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A tradução de Die Verneinung para o Português e uma nova hipótese*1 *1 Artigo baseado na tese de doutorado de Deborah Klajnman, subvencionada pela Capes, com o seguinte título: “Todo mundo é louco, ou seja, delirante: uma concepção desde Freud” e defendida em novembro de 2018 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.

The translation of Die Verneinung into Portuguese and a new hypothesis

La traduction de «Die Verneinung» en portugais et une nouvelle hypothèse

La traducción en portugués de “Die Verneinung” y una nueva hipótesis

Die Übersetzung des Artikels „Die Verneinung“ ins Portugiesische und eine neue Hypothese

Os autores realizam, a partir da análise de diferentes versões e traduções do artigo freudiano Die Verneinung (1925), uma investigação sobre fundamentais termos e concepções empregados por Freud, possibilitando um novo exame sobre alguns fenômenos clínicos e impasses diagnósticos.

Palavras-chave:
Denegação; neurose; loucura; psicanálise


(The translation of “Die Verneinung” into Portuguese and a new hypothesis)

Based on an analysis of different versions and translations of Freud’s article “Die Verneinung” (1925), the authors examine the fundamental terms and concepts employed by Freud, which allows casting a new light on some clinical phenomena and diagnostic issues.

Key words:
Denial; neurosis; madness; psychoanalysis

(La traduction de «Die Verneinung» en portugais et une nouvelle hypothèse)

À partir de l’analyse de différentes versions et traductions de l’article de Freud «Die Verneinung» (1925), les auteurs mènent une enquête sur les termes et notions fondamentaux employés par Freud, permettant un nouvel examen de certains phénomènes cliniques et d’impasses diagnostiques.

Mots clés:
Dénégation; névrose; folie; psychanalyse

(La traducción en portugués de “Die Verneinung” y una nueva hipótesis)

Los autores realizan, a partir del análisis de diferentes versiones y traducciones del artículo freudiano Die Verneinung (1925), una investigación sobre términos y concepciones fundamentales empleados por Freud, haciendo posible un nuevo examen sobre algunos fenómenos clínicos y dificultades diagnósticas.

Palabras clave:
Denegación; neurosis; locura; psicoanálisis

(Die Übersetzung des Artikels „Die Verneinung“ ins Portugiesische und eine neue Hypothese)

Dieser Artikel analysiert verschiedene Versionen und Übersetzungen von Freuds Artikel „Die Verneinung“ (1925), um das Verständnis der von Freud verwendeten grundlegenden Begriffe und Konzepte zu vertiefen. Dies wiederum ermöglicht es, ein neues Licht auf einige klinische Phänomene und diagnostische Probleme zu werfen.

Schlüsselwörter:
Verneinung; Neurose; Wahnsinn; Psychoanalyse

Não é novidade que a obra de Freud é riquíssima, e que a maioria dos seus textos possibilite ainda investigar conceitos e noções de forma mais profunda e interpretá-los de acordo com diferentes leituras. Entretanto, além de sua própria complexidade, há outra questão que merece ser destacada e tratada cuidadosamente quando sua leitura não é feita na língua original, o alemão.

Logicamente, a despeito dos esforços dos tradutores em realizar versões alcançáveis para quem não possui fluência na língua materna do autor, há em toda tradução um desafio de procurar manter-se fidedigna ao conteúdo original, de modo a não comprometer o entendimento da obra. Entendemos, assim, que toda tradução requer muita cautela, pois as dimensões de perda, redução e traição dificilmente deixarão de se apresentar.

Com a obra freudiana, conhecemos, por exemplo, as divergências1 1 Destacamos como duas das mais clássicas os termos Trieb, traduzido como “instinto” e “pulsão”, e Verdrängung, vertido como “repressão” e como “recalcamento”. existentes desde as suas primeiras traduções para o português, realizadas a partir da mediação pelo inglês, e que, aos poucos, vêm sendo acompanhadas de novas edições de tradições feitas diretamente do alemão.

A tradução do texto Die Verneinung, de 1925, não deixou de enfrentar tais questões, a começar por seu título, traduzido em francês por La négation (Freud, 1925/1992Freud, S. (1992). La négation. In Œuvres complètes (Vol. XVII, 1923-1925). Paris, França: Presses Universitaires de France. (Trabalho original publicado em 1925)., 1925/s.dFreud, S. (s/d.). La négation. Traduit par Thierry Simonelli. Disponível em: <http://www.psychanalyse.lu/articles/FreudVerneinung.htm#fn1>. (Trabalho original publicado em 1925).
http://www.psychanalyse.lu/articles/Freu...
. e 1925/2015Freud, S. (2015). La négation. Paris, França: L’Herne Éditions de L’Herne. (Trabalho original publicado em 1925).) e por La dénégation (Freud, 1925/1982Freud, S. (1982). Die Verneinung (la dénégation). Tradução e comentários de Pierre Thèves e Bernard This. Paris, França: Le Coq-Héron. (Trabalho original publicado em 1925).). Esta última tradução, de acordo com os desenvolvimentos de Jean Hyppolite e Jacques Lacan, sustenta-se por se tratar não de uma negação, mas de uma negação da negação - o recalque (Verdrängung) é para Freud uma negação, e a denegação é a negação do recalque - como será visto mais adiante. Em português o título foi traduzido por A negativa (Freud, 1925/1969f) e por A negação(Freud, 1925/2011Freud, S. (2011). A negação. In Obras completas (Vol. 16 - O eu e o id, “Autobiografia” e outros textos (1923-1925), São Paulo, SP: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1925).).2 2 Não tomamos conhecimento de nenhuma versão da língua portuguesa que tenha se apropriado da sugestão de Jean Hyppolite, A denegação, como título. O que também ocorre com a língua inglesa,3 3 De acordo com a versão da língua portuguesa da Imago (Freud, 1925/1969f) que, como sabemos, é mediada pela língua inglesa. que traz a distinção entre “to negate” e “to deny”, justificando o problema da tradução como uma forma de diferenciar o termo Verleugnen,4 4 Em português, traduzido como “Recusa”, “Renegação”, “Desmentido”. que também já havia sido traduzido como “to deny”, além do uso do termo “Negation”.5 5 Segundo a tradução da The Hogarth Press Limited (1925/1961) e Smith (2000/1925).

