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As referências literárias em “Das Unheimliche”*1 *1 Este trabalho é parte da pesquisa de Doutorado de Fabiano Rabêlo, em curso, sob orientação da Profa. Dra. Karla Patrícia Holanda Martins. Ele resultou de um período de estágio sanduíche com bolsa proporcionada pela CAPES (PDSE) e supervisionada pelo professor Thomas Sträter.

Literary references in “Das Unheimliche”

Les références littéraires dans “Das Unheimliche”

Las referencias literarias en “Das Unheimliche”

Literaturhinweise in „Das Unheimliche“

Resumos

Resgatam-se as referências presentes no texto de Freud (1919/1997) sobre o estranho para discutir a participação delas na formação desse conceito, enfatizando-se as obras literárias. Além dos textos de Hoffmann, são comentados os trabalhos de Schnitzler, Schiller, Heine, Goethe, Schaeffer, Ovídio, Twain, Dante, Shakespeare, Anderson, Heródoto, Wilde, Schelling, Jentsch, Kammerer e Selligmann. Localiza-se em “O estranho” uma inflexão do uso da literatura na investigação analítica, de onde resulta uma abordagem ampliada da estética. A partir da aproximação com a etimologia, salienta-se o caráter intraduzível desse conceito e sua dinâmica psíquica própria, que se desenrola entre o já sabido e o não reconhecido. Aponta-se nesse sentimento três dimensões correlatas e indissociáveis - psíquica, cultural e heurística -, cada uma delas remetendo a um sentido do diabólico em Freud.

Palavras-chave:
Unheimliche; psicanálise; literatura; etimologia


The references, especially the literary ones, present in Freud’s text “Das Unheimliche” (“The Uncanny”) (1919/1997) are revised to discuss to what extent they account for the formation of this concept. The works by Hoffmann, Schnitzler, Schiller, Heine, Goethe, Schaeffer, Ovid, Twain, Dante, Shakespeare, Anderson, Herodotus, Wilde, Schelling, Jentsch, Kammerer and Selligmann are discussed. A trend in using literature in analytic research is found in “Das Unheimliche”, resulting in an extended approach to aesthetics. An excursion into etymology reveals the untranslatable nature of this concept and its proper psychic dynamism, which unfolds between the already-known and the unrecognized. Three correlated and inseparable dimensions - the psychic one, the cultural one and the heuristic one - compose that feeling, each of which refers to a sense of the devilish in Freud.

Key words:
Das Unheimliche; psychoanalysis; literature; etymology


Les références, notamment les littéraires présentes dans l’essai de Freud «Das Unheimliche» («L’inquiétante étrangeté») (1919/1997) sont révisées pour discuter de leur participation à la formation de ce concept. Outre les textes de Hoffmann, les œuvres de Schnitzler, Schiller, Heine, Goethe, Schaeffer, Ovide, Twain, Dante, Shakespeare, Anderson, Hérodote, Wilde, Schelling, Jentsch, Kammerer et Selligmann font l’objet de commentaires. « Das Unheimliche » révèle l’utilisation de la littérature dans la recherche analytique, d’où résulte une approche étendue de l’esthétique. L’accent est mis sur la nature intraduisible de ce concept et sur sa propre dynamique psychique qui se développe entre le déjà connu et le non reconnu. Trois dimensions corrélées et indissociables - psychique, culturelle et heuristique - sont évoquées dans ce sens, chacune faisant référence à un sens du diabolique chez Freud.

Mótes clés:
Das Unheimliche; psychanalyse; littérature; étymologie


Se rescatan las referencias presentes en el texto de Freud (1919/1997), sobre todo en las obras literarias, sobre “Das Unheimliche” (“Lo siniestro”) para discutir su participación en la formación de este concepto. Además de los textos de Hoffmann, se comentan los trabajos de Schnitzler, Schiller, Heine, Goethe, Schaeffer, Ovídio, Twain, Dante, Shakespeare, Anderson, Heródoto, Wilde, Schelling, Jentsch, Kammerer y Selligmann. Se encuentra en “Das Unheimliche” una inflexión del uso de la literatura en la investigación analítica, de donde resulta un abordaje ampliado de la estética. A partir del acercamiento a la etimología, se subraya el carácter intraducible de ese concepto y su dinámica psíquica propia, que se desarrolla entre lo ya sabido y lo no reconocido. Se señalan en este sentimiento tres dimensiones correlacionadas e indisociables -psíquica, cultural y heurística- cada una de ellas remitiendo a un sentido de lo diabólico en Freud.

Palabras clave:
Das Unheimliche; psicoanálisis; literatura; etimología


Eine Bestandsaufnahme der in „Das Unheimliche“ (1919/1997) enthaltenen Literaturhinweise wurde durchgeführt, um deren Beteiligung an der Entstehung dieses Begriffs zu diskutieren. Die Werke von Hoffmann, Schnitzler, Schiller, Heine, Goethe, Schaeffer, Ovain, Twain, Dante, Shakespeare, Anderson, Herodot, Wilde, Schelling, Jentsch, Kammerer und Selligmann wurden dabei kommentiert. Man beobachtet einen Trend zur Verwendung von Literatur in der analytischen Forschung in „Das Unheimliche“, wobei ein erweiterter Zugang zur Ästhetik resultiert. Der Artikel betont die Unübersetzbarkeit dieses Begriffs und seine eigene psychische Dynamik, die sich zwischen dem bereits Bekannten und dem Unerkannten entwickelt. Drei korrelierte und untrennbare Dimensionen des Unheimlichen - die psychische, kulturelle und heuristische - werden ebenfalls hervorgehoben, welche sich jeweils auf eine Bedeutung des Teuflischen in Freud beziehen.

Schlüsselwörter:
Das Unheimliche; Psychoanalyse; Literatur; Etymologie


Introdução

Tendo em vista o centenário de publicação do texto de Freud (1919/1997)Freud, S. (1997a). Die Traumdeutung. In S. Freud, Studienausgabe (v. II). Frankfurt a. M, Alemanha: S. Fischer. (Trabalho originalmente publicado em 1900). sobre o estranho, também denominado inquietante, sinistro, macabro ou infamiliar, conforme as diferentes traduções que “Das Unheimliche” recebe na língua portuguesa (Hans, 1996Hans, L. A. (1996). Estranho, sinistro, inquietante, macabro: das Unheimliche. In L. A. Hans, Dicionário comentado do alemão de Freud (pp. 231-239). Rio de Janeiro, RJ: Imago., Iannini & Tavares, 2019Iannini, G., & Tavares, P. H. (2019). Freud e o infamiliar (pp. 5-22). In Freud, S. O Infamiliar / Das Unheimliche. Belo Horizonte, MG: Autêntica.), propõe-se resgatar as referências literárias presentes nesse texto para então discutir a participação delas na formação desse conceito. Parte-se do pressuposto de que a literatura possui um papel de destaque nesse trabalho, diferindo substancialmente do uso que Freud faz dela em outros momentos de sua obra (Parente, 2017Parente, A. M. (2017). Sublimação e Unheimliche. São Paulo, SP: Pearson.).

Vale lembrar que, de acordo com a definição psicanalítica, o estranho é um sentimento associado ao afeto de angústia desencadeado pela manifestação de um conteúdo que deveria permanecer recalcado (Freud, 1919/1997iFreud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919).). Tal elemento situa-se, portanto, na fronteira psíquica entre o já sabido e o não reconhecido: é uma parte integrante do Eu que destoa das idealizações e identificações narcísicas e, por isso, sofre os efeitos de um processo psíquico de escotomização que se mostra circunstancialmente falho.

