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Quem tem corpo vai a Roma

RESENHA DE LIVROS

Quem tem corpo vai a Roma

Ana Cecilia Magtaz

Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - USP (São Paulo, SP, Brasil)

Corpo para que te quero? Usos, abusos e desusos

Junia de Vilhena e Joana de Vilhena Novaes (Orgs.)

Rio de Janeiro: Appris e PUC-Rio, 2012, 334 págs.

Corpo para que te quero? Usos, abusos e desusos, inscreve-se na tradição de pesquisas e publicações que o Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social da PUC-Rio, Lipis, vem desenvolvendo.

Mais uma vez, com agudo rigor teórico e originalidade, sem, contudo, perder o dom da leitura agradável, as organizadoras convidam, para acompanhá-las, vários autores de diferentes campos do saber; muitos deles pesquisadores do Lipis.

Abordando a clínica em seus múltiplos aspectos, a antropologia, a história, a comunicação e a ecologia, o livro traz a marca do que tem sido o trabalho desenvolvido por ambas em suas preocupações em difundir as diferentes formas de conhecimento, sem jamais perder de vista a realidade brasileira.

Corpo-máquina para o trabalho e corpo que se rende às modelizações do que é ditado como belo e saudável; corpo que se quer livre e procura afirmar novos direitos e sexualidades; corpo-potência que protesta nas ruas contra um mal-estar inaceitável; corpo-captura que sofre de indiferença, negligência e loucura. Dilacerado nas "doenças da beleza" e na violência cotidiana; sofrido pela fome de comida nos "mundos tão desiguais", sofrido pela fome de afeto, em um mundo tão indiferente, o corpo é fonte de angústia, de prazer, de consumo, de carência, visível ou ignorado, esquadrinhado, controlado, liberto ou regulado. Multifacetado em tantos aspectos e objeto de tantos estudos e análises haverá ainda muito a ser dito sobre o corpo? As organizadoras acreditam que sim.

Mas, por que escolheram esse tema?

Estando ambas na academia, foi exatamente a busca pela multiplicidade de olhares, muito facilitada pela rede que se constituiu no Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social (Lipis) da PUC-Rio, que serviu de motor para a elaboração do livro. Como grande parte dos pesquisadores é associada ao Lipis, elas puderam acompanhar as pesquisas que vinham sendo desenvolvidas. Perceberam, também, como seria possível transmitir ao leitor estas diferentes experiências.

Contudo, se a academia é o campo privilegiado de trabalho das organizadoras desta coletânea, elas não poderiam deixar de buscar suas ressonâncias em diferentes campos da cultura.

Incomodadas com as frequentes acusações de dialogar consigo mesmas, as organizadoras se preocuparam em alargar a interlocução. O resultado desse generoso esforço refere-se ao legado que elas querem deixar para as gerações futuras. Como os cuidados com o corpo podem afetar o ambiente e em que consistiria um uso responsável e harmônico na forma desse corpo interagir com esse entorno.

O resultado é este livro que apresenta um diálogo onde diferentes fios constituem a tessitura de uma trama sobre a experiência do corpo. Experiência simultaneamente íntima e estranha posto que o corpo é, também, o que não sabemos e cujo caráter inatingível se dá na multiplicidades de suas verdades.

E é justamente para isso que a agradável e estimulante leitura nos leva: para uma Roma centro do mundo, onde os estrangeiros das mais diversas partes do Império se fazem presentes. O corpo é, assim, retratado como um irremediável outro que se tenta dominar, controlar, manipular, formar e deformar. Porém, ao fim e ao cabo, escapa: uma entidade eminentemente rebelde aos nossos desígnios.

O livro organizado por Vilhena e Novaes revela que o corpo registra esse esforço, deixando-se marcar. Mas, ao contrário do dócil gado, o corpo do humano é um estranho de si mesmo, sempre surpreendente. E essa repetida surpresa só estimula quem habilita o próprio corpo a continuar um exercício de domínio que termina com a fuga final e irremediável do rebelde.

Inapreensível por excelência, seria por isso que o corpo solicita sempre uma trama inconsútil visando capturá-lo?

Ana Cecilia Magtaz

Psicóloga; Psicanalista; Doutora pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP (São Paulo, SP, Br.); Professora do Curso de Especialização em Psicopatologia e Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - FSP-USP (São Paulo, SP, Br.); Diretora Administrativa da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental - AUPPF (São Paulo, SP, Br).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Out 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2013
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