Acessibilidade / Reportar erro

No interior da guerra dos fabricantes de drogas contra a gordura

OBSERVANDO A MEDICINA

ENSAIO

No interior da guerra dos fabricantes de drogas contra a gordura* * Publicado originalmente na Business Week, de 6 de março de 2007.

Arlene Weintraub

Tal como centenas de outros executivos cujas empresas tentam desenvolver drogas campeãs de vendas para a perda de peso, o executivo-chefe da Amylin Pharmaceuticals, Daniel M. Bradbury, tem sido arrastado pela saga de uma outrora promissora droga chamada Acomplia. O medicamento da Sanofi-Aventis, já comercializado em 20 países, foi mal avaliado em junho de 2007 em uma revisão feita pelo FDA, Food & Drug Administration, a agência do governo americano que autoriza a comercialização de alimentos. Bradbury assistiu à transmissão ao vivo da discussão dos especialistas reunidos pelo FDA. Ele assistiu quando os executivos da Sanofi foram questionados sobre relatos de perda de memória, tontura, depressão e outros efeitos colaterais relatados por pessoas que tomaram o Acomplia em testes clínicos. O mais preocupante foi que ao menos quatro participantes dos testes se suicidaram. Quando chegou a hora de decidir se o FDA aprovaria a droga, o resultado não foi feliz. "Não", declarou o primeiro especialista. "Não", ecoou o segundo, e assim por diante, até que os 14 votos reprovaram o Acomplia.

Embora pudessem estar satisfeitos por testemunharem o infortúnio de um rival, as vinte e poucas empresas que desenvolvem drogas para a obesidade receberam uma clara mensagem com a brutal derrota da Sanofi: o FDA não está para brincadeira. Se uma medicação para dieta apresentar algum risco à saúde, ela não receberá passe livre, e sem a aprovação do FDA não haverá retorno financeiro para todo o tempo e dinheiro gasto pelos fabricantes de drogas. "Nós teremos que ser extremamente cuidadosos a respeito da segurança", admite Bradbury.

A primeira empresa a criar o comprimido mágico que ajudará as pessoas a perder quilos sem adoecer abocanhará um lucro astronômico. Cerca de um terço da população norte-americana é obesa, o que as coloca em risco de doenças cardíacas, diabetes e alguns tipos de câncer. O outro terço, o dos que estão um pouco acima do peso, está desesperado em busca de uma droga que lhes devolva os corpos esbeltos de outrora. O mercado dos tratamentos para perda de peso nos EUA, incluindo os programas de dietas, produtos fitoterápicos e semelhantes, vale aproximadamente 33 bilhões de dólares anuais. Só uma pequenina parte – aproximadamente 200 milhões de dólares – vem de produtos que requerem prescrição médica – como o Xenical, da Roche, ou o Meridia, dos Laboratórios Abbott – que, segundo os especialistas em obesidade, não funcionam bem.

Para compreender o impacto potencial de apenas um produto realmente bom para a perda de peso, considere todos os medicamentos consumidos para tratar as condições causadas ou exacerbados pela obesidade. As vendas mundiais de estatinas, para colesterol elevado, chegam a 25 bilhões por ano. A demanda por drogas para a hipertensão chega a 30 bilhões. Há ainda um mercado de 12 bilhões de dólares anuais para as drogas que tratam o diabetes tipo 2, a forma mais prevalente da doença. Muitos pacientes que hoje tomam tais comprimidos poderiam ser persuadidos a trocar seus medicamentos se houvesse uma rota alternativa para um peso corporal mais saudável. Adicione a isso o desejo de todos de parecerem mais atraentes e você terá o nascimento de um mega produto.

Campo forte

A corrida pelas riquezas atrai um grupo diversificado de competidores no mundo inteiro, de empresas novatas de biotecnologia aos endinheirados laboratórios farmacêuticos gigantes. Todos estão usando os mais recentes insights das neurociências para subjugar os efeitos colaterais, desde os problemas cardíacos à melancolia, que infestam os tratamentos de obesidade por mais de meio século.

