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A universidade e a inclusão social

EDITORIAL

A universidade e a inclusão social

Renato H. L. Pedrosa

Professor Associado; Departamento de Matemática/IMECC e Departamento de Política Científica e Tecnológica/IG; Coordenador Adjunto, Centro de Estudos Avançados (CEAv), GR/Unicamp; Coordenador do Grupo de estudos em Educação Superior (GEES), CEAv - Centro de Estudos Avançados Gabinete do Reitor - Unicamp (Campinas, SP, Br)

Endereço para correspondencia Endereço para correspondencia: Cidade Universitária "Zeferino Vaz" - Barão Geraldo Caixa Postal 6194 13.083-872 Campinas, SP, Br E-mail: renato.pedrosa@reitoria.unicamp.br

Em seu artigo1 1 Burton R. Clark (1973). Development of the Sociology of Higher Education. Sociol. Education, 46(1), pp. 2-14. de 1973 sobre o desenvolvimento da sociologia da educação superior (ES), Burton Clark coloca quais seriam os temas surgidos no estudo da educação superior americana, a partir de 1945. Os dois principais, segundo a análise: desigualdade na educação superior (incluindo classe social, raça, etnicidade e gênero) e impacto da experiência e transformações que a vida universitária teria sobre os estudantes que por ela transitam.

Esse temas continuam centrais nos estudos sobre ES ao redor do mundo, e podem ser vistos sob um prisma ampliado, o da inclusão social. Além dos aspectos relacionados à desigualdade no acesso ou à vida estudantil, a premissa da inclusão social propõe a ES como fator essencial para a formação pessoal, preparando para o acesso pleno à cidadania e a oportunidades profissionais. É crescente o número de estudos que analisam o impacto da ES na vida adulta, em particular na expansão dos horizontes profissionais, formando uma tríade com os dois temas propostos por Clark: acesso, impacto da vida estudantil e trânsito para a vida adulta e profissional.

Esses três momentos podem ser concomitantes: o jovem se forma no ensino médio, começa a trabalhar, em algum momento sente a necessidade da formação superior, avalia as oportunidades de conseguir acesso em um curso, depois de se manter e conclui-lo, provavelmente trabalhando, e como isso impactará sua vida profissional ao se graduar. Este grupo é composto, hoje, em sua maioria, por jovens adultos oriundos de famílias em que serão, muito provavelmente, os primeiros a seguir um curso superior. Para uma outra parte da população, o ensino superior é uma sequência natural, visto que seus pais já terão passado por essa experiência e tiveram a condição de apoiá-los na preparação necessária para ingressar em um curso e durante seus estudos superiores.

Aqui está a chave para se compreender a educação superior brasileira atual, como ela se desenha em nível de graduação. Hoje, apenas cerca de 10% da população adulta brasileira (25-64 anos) completou um curso superior. Os filhos de famílias onde pelo menos um dos genitores está nesse grupo progridem, em geral, para um curso superior ao se graduarem no ensino médio. São jovens e estudam, em sua maioria, durante o dia. Uma parte significativa do grupo complementar terá seus filhos trabalhando e estudando ao mesmo tempo, sendo a maioria da população estudantil em nível superior no Brasil. E esses, em geral, são mais velhos e estudam em período noturno.

O primeiro grupo busca, principalmente, acesso a instituições públicas, que até recentemente, com poucas exceções, só ofereciam cursos em período diurno. Aqueles que precisam trabalhar, estudam, em geral, em instituições privadas, em período noturno. No sistema público, a média de idade é de 21-22 anos, no sistema privado, de 26-27 anos. Observe-se que não é verdade que não há, em instituições públicas, muitos jovens oriundos de famílias em que os pais não chegaram à universidade: de fato, como esse grupo ainda é largamente majoritário no Brasil, em geral mais da metade dos estudantes em instituições públicas de ES a ele pertence.