O tema do estranho possui ainda um caráter interdisciplinar. Trata-se de uma experiência fortemente condicionada pela cultura, mas refratária a uma codificação pela linguagem. Em função disso, ele fomenta discussões entre estudiosos de diferentes áreas tais como a psiquiatria (Jentsch, 1906Jentsch, E. (1906). Psychologie des Unheimlichen. In Psychiatrisch-Neurologische Wochenschrift, n. 22. Halle a. S., Alemanha: Carl Marhold Verlag. Recuperado de: <https://d-nb.info/1138447315/34>.
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), a filosofia (Cassin, 2018Cassin, B. (Org.). (2018). Dicionário dos intraduzíveis (v. 1). Belo Horizonte, MG: Autêntica., Massechelein, 2011Massechelein, A. (2011). The unconcept: the freudian uncanny in late-twentieth-century theory. Albany, NY: State of University of New York Press.), a etimologia (Hans, 1996Hans, L. A. (1996). Estranho, sinistro, inquietante, macabro: das Unheimliche. In L. A. Hans, Dicionário comentado do alemão de Freud (pp. 231-239). Rio de Janeiro, RJ: Imago., Iannini & Tavares, 2019Iannini, G., & Tavares, P. H. (2019). Freud e o infamiliar (pp. 5-22). In Freud, S. O Infamiliar / Das Unheimliche. Belo Horizonte, MG: Autêntica.) e a teoria literária (Roas, 2014Roas, D. (2014). A ameaça do fantástico: aproximações teóricas. São Paulo, SP: Unesp., Todorov, 2012Todorov, T. (2012). Introdução à literatura fantástica. São Paulo, SP: Perspectiva.). De todo modo, os especialistas que se dedicam à investigação do estranho (Massechelein, 2011Massechelein, A. (2011). The unconcept: the freudian uncanny in late-twentieth-century theory. Albany, NY: State of University of New York Press., Royle, 2003Royle, N. (2003). The Uncanny. Manchester UK: Manchester University Press.) salientam a relevância do texto de Freud para a pesquisa acadêmica, uma vez que ele constitui a primeira tentativa de formalização mais sistemática desse fenômeno. Por outro lado, deve-se reconhecer que os elementos que compõem o estranho e que serviram de base para o ensaio de Freud já estavam presentes na cultura - na música, na literatura, no folclore e na própria linguagem - vários séculos antes do surgimento da psicanálise (Royle, 2003Royle, N. (2003). The Uncanny. Manchester UK: Manchester University Press.). Esse material cultural é reconfigurado e reordenado quando transposto para o contexto da discussão psicanalítica.

As dificuldades presentes na redação deste ensaio, o seu pioneirismo, os obstáculos metodológicos (Massechelein, 2011Massechelein, A. (2011). The unconcept: the freudian uncanny in late-twentieth-century theory. Albany, NY: State of University of New York Press.) e a percepção ainda difusa de seu impacto no interior do edifício teórico psicanalítico (Portugal, 2006Portugal, A. M. (2006). O vidro da palavra: o estranho, a literatura e a psicanálise. Belo Horizonte, MG: Autêntica.) provavelmente influenciaram a apreciação negativa que Freud faz de seu próprio trabalho, como se pode ler em uma carta enviada a Ferenczi após a conclusão do manuscrito (Falzeder, Brabant & Giampieri-Deutsch, 1996Falzeder, E., Brabant, E., & Giampieri-Deutsch, P. (1996). Sigmund Freud - Sandor Ferenczi: Briefwechsel (Band II, v. 2 (1917-1919). Wien, Alemanha: Böhlau Verlag.). A essa avaliação do próprio autor, soma-se a fraca repercussão que “Das Unheimliche” obteve entre os psicanalistas de seu tempo. Foram necessárias algumas décadas para que esse ensaio tivesse a sua importância reconhecida, dentro e fora da psicanálise (Masssechelein, 2011, Portugal, 2006Portugal, A. M. (2006). O vidro da palavra: o estranho, a literatura e a psicanálise. Belo Horizonte, MG: Autêntica.).

Do exposto, é possível enunciar a meta principal deste trabalho: lançar luz sobre a intricada e heterogênea rede de referências na qual Freud (1919/1997i)Freud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919). se fundamenta para a construção do conceito do estranho. Sustenta-se que ele resulta de um longo, refinado e concatenado trabalho que explora de maneira aguda a relação entre clínica e cultura. Tendo isso em vista, discute-se a apropriação pela psicanálise de contribuições de outras áreas, com destaque para a literatura, para, em seguida, questionar a importância dessas referências para a problematização do sentimento do estranho.

Metodologia

Trata-se de uma revisão bibliográfica, integrativa, não sistemática, que resgata os antecedentes culturais, éticos e epistêmicos que levaram à proposição da categoria do estranho. Foram priorizadas as referências literárias, todavia citações de outros campos como a filosofia, a etimologia e a antropologia são trazidas à baila quando pertinentes. O ponto de partida desta pesquisa foi o estudo minucioso de “Das Unheimliche”. Inicialmente, pela edição da Studienausgabe (Freud, 1919/1997iFreud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919).). Cotejou-se a leitura dessa versão com a de outras traduções para o português e inglês (Freud, 1919/2001Freud, S. (2001). The Uncanny. In S. Freud, The Standart Edition of the complete psychological works (v. XIV, pp. 218-253). Londres, UK: The Hogarth Press. (Trabalho originalmente publicado em 1919)., 1919/2010Freud, S. (2010). O Inquietante. In S. Freud, Obras completas (v. XIV, pp. 328-376). São Paulo, SP: Companhia das Letras. (Trabalho originalmente publicado em 1919)., 1919/2019Freud, S. (2019). O Infamiliar / Das Unheimliche. Belo Horizonte, MG: Autêntica. (Trabalho originalmente publicado em 1919).). Buscou-se daí localizar as obras literárias referidas por Freud para, em seguida, proceder com sua contextualização e discussão. Também serviu de fonte a contribuição de biógrafos de Freud e de estudiosos que se dedicaram à apreciação da temática do estranho e da relação entre psicanálise e literatura.

A estética do estranho: literatura, filosofia e etimologia

Freud trata o estranho como um fenômeno compósito, cujos contornos só ganham nitidez na encruzilhada de diferentes linhas de investigação. Trata-se de uma espécie de mosaico conceitual montado a partir de temas heterogêneos, pinçados de áreas aparentemente distantes entre si. São as principais temáticas constituintes do estranho: o narcisismo, a castração, o duplo, o autômato, a repetição, a angústia, os lapsos de memória e os sentimentos de desrealização e dessubjetivação (Cesarotto, 1996Cesarotto, O. (1996). No olho do Outro: “O homem de areia” segundo Hoffman, Freud e Gaiman. São Paulo, SP: Iluminuras. Massechelein, 2011Massechelein, A. (2011). The unconcept: the freudian uncanny in late-twentieth-century theory. Albany, NY: State of University of New York Press., Portugal, 2006Portugal, A. M. (2006). O vidro da palavra: o estranho, a literatura e a psicanálise. Belo Horizonte, MG: Autêntica., Royle, 2003Royle, N. (2003). The Uncanny. Manchester UK: Manchester University Press.). A partir desses diferentes flancos, Freud perscruta as engrenagens que compõem a arquitetura do estranho, estabelecendo uma interlocução com sua experiência clínica e vivências cotidianas (Cesarotto, 1996Cesarotto, O. (1996). No olho do Outro: “O homem de areia” segundo Hoffman, Freud e Gaiman. São Paulo, SP: Iluminuras.).

A problematização do fenômeno do estranho pela psicanálise é, sobretudo, acompanhada pelo estreitamento do diálogo com a literatura. Tal diálogo já existia de modo sistemático desde os tempos da pré-história da psicanálise (Rabaté, 2017Rabaté, J. (2017). Psicanálise e literatura: Por que, hoje? Trivium: Estudos Interdisciplinares, 9(2), 162-171. doi: 10.18379/2176-4891.2017v2p.162.
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). Em 1919, contudo, essa relação chega ao seu paroxismo e sofre uma inflexão. Para Portugal (2006Portugal, A. M. (2006). O vidro da palavra: o estranho, a literatura e a psicanálise. Belo Horizonte, MG: Autêntica.), “Das Unheimliche” é o texto freudiano no qual, dado a sua extensão, há proporcionalmente mais referências literárias. Ao estabelecer uma comparação com outros textos freudianos, a autora afirma que o número de citações literárias contidas nele só perde para A interpretação dos sonhos. Portugal elenca mais de 20 escritores, a maior parte de língua alemã.

Dentre os citados, destaca-se E. T. A. Hoffmann (1776-1822). Um extenso comentário sobre O homem de areia (Hoffmann, 1817/2016Hoffmann, E. T. A. (2016). Der Sandmann. In E. T. A. Hoffmann, Das Gesammelte Werke (pp. 189-224). Colonia, Alemanha: Anaconda. (Originalmente publicado em 1817).) ocupa um lugar central no ensaio de 1919. Um segundo livro do mesmo escritor, Os elixires do diabo (Hoffmann, 1815-16/2015Hoffmann, E. T. A. (2015). Die Elixire des Teufels. Munique, Alemanha: DTV. (Originalmente publicado em 1815-16).), também é apontado como uma referência importante para a investigação do estranho. Todavia, ao contrário de sua abordagem de O homem de areia, Freud não se aprofunda nas considerações extraídas da leitura desse segundo texto de Hoffmann. Sua justificativa é que, por se tratar de uma história longa e bastante intricada, uma análise detalhada poderia se tornar cansativa e dispendiosa. É importante destacar o interesse de Hoffmann pela psicopatologia e a psiquiatria de seu tempo, sobretudo quando se trata da loucura, tema que comparece nos dois livros mencionados (Cantagrel, 2004Cantagrel, L. (2004). De la maladie à l´ecriture: Genèse de la mélancolie romantique. Tübingen, Alemanha: Max Niemeyer Verlag.).