Todos estão sob enorme pressão para serem bem sucedidos. A pequena Vivus Pharmaceuticals (VVUS), com valor de mercado de 360 milhões, está apostando em um preparado controverso, que contém metade da perigosa combinação fen-phen (fenfluramine e phentermina), manterá viva sua empresa. No extremo oposto, a Merck, de 95 bilhões de dólares, possui amplos recursos para tornar um sucesso a sua droga contra a obesidade. Mas ela precisa, e depressa, de uma droga segura e de mercado amplo para fazer as pessoas esquecerem o caso Vioxx, seu analgésico famoso, retirado das prateleiras em 2004, e que custou à empresa 4,85 bilhões em acordos por danos. No centro do espectro, estão empresas como a Amylin, de médio porte, quase eliminada nos anos 1990. A empresa está tentando repetir o sucesso de seu tratamento contra o diabetes para diversificar suas fontes de renda.

Os resultados iniciais para todas as três empresas parecem promissores. Os testes iniciais da Amylin mostraram que os pacientes perderam em média 13% do seu peso corporal, ou 11 quilos, em seis meses. Enquanto isso, a Vivus e a Merck estão no estágio final dos testes antes de encaminharem suas drogas ao FDA para aprovação. Contudo, para estas e outras empresas, a busca por uma droga que cure a obesidade poderá muito bem terminar em lágrimas. Suas pesquisas estão enfrentando um acúmulo de fatalidades, testes clínicos fracassados e retirada de medicamentos do comércio – os casos mais famosos sendo o Vioxx e as drogas à base de fen-phen, alguns anos atrás. Nunca antes os pedidos de aprovação de drogas enfrentaram o tipo de exame minucioso do FDA que afundou o Acomplia.

Um mágico de um truque só?

A Amylin de San Diego já é um sucesso em diabetes, com duas drogas no mercado. A empresa conhece bem os perigos de ser um mágico de um truque só. Uma de suas moléculas de diabetes, que agora é um ingrediente-chave em sua droga contra a obesidade, quase afundou a empresa há uma década. Outra droga contra o diabetes, Byetta, tornou-se campeã de vendas, gerando 636 milhões de dólares em 2007. Mas as projeções de curto prazo da Amylin estão muito ligadas ao Byetta. No dia 3 de março os analistas rebaixaram as ações da empresa por medo de que as novas orientações do FDA fossem desacelerar o processo de aprovação de uma versão de ação prolongada do medicamento – o que derrubou seu valor em 4%, para 25 dólares cada. O executivo-chefe Bradbury, um inglês afável que iniciou sua carreira na Amylin na Grã-Bretanha em 1994, espera que a ramificação para o campo da obesidade leve a um fluxo regular de drogas de sucesso e proteja a empresa de ser engolida por um rival maior, a sina que recaiu sobre tantas empresas de biotecnologia. "Como você pode criar um crescimento sustentável?" pergunta Bradbury. "Este é um dos nossos maiores desafios."

Para a Amylin, o sucesso na obesidade marcaria uma virada dramática em uma das mais angustiantes histórias de sobrevivência no setor. A empresa foi fundada em 1987 por causa da descoberta do pramlintide, empregado para auxiliar os diabéticos a controlar seu nível de açúcar no sangue. Tudo estava andando bem até 1998 quando a Johnson & Johnson (JNJ) inesperadamente desistiu do acordo para co-desenvolver a droga. Posteriormente, dois testes clínicos fracassaram. Bradbury, que era o chefe da pesquisa e desenvolvimento na época, recorda uma reunião difícil com o então executivo-chefe (CEO) Joseph C. Cook Jr. "Construímos uma série de cenários prospectivos para a empresa, incluindo o seu fechamento e o retorno do dinheiro aos acionistas", diz Bradbury.