Isso posto, buscamos não apenas realizar uma cuidadosa observação do texto original em alemão,6 6 Gesammelte Werke (1948). como também examinar as escolhas feitas na tradução dos verbos werfen, verwerfen e introjizieren e suas substantivações em quatro edições em francês,7 7 Le Coq-Héron (1925/1982), que é a espinha dorsal deste item, e as outras três versões mais recentes: Presses Universitaires de France (PUF) de 1992 (Freud, 1925/1992), Thierry Simonelli de data não especificada (Freud, 1925/s.d.) e L’Herne editions de 2015 (1925/2015). uma em espanhol,8 8 Amorrortu (1925/1985). duas em inglês9 9 The Hogarth Press Limited (1925/1961) e Smith (1925/2000). e cinco em português.10 10 Destacaremos as referidas a seguir.

No segundo parágrafo do texto freudiano, Die Verneinung, observa-se a ocorrência do verbo verwerfen, conjugado na terceira pessoa do presente do singular: verwirft. Reproduzimos, a seguir, esse trecho na tradução coordenada por Pedro Heliodoro Tavares para a língua portuguesa:

Vez ou outra podemos conseguir chegar, de uma maneira muito cômoda, a um esclarecimento procurado sobre o recalcado inconsciente. Perguntamos: “O que o senhor considera mais improvável nessa situação? Em sua opinião, o que lhe estava mais distante naquela ocasião?”. Se o paciente cai na armadilha e nomeia aquilo em que ele menos consegue acreditar, ele acaba, com isso, quase sempre confessando o correto. Uma bela contrapartida a essa experiência se apresenta pelo neurótico obsessivo, que já foi iniciado na compreensão de seus sintomas: “Ocorreu-me outra ideia obsessiva. Imediatamente me ocorreu que ela poderia significar esta determinada coisa. Mas não, não pode ser verdade, senão ela não poderia ter me ocorrido. O que ele rejeita (verwirft), tomando essa justificativa que ouviu com atenção no tratamento, é, naturalmente, o sentido correto da nova ideia obsessiva. (Freud, 1925/2016Freud, S. (2016). A negação. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (Vol. Neurose, psicose e perversão; Tradução de M. R. Salzano Moraes). São Paulo, SP: Autêntica. (Trabalho original publicado em 1925)., p. 305; grifo adicionado)11 11 Optamos pela versão da Autêntica para a reprodução do texto em nosso artigo, pois nos parece a mais sensível em relação à distinção dos termos que estamos investigando e elaborando a nossa hipótese.

A importância desse trecho decorre principalmente de sua última frase. Em alemão, a frase: “Was er mit dieser der Kur abgelauschten Bergründung verwirft, ist natürlich der richtige Sinn der neuen Zwangsvorstellung” (1925/1948Freud, S. (1948). Die Verneinung. In Gesammelte Werke (vol. XIX). Frankfurt am Main, Alemanha: S. Fischer Verlag (Trabalho original publicado em 1925)., p. 12, grifo adicionado) foi traduzida em francês por Thèves e This como “Ce qu’il rejette en se fondant sur ce qu’il a ainsi entendu de la cure, c’est naturellement le sens exact de la nouvelle représentation obsedante” (Freud, 1925/1982Freud, S. (1982). Die Verneinung (la dénégation). Tradução e comentários de Pierre Thèves e Bernard This. Paris, França: Le Coq-Héron. (Trabalho original publicado em 1925)., p. 11; grifo adicionado). Nessa edição francesa, portanto, verwirft é traduzido por rejette, e Thèves e This, em seus comentários à tradução, ressaltam a importância do prefixo ver- (p. 34), sendo este o paradoxo a que Freud se refere: o paciente rejeita de forma surpreendente o que ouviu em seu tratamento, isto é, ele recua diante da sua própria mensagem e seus efeitos de retorno, o que contribui para a constituição da ideia, com base nesta leitura, de uma operação psíquica distinta daquela própria à psicose, mas cujos efeitos podem ser semelhantes.

Admitida a consideração feita por Thèves e This no trecho anteriormente reproduzido, de pontuar a separação ver-werfen, cabe investigar a ação expressa pelo verbo werfen como uma das saídas possíveis para o que não é bom para o sujeito ou, em termos lacanianos, como uma das formas de tratar o real. Assim, assinalamos, no quinto parágrafo do texto de Freud, a passagem em que esse verbo é utilizado, e que nos parece ser ainda mais relevante. Reproduzimos do original alemão: “Das ursprüngliche Lust-Ich will, wie ich na anderer Stelle ausgeführt habe, alles Gute sich introjizieren, alles Schlechte von sich werfen” (1925a, p. 13; grifo adicionado).

