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Diferença e diversidade sexual na psicanálise, nos costumes e no direito

Difference and sexual diversity in psychoanalysis, in customs and in law

Différence et diversité sexuelle en psychanalyse, dans les coutumes et dans le droit

Diferencia y diversidad sexual en psicoanálisis, los costumbres y el derecho

Resumos

O tema evoca um conflito de paradigmas entre os fundamentos da civiliação judaico-cristã, a evolução dos costumes na pós-modernidade, a psicanálise como uma prática relativa à regulação do gozo no campo da psicopatologia e o discurso do Direito que regula a distribuição do gozo no laço social. A psicanálise nasce sob o paradigma da modernidade. Freud desvela a origem perversa e polimorfa da sexualidade, que é posteriormente submetida à lei por meio da função do Nome-do-Pai. Muitos filósofos pós-modernos rejeitam o primado da diferença anatômica entre os sexos, da fantasia infantil da castração e da ficção que atribui ao pai o protagonismo na interdição do incesto. Vamos contrastar os conceitos de diferença, diversidade e autodefinição sexual.

Palavras-chave:
Pós-modernidade; Nome-do-Pai; diferença; diversidade; sexual


The title evokes a conflict of paradigms between the foundations of Judeo-Christian civilization, the evolution of customs in postmodernity, psychoanalysis as a practice related to the regulation of enjoyment in the field of psychopathology and the discourse of Law that regulates the distribution of enjoyment in social bonding. Psychoanalysis was born under the paradigm of modernity. Freud unveiled the perverse and polymorphic origin of sexuality, which is subsequently subjected to law through the function of the Name of the Father. Many postmodern philosophers reject the primacy of the anatomical difference between the sexes, the infantile fantasy of castration and the fiction that bestows the leading role upon the father in the prohibition of incest. As a result, this article contrasts the concepts of difference and diversity and sexual self-definition.

Key words:
Postmodernity; Name of the Father; difference; diversity; sexual


Le thème évoque un conflit de paradigmes entre les fondements de la civilisation judéo-chrétienne, l'évolution des coutumes dans la postmodernité, la psychanalyse en tant que pratique liée à la régulation de la jouissance dans le domaine de la psychopathologie et le discours du Droit qui règle la répartition de la jouissance dans le lien social. La psychanalyse est née sous le paradigme de la modernité. Freud dévoile l'origine perverse et polymorphe de la sexualité, qui est ensuite soumise à la loi par la fonction du Nom du Père. De nombreux philosophes postmodernes rejettent la primauté de la différence anatomique entre les sexes, du fantasme infantile de castration et de la fiction qui attribue au père le protagonisme dans l'interdiction de l'inceste. Nous comparons les concepts de différence et de diversité et d'autodéfinition sexuelle.

Mots clés:
Postmodernité; Nom du Père; différence; diversité; sexuel


El tema evoca un conflicto de paradigmas entre los fundamentos de la civilización judeocristiana, la evolución de las costumbres en la postmodernidad, el psicoanálisis como práctica relacionada a la regulación del goce en el campo de la psicopatología y el discurso del Derecho que regula la distribución del goce en el vínculo social. El psicoanálisis nace bajo el paradigma de la modernidad. Freud revela el origen perverso y polimórfico de la sexualidad que, posteriormente, se somete a la ley a través de la función del Nombre del Padre. Muchos filósofos postmodernos rechazan la primacía de la diferencia anatómica entre los sexos, de la fantasía infantil de la castración y de la ficción que atribuye al padre el protagonismo en la interdicción del incesto. Comparemos los conceptos de diferencia, diversidad y autodefinición sexual.

Palabras claves:
Postmodernidad; Nombre del Padre; diferencia; diversidad; sexual


Introdução

O tema da diferença e da diversidade sexual evoca um conflito de paradigmas entre os fundamentos da civilização judaico-cristã, a evolução dos costumes na pós-modernidade, a psicanálise como uma prática relativa à regulação do gozo no campo da psicopatologia e o Direito como um discurso que regula a distribuição do gozo no laço social. Neste artigo, vamos diferenciar essas perspectivas, evitando o pior impasse que é não explicitar de que lugar se aborda um assunto tão exposto a controvérsias ideológicas e políticas. Nosso esforço no campo da psicopatologia tem sido o de privilegiar o real em jogo na prática clínica, isto é, o saber-fazer do psicanalista (Coelho dos Santos, 2014-2018Coelho dos Santos, T. (2014-2018). O real na ciência e na prática do psicanalista. Rio de Janeiro: Projeto de pesquisa para o CNPq relativo ao período 2014/2018.). Como as demais ciências, a psicanálise formaliza o real a que ela se refere. A materialidade do real, entretanto, não se reduz às construções linguísticas, topológicas, lógicas ou matemáticas. Para a nossa disciplina, é a estrutura do inconsciente e o circuito da pulsão que nos indicam que as dimensões do simbólico e do imaginário não vagueiam ao sabor do nominalismo, mas convergem em direção a um referente real. Essa íntima relação com uma prática interessada no sofrimento que o analisando nos endereça, nos distingue das discursividades filosóficas, literárias, políticas ou ideológicas sobre o real. Nossa política é a do analista. Ela é presidida por uma ética do desejo rigorosamente freudiana e por uma responsabilidade pelo gozo pulsional. Não se pode alcançá-las senão por meio de uma análise levada até o final. É deste ponto de vista que estabelecemos nossa diferença com relação ao conceito de diversidade sexual e à noção de autodefinição em voga nos discursos pós-modernos.

