originária de regiões de climas tropicais, característica da região Amazônica. Possui sementes condimentares e tinturiais, exploradas nativamente no Brasil; sua exploração se dá por múltiplos usos, desde ornamental e medicinal e é também muito utilizada pela indústria de alimentos com permissão da Organização Mundial de Saúde. A espécie apresenta rápido crescimento podendo ser plantada em composição com outras espécies em áreas degradadas de preservação permanente, destinada à recomposição da vegetação (Barbieri et al., 2011Barbieri, D. J.; Braga, L. F.; Sousa, M. P.; Roque, C. G. Análise de crescimento de Bixa orellana L. sob efeito da inoculação micorrízica e adubação fosfatada. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, v.13, p.129-138, 2011.).

O aproveitamento dos caratenoides do urucum, constituídos pela bixina e norbixina, pelas indústrias de alimentos, cosmética e laticínios, tem gerado grandes volumes de resíduos após o processo de extração de seus pigmentos; tais resíduos constituem cerca de 97 a 98% dos resíduos constituídos pelos grãos e óleo de soja aderidos.

Com o advento e instalações das agroindústrias no Nordeste brasileiro, vários subprodutos têm sido gerados, dentre eles aproximadamente 2.500 toneladas de grãos são obtidos após o processamento dos grãos. Atualmente, tal subproduto tem sido estudado pelas suas potencialidades para fins alimentares alternativos na pecuária podendo reduzir custos na produção animal; notadamente, alguns estudos estão relacionados às suas potencialidades para incorporação da alimentação humana (Santos et al., 2014Santos, D. C.; Queiroz, A. J. de M.; Figueirêdo, R. M. F. de; Oliveira, E. N. A. de. Secagem de grãos residuais de urucum por exposição direta ao sol combinada com secagem em secador acumulador de calor. Semina: Ciências Agrárias, v.35, p.277-290, 2014. http://dx.doi.org/10.5433/1679-0359.2014v35n1p277
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).

O aproveitamento de subprodutos de processamento de grãos como arroz, trigo, cevada, sorgo, milho e centeio é caracterizado por possuírem vasta variedade de ingredientes que auxiliam na melhoria da saúde. Consumidos na forma de farelo, adquirem importância crucial na formulação de alimentos funcionais por serem reconhecidos como fontes de carboidratos, ácidos fenólicos, flavonoides, lipídios e carotenoides; suas propriedades físico-químicas tornam esses subprodutos desejáveis para o enriquecimento alimentar (Patel, 2015Patel, S. Cereal bran fortified-functional foods for obesity and diabetes management: Triumphs, hurdles and possibilities. Journal of Functional Foods, v.14, p.255-269, 2015. http://dx.doi.org/10.1016/j.jff.2015.02.010
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).

Neste contexto o aproveitamento dos grãos residuais do urucum, provenientes das indústrias de extração dos pigmentos demanda, com a finalidade de ser utilizada como fonte alimentar economicamente viável, estudos sobre características físicas, nutricionais e manutenção de qualidade ao longo do tempo.

O presente trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar a estabilidade dos parâmetros físico-químicos dos grãos residuais de urucum acondicionados em embalagens laminadas e armazenadas em condições controladas de umidade relativa média (55 e 83%) e temperatura média (25 e 40 °C).

Material e Métodos

Utilizaram-se, como matéria-prima, grãos residuais de urucum (Bixa orellana L.), provenientes do processamento industrial para extração do corante em meio oleoso (óleo de soja) cedidos pela indústria de alimentos Maratá®, em Aracaju, SE, os quais foram acondicionados em sacos de polietileno e armazenados em freezer na temperatura de -20 °C, aí permanecendo até a realização dos ensaios experimentais. Os grãos foram retirados do freezer, desembalados e postos em bancadas de laboratório até atingir a temperatura ambiente; em seguida, realizou-se a limpeza da matéria-prima cujas impurezas (pedaços de talo) foram separadas dos grãos com auxílio de uma pinça; a seguir, os grãos foram colocados para secar em estufa a 40 °C até que atingissem teor de água de aproximadamente 5% (teor de água inicial dos grãos).