Façamos aqui um trabalho cuidadoso de verificação da mesma frase nas diferentes versões e traduções desse artigo. Theves e This (1982/1925), contabilizaram o total de 17 traduções da versão original alemã para o francês no período entre 1934 e 1982. Na língua portuguesa, foi possível consultar as seguintes versões: Imago sob a direção geral de Jayme Salomão (1969); Imago coordenada por Luiz Alberto Hanns (2007); Companhia das Letras, de Paulo Cesar de Souza (2011); Autêntica, realizada por Maria Rita Salzano Moraes (2016) e Cosac Naify de Marilene Carone (2014). A seguir, listamos as traduções12 12 Todos os grifos foram adicionados. pesquisadas nas edições em português:

  1. 1. “Como demonstrei noutro lugar, o ego-prazer original deseja introjetar para dentro de si tudo quanto é bom, e ejetar de si tudo quanto é mau” (1925/2013Freud, S. (2013). As pulsões e seus destinos (pp. 14-65; edição bilíngue). São Paulo, SP: Autêntica. (Trabalho original publicado em 1915)., p. 267).

  2. 2. “Como demonstrei em outro lugar, o ego-de-prazer originário quer introjetar em si todo o bom e pôr para fora todo o mau” (1925/2014Freud, S. (2014). A negação. Marilene Carone (tradução comentada do original alemão) São Paulo, SP: Cosac Naify. (Trabalho original publicado em 1925)., p. 23).

  3. 3. “O Eu-de-prazer original quer introjetar tudo que é bom e excluir tudo que é mau, como afirmei em outro lugar” (1925/2011Freud, S. (2011). A negação. In Obras completas (Vol. 16 - O eu e o id, “Autobiografia” e outros textos (1923-1925), São Paulo, SP: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1925)., p. 252).

  4. 4. “Conforme expus em outra parte, o Eu-prazer presente no início do desenvolvimento quer introjetar tudo que é bom e expelir de si tudo que é mau isto eu quero pôr para fora” (1925/2007Freud, S. (2007). A negativa. In Obras Psicológicas de Sigmund Freud (Vol. Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1925)., p. 148).

  5. 5. “O Eu-prazer (Lust-Ich) originário quer, como desenvolvi em outro lugar, intro- jetar-se tudo o que é bom e jogar fora (Werfen) tudo o que é mau”. (1925/2016Freud, S. (2016). A negação. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (Vol. Neurose, psicose e perversão; Tradução de M. R. Salzano Moraes). São Paulo, SP: Autêntica. (Trabalho original publicado em 1925)., p. 316)

Para além das disparidades das traduções do artigo de forma geral, e especificamente da frase em questão, nota-se a grande variedade de palavras ou expressões usadas na tradução do termo Werfen: “ejetar”; “pôr para fora”; “excluir”; “expelir” e “jogar fora”. Quer isso dizer que, dentre as cinco versões examinadas, todas são diferentes, e apenas uma mantém, mesmo que em parênteses, a palavra original alemã.

Temos ainda duas versões em espanhol: “El yo-placer originario quiere, como lo he expuesto en otro lugar, introyectarse todo lo bueno, arrojar de sí todo lo malo” (1925/1985Freud, S. (1985). La negación. In Obras completas (Vol. XIX). Buenos Aires, Argentina: Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1925)., p. 254) e “El yo primitivo, regido por el principio del placer, quiere introyectarse todo lo bueno y expulsar de sí todo lo malo”. (1925/1968Freud, S. (1968). La negación. In Sigmund Freud, Obras Completas (Vol. II). Madrid, Espanha: Biblioteca Nueva. (Trabalho original publicado em 1925)., p. 1134-1135). Duas em inglês que são idênticas: “As I have shown elsewhere, the original pleasure-ego wants to introject into itself everything that is good and to eject from itself everything that is bad” (1925/2000Freud, S. (2000, 2007, 2010). Negation. Freud Complete Works. Disponível em: <https://www.valas.fr/IMG/pdf/Freud_Complete_Works.pdf>. (Trabalho original publicado em 1925).
https://www.valas.fr/IMG/pdf/Freud_Compl...
, p. 4141; 1925/1961Freud, S. (1961). Negation. In The Standart Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. XIX). Toronto, Canadá: The Hogarth Press Limited, Clarke, Irwin and Co LTD. (Trabalho original publicado em 1925)., p. 237).

Nas outras três versões da língua francesa, listamos as seguintes traduções:

  1. 1. “Le moi-plaisir originel veut, comme que je l’ai exposé ailleurs, s’introjecter tout le bon, jeter loin de lui tout le mauvais” (1925/1992Freud, S. (1992). La négation. In Œuvres complètes (Vol. XVII, 1923-1925). Paris, França: Presses Universitaires de France. (Trabalho original publicado em 1925)., p. 169).

  2. 2. “Le moi-plaisir originel veut, ainsi que je l’ai expliqué ailleurs, introjecter en soi tout ce qui est bon [Gute] et rejeter de soi tout ce qui est mauvais [Schlechte] ” (1925/s.d.Freud, S. (s/d.). La négation. Traduit par Thierry Simonelli. Disponível em: <http://www.psychanalyse.lu/articles/FreudVerneinung.htm#fn1>. (Trabalho original publicado em 1925).
    http://www.psychanalyse.lu/articles/Freu...
    , p. 175).

  3. 3. “Le moi-plaisir originel, comme je l’ai exposé ailleurs, veut s’introjecter tout le bon et jeter hors de lui tout le mauvais” (1925/2015Freud, S. (2015). La négation. Paris, França: L’Herne Éditions de L’Herne. (Trabalho original publicado em 1925)., p. 186).