Além de Hoffmann, são citados de forma mais pontual os seguintes escritores da língua alemã: H. H. Ewers (1871-1943), A. Schaeffer (1885-1950), W. Hauff (1802-1827), C. J. H. Heine (1797-1856), A. Schnitzler (1862-1931), J. W. Goethe (1749-1832) e J. C. F. Schiller (1759-1805). Freud também faz menção a escritores que redigiram em outros idiomas, como é o caso de H. C. Andersen (1805-1875), W. Shakespeare (1564-1616), M. Twain (1835-1910), O. Wilde (1854-1900), Heródoto (485 a.C.-425 a.C.) e D. Alighieri (1265-1321), sem contar algumas passagens da Bíblia (Portugal, 2006Portugal, A. M. (2006). O vidro da palavra: o estranho, a literatura e a psicanálise. Belo Horizonte, MG: Autêntica.).

No campo da filosofia, um autor estratégico é F. W. J. von Schelling (1775-1854). É dele a citação na qual Freud se apoia para a definição do estranho (Alt, 2016Alt, P.-A. (2016). Sigmund Freud: Der Arzt der Moderne. München, Alemanha: A. G. Beck Verlag., Carvalho, 1989Carvalho, B. (1989). O “Unheimlich” em Freud e Schelling. Percurso, 3(1), 17-21., Cesarotto, 1996Cesarotto, O. (1996). No olho do Outro: “O homem de areia” segundo Hoffman, Freud e Gaiman. São Paulo, SP: Iluminuras., Ferreira, 2009Ferreira, N. P. (2009). O insólito é o estranho. In F. García, & M. A. Motta, O insólito e seu duplo (pp. 107-123). Rio de Janeiro, RJ: Ed. Uerj.). Segundo Freud (1919/1997i)Freud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919)., T. Reik (1888-1969) - que era vinculado à associação psicanalítica de Viena desde 1910 (Gay, 1989Gay, P. (1989). Freud: uma vida para nosso tempo. São Paulo, SP: Companhia das Letras.) - foi o responsável por chamar a atenção de Freud para o trecho da obra do filósofo onde essa temática é abordada.

Trata-se de uma curta passagem da Filosofia da mitologia (Schelling, 1842/1857Schelling, F. W. J. (1857). Philosophie der Mythologie: Vorlesung 28. In F. W. J. von Schelling, Gesammelte Werke, zweite Abteilung, zweiter Band (pp. 645-660). Sttutgart, Alemanha; Augsburg: Cotta´sche Verlag. Recuperado de: <https://archive.org/details/smtlichewerke02sche>.
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). A menção ao adjetivo unheimlich surge em aposto explicativo entre parênteses, no qual o filósofo discute a presença de elementos de religiões orientais e egípcias na mitologia grega. Schelling ressalta que, por meio de um longo processo de trocas culturais, esses conteúdos exógenos sofreram mutação e passaram a fazer parte, ainda que implicitamente, da cosmogonia grega. Ele questiona então a relação desses componentes com o culto grego dos mistérios e seus ritos de iniciação. Sua preocupação é lançar luz sobre o processo de transição na Grécia clássica do pensamento mítico para o filosófico, com atenção especial à obra de Homero. Para Schelling (1842/1857)Schelling, F. W. J. (1857). Philosophie der Mythologie: Vorlesung 28. In F. W. J. von Schelling, Gesammelte Werke, zweite Abteilung, zweiter Band (pp. 645-660). Sttutgart, Alemanha; Augsburg: Cotta´sche Verlag. Recuperado de: <https://archive.org/details/smtlichewerke02sche>.
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: “chama-se estranho tudo o que deveria permanecer em segredo, oculto, em latência, e que emerge” (p. 649, tradução nossa).1 1 “... unheimliche nennt man Alles, was im Geheimniss, im Verborgnen, in der Latenz bleiben soltte und hevorgetretten ist” (Schelling, 1842/1857, p. 649).

Freud não se refere a essa frase na integra, citando-a de forma indireta (Alt, 2016Alt, P.-A. (2016). Sigmund Freud: Der Arzt der Moderne. München, Alemanha: A. G. Beck Verlag., Iannini & Tavares, 2019Iannini, G., & Tavares, P. H. (2019). Freud e o infamiliar (pp. 5-22). In Freud, S. O Infamiliar / Das Unheimliche. Belo Horizonte, MG: Autêntica.). Para ele, unheimlich é “[...] tudo aquilo que deveria ter permanecido em segredo, oculto, mas que apareceu” (Freud, 1919/2010Freud, S. (2010). O Inquietante. In S. Freud, Obras completas (v. XIV, pp. 328-376). São Paulo, SP: Companhia das Letras. (Trabalho originalmente publicado em 1919)., p. 337).2 2 “das Unheimliche sei etwas, was im Verborgenen hätte bleiben sollen und hervorgetreten ist” (Freud, 1919/1997i, p. 242). Ele, portanto, omite a expressão em latência e, posteriormente, substitui o termo escondido/oculto, verborgene, por recalcado, verdrängt (Freud, 1919/1997iFreud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919).). Disso resulta o núcleo da definição psicanalítica, na qual o adjetivo unheimlich é substantivado: “Das Unheimliche” é aquilo que deveria permanecer recalcado e que se torna manifesto.

Para Alt (2016Alt, P.-A. (2016). Sigmund Freud: Der Arzt der Moderne. München, Alemanha: A. G. Beck Verlag.), que dedica um capítulo de sua biografia de Freud à discussão do ensaio de 1919, Freud teria dado pouco destaque à participação de Schelling na constituição do conceito do estranho. Segundo o autor, essa atitude seria uma reedição do tratamento concedido a outros filósofos na obra de Freud, como é o caso de Nietzsche, Schopenhauer e Spinoza. Para Alt, tal omissão teria por objetivo garantir que a originalidade da proposta freudiana não fosse colocada em questão.

Esse argumento é questionável por dois motivos. Primeiro: Das Unheimliche não foi avaliado como um texto psicanalítico relevante nem por Freud nem pela maioria expressiva dos psicanalistas de seu tempo. Sua repercussão só ganhou impulso após a Segunda Guerra, principalmente devido ao interesse de estudiosos de outras áreas (Massechlein, 2011). Segundo, porque até onde foi possível verificar, a problematização das consequências estéticas do Unheimliche não aparece como uma temática desenvolvida na obra de Schelling, sobretudo em seus textos sobre filosofia da arte e da estética (Schelling, 2010Schelling, F. W. J. (2010). Texte zur Philosophie der Kunst. Stuttgart, Alemanha: Reclam.).

De todo modo, a influência do filósofo é reconhecida por Freud. Cabe indagar a medida de sua extensão e se o entendimento do fenômeno do estranho é o mesmo nos dois casos. Carvalho (1989Carvalho, B. (1989). O “Unheimlich” em Freud e Schelling. Percurso, 3(1), 17-21.) traz alguns apontamentos importantes a esse respeito. Sua tese é a de que a mudança de termos operada por Freud - oculto por recalcado - subverte a própria natureza do conceito. Para fundamentar essa proposição, o autor contrapõe os pressupostos teóricos e estéticos presentes em Freud e Schelling.

Para Carvalho (1989Carvalho, B. (1989). O “Unheimlich” em Freud e Schelling. Percurso, 3(1), 17-21.) o entendimento da relação entre sujeito e objeto, um problema diretamente derivado da filosofia kantiana, é diferente nos dois casos: enquanto na psicanálise o foco está na divisão subjetiva e do que retorna como resto das tentativas do Eu de se firmar como uma unidade homogênea, Schelling trabalha com o horizonte de uma integração absoluta entre sujeito e natureza. Assim, o autor conclui que o estranho para o filósofo alemão constitui um caminho para a transcendência. Já, para Freud, ele evidencia uma disparidade radical no interior do próprio processo de constituição subjetiva.

Essas considerações ajudam a esclarecer o interesse de Freud pela estética e a literatura: o fato estético lança luz sobre a divisão subjetiva na qual a hipótese do inconsciente se apoia. A literatura, a seu turno, possibilita uma investigação mais sistemática e aprofundada das manifestações dessa divisão e das tensões produzidas entre sujeito e objeto no ato de fruição.