Com apenas seis semanas de dinheiro em caixa restantes e as ações comercializadas a 31 centavos de dólar a unidade, quando há um ano elas eram vendidas a 15 dólares, os membros do conselho se reuniram e se comprometeram a dar milhões do seu próprio bolso para salvar a empresa. Por fim, a Amylin reuniu a soma de 33,5 milhões de dólares em investimentos privados, o bastante para prosseguir com a pramlintide e uma segunda droga contra o diabetes que estava em desenvolvimento. Ainda para manter-se na superfície, a empresa demitiu mais de 260 funcionários, deixando apenas 37. "Nós estávamos mandando embora pessoas que não eram simplesmente colegas, mas amigos", afirma Bradbury. "Foi de longe a coisa mais difícil na qual estive envolvido."

Durante aquela tribulação, a Amylin manteve o foco em uma vantagem que a pramlintide tinha sobre as outras drogas para o diabetes: ele ajudava os pacientes a perderem peso. Os cientistas da Amylin sempre estiveram interessados em obesidade, a principal causa do diabetes tipo 2. Na medida em que aprendiam mais sobre o pramlintide, perceberam que o hormônio agia sobre a parte do cérebro que controla o apetite das pessoas para a sua próxima refeição. Ao mesmo tempo, a droga parecia estar aumentando o tempo de permanência dos alimentos no estômago. O resultado: os pacientes sentiam-se satisfeitos mais cedo do que normalmente.

Enquanto a Amylin estava lutando para desenvolver a pramlintide, uma história paralela se desenrolava que forneceria o elo perdido para o desenvolvimento da droga em testes hoje. Em 1994, os cientistas da Universidade de Rockfeller, em Nova Iorque, descobriram um hormônio chamado leptina, que manipula os sinais cerebrais que informam o corpo que ele pode parar ingerindo gordura. Ratos obesos que foram submetidos a injeção de leptina perderam 30% do seu peso corporal. Fotos dos ratos magricelos ao lado dos seus colegas de jaula gordinhos foram impressas em publicações em todo o mundo, disparando uma corrida quase histérica para utilizar o hormônio. Ao reconhecerem uma sinergia entre diabetes e obesidade, a Amylin entrou na guerra para licenciar a leptina em 1995. Mas a empresa, ainda pequena, não era concorrente para a gigante em biotecnologia Amgen (AMGN), que agarrou a leptina por 20 milhões de dólares – na época o maior acordo já fechado com uma instituição acadêmica.

Não importando a quantidade de leptina que os técnicos da Amgen injetavam em seus pacientes em testes clínicos, eles não conseguiam fazer o hormônio funcionar. "Eu tinha pacientes usando bombas de leptina o dia inteiro", recorda Ken Fujioka, diretor do Centro de Controle de Peso da Clínica Scripps, de San Diego, um dos investigadores que participaram dos testes clínicos e que hoje trabalha como consultor técnico da Amylin. "Era realmente selvagem. Eu fiz punções na coluna para ver se ela estava indo ao cérebro." Verificou-se que os obesos tinham leptina suficiente em seus corpos – apenas não respondiam a ele.

Os executivos da Amylin observavam a saga da leptina de longe, enquanto mantinham a esperança de que viriam a ser capazes de dar um segundo lance, quando a empresa voltasse a ficar de pé. Mas em 2001, problemas abateram sobre ela novamente: o FDA exigiu que a Amylin explicasse por que alguns pacientes submetidos aos testes com pramlintide sofriam hipoglicemia, ou seja, níveis perigosamente baixos de açúcar no sangue. A empresa realizou mais quatro anos de testes antes de conseguir a aprovação da droga em 2005. Poucas semanas depois, a segunda droga da Amylin contra o diabetes – um hormônio derivado de uma espécie de lagarto do deserto chamado monstro de Gila – foi aprovado, tornando a Amylin um sucesso comercial praticamente da noite para o dia. As vendas da empresa saltaram de 34 milhões de dólares em 2004 para 511 milhões de dólares em 2006.