Os grãos secos foram acondicionados em embalagens flexíveis laminadas compostas de uma camada PET cristal (polietileno tereftalato cristal) com espessura de 12 µm, uma camada PET metal (polietileno tereftalato de baixa densidade cristal) com espessura de 50 µm possuindo espessura total de aproximadamente 74 µm. As embalagens tinham aproximadamente 10 cm de cada lado e continham aproximadamente 32 g dos grãos em cada embalagem e foi utilizado o mesmo tipo de embalagem e selamento para todas as amostras, em triplicata e para todas as condições experimentais; a seguir, os grãos embalados foram colocados separadamente em cada recipiente de vidro hermético, contendo soluções saturadas de brometo de sódio (NaBr) e de cloreto de potássio (KCl), as quais propiciam ambientes com umidades relativas médias de 55 e 83%, respectivamente; esses recipientes foram colocados em câmaras do tipo BOD nas temperaturas de 25 e 40 °C.

As características químicas e físico-químicas dos grãos armazenados foram avaliadas no início do armazenamento (tempo 0) e a cada 15 dias, durante 90 dias de armazenamento. Para tal, determinou-se o teor de água, acidez titulável e proteína bruta de acordo com as metodologias descritas emBrasil (2008)Brasil. Métodos químicos e físicos para análise de alimentos. São Paulo: Instituto Adolfo Lutz. 4.ed., v.1, 2008. 1020p. Normas Analíticas do Instituto Adolfo Lutz; a atividade de água por leitura direta em higrômetro Aqualab 3TE (Decagon); a cor em espectrofotômetro portátil Hunter Lab Mini Scan XE Plus (modelo 4500 L) obtendo-se os parâmetros L*, a* e b*, em que L* define luminosidade +a* a intensidade de vermelho e +b* a intensidade de amarelo; o pH em pHmetro (modelo Tec 2, Tecnal) previamente calibrado com soluções tampão de pH 4,0 e 7,0; o amido foi determinado conforme metodologia descrita emBrasil (1981)Brasil. Ministério da Agricultura. Laboratório Nacional de Referência Animal (LANARA). Métodos analíticos oficiais para controle de produtos de origem animal e seus ingredientes: II métodos físicos e químicos. Brasília, Brasil, 1981. 188p.e a bixina foi quantificada utilizando-se o método descrito porYabiku & Takahashi (1991)Yabiku, H. Y.; Takahashi, M. Y. Avaliação dos métodos analíticos para determinação de bixina em grãos de urucum e suas correlações. In: Seminário de corantes naturais para alimentos, 2, Simpósio Internacional de Urucum, 1, 1991, Campinas. Anais...Campinas: IAC, 1991. p.275-279..

Realizou-se a análise estatística dos dados ao longo do armazenamento usando-se o delineamento inteiramente casualisado em esquema fatorial (2 x 7) com 2 temperaturas (25 e 40 ºC), 7 tempos de armazenamento (0, 15, 30, 45, 60, 75 e 90 dias) e 3 repetições, através do programa computacional Assistat versão 7.5 Beta, aplicado separadamente para os grãos armazenadas nas duas condições de umidade relativa.

Resultados e Discussão

NaTabela 1são apresentados os valores médios do teor de água dos grãos residuais de urucum durante o armazenamento; nas umidades relativas médias de 55 e 83% observa-se, nas duas temperaturas, que o teor de água aumentou com o tempo de armazenamento sendo este aumento mais elevado na temperatura de 40 °C o que demonstra que o tipo de embalagem utilizada ou o selamento da mesma não foi eficaz no impedimento de absorção de umidade pela amostra.

Tabela 1
Valores médios do teor de água (%) dos grãos residuais de urucum durante o armazenamento

Não ocorreram diferenças estatísticas entre as amostras armazenadas a 83% de umidade relativa em relação aos tempos de armazenamento porém se notou um incremento no teor de água a partir dos 45 dias de armazenamento para as amostras armazenadas a 55% de umidade relativa, proporcionado devido à permeabilidade da embalagem. O ganho nos teores de água foi constatado porLima et al. (2014)Lima, D. C.; Dutra, A. S.; Pontes, F. M.; Bezerra, F. T. C. Armazenamento de sementes de girassol. Revista Ciência Agronômica, v.45, p.361- 369, 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-66902014000200018
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em sementes de girassol para todos os tipos de embalagens analisadas (papel multifoliado, polietileno e garrafa PET) ao longo de 12 meses de armazenamento em câmara fria e seca (10 °C e 55% UR), em geladeira (4 °C e 38-43% UR), freezer e temperatura ambiente, com os maiores valores referentes às amostras acondicionadas a temperatura ambiente.