Além da literatura e da filosofia, o texto do estranho inclui uma detalhada interlocução com a etimologia e a filologia. Ao referir-se a esse campo, Freud (1919/1997i)Freud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919). espera obter indicações contidas na história do desenvolvimento das expressões linguísticas que esclareçam as nuances do sentimento do estranho e as situações às quais ele está atrelado. Por isso, dedica várias páginas à discussão sobre a origem do adjetivo unheimlich, seus sinônimos, antônimos e as diferentes traduções que recebe.

Freud constata que a dinâmica psíquica que permeia a constituição do sentimento do estranho também se reflete no âmbito das palavras que o designam. A depender do contexto, a significação do unhemlich pode coincidir com o seu oposto, o heimlich. Levando em consideração que o radical Heim significa casa ou lar, Freud afirma que aquilo que é familiar, domesticado e confiável pode, a depender das circunstâncias, converter-se em algo misterioso, ameaçador e oculto. Ele destaca que a ambiguidade e a sobredeterminação presentes na língua alemã também se reflete nas traduções para outros idiomas.

É lícito afirmar daí que “Das Unheimliche” constitui um exemplo particular da tese defendida no artigo de 1910 sobre a origem do sentido antitético das palavras (Freud, 1910/1997eFreud, S. (1997e). Über den Gegensinn der Urworte. In S. Freud, Studienausgabe, (v. IV, pp. 227-234). Frankfurt a. M., Alemanha: S. Fischer. (Trabalho originalmente publicado em 1910).). Nele, Freud defende que um determinado grupo de palavras origina-se de uma contraposição direta com um termo original que possui um sentido imediatamente antagônico. No caso do ensaio de 1919, Freud (1919/1997i)Freud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919). sublinha que na língua alemã a relação do estranho com o seu antônimo não apenas é manifesta, como bastante peculiar. Há entre os dois termos um contínuo processo de contaminação recíproca que produz uma zona crepuscular com fronteiras difusas e movediças. Em função disso, é possível considerar o estranho um intraduzível (Cassin, 2018Cassin, B. (Org.). (2018). Dicionário dos intraduzíveis (v. 1). Belo Horizonte, MG: Autêntica.), haja vista que sua significação é capaz de oscilar radicalmente, impossibilitando uma transposição linear de um idioma para outro ou de uma situação para outra dentro de uma mesma língua.

Cabe salientar que, apesar de sua contribuição à literatura, a menção aos irmãos Grimm comparece no artigo de Freud em decorrência do seu trabalho como filólogos. Por outro lado, as referências ao folclore e às histórias infantis - tão em evidência na obra dos Grimm - baseiam-se nos livros de Anderson (1981Anderson, H. C. (1981). Der Sandmann. In H. C. Anderson, Märchen (pp. 166-181). Berlim, Alemanha: Der Kinderbuchverlag Berlin.) e Hauff (1826/1986)Hauff, W. (1986). Die Geschichte von der abgehauenen Hand. In W. Hauff, Märchen-Almanach auf das Jahr 1826 für Söhne und Töchter gebildeter Stände (pp. 33-47). Stuttgart, Alemanha: Reclam. (Trabalho originalmente publicado em 1826).. O Deutsche Wörtebuch, dicionário que contou com a colaboração de Jacob (1775-1863) e William Grimm (1776-1859) e que, por essa razão, ficou conhecido pelo nome dos dois irmãos (Universität Trier, 2019Universität Trier (2019). Das Deutsche Wörterbuch. Recuperado de: <http://dwb.uni-trier.de/de/das-woerterbuch/das-dwb/>.
http://dwb.uni-trier.de/de/das-woerterbu...
) e o Wörterbuch der Deutschen Sprache, de Daniel Sanders (1865Sanders, D. (1865). Wörterbuch der deutschen Sprache: mit Belegen von Luther bis auf die Gegenwart. Leipzig: Wigand. Recuperado de:<http://mdz-nbn-resolving.de/urn.nbn:de:bvb:12-bsb10808434-5.
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), são os dois léxicos da língua alemã que embasam as considerações etimológicas de Freud.

A crítica a Jentsch e o comentário do Sandmann

A importância da literatura para a pesquisa psicanalítica já está destacada em vários textos da década de 1900 (Freud, 1907/1997cFreud, S. (1997c). Der Wahn und die Träume in W. Jensens Gradiva. In S. Freud, Studienausgabe (v. X, pp. 9-86). Frankfurt a. M., Alemanha: S. Fischer. (Trabalho originalmente publicado em 1907)., 1908/1997dFreud, S. (1997d). Dichter und das phantasieren. In S. Freud, Studienausgabe (v. X, pp. 169-180). Frankfurt a. M., Alemanha: S. Fischer. (Trabalho originalmente publicado em 1908).). Neles, encontra-se o paralelo entre a criação poética e as formações do inconsciente. No ensaio sobre o estranho, no entanto, Freud (1919/1997i)Freud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919). avança nessa discussão e expõe de forma mais contundente o lugar da literatura na investigação psicanalítica.

O texto inicia-se com uma definição ampliada dos limites do campo da estética, que é descrito como uma teoria dos diferentes modos do sentir experimentado pelo ser humano. Doravante, a função da arte não se restringe mais a proporcionar uma fruição apaziguadora e prazerosa por meio de uma conciliação entre os princípios do prazer e da realidade, conforme sua formulação do início década de 1910 (Freud, 1911/1997fFreud, S. (1997f). Formulierung über die zwei Prinzipien des psychischen Geschehens. In S. Freud, Studienausgabe, vol. III (p. 13-24). Frankfurt a. M., Alemanha: S. Fischer. (Trabalho originalmente publicado em 1911).). Cabe a ela igualmente desassossegar e inquietar (Parente, 2017Parente, A. M. (2017). Sublimação e Unheimliche. São Paulo, SP: Pearson.).

A psicanálise, na condição de um campo de investigação que se dedica ao estudo da divisão subjetiva, deve acompanhar as produções artísticas que promovem a irrupção de sentimentos e afetos tais como o asco, o medo, o nojo e o terror para perguntar o que essas manifestações revelam sobre a relação do sujeito com um objeto que lhe cativa e lhe fisga, ainda que involuntariamente ou a contragosto. Destaca-se então no estranho a sua condição de experiência limítrofe entre o horror e o belo (Trias, 2005Trias, E. (2005). O belo e o sinistro. Lisboa, Portugal: Fim de século.).

É importante se deter um pouco mais nessa questão. A abordagem que Freud faz do problema da estética nesse momento difere sensivelmente da que está presente em suas considerações sobre os atos falhos (1901/1999Freud, S. (1999). Zur Psychopathologie des Alltagslebens. In S. Freud, Gesammelte Werke (v. IV). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1901).), os chistes (1905/1997bFreud, S. (1997b). Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 9-220). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1905).) e os pesadelos (1900/1997aFreud, S. (1997a). Die Traumdeutung. In S. Freud, Studienausgabe (v. II). Frankfurt a. M, Alemanha: S. Fischer. (Trabalho originalmente publicado em 1900).). Nesses textos, a produção de prazer é apontada como meta principal, ainda que frequentemente as formações do inconsciente sejam acompanhadas pela angústia, a vergonha e o embaraço. A irrupção desses afetos e sentimentos é apresentada como decorrente de uma falha do disfarce do inconsciente, sendo, portanto, efeito da defesa psíquica. Daí o reconhecimento do caráter paradoxal do prazer suscitado pelas formações do inconsciente, conforme o modelo da primeira tópica: o que gera prazer para uma instância psíquica pode produzir desprazer em outra.

A partir da segunda década do século XX, essa explicação é progres-sivamente reavaliada. Ao escrever “Das Unheimliche”, Freud (1919/1997i)Freud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919). põe em xeque a primazia absoluta do principio do prazer. A arte, de modo geral, e a literatura, em sentido específico, são vistas como grandes aliadas dentro desse projeto de revisão e reformulação.

O princípio do prazer (Freud, 1911/1997fFreud, S. (1997f). Formulierung über die zwei Prinzipien des psychischen Geschehens. In S. Freud, Studienausgabe, vol. III (p. 13-24). Frankfurt a. M., Alemanha: S. Fischer. (Trabalho originalmente publicado em 1911).), também denominado pro- cesso primário, é a principal premissa do funcionamento do aparelho psíquico freudiano. Segundo esse princípio, prevalece no psiquismo uma tendência de regulação da tensão interna que faz com que toda descarga de energia gere prazer e o seu acúmulo, desprazer. A hipótese da pulsão de morte apresentada em “Além do princípio do prazer” (Freud, 1920/1997jFreud, S. (1997j). Jenseits des Lustsprinzips. In S. Freud, Studienausgabe (v. III, pp. 213-272). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1920).) flexibiliza o papel de pivô exercido pelo processo primário na explicação do modelo de aparelho psíquico, indicando no núcleo de seu funcionamento uma tendência radical em direção à entropia.

