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Os mundos da psiquiatria

Correia, Diogo Telles. Psiquiatria de ligação na prática clínica. 2011. Lidel, Lisboa: 228

Desde as suas origens que a psiquiatria se constitui em inter-relações. Os tratamentos psicofarmacológicos vieram revolucionar a prática psiquiátrica e, o que mais releva, as perspectivas dos seus beneficiários. Das prisões aos asilos, dos asilos aos hospitais, assiste-se cada vez mais à integração dos doentes em serviços não psiquiátricos. Fruto do aumento de conhecimentos sobre as causas e factores moduladores das doenças psiquiátricas, é hoje possível trabalhar em conjunto com outras especialidades para o melhor tratamento da pessoa no seu todo.

Se, por um lado, as causas, factores precipitantes e predisponentes se organizam em determinadas apresentações, estas podem assumir as formas mais variadas em resposta a eventos semelhantes. Sejam estas quadros reativos, mais ou menos estáveis no tempo, de acordo com o desencadeante, ou se manifestem como graves quadros clínicos psiquiátricos. E, há que relembrar, a interligação da patologia psiquiátrica com doenças e apresentações físicas. A este propósito, o coordenador do livro elabora sobre as características, destacando diferenças e semelhanças que se têm estabelecido em medicina psicossomática e psiquiatria de ligação.

Porque a complexidade dos casos pode complicar a avaliação têm sido validados instrumentos para melhor compreensão dos mesmos. Conhecer as estratégias de coping permite ao clínico conhecer melhor o doente e desenvolver com este estratégias potencialmente mais adaptativas; além disso, permite extrapolar para reações a propostas e acontecimentos que possam advir. As escalas dirigidas a uma melhor caracterização dos sintomas ou, mesmo, instrumentos diagnósticos, podem ter reflexo no tratamento. Podem ainda ser colhidos dados sobre adesão terapêutica, qualidade de vida, ou outros. Sejam estes colhidos por auto ou heteropreenchimento são um importante componente na prática clínica e, quando haja interesse, em investigação.

Feita a observação, e porque as doenças médicas concorrem tão frequentemente com doenças do foro psiquiátrico, pode ser necessária a instituição de psicofármacos. Há que dirigir a escolha segundo as indicações do fármaco, porém, há que estar igualmente atento aos efeitos adversos e interações medicamentosas. E não só da(s) característica(s) do(s) fármaco(s) depende a resposta. Com o advento dos antipsicóticos atípicos importa relembrar a síndrome metabólica, cujos critérios afinal dependem de vários factores, desde aqueles, a outros fármacos, a aspectos individuais. Ressalta aqui a faceta endocrinológica; neste livro é igualmente destacado o papel da prolactina e, que outro período mais susceptível a modificações hormonais, a gestação. Na prática clínica a mulher grávida com necessidade de tratamento psicofarmacológico constitui um dos maiores desafios dada a escassez de estudos relativamente a outras populações. O capítulo “Psicofármacos na gestação” sumariza esses mesmos dados e o leitor é convidado à leitura do artigo que lhe deu origem pelos mesmos autores.

Nem só de psicofármacos se faz psiquiatria de ligação. A intervenção psicológica é crucial no apoio a alguns doentes, como aliás se pode tornar claro após uma cuidada avaliação. Os mecanismos de coping podem elucidar sobre a forma como o doente lida com a sua doença, nas suas crenças, no seu sistema familiar, na comunicação com os outros. Na sua abordagem podem ser promovidas modificações de comportamento que permitam estratégias mais adequadas a uma maior qualidade de vida. Para além do doente, a família, o profissional de saúde, e, em geral, as pessoas envolvidas, beneficiam de competências de comunicação. E, relativamente às últimas, este livro não podia deixar de referir o luto patológico e a transmissão de notícias difíceis.

Por fim, e nesta integração de inter-relações, uma notável exposição sobre bioética e psiquiatria de ligação, onde além dos fundamentos são considerados aspectos específicos de apresentação não rara em psiquiatria, tais como consentimento informado, contenção mecânica, hospitalização involuntária.

O livro Psiquiatria de ligação na prática clínica sintetiza conhecimentos de relevo a todos os que queiram exercer ou investigar na abrangente fronteira entre a saúde física e mental.

  • Citação/Citation : Moreira, A. L. (2015, março). Os mundos da psiquiatria. Resenha do livro Psiquiatria de ligação na prática clínica. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 18(1), 170-172.

Editado por

Editor do artigo/Editor : Profa.Dra. Sonia Leite

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2014
  • Aceito
    13 Dez 2014
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