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Sobre limites em psicanálise

RESENHA DE LIVROS

Sobre limites em psicanálise

Eliane Michelini Marraccini

Psicóloga; psicanalista; mestre e doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP (São Paulo, SP, Br); professora e supervisora do curso "Formação em Psicanálise" do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae (São Paulo, SP, Br); membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (São Paulo, SP, Br)

Mailing Address Mailing Address: Eliane Michelini Marraccini Rua Pará, 50/44 01243-020 São Paulo, SP Fone: (11) 3257-3790 / Fonefax: m(11) 3815-9521 e-mail: eliane.marraccini@terra.com.br

Limites da clínica. Clínica dos limites Claudia Amorim Garcia e Marta Rezende Cardoso (Orgs.) Rio de Janeiro: Cia. de Freud/Faperj, 2011, 212 págs.

Esta coletânea de artigos inéditos aborda o importante tema dos limites em psicanálise, retomando o Simpósio Limites da clínica. Clínica dos limites, realizado na PUC-Rio em 2010. São discutidas questões intrínsecas à própria psicanálise, sua teoria e desafios da clínica atual, de modo a problematizar, ampliar e aprofundar esse tema instigante e, por vezes, polêmico.

A psicanálise como prática de subjetivação e não de normalização dos sujeitos, vem construindo novos espaços de potência para a clínica que, embora contando com limites e tendo de lidar com o limite da própria psicanálise, ultrapassou alguns limites instituídos em relação ao seu próprio campo. Alargou sua amplitude para o tratamento das psicoses, das crianças, das somatizações, das compulsividades e dos estados-limite, salientou Joel Birman.

Os limites do setting tradicional vieram sendo revistos para demais contextos, com atendimentos inovadores em relação aos individuais, além de abarcar atendimentos especiais, como no caso do autismo, tema do artigo de Suzana Faleiro Barroso e Ana Beatriz Freire. Estendeu-se em propostas de cunho social, como a Casa da árvore que acolhe crianças de favelas, tema do artigo de Lulli Milmann. Em semelhante direção, o artigo de Andréa Reis e Marcus André Vieira descreve a experiência no Projeto de psicanálise aplicada Digaí-Maré, oferecendo atendimento dentro de uma favela.

Numa visão de continuidade entre psique e soma, contrária à dicotomia cartesiana que influenciou o desenvolvimento da teoria freudiana, Monah Winograd retoma a questão desde os filósofos gregos. Os limites entre o psíquico e o somático foram abordados por Maria Helena Fernandes com foco na clínica contemporânea. O olhar e a escuta do psicanalista, recebendo os traços de inscrição da dor do outro, acolhem seus efeitos muitas vezes em seu próprio corpo, de modo a figurar esta imagem e descrevê-la em palavras, acompanhando o paciente no estabelecimento de um sistema simbólico.

Em perspectiva mais ampla do funcionamento psíquico e manifestações da clínica, Regina Herzog considera impróprio pensar-se o aparelho psíquico como um aparelho de representar, considera que deveria abarcar, além da linguagem verbal, a linguagem do sensível. O que vai de encontro com as reflexões de Paulo de Carvalho Ribeiro em torno dos momentos iniciais da constituição psíquica, destacando a concepção de Gaddini sobre os estágios pré-primitivos e "memória fisiológica" da vivência de limite dentro do útero. A experiência esquizóide e a organização da personalidade esquizóide foram examinadas por Carlos Augusto Peixoto Junior com base nas contribuições de teóricos que tomam por base as relações objetais primitivas, como Fairbain, Ogden, Winnicott, Guntrip e Bollas.

De acordo com Gabriela Maldonado Borges e Marta Rezende Cardoso, os sonhos traumáticos condensam a interligação entre o encontro com a morte, a fixação no momento do "acidente" e a compulsão à repetição. O risco da vida em perigo que não consegue ser representado e o retorno alucinatório da "fixação ao trauma" são aspectos revividos, enquanto a compulsão à repetição reflete o fracasso da elaboração psíquica.

Relembrando que Freud articulou a interpretação ao estabelecimento da transferência, Ana Maria Rudge destaca a oposição entre os que consideram a interpretação a grande arma da psicanálise (freudianos e lacanianos) e aqueles que consideram a relação terapêutica a promovedora das modificações (winnicottianos e ferenczianos). Por outro lado, os limites da interpretação são destaque para Luiz Augusto M. Celes e Claudia Amorim no exame do texto freudiano, em abordagem da psicanálise como clínica do trauma, como clínica da representação e como clínica da pulsão. Em diferentes condições da prática psicanalítica atual, Luís Claudio Figueiredo considera que a noção de situação analisante, proposta por Donnet, substitui com vantagem a noção de "situação analítica", sugerindo vivacidade e atividade de seu objeto, o analista sendo presença viva e mais implicada.

Como é possível conferir, esse livro teve a felicidade de discutir importantes e variadas questões sobre os limites da psicanálise, da teoria ou da clínica psicanalítica atual, implícitos ou explicitados nas reflexões íntimas de cada profissional, nas discussões entre pares, tendo lugar no atendimento clínico tradicional ou em diferentes contextos onde a psicanálise possa se dar. Especiais cumprimentos às organizadoras pela ampla visão ao empreenderem a publicação dessas múltiplas e ricas contribuições, compilando-as em livro de referência com tratamento de excelência para o tema.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012
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