Essa questão está no centro da avaliação que Freud faz do trabalho de Jentsch (1867-1919) (1906)Jentsch, E. (1906). Psychologie des Unheimlichen. In Psychiatrisch-Neurologische Wochenschrift, n. 22. Halle a. S., Alemanha: Carl Marhold Verlag. Recuperado de: <https://d-nb.info/1138447315/34>.
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. Em seu artigo, o psiquiatra alemão, da mesma forma que Freud, inicia seu texto com um comentário sobre a palavra Unheimlich. Propõe em seguida investigar a dinâmica psíquica que perpassa esse sentimento - Gefühl -, valendo-se para tanto de exemplos do cotidiano, da psicologia infantil e da psicopatologia. Defende, então, que o estranho resulta da desorientação, da insegurança intelectual e de uma carência na elaboração associativa das representações. Segundo ele, a eclosão do afeto de angústia desencadeada pelo contato com uma situação desconhecida constitui o núcleo dessa experiência. Dentro desse modelo mais geral, o autor põe em relevo uma situação específica: quando se trata de avaliar se alguém - ou algo, no caso dos autômatos - está vivo ou morto. Jentsch reconhece, contudo, que sua explicação está longe de esgotar o problema. Em sua defesa, destaca a discrepância dos dados disponíveis sobre o sentimento do estranho, cuja descrição varia substancialmente de pessoa para pessoa.

O reconhecimento de Jentsch das limitações de seu trabalho chamou a atenção de Freud. Talvez não seja demais afirmar que a principal contribuição do psiquiatra alemão para a discussão do estranho tenha sido fomentar uma avaliação metodológica do problema. Se os dados oriundos da clínica - obtidos por meio do relato de pacientes, da observação direta de terceiros e da experiência do próprio pesquisador - mostraram-se lacunares e incipientes; Freud (1919/1997)Freud, S. (1997a). Die Traumdeutung. In S. Freud, Studienausgabe (v. II). Frankfurt a. M, Alemanha: S. Fischer. (Trabalho originalmente publicado em 1900). propõe avançar do ponto onde Jentsch se detém por meio do estreitamento do debate com a literatura. É importante frisar que há no texto de Jentsch (1906)Jentsch, E. (1906). Psychologie des Unheimlichen. In Psychiatrisch-Neurologische Wochenschrift, n. 22. Halle a. S., Alemanha: Carl Marhold Verlag. Recuperado de: <https://d-nb.info/1138447315/34>.
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citações de autores literários, como o próprio Sandmann, de Hoffmann (1817/2016)Hoffmann, E. T. A. (2016). Der Sandmann. In E. T. A. Hoffmann, Das Gesammelte Werke (pp. 189-224). Colonia, Alemanha: Anaconda. (Originalmente publicado em 1817)., e Robson Crusoé, de D. Defoe (1719/1919)Defoe, D. (1919). The life and adventures of Robinson Crusoe. London: Seeley, Service & Co. Limited. (Trabalho originalmente publicado em 1719). Recuperado de: <http://www.gutenberg.org/files/521/521-h/521-h.htm>.
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. O uso que ele faz dessas referências, todavia, desempenha um papel secundário e ilustrativo na construção de suas hipóteses de trabalho.

Freud (1919/1997i)Freud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919). percebe então a necessidade de um uso mais incisivo da literatura. A ficção literária, afirma, é capaz de evocar artificialmente uma conjuntura psíquica real que, espontaneamente, é rara ou de difícil acesso. Dessa forma, a literatura pode conferir maior nitidez e intensidade às manifestações do estranho, ampliando o leque de situações e temas a partir dos quais esse sentimento comparece na experiência concreta, seja em situações patológicas, seja no dia a dia.

Freud aponta então o conto de Schnitzler (1905/2013)Schnitzler, A. (2013). Die Weissagung. Hannover, Alemanha: JMB Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1905)., Die Weissagung - A profecia -, como um exemplo paradigmático da tessitura do estranho na literatura. O tema dessa história é uma previsão que se encontra na iminência de se realizar. Para organizar a narrativa, Schnitzler utiliza o artifício de estruturar uma história dentro de outra. O enredo principal, supostamente real, encontra sua resolução em uma segunda história, assumidamente fictícia, que é encenada em uma apresentação pública. O conto está centrado em um episódio da vida do senhor Umprecht, quando esse ainda servia ao exército em um acampamento na Polônia. Nessa ocasião, ele assiste à apresentação de um mágico, ilusionista e hipnotizador - um provável impostor na opinião de todos - que em dado momento se põe a fazer previsões. Em uma delas, revela a morte do capitão da tropa dentro de poucas semanas. O adivinho disponibiliza uma espécie de luneta, na qual uma cena da vida do então tenente Umprecht que só se realizaria em uma década é apresentada. A confirmação da primeira previsão coloca o protagonista em um estado de horror e fascinação. Apesar de tentar a todo custo intervir para sabotar a realização da profecia, seus esforços fracassam, restando-lhe testemunhar resignadamente a reunião dos elementos que compõem a cena.

Pouco antes da concretização da profecia, o protagonista resolve contar toda sua história. Seu confidente é o personagem que acumula as funções de narrador do conto e autor da peça que será apresentada. O desfecho da história se confunde com a montagem da última cena, que se sobrepõe à imagem profetizada. Detalhe por detalhe, seguindo a perspectiva do narrador, o leitor é convocado a acompanhar o agrupamento dos elementos até o improvável instante final, quando o último detalhe, cuja ausência supostamente desautorizaria a profecia, de repente surge para completar o quadro.

O conto de Schnitzler mostra que os elementos que compõem a profecia não carregam consigo nada de extraordinário. São detalhes banais, corriqueiros e cotidianos. Sua conclusão, apesar de inusitada, não causaria assombro, a não ser da perspectiva da narrativa. A antecipação da cena final, a sua montagem como que por acidente e a suspensão de sua significação proporcionam a tensão que dá vida ao conto. Schnitzler mostra que é a expectativa de algo já antecipado que está na iminência de se revelar que constitui a via de realização do estranho.

Freud refuta então o argumento de Jentsch que atrela o estranho ao desconhecido. “Das Unheimliche”, sustenta, refere-se a algo já sabido, ainda que indiretamente, mas que permanece implícito e associado a uma vivência atual. Essa hipótese é colocada à prova por meio do comentário do conto de Hoffmann (1817/2016)Hoffmann, E. T. A. (2016). Der Sandmann. In E. T. A. Hoffmann, Das Gesammelte Werke (pp. 189-224). Colonia, Alemanha: Anaconda. (Originalmente publicado em 1817)., também citado por Jentsch, como contraponto à interpretação do psiquiatra. Para evidenciar o foco de sua leitura do conto, que se centra no medo de perder os olhos e na relação de Nathanael, o personagem principal da história, com seu pai e as figuras que o substituem - no caso, o Sandmann,3 3 O homem de areia é um personagem do folclore e das fábulas infantis (Anderson, 1981) que assombra as crianças que se recusam a dormir com a ameaça de roubar-lhes os olhos. No conto de Hoffmann, essa história é contada pela mãe de Nathanael e, posteriormente, reiterada e enriquecida por uma babá. o advogado Coppelius, o professor Spalanzani, e o vendedor de lentes Coppola -, Freud (1919/1997i)Freud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919). traz à baila à adaptação para ópera da obra de Hoffmann realizada por J. Offenbach (1820-1880) que segue a mesma perspectiva de Jentsch. Nela, a narrativa gira em torno do romance platônico entre Nathanael e Olímpia, a boneca pela qual o protagonista se apaixona. Tanto para o músico como para o psiquiatra, é a dúvida sobre se Olímpia é uma mulher ou um autômato que atormenta o protagonista.