Observemos que a tradução de werfen não varia do termo “eject”, em inglês, mas varia entre “jeter” e “rejeter”, em francês. Assim como na língua espanhola, entre “expulsar” e “arrojar”. Destacamos, portanto, que dentre as traduções e edições pesquisadas, com exceção da língua inglesa, as demais três línguas possuem variações na tradução do termo em questão. Isso, apesar de não nos confirmar nada diretamente, nos chama a atenção.

Tendo realizado detalhadamente tais comparações, indagamos: além do já exposto anteriormente, existe outro ponto relevante, quanto ao trecho e ao termo referidos, que nos fez avaliar tantas diferentes versões? Seguimos no parágrafo em questão para compreender: “Em princípio, o que é mau, o que é alheio ao Eu e o que se encontra fora dele é-lhe idêntico” (1925/2016Freud, S. (2016). A negação. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (Vol. Neurose, psicose e perversão; Tradução de M. R. Salzano Moraes). São Paulo, SP: Autêntica. (Trabalho original publicado em 1925)., p. 307, grifo adicionado). Nessa frase, Freud acrescenta uma nota de rodapé sugerindo a sua relação com a discussão apresentada em “As pulsões e seus destinos” (1915/2013Freud, S. (2013). As pulsões e seus destinos (pp. 14-65; edição bilíngue). São Paulo, SP: Autêntica. (Trabalho original publicado em 1915).) que, por sua vez, aborda um conteúdo que também já havia sido contemplado em 1911. A saber, a passagem de um “eu-prazer” (Lust-Ich) para um “eu-realidade” (Real-Ich).13 13 Em uma nota do texto de 1911, Freud afirma que a soberania do princípio de prazer só terá seu fim quando a criança alcançar a separação psíquica de seus pais. Os mesmos conceitos aparecem na referência ao texto “Projeto para uma psicologia científica” (1895/1969aFreud, S. (1969a). Projeto para uma psicologia científica. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. I). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1895).).14 14 Nestas referências, ele aponta que os conceitos de “eu prazer” e “eu realidade” são abordados em três momentos de sua obra: “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental” (1911), “As pulsões e seus destinos” (1915/2013) e dez anos depois no texto de que estamos tratando. Realçaremos, a seguir, estas noções trazendo também o mito da experiência de satisfação que, ao nosso ver, relaciona as questões levantadas (1895/1969aFreud, S. (1969a). Projeto para uma psicologia científica. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. I). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1895).).

Ao consultar o texto de 1915/2013Freud, S. (2013). As pulsões e seus destinos (pp. 14-65; edição bilíngue). São Paulo, SP: Autêntica. (Trabalho original publicado em 1915)., verificamos que Freud utiliza a mesma palavra que discutíamos há pouco:

O Eu extraiu (wirft) de si uma parte, que projeta no mundo externo e sente como hostil. Após esse rearranjo, é restabelecida a coincidência entre essas duas polaridades: Sujeito - eu - com o prazer. Mundo exterior - com o desprazer (anteriormente com a indiferença)15 15 Frase em alemão: “Die Außenwelt zerfällt ihm in einen Lustanteil, den es sich einverleibt hat, und einen Rest, der ihm fremd ist. Aus dem eigenen Ich hat es einen Bestandteil ausgesondert, den es in die Außenwelt wirft und als feindlich empfindet. Nach dieser Umordnung ist die Deckung der beiden Polaritätem” (1915/1999, p. 11). (p. 55; grifo e primeiro parênteses adicionados).

O emprego do verbo werfen16 16 Wirft, na língua alemã, é o verbo Werfen conjugado no presente, na terceira pessoa do singular. já havia sido escolhido por Freud nesse artigo, nove anos antes, para especificar uma forma de exclusão dessa parte do Eu que lhe é ruim. Nesse início da vida mental, o funcionamento psíquico é regido pelo narcisismo, possuindo o autoerotismo como forma de satisfação. Assim, o infans, na tentativa de eliminar, isolar, werfen (ejetar), o desprazer e a tensão interna (que mais tarde será compreendida como fome), alucina o seio da mãe (Freud, 1895/1969aFreud, S. (1969a). Projeto para uma psicologia científica. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. I). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1895).). Dessa maneira, o mundo externo divide-se para o eu em prazer, o que é introjetado a si mesmo, assim como o seio, e o restante que lhe é alheio, ou seja, o que é desconhecido ao eu, o que é desprazeroso e externo, são inicialmente idênticos. A parte do próprio eu que é sentida como desprazer é projetada no mundo externo, e assim, a polaridade eu e prazer coincidem novamente, tal como mundo externo e desprazer. Parece que, nesse caso, é destacado como destino possível daquilo que é desprazeroso, que foi werfen, a projeção; um destino talvez mais definido do que aquele advertido no artigo de 1925.

Conforme verificamos até o momento, um denso conteúdo teórico parece estar envolvido nesse artigo, e por isso nos parece preciso o que Lacan (1959-60/2008)Lacan, J. (2008). O seminário. Livro 7. A ética da psicanálise. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Trabalho original publicado em 1959-60). alertou: “Seria preciso prolongar esse estudo da Verneinung, como já encetei, pelo estudo da partícula negativa”17 17 Especificamente, Lacan realizará aqui um exame da negação feita na língua francesa através dos termos “ne...pas”, destacando que o ne poderia ser utilizado sem a função negativa. Destaca também que “A partícula negativa ne só aparece a partir do momento em que falo verdadeiramente, e não no momento em que sou falado, se estou no nível do inconsciente” (Lacan, 1959-60/2008, p. 81). (p. 81). Seguimos no caminho, retomando o conceito propriamente de negação para continuar a investigação.