Dois em um

Animados pelas vendas crescentes das novas drogas contra diabetes, os cientistas da Amylin combinaram a leptina com a pramlintide e começaram a testar em ratos de laboratório. Eles suspeitavam que, tomados em conjunto, os dois hormônios de emagrecimento seriam mais eficazes que tomados cada um individualmente. Primeiramente, alimentaram os ratos com tabletes que continham muita gordura e açúcar – que humanos gostam de comer. Naturalmente, os roedores ficaram gordos. Quando lhes foi dada a combinação de pramlintide/leptina, os quilos extra derreteram. O diretor executivo de pesquisa clínica da Amylin, Christian Weyer, ficou tão surpreso que foi ao laboratório para ver pessoalmente. "Eu queria verificar se eles não estavam doentes", recorda Weyer. "Eu nunca esquecerei quando entrei e vi aqueles ratos, felizes e correndo pra lá e pra cá, brincando com os tabletes ao invés de comê-los. Seria o equivalente a olharmos um bolo de chocolate o dia inteiro sem desejar comê-lo." Animada com os bem- sucedidos estudos, a Amylin comprou, em 2006, a leptina da Amgen por uma soma não divulgada.

A abordagem da Amylin é incomum porque sua droga combina dois hormônios naturalmente produzidos no corpo humano. Ministrados conjuntamente em terapia eles parecem enganar o corpo para se reprogramar para um peso inferior. Em novembro, quando a empresa divulgou resultados de um estudo preliminar, os dados chamaram a atenção: os pacientes no teste perderam quase o dobro que as pessoas normalmente perdem usando Xenical ou Meridia. Mas o executivo-chefe Bradbury sabe que ele não pode declarar vitória ainda. Enquanto a maioria dos seus adversários na obesidade já estão conduzindo estudos em larga escala em serem humanos, a Amylin não entrará na fase mais crítica de testes antes de 2009.

A pesquisa mais recente em obesidade está centrada em uma premissa científica popular: a mente humana é uma estrutura que mantém o corpo em um determinado peso. Quando as pessoas tomam uma droga que as ajuda a perder quilos, ou mesmo quando o corpo perde peso mediante exercícios, uma rede intricada de sinais cerebrais entra em ação para informar o corpo que ele está correndo perigo. O metabolismo diminui a velocidade para ajudar o corpo a se preservar e a forme aumenta. A maioria dos cientistas chegou a acreditar que a obesidade não é tanto uma doença da gula e sim uma infeliz combinação de dados da genética, que se torna mais difícil de combater nas nações ocidentais com a crescente disponibilidade de alimentos mais baratos. "Algumas pessoas são predestinadas a ter mais peso corpóreo que outras. É normal para elas", afirma Rudy Leibel, professor e pesquisador de obesidade da Universidade de Columbia. Isto deve ser porque a maioria das pessoas que emagrecem com drogas pára em um platô após perderem apenas 5% a 8% de seu peso. Quando uma droga bloqueia um dos caminhos do apetite, outro caminho se abre para compensar o caminho bloqueado e informar o corpo para encontrar comida, naquele mesmo instante.

As drogas para obesidade até agora têm falhado na interrupção desse mecanismo – e tem trazido outras conseqüências enervantes. Problemas com drogas para perda de peso datam dos anos 1950, quando os médicos começaram a ministrar destrina para pacientes acima do peso – um tipo de estimulante que deixava as pessoas aceleradas e, por vezes, viciadas. Depois, houve a combinação de drogas fenphen, que foram prescritas a 18 milhões de pacientes em 1996 após estudos que mostraram redução de peso impressionante. Mas quando os pacientes passaram a sofrer de lesões nas válvulas cardíacas os fenphen foram rapidamente retirados do mercado. Desde o ano passado, o fabricante, American Home Products (agora Wyeth [WYE], teve que pagar aproximadamente 19 bilhões em acordos indenizatórios.