Seguindo o raciocínio de Jentsch, pode-se afirmar que o esclarecimento de que Olímpia é uma boneca e não a filha do prof. Spalanzani que estaria sendo mutilada pelo próprio pai e seu suposto comparsa - o óptico Coppola - bastaria para aplacar a perturbação de Nathanael. O que se percebe é justamente o contrário. A constatação de que Olímpia é uma boneca torna-se parte integrante de seu delírio, contribuindo para acirrar o seu estado de confusão mental. Tal fato pode ser constado a partir das frases aparentemente sem nexo que o protagonista profere após testemunhar a retirada dos olhos de vidro da boneca. Tal cena desencadeia a crise do protagonista, que pode ser entendida como uma espécie de culminância e pico de tensão do processo de construção de um sistema delirante.

As últimas palavras de Nathanael vinculam a lembrança da explosão que tolheu a vida de seu pai - “Feuerkreis”, círculo de fogo - ao autômato construído pelo professor Spalanzani - “Holzpüppchen”, bonequinha de madeira (Hoffmann, 1817/2016Hoffmann, E. T. A. (2016). Der Sandmann. In E. T. A. Hoffmann, Das Gesammelte Werke (pp. 189-224). Colonia, Alemanha: Anaconda. (Originalmente publicado em 1817)., p. 223). É possível encontrar ainda referências às duas personagens que servem de elo entre o Sandmann e a boneca Olímpia: o advogado Coppelius e o ótico Coppola. O primeiro é avistado do alto da torre através de uma lente que fora adquirida do último. Para acentuar a pregnância da lembrança de Coppola, uma frase do óptico, com o mesmo sotaque e erros de pronúncia, é repetida por Nathanael.

Freud põe em destaque a função da referência à lente de Coppola na construção da narrativa do conto. Esse instrumento encarna a perspectiva de Nathanael. É por meio dela que o leitor acompanha a urdidura de cadeia de pensamentos do protagonista e a sua interpretação dos eventos da história. Do seu ponto de vista, Nathanael se confunde e se amalgama com o objeto pelo qual se apaixona, oscilando entre as posições de agressor e agredido.

É possível estabelecer um paralelo entre os instrumentos ópticos nas histórias de Schnitzler e de Hoffmann. O destaque dado por Freud a esse detalhe está em consonância com a analogia que ele sugere duas décadas antes entre um instrumento ótico - com seu jogo de lentes e refrações - e o modelo gráfico do funcionamento psíquico da primeira tópica (Freud, 1900/1997aFreud, S. (1997a). Die Traumdeutung. In S. Freud, Studienausgabe (v. II). Frankfurt a. M, Alemanha: S. Fischer. (Trabalho originalmente publicado em 1900).).

Conclui-se daí que, na narrativa do Sandmann, Hoffmann põe em evidência a perspectiva da realidade psíquica de Nathanael, incitando o leitor a acompanhar o desenrolar dos acontecimentos por essa ótica. Para Freud, o afeto de angústia que assola Nathanael não se deixa esclarecer pelo argumento de que ele resulta de uma insegurança intelectual e que possui a função de autopreservação. O engano de Nathanael ao tomar a boneca Olímpia por uma pessoa de carne e osso constitui apenas mais um detalhe de uma longa e intricada cadeia que remonta à infância do protagonista.

Apesar da crítica a Jentsch, Freud valoriza o destaque que ele dá à temática do autômato. Nesse momento, Freud cita Ovídio (43 a.C.-16 d.C.), no livro 10 de As metamorfoses (Ovídio, 08/1983Ovídio (1983). As Metamorfoses. Rio de Janeiro, RJ: Tecnoprint. (Trabalho originalmente publicado em 08 d.C).). Nos versos de Ovídio, Pigmaleão, desiludido com a falta de virtudes das mulheres da ilha de Chipre, opta por viver em celibato. Para aplacar a sua solidão, ele esculpe a estátua de uma mulher em mármore, cuja beleza fascina a todos. O artesão apaixona-se por sua obra, o que acirra o seu desinteresse pelas demais mulheres. Para recompensar a coragem do protagonista em um episódio onde ele põe em risco a própria vida em benefício da pólis, a deusa Afrodite, protetora da ilha, decide dar vida à estátua, que se torna a partir de então companheira de Pigmalião.

Pode-se inferir dessa referência que não é só o temido que deve ter sido de alguma forma antecipado, mas também o que se ama. Trata-se, nos dois casos, de um reencontro. Por isso a proximidade entre a fascinação e horror, cujas fronteiras se mostram pouco discerníveis no sentimento do estranho (Trias, 2005Trias, E. (2005). O belo e o sinistro. Lisboa, Portugal: Fim de século.).

A repetição, o diabólico e o animismo

A fluidez semântica do estranho, a sua complexa dinâmica psíquica e a amplitude de nuances que esse sentimento pode assumir reforçam ainda mais o interesse de Freud pela temática da repetição, que é então explorada em sua conexão com a literatura. O comentário que Freud realiza da história do anel de Polícrates, narrada por Heródoto (2000)Heródoto (2000). O anel de Policrátes. In f. Achcar, & R. Hafez (Orgs.), O anel de Polícrates e outras histórias (p. 13-16). São Paulo, SP: Objetiva. e retomada no poema de Schiller (1797/2019)Schiller, F. C. (2019). Der Ring des Polykrates. Weimar: Friedrich Schiller Archiv. (Originalmente publicado em 1797). Recuperado de: <https://www.friedrich-schiller-archiv.de/inhaltsangaben/schiller-der-ring-des-polykrates-inhaltsangabe-interpretation-und-quelle/>.
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, constitui um exemplo bastante representativo dessa linha de investigação.

Na versão de Heródoto (2000)Heródoto (2000). O anel de Policrátes. In f. Achcar, & R. Hafez (Orgs.), O anel de Polícrates e outras histórias (p. 13-16). São Paulo, SP: Objetiva., o faraó Amásis escreve para seu amigo Polícrates, rei da ilha grega de Samos, ao tomar conhecimento de suas sucessivas vitórias bélicas. O intuito do Faraó é alertá-lo para o risco do acúmulo de sucessos associado à ausência de fracassos. Essa conjuntura, afirma Amásis, alimenta o orgulho e a arrogância e desencadeia a ira dos deuses. O faraó aconselha então Polícrates a se desfazer do seu bem mais precioso e, assim, restabelecer o equilíbrio entre perdas e conquistas.

O rei de Samos aceita o conselho e ordena que seu anel, o principal símbolo de seu poder, seja arremessado em alto mar. Nele está incrustado o sinete com o qual os documentos reais são selados. Poucos dias depois, um súdito presenteia Polícrates com um peixe. Ao prepará-lo, o cozinheiro do palácio encontra em seu ventre o anel que fora lançado no oceano e entrega-o ao seu dono. Intrigado, o rei escreve ao faraó reportando o ocorrido. Ao ler a carta, Amásis conclui que por trás das aparentes dádivas escondia-se uma maldição que não tardaria a se manifestar. Ele resolve então romper a aliança com Polícrates para não testemunhar a derrocada de seu estimado amigo.

Freud conclui do comentário dessa história que, por meio da repetição, uma experiência inicialmente corriqueira, indiferente ou prazerosa pode se tornar ameaçadora ou abjeta. A repetição enseja a conjuntura psíquica para a realização da transformação do heimlich em unheimlich. Ela mobiliza o que ainda resta de obscuro e que se encontra em estado de latência naquilo que aparentemente já está assimilado e que faz parte do cotidiano. Ela é, portanto, o substrato concreto por meio do qual o movimento de báscula entre fascinação e horror se produz.

Deve-se salientar que Freud não entende a repetição como um processo mecânico e previsível. Uma prova disso é o ceticismo demostrado em relação ao projeto do biólogo alemão P. Kammerer (1880-1826) (1919)Kammerer, P. (1919). Eine Lehre von den Wiederholugen im Lebens- und im Weltsgeschehens. Stuttgart, Berlim, Alemanha: Deutsche Verlags-Anstalt. Recuperado de: <https://archive.org/details/DasGesetzDerSerie/>.
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, que em seu livro Das Gesetz des Serie cataloga e classifica de modo minucioso diferentes formas de sequências encontradas na natureza e na experiência humana.

Novamente Freud se apoia na literatura para avançar nessa seara. Dessa vez, menciona as crônicas de viagem de M. Twain (1880/1997)Twain, M. (1997). A tramp abroad. Nova York, NY: Peguin Books. (Trabalho originalmente publicado em 1880).. Nelas, o escritor americano transmite a perspectiva de um olhar estrangeiro sobre a Europa e a língua alemã. Freud destaca no texto de Twain a forma com que o estranho se transmuta no cômico. Pode-se afirmar que o uso da repetição na literatura calibra as diferentes nuances que o sentimento do estranho pode assumir. É interessante ainda considerar a partir das crônicas do escritor americano a própria língua como o elemento simultaneamente mais estranho e familiar da constituição psíquica.