A argumentação freudiana provê outro nível de funcionamento da negação, no qual podem ser destacados efeitos da fala sobre o discurso em que o paciente “rejeita” o sentido exato da nova representação, que Freud chama de obsessiva. Etimologicamente, a negação se relaciona com as ideias de perda e de falta, podendo, à luz de sua utilização foraclusiva, referir-se ao que se exclui da realidade do locutor. Nesses termos, Freud alude nessa passagem à possibilidade de o paciente não admitir uma ideia em análise por meio de uma negação e, para isso, vale-se não do verbo werfen (ejetar),18 18 Termo que será minunciosamente trabalhado a seguir. e sim do verbo verwerfen (rejeitar), o que nos leva inicialmente a perguntar qual seria propriamente a diferença entre eles.

Antes de mais nada, sublinhamos que o termo werfen dá origem ao vocábulo Verwerfen, segundo a nota de uma das traduções: “Verwerfen é derivado de Werfen, significando o ato de lançar ou atirar” (Freud, 1925/2016Freud, S. (2016). A negação. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (Vol. Neurose, psicose e perversão; Tradução de M. R. Salzano Moraes). São Paulo, SP: Autêntica. (Trabalho original publicado em 1925)., p. 313). Utilizando um dos sentidos do prefixo Ver-, desta vez manifestado no item b “perda ou desaparecimento”,19 19 Capítulo 3, item 3.1, p. 70. Verwerfen poderia, então, indicar o ato de perder aquilo que foi jogado fora? Em alemão, em francês e em português, os dois verbos possuem o mesmo radical, como se pode observar, com maior clareza, em francês e em português por meio do prefixo “re”. Qual, então, a diferença existente entre rejeitar e rejeter, de um lado, e ejetar e jeter, do outro?

Nessas duas línguas, de origem latina, o prefixo “re” comporta a ideia de repetição, retrocesso ou reforço, todavia nem sempre rejeitar quer dizer ejetar novamente. Em um sentido arcaico da língua francesa, também encontrado na língua portuguesa, a palavra rejeter/rejeitar tem o sentido de vomitar, isto é, expressa a ideia de algo que, até então no interior, é posto para fora, para o exterior, indicando que se trata não de ejetar algo outra vez, e sim de ejetá-lo em um sentido oposto àquele em que foi recebido, empurrando-o fortemente para fora do ambiente em que se encontrava. Como no aparelho digestivo, em que algo é inserido e pode ser absorvido ou vomitado, o real pode ser digerido e inscrito no simbólico ou cuspido de diferentes formas. Porque algo é rejeitado, descartado, encontra-se fora, no entanto, quando se trata de ejetar, pode-se jogar para fora do eu.

Ao mesmo tempo, o que foi jogado fora pode retornar, ser jogado novamente para dentro, para si próprio; à diferença do que foi rejeitado, que é definitivamente excluído. Trata-se, pois, de dois mecanismos de defesa contra o real: um com a possibilidade de retorno e outro com a impossibilidade de isso acontecer. é importante, todavia, destacar que, mesmo se válida a ideia de reversibilidade simbólica,20 20 Concepção que foi desenvolvida também a partir das aulas da disciplina “Seminário avançado de pesquisa”, ministradas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pelo professor Marco Antonio Coutinho Jorge. o mecanismo atrelado à ação expressa em werfen pode ter como consequência fenômenos psicóticos que, como vimos, não definem necessariamente uma psicose.

O ponto a ser destacado aqui provém do verbo werfen e de suas varia-ções alinhadas a um possível conceito freudiano, perdido nas diferentes traduções e versões do artigo de 1925, e que conformam um ponto-chave para o estudo da estrutura da psicose e dos fenômenos psicóticos, sobretudo à luz de sua diferenciação em relação aos demais mecanismos psíquicos definidos por Freud.

Comecemos, então, pelo fato de Freud não utilizar, nessa oportunidade, nem Ausstossung nem Verwerfung. Ora, ele não teria empregado um desses dois termos porque estaria em jogo justamente outra maneira de tratar o real, distinta tanto do significante quanto do recalcamento ou da rejeição. Seguindo essa linha argumentativa, a ação expressada pelo verbo werfen seria uma intuição freudiana abandonada por ele e não retomada por Lacan, o que teria contribuído para a omissão do termo nas versões e traduções de seu artigo de 1925. Haveria também a possibilidade de pensar tal ação como uma forma de retorno de um real que pode ser relacionada, por exemplo, aos fenômenos manifestados na loucura histérica ou mesmo no caso do Homem dos Lobos.

De fato, Lacan não faz referência a esse verbo em sua obra e, conse-quentemente, não o distingue de verwerfen. O verbo werfen, embora tenha sido traduzido por ejetar, na edição brasileira da Imago (Freud, 1925/1969fFreud, S. (1969f). A negativa. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XIX). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1925).) não consta nos escritos lacanianos, em que se encontra, preferencialmente, o verbo rejeter (rejeitar). Aquele foi reintroduzido na comunidade analítica pela tradução do artigo de 1925 feita por Thèves e This (Freud, 1925/1982Freud, S. (1982). Die Verneinung (la dénégation). Tradução e comentários de Pierre Thèves e Bernard This. Paris, França: Le Coq-Héron. (Trabalho original publicado em 1925).), por Alain Didier-Weill (1995)Didier-Weill, A. (1995).Les trois temps de la loi. Paris, França: Seuil. e, em seguida, por Jean-Michel Vivès (2011)Vivès, J. M. (2011). La place de la voix dans la filiation. Cliniques Méditerranéennes. Un objet-supposé-savoir: le transfert du psychanalyste sur l’œuvre d’art, 84: 157-66.. Mesmo assim, por meio do estudo que realizamos, pode-se mostrar que a releitura da obra de Freud feita por Lacan também abre caminho, ainda que implícito, para que cheguemos à mesma noção. Vejamos de que modo.

