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Apresentação

APRESENTAÇÃO

Ana Maria Galdini Raimundo Oda

O presente suplemento da Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental é dedicado à história das enfermidades dos negros escravos. Através de variadas abordagens, os estudos aqui apresentados tomam a saúde e as doenças dos africanos em terras ibero-americanas como seu objeto principal, trazendo colaborações originais a um campo ainda pouco explorado, apesar de sua importância. As investigações localizam-se em Cuba de fins do século XVIII e no Brasil do XVIII e XIX; são sete artigos originais, além da republicação de excertos de três fontes primárias sobre a nostalgia dos escravos.

De início, temos uma ampla síntese historiográfica da produção acadêmica sobre a saúde dos escravos no Brasil feita por Ângela Pôrto. A autora indica fontes disponíveis - reunidas num banco de dados informatizado, pelo grupo de pesquisa sediado na Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz, Rio de Janeiro) - e aponta os principais debates e as tendências historiográficas sobre o tema.

Os três artigos seguintes tratam da psicopatologia dos escravos, melhor dizendo, da psicopatologia da escravidão. A história do banzo, mortal nostalgia dos africanos trazidos ao Brasil, é revisada no artigo de Ana Maria Galdini Raimundo Oda, que comenta as posições dessa peculiar enfermidade nos âmbitos das histórias da psicopatologia, do tráfico transatlântico e das doenças - destacando que o banzo é um argumento mobilizado na luta discursiva contra os males do tráfico e da escravidão. O outro trabalho da mesma autora contextualiza os excertos, aqui republicados, de dois médicos que escreveram sobre o banzo, Sigaud e von Martius.

O artigo de Adrián López Denis reconstrói o processo de apropriação discursiva presente num estudo sobre a nostalgia dos escravos em Cuba, estudo inserido no tratado escrito por Francisco Barrera y Domingo, em 1798. O autor mostra como Barrera combina argumentos médicos e princípios políticos, tomando idéias de autores como Scheuchzer, Buffon e Raynal para construir sua original explicação sobre essa patologia.

A seguir, o artigo de Kaori Kodama analisa o trabalho do francês Mathieu Audouard sobre a febre amarela, um dos flagelos do mundo colonial. Esse médico acusava o tráfico negreiro de ser a causa primordial da doença. A autora comenta a apropriação das idéias do doutor Audouard no Brasil, num período em que a assustadora perspectiva da chegada de uma epidemia de febre amarela coincide com os inflamados debates sobre a extinção do tráfico negreiro, em meados do século XIX.

A história dos graves surtos epidêmicos de varíola ocorridos em Belém do Pará nos séculos XVIII e XIX é objeto do próximo artigo, de Magali Romero Sá. A partir de relatos de viajantes (La Condamine, von Spix e von Martius) e de registros dos Arquivos Públicos do Pará, a autora destaca os primeiros esforços de imunização empreendidos por missionários e pelo governo colonial, e indica a associação entre as epidemias e o incremento do tráfico de escravos.

Finalmente, Maria Regina Cotrim Guimarães nos fala sobre o "doutor da capa preta", o Dicionário de Medicina Popular, manual escrito por Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, um sucesso editorial com várias reedições. A autora sublinha o caráter pedagógico, civilizador e higienista dessa obra destinada a leigos, e que foi uma importante fonte de conhecimentos para o tratamento das enfermidades dos escravos no Brasil do Segundo Reinado.

Parte importante deste suplemento é a republicação de fragmentos de três autores que se ocuparam da nostalgia dos escravos: o médico francês Joseph François Xavier Sigaud (Du climat et des maladies du Brésil, de 1844); o naturalista bávaro Carl Friedrich Philipp von Martius (Natureza, doenças, medicina e remédios dos índios brasileiros, de 1844); e o cirurgião espanhol Francisco Barrera y Domingo (Reflexiones Historico Fisico Naturales Medico Quirurgicas, de 1798). Merece destaque a rara obra de Barrera, médico de escravos em Cuba - um impressionante trabalho que Adrián López Denis nos dá oportunidade de conhecer, e do qual reproduzimos trechos da única edição do manuscrito, publicada em Cuba em 1953.

Os artigos de Ângela Pôrto e de Magali Romero Sá são versões ampliadas de trabalhos apresentados no XIV Congresso da Sociedade Espanhola de História da Medicina, na Mesa "Males e infortunios de la esclavitud: visiones sobre las enfermedades de los negros esclavos en América" (Granada, junho de 2008). Os de autoria de Kaori Kodama, de Maria Regina Cotrim Guimarães e um dos de Ana Maria Oda correspondem a comunicações apresentadas no Simpósio "Escravidão, tráfico, raça e pathos: novas perspectivas da história das moléstias dos negros cativos no Brasil", ocorrido durante o III Congresso Internacional e IX Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental (Niterói, setembro de 2008). O segundo artigo de Ana Maria Oda foi escrito especialmente para este suplemento, assim como o ensaio de Adrián López Denis.

A organizadora agradece sinceramente aos autores pela generosa disposição em colaborar com seus excelentes trabalhos, bem como ao editor Manoel Tosta Berlinck, cujo entusiasmo, estímulo e apoio foram essenciais para que este suplemento viesse à luz.

Ana Maria Galdini Raimundo Oda

Psiquiatra; doutora em ciências médicas (Universidade Estadual de Campinas - Unicamp; Campinas, SP, Brasil); pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp; editora associada da Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental (seção História da Psiquiatria).

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e-mail: anaoda@uol.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2009
  • Data do Fascículo
    Dez 2008
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