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Complexo de Édipo: novas patologias, novas mulheres, novos homens

RESENHA DE LIVROS

Complexo de Édipo: novas patologias, novas mulheres, novos homens

Durval Mazzei Nogueira Filho

Complexo de Édipo: novas patologias, novas mulheres, novos homens

Nora Beatriz Susmanscky de Miguelez

São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007, 182 págs.

A editora Casa do Psicólogo, por meio da coleção "Clínica Psicanalítica", fez chegar às livrarias um livro, no mínimo, necessário aos interessados nos recentes desenvolvimentos em psicanálise, psicoterapia e psiquiatria. Pelo menos aos interessados que não crêem que sua área de interesse flutua no ar como um balão auto-sustentável que não requer e nem recorre ao diálogo com outras disciplinas. Trata-se do livro Complexo de Édipo: novas psicopatologias, novas mulheres, novos homens, assinado por Nora Beatriz Susmanscky de Miguelez.

Qual a razão para categorizar esta publicação como necessária? Uma só basta: o texto põe em discussão se as mudanças em curso na cultura, especialmente as derivadas da tecnociência, da lógica capitalista e da liberação sexual que afetariam de morte a lei paterna, exibem o poder de desmontar o arcabouço teórico psicanalítico. Pois sem a lei do pai não há lei que anteponha um basta! ao gozo e um pilar importante do discurso analítico está irremediavelmente corroído. Não é imperioso recordar que a lei paterna desempenha um papel na distribuição dos atributos fálicos na construção psicanalítica que recebeu o nome do personagem da tragédia grega. No fundamento da heurística da autora está certa insistência da literatura contemporânea, insistência nem sempre marcada por reflexão criteriosa, de que determinadas emergências sintomáticas não contam com a estrutura edipiana para se constituírem. Seriam patologias, ou fenômenos, sem referência alguma ao Édipo como escrito por Freud, isto é, como a formulação que "informa sobre a dinâmica psíquica que decide os modos possíveis de subjetivação sexuada, organizados a partir da proibição do incesto" (p. 13) e que é bem descrita "como um programa, uma máquina que produz masculinidade e feminilidade, que trabalha a partir da sexualidade infantil perversa-polimorfa e está ligada à tomada da proibição do incesto" (p. 15). Esta lógica, mais do que um programa, sustenta-se sobre a intenção freudiana que desnaturalizou o sexo – retirou-o da condição de mais um instinto – e tornou-o um modo de subjetivação "à revelia das considerações anatômicas e ainda dos ideais culturais" (p. 15). Obviamente, todo o resto das funções automáticas, usualmente definidas como instintivas, em um corpo marcado pela cultura, segue este mesmo trilho. Nenhuma delas exibe o traço exclusivo da natureza ou são operadas exclusivamente a partir dos ditames biológicos.

É esta a pergunta que está em questão no texto. Tomando como ponto pacífico que não há sujeito sem cultura, não há ser e significação sem cultura, discute-se a extensão dos efeitos das transformações culturais em marcha na configuração de fenômenos patológicos e na constituição do Édipo. E claro está que o cenário é a efetividade do tratamento, da cura, do ato analítico diante destas demandas.

A resposta que a autora oferece ao debate, longe de cerrar as cortinas, é construída em duas etapas. A primeira implica uma precisa conceituação do Édipo, que encontra dois sentidos. Um sentido estrito, centrado na organização familiar do Ocidente, que torna o conceito aberto à relativização, à sorte de qualquer influência. E um sentido amplo no qual a proibição do incesto brilharia como fundamental. Proibição que não por acaso torna possível definir um corte entre natureza e cultura. Proibir um determinado encontro sexual (que os antropólogos ensinam que nem sempre, nas vicissitudes culturais humanas, é entre pai e filha ou mãe e filho) implica a discriminação de lugares, de posições, de nomes. A segunda etapa nasce do diálogo com Foucault, Agambem, Zizek, Deleuze e outros autores, que são unânimes em afirmar que a morte, ou possibilidade de, da lei paterna não constituiria "um homem... mais livre, anômico ou desregrado que o tradicional" (p. 163). O vazio deixado pela ausência, ou possibilidade de, da normativa paterna é ocupado por um poder disciplinar escorado pelos "padrões normativos e axiológicos, éticos e estéticos do biopoder, hegemônico em nosso tempo" (p. 163).

Desta forma, mesmo reconhecida a diferença contemporânea, o Édipo em sentido amplo, relativo à proibição do incesto exercida por uma instância de inalcançável poder (reino do pai d'antanho), estaria em plena vigência. Resta, dado que o debate está longe de cessar, perguntar o que a proibição exercida pelo biopoder permite. Não é inconveniente lembrar que a lei do Édipo, não obstante os protestos em torno do autoritarismo do pai, é uma lei que liberta. Se este traço libertador for permitido por esta outra instância, ótimo.

Enfim, o escrito da doutora Nora é um agradável convite para que os psicanalistas, psicoterapeutas e psiquiatras reflitam melhor a prática. E continuem dispondo à palavra do outro a escuta e oferecendo à escuta do outro a palavra que pode liberá-lo de uma amarra imaginária, freqüentemente lamentável. E, mais prosaicamente, não confundir o crepúsculo do dever com ausência de dor e exigências administrativas com exéquias da psicanálise.

Mesmo que, caso Freud redivivo fosse, escrevesse "Excesso (eventual inibição), Sintoma e Angústia", em substituição ao clássico escrito. Como ressuscitar não é algo que acontecerá ao vienense, é nossa esta tarefa. O texto resenhado aqui faz parte deste jogo.

Deste jogo necessário.

Durval Mazzei Nogueira Filho

Mestre em Psiquiatria pelo IAMSPE-Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo (São Paulo, SP, Brasil) , psicanalista, membro da seção São Paulo da Escola Brasileira de Psicanálise (São Paulo, SP, Brasil); membro do departamento "Formação em Psicanálise" do Instituto Sedes Sapientiae (São Paulo, SP, Brasil).

Rua Alm. Pereira Guimarães, 298

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Fone: (11) 3862-5716

e-mail: dr.durval@uol.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2008
  • Data do Fascículo
    Mar 2008
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