Ao prosseguir com a investigação do fenômeno da repetição na literatura, Freud se depara com sua conexão com o diabólico. Em seu ensaio, o diabólico assume um sentido ao mesmo tempo cultural, psíquico e metodológico. Como já foi assinalado, ao falar do unheimlich, Schelling (1842/1857)Schelling, F. W. J. (1857). Philosophie der Mythologie: Vorlesung 28. In F. W. J. von Schelling, Gesammelte Werke, zweite Abteilung, zweiter Band (pp. 645-660). Sttutgart, Alemanha; Augsburg: Cotta´sche Verlag. Recuperado de: <https://archive.org/details/smtlichewerke02sche>.
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refere-se à presença de elementos de sistemas religiosos de culturas orientais no interior dos mitos gregos. Tais elementos - que costumeiramente ocupam um lugar coadjuvante nos ritos e narrativas - em determinadas situações ganham evidência e se sobressaem. Transpondo essa discussão para o contexto da modernidade ocidental, percebe-se que, diferentemente dos gregos - para quem os demônios eram vistos como mensageiros entre os deuses e os homens -, as figuras diabólicas assumem na tradição cristã a conotação de encarnação do mal. Os traços que compõem tais figuras, por sua vez, são oriundos de divindades banidas pelo cânone cristão. Dessa forma, os ídolos ditos pagãos passam a ser negados e combatidos, mas, por essa mesma via, são também assimilados e perpetuados.

No esteio do texto de Schelling, o ensaio de Heine (1854Heine, C. J. H. (1854). Die Götter im Exil. In C. J. H. Heine, Vermischte Schriften. (v. I, pp. 215-267). Hamburg, Alemanha: Hoffmann und Campe. Recuperado de: <http://www.hhp.uni-trier.de/Projekte/HHP/digitalimages>.
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) referido por Freud (1919/1997i)Freud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919)., Die Götter im Exil,4 4 Os deuses no exílio (tradução nossa). possui como tema a mudança do status das divindades gregas na cultura europeia após a Idade Média. Se, em Schelling, o que está em questão é a presença de elementos orientais no alicerce da cultura ocidental, Heine aborda as transformações das narrativas sobre os deuses gregos a partir da influência cristã.

Essa mesma questão pode ser encontrada em A divina comédia (Alighieri, 1320/2002Alighieri, D. (2002). A Divina Comédia. São Paulo, SP: Martin Claret. (Trabalho originalmente publicado em 1320).), também citada por Freud (1919/1997i)Freud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919).. É importante lembrar que, nesse clássico da literatura mundial, Dante convoca o poeta romano Virgílio (70 a.C.-19 a.C.) para servi-lo como guia no inferno. Trata-se de uma posição ambígua: Virgílio é o poeta virtuoso e pagão, condenado à eternidade no inferno em razão de suas crenças religiosas. Sua condição, todavia, não é a mesma de outros personagens, cujos horríveis suplícios são descritos com detalhes. Virgílio representa, portanto, o ápice da influência cultural helênica no império romano, que adotou alguns séculos depois o cristianismo como religião oficial.

Essa ambivalência do saber encarnada pelo Virgílio de Dante - um saber que liberta, mas que também pode ofender a deus e incitar a vaidade dos homens - é um tema bastante difundido na literatura germânica medieval (Carpeaux, 2014Carpeaux, O. M. (2014). A história concisa da Literatura alemã. São Paulo, SP: Faro editorial.). Essa tradição serviu de inspiração a Goethe (1806/2012Goethe, J. W. (2012). Faust. v. I e II. Colônia, Alemanha: Anaconda. (Trabalho originalmente publicado em 1806 e 1832).; 1832/2012)Goethe, J. W. (2012). Faust. v. I e II. Colônia, Alemanha: Anaconda. (Trabalho originalmente publicado em 1806 e 1832). para a escrita da que talvez seja a sua principal obra, o Fausto. A referência ao livro de Goethe no ensaio sobre o estranho torna evidente uma inflexão dada pela psicanálise ao legado iluminista a partir da influência romântica. Isto é, Freud assume a posição de um racionalista cético que se dedica ao estudo de questões menosprezadas pelo estudo científico de sua época, seja por serem consideradas obscuras e supersticiosas, seja por se furtarem a uma abordagem metodológica experimental mais tradicional. O diabólico pode ser considerado, então, uma qualidade dos temas que habitam as franjas da razão (Mezan, 2014Mezan, R. (2014). O tronco e os ramos: estudos de história da psicanálise. São Paulo, SP: Companhia das Letras.).

É pertinente lembrar que já em outros escritos, como na epígrafe dos livros dos sonhos (Freud, 1900/1997aFreud, S. (1997a). Die Traumdeutung. In S. Freud, Studienausgabe (v. II). Frankfurt a. M, Alemanha: S. Fischer. (Trabalho originalmente publicado em 1900).) e no artigo sobre o amor de trans-ferência (Freud, 1915/1997hFreud, S. (1997h). Bemerkungen über die Übertragungsliebe (Weitere Ratschläge zur Technik der Psychoanalyse III). In S. Freud, Studienausgabe (v. Ergänzungsband, pp. 217-230). Frankfurt a. M., Alemanha: S. Fischer. (Trabalho originalmente publicado em 1915).), Freud destaca o caráter infernal e explosivo do inconsciente. Para a psicanálise, há uma força de resistência que condiciona e limita a relação do sujeito com o saber. Essa força deve ser enfrentada de modo racional, mas a partir de seus próprios conteúdos e manifestações. A psicanálise busca, portanto, aprender com os escritores literários o tratamento que eles dão às manifestações do diabólico, na sua condição de limite à racionalidade e às identidades narcísicas e culturais.

A partir da problematização dessa dimensão diabólica do estranho, Freud aborda os temas do animismo e das superstições. Tais fenômenos, argumenta, são efeitos da influência da onipotência do pensamento na produção do julgamento de realidade. Isto é, a crença na capacidade dos pensamentos de alterar os fatos sem a necessidade de uma intervenção. Isso quer dizer que, mesmo nas culturas ditas avançadas, há uma crença, um elemento subjetivo residual, que se imiscui na produção do saber sobre o mundo. O diabólico assume aqui a forma de um desejo que permanece refratário ao pensamento reflexivo consciente. Pode-se afirmar que, no caso das superstições e das crenças em espíritos incorpóreos, a repetição se vale dos signos objetivos para mobilizar as cadeias de pensamento que compõem a realidade psíquica inconsciente.

Essa é a razão de Freud citar o extenso trabalho etnográfico de Seligmann (1870-1926) (1910)Seligmann, S. (1910). Der böse Blick und Verwandtes: Ein Beitrag zur Geschichte des Aberglaubens aller Zeiten und Völker (v. 1 e 2). Berlim, Alemanha: Hermann Basdorf Verlag. Recuperado de: <https://archive.org/details/derbseblickund01seliuoft/page/n6> e <https://archive.org/details/derbseblickund02seliuoft>.
https://archive.org/details/derbseblicku...
. Em seu livro, o oftalmologista alemão cataloga e discute uma infinidade de formas de manifestação da crença no poder do olhar encontradas em culturas de épocas e contextos geográficos diferentes. A literatura surge aqui como uma ponte entre a antropologia e a psicologia. Assim como o antropólogo, que revela na base das práticas religiosas e ritualísticas a ação de processos simbólicos sociais (Freud, 1913/1997gFreud, S. (1997g). Totem und Tabu. In S. Freud, Studienausgabe (v. IX, pp. 287-444). Frankfurt a. M., Alemanha: S. Fischer. (Trabalho originalmente publicado em 1912-13).), o escritor literário torna acessível ao psicanalista a influência de processos psíquicos inconscientes na determinação de fenômenos supostamente sobrenaturais.

Essa é a razão da menção às peças de Shakespeare (1601/1997Shakespeare, W. (1997). Hamlet. Porto Alegre, RS: LP&M. (Trabalho originalmente publicado em 1601)., 1599/2003)Shakespeare, W. (2003). Júlio Cesar. Porto Alegre, RS: LP&M. (Trabalho originalmente publicado em 1599). Hamlet e Júlio César. Nos dois casos, a aparição de fantasmas serve como recurso dramático para representar um conflito psíquico interno (Freud, 1919/1997iFreud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919).). O tema da superstição e a sua correlação com a onipotência do pensamento também comparecem no rápido comentário do romance do escritor alemão A. Schaeffer (1918/1927)Schaeffer, U. (1927). Josef Monfort. Leipzig, Alemanha: Insel Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1918)., Josef Monfort, publicado no ano anterior ao “Das Unheimliche”.