Sementes de urucum armazenadas por 12 meses em condições ambientais, câmara fria, refrigerador e freezer e acondicionadas em embalagens trifoliadas de papel-alumínio-polietileno, embalagem plástica e polietileno preto e a vácuo, também apresentaram ganho em seus teores de água, notadamente nas amostras armazenadas em embalagens de alumínio e a vácuo (Corlett et al., 2007Corlett, F. M. F.; Barros, A. C. S. A.; Villela, F. A. Qualidade fisiológica de sementes de urucum armazenadas em diferentes ambientes e embalagens. Revista Brasileira de Sementes, v.29, p.148-158, 2007. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31222007000200021
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). Verificou-se, ao final do armazenamento, que as amostras dos grãos residuais de urucum se mantiveram com níveis de 10% de teor de água, corroborando com os resultados aceitáveis estudados porRibeiro et al. (2011)Ribeiro, F. C.; Borém, F. M.; Giomo, G. S.; Lima, R. R.; Malta, M. R.; Figueiredo, L. P. Storage of green coffee in hermetic packaging injected with CO2. Journal of Stored Products Research, v.47, p.341-348, 2011. http://dx.doi.org/10.1016/j.jspr.2011.05.007
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para grãos de café armazenados ao longo de 4 meses.

Os valores médios da atividade de água das amostras (Tabela 2) aumentaram gradativamente ao longo do armazenamento nas umidades relativas e temperaturas testadas.

Tabela 2
Valores médios da atividade de água (aw) dos grãos residuais de urucum durante o armazenamento

Verificou-se, entre as umidades relativas estudadas, que não ocorreram diferenças significativas entre as temperaturas de armazenamento; todavia, houve alterações em seus valores a partir dos 30 e 60 dias para a temperatura de 25 °C, correspondendo ao aumento de 6,38% ao final dos 90 dias; para a temperatura de 40 °C este aumento corresponde a 7,5%.

Verifica-se, com base nos valores médios, que a atividade de água se manteve em torno de 0,6 denotando que os grãos se apresentam em umidade intermediária. Percebe-se, entretanto, que os grãos alcançaram valores limites de estabilidade porém ainda se mantendo na faixa entre 0,6-0,85 que não favorece o crescimento de micro-organismos como bolores xerofílicos e leveduras osmofílicas (Gava et al., 2008Gava, A. J.; Silva, C. A. B.; Frias, J. R. G. Tecnologia de alimentos: Princípios e aplicações. São Paulo: Nobel, 2008. 511p.).

O teor de água e a atividade de água estão intrinsecamente relacionados; contudo, a maioria dos microrganismos cresce em meio com atividade de água entre os intervalos de 0,90-0,99, embora muitos micro-organismos permaneçam vivos durante muito tempo a baixas atividades de água, não se multiplicando neste meio (Ferreira Neto et al., 2005Ferreira Neto, C.; Nascimento, E. M.; Figueirêdo, R. M. F. de; Melo, A. J. de M. Microbiologia de farinhas de mandioca (Manihot esculenta Crantz) durante o armazenamento. Ciência Rural, v.34, p.1-3, 2005.).

As amostras submetidas à umidade relativa de 83% tiveram comportamento semelhante ao da umidade relativa de 55%, aumentando os valores das atividades de água com o tempo de armazenamento em ambas as temperaturas. Não ocorreram diferenças significativas entre as duas temperaturas, em todos os tempos de armazenamento.

Com base nos valores médios obtidos para o teor de amido (Tabela 3) observou-se, em ambas as temperaturas e umidades relativas, que não houve diferenças significativas entre as médias com o tempo de armazenamento e entre as temperaturas denotando tendência à estabilidade do teor de amido ao longo dos 90 dias de armazenamento demonstrando que a morfologia dos grânulos de amido não foi afetada pelas condições de tempo, temperatura e umidade relativa a que os grãos foram submetidos. Reduções no teor de amido relacionadas à umidade poderiam ocorrer pelo fato de que umidades altas fornecem condições propícias ao desenvolvimento de micro-organismos degradadores de amido. A ausência de reduções é um indicativo do nível adequado de umidade nas condições do experimento para a conservação deste nutriente.