Com o Acomplia da Sanofi, a maior preocupação foi o suicídio. Um paciente que suicidou era um homem de 36 anos sem histórico de depressão; outro foi um homem de 77 anos que havia sido tratado para depressão 30 anos antes. O FDA está agora orientando as empresas que os testes para drogas em obesidade, depressão, epilepsia e outras doenças que envolvam o cérebro devem incluir monitoramento de suicídio. O dr. Eric Coleman, diretor representante da unidade de metabolismo da FDA afirma, sem toque de ironia, que: "A morte é o resultado que estamos mais preocupados em evitar."

Pequenos competidores

Para a Vivus, um dos menores competidores na obesidade, o sucesso é questão de sobrevivência. A empresa farmacêutica, de Mountain View (Califórnia), já lutou antes contra rivais maiores em um mercado tentador; a batalha quase os levou à extinção. A Vivus foi fundada em 1991 para desenvolver o Muse, um produto para disfunção erétil, aprovado cinco anos depois. Mas quando o Viagra da Pfizer chegou ao mercado em 1998, seguido de perto pelo Cialis da Eli Lilly e pelo Levitra da Bayer, as vendas do Muse minguaram. A empresa demitiu 150 pessoas chegando a apenas 25. "Eu chorava como um bebê", recorda o executivo-chefe Leland Wilson.

Hoje a Vivus está rolando uma perda de 22 milhões de dólares com vendas de apenas 17 milhões de dólares do Muse e de outro produto de pequena venda para disfunção erétil – e confiando em seus 189 milhões de dólares para financiar sua entrada na competição da obesidade. Neste momento, concorre contra alguns dos maiores nomes na indústria farmacêutica com uma droga que é feita dos dois compostos químicos mais controversos que o campo da obesidade já viu.

A jornada começou em 2001. O chefe de desenvolvimento, Peter Tam, estava se mexendo para diversificar a linha de produtos da empresa quando encontrou um médico de Los Osos, Califórnia, que estava ministrando aos seus pacientes uma mistura de phentermina (uma das metades do combinado fenphen) e topiramato, um tratamento para epilepsia. Alguns pacientes estavam perdendo até 15% do seu peso corporal. A Vivus licenciou a combinação e a denominou Qnexa, e passou a buscar a sua aprovação. "Tinha aquele cheiro de um tratamento grandioso", diz Tam.

Mas os ingredientes do Qnexa têm reputação complicada por si mesmos – e isso pode se mostrar um problema quando chegar o momento de a Vivus encaminhar a droga ao FDA. A phentermina nunca foi implicada no problema de válvula cardíaca que levou os produtos fenphen a serem recolhidos, e permaneceu no mercado como tratamento por si só. Porém, ele pode fazer as pessoas ficarem tão aceleradas que elas sentem como se estivessem saindo de dentro da sua pele. O topiramato, um tratamento para epilepsia que a Johnson & Johnson tentou reapresentar como uma cura da obesidade, tem um histórico ainda mais perturbador. Nas altas doses necessárias para promover a perda de peso substancial, muitos pacientes perderam a habilidade de pensar direito. Isto porque o topiramato desacelera os rápidos disparos dos neurônios no cérebro – um efeito neutralizador excelente para controlar os ataques epiléticos, mas que pode transformar não epiléticos em quase idiotas, afirmam os médicos.

Mesmo antes de a Vivus começar a testar sua combinação, a droga tornou-se o alvo favorito do movimento liderado por aqueles que acreditam que é errado encorajar as pessoas a perderem peso de forma que poderia ser perigosa. Lynn McAfee, diretora para direitos médicos para o Conselho contra a Discriminação de Tamanho e Peso, é uma crítica eloqüente que tem tentado diversos tratamentos ao longo dos anos. Em 2003, após a apresentação dos dados da Johnson & Johnson sobre o topiramato feito por um cientista na conferência da Associação Norte-americana de Estudos em Obesidade, McAfee perguntou publicamente ao cientista: "Você alguma vez já provou esta droga?". McAfee adoraria ter uma medicação segura e eficaz para perda de peso, diz ela, mas em sua experiência, o topiramato não preenche os requisitos. "Eu ficava distraída, não conseguia me concentrar. As coisas não permaneciam no meu cérebro. Assustou-me muito." A Johnson & Johnson, que se recusou a comentar esta história, parou de desenvolver topiramato para perda de peso em 2004.