Se a Bejahung (afirmação) é a condição para que algo exista, como Lacan destaca em 1954, quando esta não se produz, não há manifestação no registro simbólico. Trata-se, por exemplo, do que ocorre na psicose, mas não somente nela. Na psicose, não há a Bejahung do significante do Nome-do-Pai, ao passo que, em ocasiões como a loucura histérica, pode não haver a Bejahung de qualquer outro significante.

Lacan aborda essa ideia ao falar que, no caso do Homem dos lobos, o plano genital parece não existir (Lacan, 1954/1998aLacan, J. (1998a). Escritos. Introdução ao Comentário de Jean Hyppolite sobre a ‘Verneinung’ de Freud. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Trabalho original publicado em 1954)., 1954/1998b)Lacan, J. (1998b). Escritos. Apêndice I: Comentário falado sobre a “Verneinung” de Freud por Jean Hyppolite. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Trabalho original publicado em 1954)., levando à possibilidade de entender que a inexistência da Bejahung pode ocasionar um fenômeno psicótico, mas não necessariamente uma psicose. Em outras palavras, o que terá como destino a Bejahung, a simbolização primitiva, pode realizar-se ou não e ter diferentes consequências, mas o que toma a via da Verwerfung terá outro resultado. Desse modo, os comentários do texto de Freud feitos por Lacan e Hyppolite referem-se a diferentes níveis ou possibilidades da Behajung, entre as quais poderia estar a ação expressa pelo verbo werfen.

Com base nessa hipótese, podemos pensar em três formas de tratamento do real: a) pela ação expressa no verbo werfen, em que se pode tratar o que se encontra irrepresentado, porque ejetado; b) pelo que advém do recalque originário, que diz respeito à Coisa, ao que é irrepresentável; e c) pelo significante, atrelado ao que pôde ser representado simbolicamente.

Na primeira possibilidade, trata-se do que se encontra irrepresentado, vale dizer, do que não está representado ou aguarda para ser representado, constituindo a forma de tratamento de um real que não pôde ser nomeável, mas que pode vir a sê-lo.

A segunda possibilidade se refere ao que há de irrepresentável, originado de um real inominável, e que é parte do recalcado a que jamais se terá acesso; pode-se relacioná-lo ao que Freud chama de “umbigo dos sonhos” (Freud, 1900/1969bFreud, S. (1969b). A interpretação de sonhos. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. (Vol. V). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1900)., p. 556) isto é, o lugar em que o sonho se dirige à marca de um ponto último irredutível à simbolização. Freud se refere a isso com o termo Unerkannt, traduzido por Lacan como “jamais reconhecido ou acessado”.Trata-se do que diz respeito à Coisa como objeto perdido e, por isso, irrepresentável, impossível de ser simbolizado, mas que, por ser exatamente real, é essencial à constituição do aparelho psíquico.

Por fim, a terceira forma de tratar o real engloba o que pôde ser representado pelo significante, pelo que foi introjetado ou registrado simbolicamente a partir da Bejahung, e que não traria, em princípio, nenhum tipo de sintoma ou fenômeno psicótico.

Em síntese, há, pois, uma parte do real que pode ser nomeada, outra que pode ser, mas não está, e uma terceira que jamais será, ou seja, que se encontra radicalmente rejeitada e diz respeito a um tipo de foraclusão que concerne a todos nós. Essa terceira forma, conceituada como Verwerfung, compreende o que não terá retorno de forma simbólica na neurose ou, ainda, o que foi constitutivo do recalque originário. Apenas o que se submeteu à ação expressa pelo verbo werfen na neurose, ou seja, aquilo que foi ejetado, terá a possibilidade de retornar.

Assim, acreditamos que essas formas de abordar os diferentes tratamentos do real realizados pelo sujeito neurótico nos permite responder parcialmente não apenas às questões já levantadas, mas também às diferenças existentes entre a Ausstossung, a Verwerfung e a ação expressa pelo verbo werfen.

O primeiro termo, correlato ao tempo do recalque originário, assinala uma expulsão concomitante à Bejahung, ou seja, diz respeito a um “não” ligado a um “sim”. Enquanto algo é afirmado, outra parte disso é expulsa, sendo nesse duplo movimento que o real se cria. O segundo termo expressa uma foraclusão, um “não” absoluto que dá origem à psicose, vale dizer, uma ruptura sem tratamento simbólico e que só retorna como real, isto é, sob a forma de vozes, pensamentos e sensações que provêm do exterior por não terem sido inscritas simbolicamente. Na Verwerfung, portanto, rejeitam-se as representações que fizeram parte do eu e permanecerão para sempre excluídas. Já a ação expressa pelo verbo werfen se refere a uma expulsão original reversível que propõe outra forma de designar o real. Numa clínica de continuidade estrutural, essa maneira de expulsão teria como referência o recurso ao Nome-do-Pai num contexto em que as trevas podem tornar-se noite (Didier-Weill, 1995Didier-Weill, A. (1995).Les trois temps de la loi. Paris, França: Seuil.).