Tabela 3
Valores médios do teor de amido dos grãos residuais de urucum armazenado

Plumier et al. (2015)Plumier, B. M.; Danao, M. G.; Rausch, K. D.; Singh, V. Changes in unreacted starch content in corn during storage. Journal of Stored Products Research, v.61, p.85-89, 2015. http://dx.doi.org/10.1016/j.jspr.2014.11.006
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constataram, ao estudar o armazena-mento de milho colhido nas safras de 2011 e 2012, em ambientes fechados, ao ar livre e sob refrigeração a 5 °C por 48 semanas, para os resultados para a safra de 2012, que o os teores de amido não se alteraram durante 20 semanas de armazenamento, não havendo mudanças significativas no teor de amido independente da temperatura de armazenamento embora tenham ocorrido diminuições nos seus resultados para as amostras da safra de 2011, com reduções em seus teores de amido a 0,31% por semana, influenciada pelo tempo de armazenamento. É importante compreender os efeitos que a temperatura de armazenamento e o tempo têm sobre o amido. Embora a qualidade do amido seja controlada pela genética, condições de crescimento e práticas pós-colheita podem afetar a sazonalidade nos resultados dos teores e qualidade do amido.

Verificam-se, analisando os valores médios de pH (Tabela 4) dos grãos residuais de urucum, em ambas as temperaturas, pequenas variações em seus valores com o tempo de armazenamento, marcadas por decréscimos progressivos nos valores de pH no tempo inicial e nos tempos subsequentes. Entre as temperaturas não se observam diferenças entre os valores obtidos que indiquem influência no pH das amostras.

Tabela 4
Valores médios do pH dos grãos residuais de urucum armazenado

Em estudos sobre armazenamento de grãos de abóbora,Belmiro et al. (2010)Belmiro, T. M. C.; Queiroz, A. J. de M.; Figueirêdo, R. M. F. de; Fernandes, T. K. S.; Bezerra, M. C. T. Alterações químicas e físico-químicas em grãos de abóbora durante o armazenamento. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v.14, p.1000-1007, 2010.constataram tendência de redução nos valores de pH ao longo dos tempos de armazenamento, ou seja, de 180 dias.

Os valores médios da acidez total titulável (% ácido oleico) são apresentados na (Tabela 5). Verificou-se que as amostras armazenadas a 55% de umidades relativas das duas temperaturas se comportaram de forma semelhante sofrendo apenas alterações a partir dos 70 e 90 dias, nas duas temperaturas. Este fato é devido a possíveis alterações de lipídios contidos nos grãos residuais de urucum por possuírem óleo de soja aderido.

Tabela 5
Valores médios da acidez em percentual deácido oleico dos grãos residuais de urucum armazenado

Meera et al. (2015)Meera, M. S.; Bhashyam, M. K.; Ali, S. Z. Effect of heat treatment of sorghum grains on storage stability of flour. Food Science and Technology, v.44, p.2199-2204, 2015.comprovaram, através de estudos com grãos de sorgo triturados, que o tratamento térmico não possui efeito significativo sobre o desenvolvimento da rancidez e constataram que não ocorreram diferenças significativas entre as propriedades físico-químicas em farinhas de grãos processados termicamente com os não processados.

De acordo com os resultados as amostras armazenadas em umidade relativa de 83% apresentaram comportamento semelhante nos tempos iniciais demonstrando diferenças significativas nos tempos de 75 e 90 dias para as amostras armazenadas a 25 °C; todavia, o comportamento das amostras armazenadas a 40 °C apresentou tendência ao aumento de acidez mais acentuada indicando, neste caso, que os fatores tempo e temperatura influenciaram no armazenamento sob a umidade média de 83%.

Visto que os grãos residuais de urucum apresentavam resíduos de óleo de soja aderidos, há a propensão de oxidação lipídica de seus ácidos graxos e pode apresentar instabilidade nos teores de acidez em ácido oleico dos grãos armazenados. A instabilidade oxidativa do resíduo de óleo de soja aderido aos grãos de urucum pode ter influenciado diretamente no aumento da instabilidade em seus valores médios de acidez em ácido oleico.

Verificam-se os valores médios da luminosidade (L*) dos grãos residuais de urucum durante o armazenamento nas diferentes condições de temperatura e umidade relativa (Tabela 6). Pode-se observar, na UR = 55% que a luminosidade das amostras nas temperaturas de 25 e 40 °C se manteve estável até os 45 dias, com tendência de aumento nos valores a partir deste tempo até o final do período de armazenamento. Na temperatura de 40 °C foi observado o maior aumento da luminosidade no final do armazenamento quando superou a luminosidade no tempo zero, em 13,89%; no outro extremo ocorreu, na temperatura de 25 ºC e UR de 55%, o menor aumento entre a luminosidade final e a inicial, de 8,8%. Entre as temperaturas houve diferenças significativas nos valores de L* nos tempos de 60, 75 e 90 dias de armazenamento com os maiores valores a 40 ºC.