A Vivus prosseguiu, contudo, convencida de que os efeitos colaterais dos dois ingredientes da Qnexa neutralizar-se-iam mutuamente. Isto porque a phentermina é um estimulante – o equivalente a beber três xícaras de café, diz o executivo-chefe da Vivus, Wilson – e pode acordar as partes do cérebro que estão suprimidas pelo topiramato. Não ficará claro se o plano está funcionando ou não até que a Vivus divulgue mais dados no próximo ano. Alguns especialistas em obesidade são céticos: "Se nós usarmos estas drogas juntas, eu me preocupo que nós poderíamos criar uma massa de zumbis magros" adverte o dr. Robert Lusting, especialista em obesidade e professor de pediatria clínica na Universidade da Califórnia, em São Francisco.

Monitoramento mental

Wilson afirma que incorporou testes cognitivos em seus testes, de modo que a empresa possa provar ao FDA que os pacientes de fato mantêm sua presença de espírito. Após o painel de especialistas do FDA ter se prendido ao risco de depressão na droga da Sanofi, a Vivus adotou uma nova ferramenta de monitoramento do suicídio e organizou duas teleconferências com o professor da Universidade de Columbia que inventou a ferramenta para treinar todos os investigadores do teste clínico da Vivus sobre como usá-la. Todo este monitoramento não ficará barato. No ano passado, a Vivus tomou a decisão dolorosa de vender sua nova droga aprovada para a menopausa por 180 milhões de dólares para poder custear o restante do processo de testes clínicos do Qnexa.

Durante a longa luta da Vivus, a mais promissora droga no horizonte era o Acomplia da Sanofi. Em junho passado, Leland e seus colegas correram ao escritório às 5 horas da manhã para assistir ao debate do FDA ao vivo. Eles queriam verificar quaisquer possíveis chaves de como navegar as questões regulatórias ao redor desse tipo de drogas. À medida que as discussões sobre depressão se estendiam, ela somente reforçava a Leland a importância de ter colocado medidas extras em curso para entender os efeitos colaterais: "Pequenas empresas", ele afirma, "não podem se dar ao luxo de cometer erros".

Naquele mesmo dia em junho, John Amatruda, da Merck, chegou ao escritório e sintonizou na transmissão via web do painel da Acomplia. Amatruda, o vice-presidente da Merck para pesquisa clínica, tinha boas razões para estar preocupado. A Merck ainda está se recuperando do desastre do Vioxx, seu tratamento para artrite que foi associado a infartos e derrames. Parte do planejamento de recuperação da empresa se voltava para acelerar o processo de desenvolvimento de drogas com grande potencial de mercado, e fazê-las chegar às mãos dos pacientes o mais rapidamente possível. Mas o enfrentamento das questões regulatórias da Merck no passado levaram Amatruda a tomar uma abordagem oposta, ou seja, desacelerar as pesquisas nos compostos para obesidade até que a sua equipe pudesse provar que eram seguros.

A cautela extra foi implementada. A droga da Merck, como a da Sanofi, afeta os receptores endocanabinóides do cérebro, assim chamados porque, quando estimulados, causam a euforia associada ao ato de fumar maconha – e a fome que acompanha o uso da droga. (A aposta é que, ao bloquear tais receptores, também serão bloqueados a vontade de comer um saco inteiro de salgadinhos de uma só vez, dizem.) Os cientistas que estão trabalhando nessas drogas têm, por muito tempo, suspeitado que elas afetam o humor no sentido contrário à maconha, deixando os pacientes desanimados.