Freud insiste que tanto as aparições espectrais nas obras de Shakespeare quanto as superstições e expectativas proféticas do personagem de Schaeffer não objetivam produzir no leitor o sentimento de angústia, muito embora esses recursos sejam amplamente utilizados nas histórias de terror e suspense. Ele se pergunta daí quais seriam as condições para a realização do estranho a partir desses recursos.

A literatura, nesse ponto, passa a constituir um recurso privilegiado na investigação da dinâmica psíquica da angústia. Deve-se ressaltar que muitos dos textos literários apresentados por Freud corroboram a constatação clínica de que a angústia possui uma origem comum tanto na criança como no adulto. Não é à toa que alguns temas que comparecem nas histórias infanto-juvenis do século XIX tenham igualmente servido de inspiração para livros de suspense para adultos.

Seguindo nessa direção, Freud cita o conto do escritor alemão W. Hauff (1826/1986)Hauff, W. (1986). Die Geschichte von der abgehauenen Hand. In W. Hauff, Märchen-Almanach auf das Jahr 1826 für Söhne und Töchter gebildeter Stände (pp. 33-47). Stuttgart, Alemanha: Reclam. (Trabalho originalmente publicado em 1826)., “A história da mão decepada”, para dar destaque a um assunto recorrente na literatura de suspense e nos contos infantis: a menção a órgãos e membros humanos decepados que ganham vida própria. Novamente, a explicação do complexo de castração é trazida à baila. No entanto, Freud (1919/1997i)Freud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919). pondera que a presença de tais elementos não é suficiente para desencadear no leitor o sentimento do estranho. Para demostrar esse argumento, cita a fábula narrada por Heródoto O tesouro de Rhampsenit, na qual a referência a órgãos decepados enseja mais um efeito cômico do que de estranheza. Ele também cita o livro de Wilde (1887/2010)Wilde, O. (2010). The Canterville Ghost. In The Canterville Ghost / The Happy prince. Nova York, NY: Peguin Books. (Originalmente publicado em 1887)., O fantasma de Canterville, como exemplo de um livro no qual um tema recorrente na literatura de terror - a referência a almas e espíritos - não engendra o sentimento do estranho.

Depreende-se daí que não é o conteúdo, em sua essência, que se presta à produção do estranho. Deve-se, portanto, buscar a gênese desse sentimento em uma arquitetura textual que reverbera um ponto opaco da divisão subjetiva em prol de um efeito estético. Para avançar nessa investigação, Freud refere-se ao texto de Rank (1914Rank, O. (1914). Der Doppelgänger. Imago: Zeitschrift für Anwendung der Psychoanalyse auf die Geisteswissenschaften. 3(2), 97-164. Recuperado de: <https://digi.ub.uni-heidelberg.de/diglit/imago1914/0112>.
https://digi.ub.uni-heidelberg.de/diglit...
) sobre o Doppelgänger, acrescentando a citação que ele faz a Ewers, roteirista do filme O estudante de Praga (Dietrich, Rye & Wegener, 1913Dietrich, R. A. (Produtor), Rye, S., & Wegener, P. (Diretores). (1913). Der Student von Prag: ein romantisches Drama. [DVD] Edition Filmmuseum 80: Alemanha.). A partir de Rank, Freud reforça o caráter dual, não imanente e centrípeto da constituição psíquica do Eu, cujos abalos ele remete ao sentimento do estranho e a eclosão do afeto de angústia.

Conclusão

Constatou-se que a problematização do fenômeno do estranho exigiu o estreitamento do laço com a literatura e a etimologia, provavelmente porque a linguagem representa o componente ao mesmo tempo mais familiar e mais alienígena da constituição psíquica humana. Talvez resida nesse ponto o núcleo duro e opaco do sentimento do estranho, aquilo que determina a sua qualidade de intraduzível. Ou seja, a expressão de uma alteridade arcaica, incorporada, mas não inteiramente assimilada.

Destacou-se que uma preocupação estética constitui o fio que liga os elementos heterogêneos que integram esse conceito. O seu caráter interdisciplinar advém, portanto, desse nexo. A estética é definida por Freud como a investigação dos diversos modos do sentir. Com isso, o campo da estética se amplia para além dos limites do belo e do sublime. Tal abordagem possui importantes repercussões filosóficas. Ela remonta a um modo de apropriação do legado kantiano que merece uma investigação suplementar.

Percebeu-se ainda uma forte influência de autores alemães do século XVIII e XIX, sobretudo os vinculados à tradição romântica em sua vertente mais tardia, do qual Hoffmann constitui o principal exemplo. A partir do comentário do Homem de areia e de uma crítica a Jentsch, Freud defende que não é o inteiramente novo que ameaça e inquieta, mas algo já sabido, íntimo e latente. A repetição é apresentada como o elemento que faz a báscula entre o cotidiano e o fantástico e que modula as diferentes nuances do estranho. Frisou-se o caráter contingencial e banal dos conteúdos que desencadeiam o sentimento do estranho na literatura, assim como a primazia de uma arquitetura textual na produção dessa experiência.

Sublinhou-se no sentimento do estranho três dimensões correlatas e indissociáveis. A primeira, psíquica, diz respeito a uma experiência de limite ao narcisismo. A segunda, cultural ou antropológica, aborda a participação de elementos estrangeiros latentes em toda formação cultural identitária que ocasionalmente se tornam manifestos. A última, heurística ou metodológica, remete a uma experiência de obstáculo ao saber e ao conhecimento. Cada uma dessas dimensões configura um sentido do diabólico: o lado escuro e desconhecido de si, as práticas bárbaras e pagãs latentes e as vivências que colocam em dúvida o estatuto da realidade.

Este trabalho deparou-se ainda com a necessidade de realizar uma revisão crítica do trabalho de Rank (1914Rank, O. (1914). Der Doppelgänger. Imago: Zeitschrift für Anwendung der Psychoanalyse auf die Geisteswissenschaften. 3(2), 97-164. Recuperado de: <https://digi.ub.uni-heidelberg.de/diglit/imago1914/0112>.
https://digi.ub.uni-heidelberg.de/diglit...
) sobre o duplo - Der Doppelgänger - e uma leitura mais detalhada do segundo livro de Hoffmann citado por Freud, Os elixires do diabo. Por razão de espaço, esses dois tópicos serão desenvolvidos em outra oportunidade.

  • *1
    Este trabalho é parte da pesquisa de Doutorado de Fabiano Rabêlo, em curso, sob orientação da Profa. Dra. Karla Patrícia Holanda Martins. Ele resultou de um período de estágio sanduíche com bolsa proporcionada pela CAPES (PDSE) e supervisionada pelo professor Thomas Sträter.
  • Financiamento/Funding: Este trabalho tem apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (Brasília, DF, Br) / This work is supported by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (Brasília, DF, Br).
  • 1
    “... unheimliche nennt man Alles, was im Geheimniss, im Verborgnen, in der Latenz bleiben soltte und hevorgetretten ist” (Schelling, 1842/1857Schelling, F. W. J. (1857). Philosophie der Mythologie: Vorlesung 28. In F. W. J. von Schelling, Gesammelte Werke, zweite Abteilung, zweiter Band (pp. 645-660). Sttutgart, Alemanha; Augsburg: Cotta´sche Verlag. Recuperado de: <https://archive.org/details/smtlichewerke02sche>.
    https://archive.org/details/smtlichewerk...
    , p. 649).
  • 2
    “das Unheimliche sei etwas, was im Verborgenen hätte bleiben sollen und hervorgetreten ist” (Freud, 1919/1997iFreud, S. (1997i). Das Unheimliche. In S. Freud, Studienausgabe (v. IV, pp. 241-274). Frankfurt a. M., Alemanha: Fischer Verlag. (Trabalho originalmente publicado em 1919)., p. 242).
  • 3
    O homem de areia é um personagem do folclore e das fábulas infantis (Anderson, 1981Anderson, H. C. (1981). Der Sandmann. In H. C. Anderson, Märchen (pp. 166-181). Berlim, Alemanha: Der Kinderbuchverlag Berlin.) que assombra as crianças que se recusam a dormir com a ameaça de roubar-lhes os olhos. No conto de Hoffmann, essa história é contada pela mãe de Nathanael e, posteriormente, reiterada e enriquecida por uma babá.
  • 4
    Os deuses no exílio (tradução nossa).

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Editora/Editor: Profa. Dra. Sonia Leite

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2019
  • Aceito
    18 Jun 2019
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