Tabela 6
Valores médios da luminosidade (L*) dos grãos residuais de urucum armazenado

Para as amostras submetidas à umidade relativa média de 83% e temperatura de 40 ºC, observou-se que a luminosidade sofreu acréscimo aos 60 dias mantendo-se estável até os 90 dias. Para as amostras submetidas a 25 ºC o aumento da luminosidade já foi verificado a partir de 30 dias e entre as temperaturas não houve diferenças significativas em todos os tempos de armazenamento.

O aumento da luminosidade dos grãos residuais de urucum com o tempo de armazenamento indica que as amostras foram clareando passível de ser devido à degradação dos pigmentos remanescentes nos grãos residuais de urucum compostos por bixina e norbixina e resíduos de óleo de soja, no qual os grãos são embebidos pela indústria, para a extração dos citados pigmentos.

Alencar et al. (2009)Alencar, E. R.; Faroni, L. R. D.; Lacerda Filho, A. F.; Peternelli, L. A.; Costa, A. R. Qualidade dos grãos de soja armazenados em diferentes condições. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v.13, p.606-613, 2009. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-43662009000500014
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observaram, avaliando grãos de soja secos armazenados por 180 dias em diferentes condições de temperatura e umidades relativas que, no geral, ocorreram elevação na diferença de cor de grãos durante o armazenamento, com aumento mais acentuado à medida que aumentou o teor de água e a temperatura dos grãos aumentavam. Tal escurecimento nos grãos de soja sugere que houve a deterioração dos grãos armazenados.

De acordo com os valores médios para a intensidade de vermelho (+a*) expostos (Tabela 7) verifica-se, para as diferentes condições de armazenamento, que houve tendência de redução com o tempo de estocagem indicando que as amostras se tornaram menos vermelhas; para as amostras armazenadas a 55% de umidade relativa e nas temperaturas de 25 e 40 °C nota-se diminuição dos valores de +a* a partir dos 15 dias de armazenamento; já para a umidade relativa média de 83% observa-se diminuição na intensidade de vermelho a partir dos 30 dias de armazenamento mantendo-se constante até os 90 dias. A diminuição mais acentuada em a* foi encontrada notadamente tendenciosa nas temperaturas mais elevadas demonstrando que quanto maior for a temperatura maior também a taxa de mudança de cor.Nasar-Abba et al. (2009)Nasar-Abbas, S. M.; Siddique, K. H. M.; Plummer, J. A.; White, P. F.; Harris, D.; Dods, K.; D'Antuono, M. Faba bean (Vicia faba L.) seeds darken rapidly and phenolic content falls when stored at higher temperature, moisture and light intensity. Food Science and Technology, v.42, p.1703-1711, 2009. http://dx.doi.org/10.1016/j.lwt.2009.05.013
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observaram comportamento semelhante nas alterações da taxa de mudança de cor das amostras de feijão cv. Fiesta armazenadas nas maiores temperaturas e com teores de umidade modificados para 8, 10, 12 e 14%, acondicionados em polietileno forrado de alumínio e armazenados a 5, 15, 20, 25, 30, 37, 45, 50 ou 60 °C durante um ano.

Tabela 7
Valores médios da intensidade de vermelho (+a*) dos grãos residuais de urucum armazenado

Ferreira et al. (1999)Ferreira, V. L. P.; Teixeira Neto, R. O.; Moura, S. C. S. R.; Silva, M. S. Cinética da degradação da cor de solução hidrossolúvel comercial de urucum, submetida a tratamentos térmicos. Ciência e Tecnologia de Alimentos, v.19, p.37-42, 1999. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-20611999000100010
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verificaram, para solução hidrossolúvel de urucum submetida a tratamento térmico (90, 100, 120 e 140 °C) variações na cor com o aumento da luminosidade, diminuição da intensidade de vermelho e aumento ou diminuição da intensidade de amarelo, indicando a influência da temperatura sobre a cor e, consequentemente, sobre a degradação de seus pigmentos.

Analisando os valores médios da intensidade de amarelo (+b*) das amostras armazenadas em ambas as umidades relativas médias (55 e 83%) verifica-se, naTabela 8, que as amostras se comportaram de modo semelhante durante o armazenamento apresentando tendência de aumento de +b* com o tempo de armazenamento.