Um outro aspecto desse quadro social/educacional é a distribuição das matrículas no ensino superior: são mais de 6 milhões de matrículas, 25% em instituições públicas, 75% nas particulares. Essa proporção era de 40%/60% em 1994, tendo evoluído, de maneira consistente, em favor do sistema privado. Mas o sistema público também se expandiu de forma expressiva: em 1994 havia 1,7 milhões de matriculados em todo o sistema, hoje há quase esse número de matriculados apenas no sistema público.

Voltando ao tema geral da inclusão social, podemos observar, seguindo os temas de Clark, acrescido do tema da transição para a vida adulta/mundo do trabalho, que há algumas tendências recentes relevantes: 1) o acesso passou a tema político central, com a instituição de políticas afirmativas para grupos desfavorecidos, economicamente ou em relação a cor/raça; 2) a vida estudantil entrou gradativamente no radar, em particular pela necessidade de se avaliar como essas políticas afirmativas impactam a vida dentro das instituições; 3) a necessidade de recursos humanos qualificados para que o país possa, minimamente, competir internacionalmente e crescer internamente entrou também na pauta política do país, principalmente a partir do momento em que a indústria anunciou que tinha dificuldades em contratar pessoal qualificado. Um quarto tema, associado aos demais, também se apresenta: a qualidade da formação, medida pelas avaliações educacionais, passou a ser tema recorrente em debates sobre a ES (e sobre a educação em geral).

Do ponto de vista individual, tão importante quanto o social/econômico geral, o impacto do ES é enorme. Atua sobre a autoestima, sobre a capacidade de entender melhor o mundo ao nosso redor, sobre as habilidades para desempenhar tarefas complexas. Finalmente, profissionalmente, é conhecido o degrau salarial adicionado pela formação superior (a "taxa de retorno" da educação superior), em relação à formações anteriores. Um estudo recente2 2 F. H. Barbosa Filho & S. Pessôa (2008). Retorno da educação no Brasil. Pesq. Plan. Econ., IPEA, 38(1), pp. 97-125. indica que o prêmio salarial para quem tem diploma superior (sobre o salário auferido por alguém com o ensino médio) é de 32,8%, sendo o dobro daquele obtido por alguém que conclui o ensino médio (sobre ensino fundamental completo). O estudo mostra também que esse diferencial é crescente, tendo se acelerado muito a partir de 1996 (enquanto o prêmio para ensino médio caiu), indicando o quanto a modernização em curso da economia brasileira premia uma formação mais qualificada.

Essa informação é extremamente relevante, indicando a necessidade não só de que a expansão do ES continue, mas que as oportunidades de acesso sejam garantidas a todos os extratos sociais da população, e a qualidade da formação garantida, caso contrário o prêmio salarial crescente da formação superior pode resultar em ampliação de desigualdades sociais, fenômeno conhecido e comum em situações semelhantes àquela em que se encontra atualmente o Brasil.

Nota do Editor Responsável

A partir deste número, nossa revista apresenta nova seção denominada "Primeiros Passos" cuja Editora Associada será a Profa. Dra. Ana Cecília Magtaz.

Ela publicará artigos de pesquisadores iniciantes - estudantes de Iniciação Científica ou de Especialização - sem, necessariamente, ser em coautoria com seus orientadores.

Pretende, com isso, estimular a autoria e incentivar a criação científica. Essas duas funções são consideradas muito importantes: uma revista científica deve contribuir para o aperfeiçoamento de pesquisadores iniciantes e para o enriquecimento do conhecimento científico através de seus trabalhos. Frequentemente jovens pesquisadores possuem concepções valiosas que são ignoradas ou esquecidas por cientistas experimentados, conformados pelos seus próprios pontos-de-vista. Como o conhecimento científico precisa crescer e ser constantemente reinventado, esta seção pretende colaborar de forma marcante nesta direção.

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  • 1
    Burton R. Clark (1973). Development of the Sociology of Higher Education. Sociol. Education, 46(1), pp. 2-14.
  • 2
    F. H. Barbosa Filho & S. Pessôa (2008). Retorno da educação no Brasil. Pesq. Plan. Econ.,
    IPEA, 38(1), pp. 97-125.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013
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