No quinto parágrafo do referido texto freudiano, um segundo verbo presente no trecho, introjizieren, ajuda a delimitar os contornos da não diferenciação da ação expressa pelo verbo werfen seja na obra de Lacan, seja na maioria das traduções do texto de Freud. De fato, não se vê elaborada nelas a distinção entre os pares de opostos introjizieren-werfen e Bejahung- -Ausstossung. Como Didier-Weill (1995)Didier-Weill, A. (1995).Les trois temps de la loi. Paris, França: Seuil. assinala, enquanto o primeiro par põe em perspectiva um limite entre o simbólico e o real, o segundo visa a uma continuidade moebiana entre o simbólico e o real.

Por sua vez, Jean-Michel Vivès (2011)Vivès, J. M. (2011). La place de la voix dans la filiation. Cliniques Méditerranéennes. Un objet-supposé-savoir: le transfert du psychanalyste sur l’œuvre d’art, 84: 157-66. se vale dessa distinção para mostrar que aquilo qualificado como “ruim”, e que se encontra fora do eu, também é uma parte deste; vale dizer, a parte relacionada ao desprazer que se inscreve no eu como não eu, tornando possível uma relação com o mundo em que não se trata mais do bom e do ruim, mas apenas de uma unidade clivada, dividida, que nos aproxima da perspectiva de uma clínica de continuidade estrutural.

Com efeito, esse tipo de clínica se articula plenamente à questão da constituição subjetiva ou à origem do psiquismo humano, como indicado por Didier-Weill (1995)Didier-Weill, A. (1995).Les trois temps de la loi. Paris, França: Seuil.:

[...] somos levados a crer que a realidade psíquica é posta em perspectiva uma vez que o infans, enquanto sujeito que o Nome-do-Pai supõe advir à palavra, encontra-se na posição de responder à enunciação fiat lux!, dando-lhe duas respostas antinômicas e, sem dúvida, simultâneas: primeira resposta, o pré-sujeito atesta o Nome-do-Pai, respondendo-lhe com um “sim”, em que Freud situa a enigmática Bejahung originária; por meio de sua segunda resposta, o eu originário contesta a enunciação do Nome-do-Pai, opondo-lhe um “não”, cuja realidade não é a da denegação, mas sim a de uma foraclusão traduzida por Freud em seu texto sobre a denegação pelo termo werfen. (p. 52)

Em resposta a essa falha estrutural do real, muitas vezes avassaladora, a ideia de que os três processos psíquicos podem servir como recursos para lidar com esse real, a um só tempo traumático e estruturante, tanto ajuda-nos a compreender essa parte complexa da teoria psicanalítica quanto aproxima-nos da clínica. Não por acaso, ela pode ainda nos levar à conclusão de que a noção de foraclusão generalizada, tão destacada por Jacques-Allain Miller (1988)Miller, J.-A. (1988). Clinique ironique: Conférence de d’ouverture de la V Rencontre Internacionale du Champ Freudien. La cause Freudienne, 23: 7-14., encontra-se problematizada na obra de Freud, em particular em seu artigo de 1925, aqui analisado, e nas duas posições do Homem dos Lobos em face da castração, tal como elucidadas por Lacan: uma em que ele a reconhece, e a outra em que ele a ejeta, mostrando que um mesmo sujeito não está, necessariamente, impedido de lidar de formas diferentes com o real estruturante.

Desde o enigma do texto freudiano aos impasses deixados por Lacan, há um fio condutor que nos permite construir este conceito e considerar a werfen como um Hápax21 21 Termo grego para designar uma palavra que aparece uma vez na literatura; neste caso uma vez na obra freudiana. freudiano. Termo esse que aparece uma única vez na obra do autor e que propomos elevar a um conceito, diferenciando-o do mecanismo próprio da psicose, verwerfen do significante do Nome-do-Pai, que tem como consequência aquilo que é irremediável.