Tabela 8
Valores médios da intensidade de amarelo (+b*) dos grãos residuais de urucum armazenado

Constata-se também que na temperatura mais alta existe contribuição para modificações mais acentuadas na intensidade de amarelo (+b*) determinadas pelo aumento nos últimos tempos de armazenamento; observa-se também que esses aumentos nos valores médios das amostras armazenadas a 40 °C ocorreram no tempo de 75 dias para a amostra estocada com umidade relativa de 55% enquanto para a amostra estocada a 83% a mudança ocorreu logo aos 60 dias de armazenamento.

Coradi et al. (2008)Coradi, P. C.; Borém, F. M.; Oliveira, J. A. Qualidade do café natural e despolpado após diferentes tipos de secagem e armazenamento. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v.12, p.181-188, 2008. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-43662008000200011
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verificaram, para os grãos de café secados após 90 dias de armazenamento em contêineres herméticos sob temperatura controlada de 21 a 23 °C e umidades relativas de 60 e 80%, aumento significativo nos valores da intensidade de amarelo com o aumento da umidade relativa.

De acordo com os valores médios para os teores de proteína bruta (Tabela 9) constatou-se, para as amostras armazenadas nas duas condições de umidade relativa e temperaturas, que os resultados não diferiram estatisticamente entre si pelo teste de Tukey; todavia, nas amostras armazenadas a 55% e temperatura de 40 °C houve diferença significativa em relação à amostra armazenada a 25 °C apenas aos 75 dias de armazenamento por ter sido um resultado isolado não se configurando que os maiores valores estejam nessas temperaturas; para as amostras armazenadas em umidade relativa média de 83%, observam-se essas diferenças significativas dentro de um mesmo tempo de armazenamento, aos 15 dias e aos tempos de 90 dias.

Tabela 9
Valores médios do teor de proteína bruta dos grãos residuais de urucum armazenado

Fatores como temperatura e tempo de armazenamento são importantes influenciadores nas alterações das propriedades físico-químicas dos grãos. Assim, o arroz armazenado em embalagens a vácuo de polipropileno de baixa densidade, alumínio, polietileno de baixa densidade e nylon na temperatura de 15 °C por 12 meses, sofreram envelhecimento acelerado (Tananuwong & Maila, 2011Tananuwong, K.; Maila, Y. Changes in physicochemical properties of organic hulled rice during storage under different conditions. Food Chemistry, v.125, p.179-185, 2011. http://dx.doi.org/10.1016/j. foodchem.2010.08.057
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).

Com base nos valores de bixina das amostras armazenadas (Tabela 10) observa-se que todas as amostras apresentaram tendência ao decréscimo dos teores de bixina ao longo dos 90 dias de armazenamento.

Tabela 10
Valores médios do teor de bixina dos grãos residuais de urucum armazenado

Na umidade relativa média de 55% a redução do teor de bixina no final do armazenamento em relação ao início foi de 51,72 e 56,32% nas temperaturas de 25 e 40 °C, respectivamente; para a umidade relativa média de 83% a diminuição dos teores de bixina correspondeu a 57,47 e 55,17% para as temperaturas de 25 e 40 °C; entre as temperaturas de 25 e 40 °C verifica-se que houve diferenças significativas entre as médias em alguns tempos mas sem indicar influência da temperatura. Sementes de urucum perdem, quando dispersas em óleos vegetais, corantes quando armazenados a temperaturas de congelamento; para essas condições as perdas de bixina nas sementes chegam a ser cerca de 20 a 25% (Kanjilal & Singh, 1995Kanjilal, P. B., Singh, R. S. Agronomic evaluation of annatto (Bixa orellana L.). Journal of Herbs Medicine, v.3, p.13-17, 1995.).

Conclusões

1. As embalagens laminadas não foram suficientes contra a absorção de água.

2. O armazenamento provocou aumentos nos teores de água, atividade de água e acidez dos grãos.

3. Os teores de amido e proteínas não sofreram alterações pelo tempo nas condições de armazenamento avaliadas.

4. Com o tempo de armazenamento as amostras sofreram alteração na cor, tornando-se mais claras e amareladas.

5. A temperatura de armazenamento mais alta (40 °C) propiciou aumentos na acidez e na luminosidade dos grãos e aumento na intensidade de amarelo.

6. Devido à presença da bixina remanescente da indústria de processamento nos grãos residuais de urucum, os grãos ainda possuem propriedades corantes.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela concessão da bolsa.

Literatura Citada

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Aceito
    19 Jun 2015
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