Ficar deprimido

Os envolvidos no desenvolvimento da droga da Sanofi estavam tão preocupados com o potencial efeito sobre o humor gerado pelo Acomplia, que excluíram pacientes deprimidos dos testes. Tal omissão pode ter sido o motivo de sua queda. A própria obesidade pode causar depressão, e sem os dados sobre como tais pessoas respondem à droga, os integrantes do painel estavam sem esta informação. "Com qual freqüência as pessoas obesas pensam sobre suicídio? Nós nunca tivemos uma resposta a respeito," afirma o integrante do painel da FDA Clifford Rosen, cientista sênior do Portland Medical Center Research Institute em Maine. Paul Chew, presidente de pesquisa e desenvolvimento da Sanofi nos EUA afirma que ele espera "entender melhor com testes adicionais." Um estudo atual com 17 mil pacientes inclui pessoas com depressão clínica.

Levando a sério os avisos sobre depressão durante a revisão da Sanofi, a Merck adicionou um ano extra nos testes de sua droga para perda de peso, de modo a obter mais dados. Tal medida encurtou a liderança que mantinha sobre a rival Pfizer, que também está desenvolvendo uma droga para a obesidade baseada em receptores endocanabinóides. Mas a semelhança entre a droga para obesidade da Merck e a da Sanofi era próxima demais. "Não é trivial," afirma Amatruda, um endocrinologista de formação que ainda atende pacientes obesos uma vez ao mês no Hospital São Lucas em Nova Iorque. "Nós precisamos garantir que podemos definir o perfil risco/benefício."

Após a revisão negativa do Acomplia pelo FDA, a Merck ajustou sua estratégia de pesquisa. Ela voltou aos médicos que estavam conduzindo os testes clínicos e os instruiu para que dobrassem seus esforços para acharem os pacientes que abandonaram os testes. "Alguns pacientes simplesmente desaparecem", afirma Amatruda, porque não estão satisfeitos com o tanto de peso que estão perdendo, ou porque estão sofrendo de algum efeito colateral que não querem comentar. "Nós estamos ativamente procurando esses pacientes. Precisamos obter a informação sobre o porquê deles abandonarem os testes."

Em 8 de janeiro, a Merck recebeu uma prévia sobre o escrutínio a que a sua droga contra a obesidade será submetida. Após ter divulgado seu pequeno estudo de 12 semanas, a mídia enfatizou uma revelação perturbadora: aproximadamente 30% dos pacientes que tomaram a droga relataram efeitos colaterais psiquiátricos tais como depressão, contra 18% entre os que estavam tomando placebo. Amatruda diz que os efeitos colaterais são claramente piores nos pacientes que tomaram as doses mais elevadas da droga, e que a empresa decidiu não buscar a aprovação do FDA para as dosagens altas. "Nós obviamente consideramos os efeitos colaterais com muita seriedade", afirma. Não ficará claro até o final do ano, quando a Merck começar a divulgar os resultados de sua última rodada de testes, se as dosagens mais baixas produzem perda de peso considerável.

A Merck e todos os outros que estão em busca do mercado irresistível da obesidade, tornaram-se ótimos administradores de expectativas. No dia 15 de novembro de 2007, após a Amylin anunciar os resultados de seus testes da droga para perda de peso, havia gestos de vitória nos laboratórios e escritórios na sede da empresa. Mas os executivos não chegaram a pular para dentro do chafariz azul cristal no jardim – um ritual de celebração criado após a Amylin ter lançado suas duas drogas para diabetes no mercado em 2005. A perda de 11 quilos no peso, em média, nos testes "foi tremenda," declara Bradbury. Mas ele prontamente acrescenta: "não sabemos o que ela irá fazer a longo prazo".

Arlene Weintraub

Jornalista de ciência e tecnologia da revista Business Week.

  • *
    Publicado originalmente na
    Business Week, de 6 de março de 2007.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008
    Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental Av. Onze de Junho, 1070, conj. 804, 04041-004 São Paulo, SP - Brasil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretaria.auppf@gmail.com