  • Financiamento/Funding: Este trabalho não recebeu financiamento / This work received no funding.
  • *1
    Artigo baseado na tese de doutorado de Deborah Klajnman, subvencionada pela Capes, com o seguinte título: “Todo mundo é louco, ou seja, delirante: uma concepção desde Freud” e defendida em novembro de 2018 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
  • Citação/Citation: Klajnman, D., Vives, J.-M. (2019, junho). A tradução de Die Verneinung para o português e uma nova hipótese. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 2(2), 199-214. http://dx.doi.org/10.1590/1415-4714.2019v22n2p199.3.
  • 1
    Destacamos como duas das mais clássicas os termos Trieb, traduzido como “instinto” e “pulsão”, e Verdrängung, vertido como “repressão” e como “recalcamento”.
  • 2
    Não tomamos conhecimento de nenhuma versão da língua portuguesa que tenha se apropriado da sugestão de Jean Hyppolite, A denegação, como título.
  • 3
    De acordo com a versão da língua portuguesa da Imago (Freud, 1925/1969fFreud, S. (1969f). A negativa. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XIX). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1925).) que, como sabemos, é mediada pela língua inglesa.
  • 4
    Em português, traduzido como “Recusa”, “Renegação”, “Desmentido”.
  • 5
    Segundo a tradução da The Hogarth Press Limited (1925/1961Freud, S. (1961). Negation. In The Standart Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. XIX). Toronto, Canadá: The Hogarth Press Limited, Clarke, Irwin and Co LTD. (Trabalho original publicado em 1925).) e Smith (2000/1925).
  • 6
    Gesammelte Werke (1948).
  • 7
    Le Coq-Héron (1925/1982), que é a espinha dorsal deste item, e as outras três versões mais recentes: Presses Universitaires de France (PUF) de 1992 (Freud, 1925/1992Freud, S. (1992). La négation. In Œuvres complètes (Vol. XVII, 1923-1925). Paris, França: Presses Universitaires de France. (Trabalho original publicado em 1925).), Thierry Simonelli de data não especificada (Freud, 1925/s.d.Freud, S. (s/d.). La négation. Traduit par Thierry Simonelli. Disponível em: <http://www.psychanalyse.lu/articles/FreudVerneinung.htm#fn1>. (Trabalho original publicado em 1925).
    http://www.psychanalyse.lu/articles/Freu...
    ) e L’Herne editions de 2015 (1925/2015Freud, S. (2015). La négation. Paris, França: L’Herne Éditions de L’Herne. (Trabalho original publicado em 1925).).
  • 8
    Amorrortu (1925/1985).
  • 9
    The Hogarth Press Limited (1925/1961Freud, S. (1961). Negation. In The Standart Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. XIX). Toronto, Canadá: The Hogarth Press Limited, Clarke, Irwin and Co LTD. (Trabalho original publicado em 1925).) e Smith (1925/2000)Freud, S. (2000, 2007, 2010). Negation. Freud Complete Works. Disponível em: <https://www.valas.fr/IMG/pdf/Freud_Complete_Works.pdf>. (Trabalho original publicado em 1925).
    https://www.valas.fr/IMG/pdf/Freud_Compl...
    .
  • 10
    Destacaremos as referidas a seguir.
  • 11
    Optamos pela versão da Autêntica para a reprodução do texto em nosso artigo, pois nos parece a mais sensível em relação à distinção dos termos que estamos investigando e elaborando a nossa hipótese.
  • 12
    Todos os grifos foram adicionados.
  • 13
    Em uma nota do texto de 1911, Freud afirma que a soberania do princípio de prazer só terá seu fim quando a criança alcançar a separação psíquica de seus pais.
  • 14
    Nestas referências, ele aponta que os conceitos de “eu prazer” e “eu realidade” são abordados em três momentos de sua obra: “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental” (1911), “As pulsões e seus destinos” (1915/2013) e dez anos depois no texto de que estamos tratando.
  • 15
    Frase em alemão: “Die Außenwelt zerfällt ihm in einen Lustanteil, den es sich einverleibt hat, und einen Rest, der ihm fremd ist. Aus dem eigenen Ich hat es einen Bestandteil ausgesondert, den es in die Außenwelt wirft und als feindlich empfindet. Nach dieser Umordnung ist die Deckung der beiden Polaritätem” (1915/1999, p. 11).
  • 16
    Wirft, na língua alemã, é o verbo Werfen conjugado no presente, na terceira pessoa do singular.
  • 17
    Especificamente, Lacan realizará aqui um exame da negação feita na língua francesa através dos termos “ne...pas”, destacando que o ne poderia ser utilizado sem a função negativa. Destaca também que “A partícula negativa ne só aparece a partir do momento em que falo verdadeiramente, e não no momento em que sou falado, se estou no nível do inconsciente” (Lacan, 1959-60/2008Lacan, J. (2008). O seminário. Livro 7. A ética da psicanálise. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Trabalho original publicado em 1959-60)., p. 81).
  • 18
    Termo que será minunciosamente trabalhado a seguir.
  • 19
    Capítulo 3, item 3.1, p. 70.
  • 20
    Concepção que foi desenvolvida também a partir das aulas da disciplina “Seminário avançado de pesquisa”, ministradas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pelo professor Marco Antonio Coutinho Jorge.
  • 21
    Termo grego para designar uma palavra que aparece uma vez na literatura; neste caso uma vez na obra freudiana.

Referências

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  • Didier-Weill, A. (2016). Qu’est-ce que le surmoi? Toulouse, França: Érès.
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  • Freud, S. (1961). Negation. In The Standart Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. XIX). Toronto, Canadá: The Hogarth Press Limited, Clarke, Irwin and Co LTD. (Trabalho original publicado em 1925).
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  • Freud, S. (1969c). História de uma neurose infantil. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XVII). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1918[1914]).
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  • Freud, S. (1969e). História de uma neurose infantil. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XVII). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1918[1914]).
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  • Freud, S. (2016). A negação. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (Vol. Neurose, psicose e perversão; Tradução de M. R. Salzano Moraes). São Paulo, SP: Autêntica. (Trabalho original publicado em 1925).
  • Freud, S. (s/d.). La négation. Traduit par Thierry Simonelli. Disponível em: <http://www.psychanalyse.lu/articles/FreudVerneinung.htm#fn1>. (Trabalho original publicado em 1925).
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  • Lacan, J. (1998a). Escritos. Introdução ao Comentário de Jean Hyppolite sobre a ‘Verneinung’ de Freud. Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Trabalho original publicado em 1954).
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  • Miller, J.-A. (1988). Clinique ironique: Conférence de d’ouverture de la V Rencontre Internacionale du Champ Freudien. La cause Freudienne, 23: 7-14.
  • Vivès, J. M. (2011). La place de la voix dans la filiation. Cliniques Méditerranéennes. Un objet-supposé-savoir: le transfert du psychanalyste sur l’œuvre d’art, 84: 157-66.
Editoras/Editors: Profa. Dra. Ana Maria G. R. Oda e Profa. Dra. Sonia Leite

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2019
  • Aceito
    12 Fev 2019
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