O paradigma pós-moderno advoga a tese de que a sexualidade nasce e permanece diversa e sem lei. Muitos filósofos pós-modernos rejeitam que o primado da diferença anatômica entre os sexos, da fantasia infantil da castração e da ficção que atribui ao pai a interdição do incesto fundem o desejo inconsciente graças ao recalque da sexualidade autoerótica. A teoria freudiana da relação entre o nascimento da sexualidade genital, a função do pai, a fantasia de castração e a interdição do incesto é considerada uma construção cultural, historicamente datada. O erro de Freud teria sido generalizar uma construção cuja validade deveria ficar restrita às sociedades patriarcais submetidas a uma moralidade repressiva. Os defensores do paradigma pós-moderno entendem que é preciso desconstruir essa tradição moralista e repressiva para acolher a multiplicidade das expressões da sexualidade. Este discurso tem origem numa posição filosófica, ideológica e política. Não tem raízes, como a psicanálise tem, na experiência clínica com os efeitos do inconsciente, do desejo e do discurso do Outro sobre o corpo pulsional.

Freud abordou a sexualidade humana pelo ângulo do nascimento do erotismo. Em lugar de partir da hipótese de um instinto biológico destinado a assegurar a reprodução da espécie, seu interesse recai sobre a pulsão sexual que é despertada no corpo de forma autoerótica, dispersa nas zonas erógenas: boca, ânus, genitais, olhar e voz. Essas experiências sexuais parciais e precoces se unificam, de acordo com o psicanalista Jacques Lacan, entre seis meses e um ano e meio. É a aquisição da imagem corporal que permite reunir as pulsões autoeróticas graças à mediação do espelho, do olhar e da voz do Outro materno (Lacan, 1956-57/1995Lacan, J. (1995). O seminário. Livro 4. A relação de objeto. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar. (Trabalho original proferido em 1956-57)). O amor de si mesmo nessa etapa da constituição da sexualidade humana enseja uma adoração da imagem do corpo, que Freud (1914/1996a)Freud, S. (1996a). Sobre o narcisismo: uma introdução. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 14). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1914). chamou de narcisismo. A descoberta da diferença sexual põe fim a esse idílio com a imagem. Ela é traumática porque a criança a interpreta por meio da fantasia infantil da castração. A imagem unificada do corpo é afetada de uma ameaça de castração do órgão genital masculino ou de uma falta efetiva deste quando é confrontada à diferença anatômica entre os sexos. Essa ficção introduz a fantasia de que o pai é o agente da castração (Freud, 1923/1996bFreud, S. (1996b). A organização genital infantil: uma interpolação na teoria da sexualidade. In Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. 19, pp. 157-200). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1923).). A função paterna, entretanto, não se reduz a um enredo imaginário. Ela é uma função simbólica e consiste em sujeitar a sexualidade humana à lei do desejo, reiterando a interdição do incesto e despertando a angústia como um sinal no eu (Freud, 1926/1996cFreud, S. (1996c). Inibições, sintomas e ansiedade. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 20). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1926).). Como resposta a essa angústia, meninos e meninas precisarão constituir-se como seres sexuados. Eleger o ideal simbólico do seu sexo, identificar-se com ele permite escolher um objeto sexual não incestuoso e dar um destino simbólico à diferença sexual anatômica. Como se pode deduzir, a sexuação não é para Freud uma experiência de autodefinição. A assunção do sexo próprio é um efeito de nomeação, de interdição e de sujeição à lei edípica.

A teoria freudiana da sexualidade autoerótica, perversa polimorfa, infantil nos parece ser o fundamento do novo paradigma da diversidade sexual. A diferença anatômica entre os sexos não serviria mais para orientar a sexualidade psíquica, pois muitos acreditam que sexo e gênero são dimensões radicalmente independentes. A nomeação simbólica como homem ou mulher também não exerceria nenhuma determinação na sexuação. Sexo e gênero não guardariam entre si nenhuma relação e nem mesmo a noção de gênero seria necessária. A bissexualidade, a homossexualidade, a transexualidade e o travestismo dissociam sexo anatômico e gênero psíquico. Mas novas sexualidades prescindem mais amplamente ainda dessa ideia supostamente binária e anacrônica de gênero. Não binariedade é um termo guarda-chuva para identidades de gênero que estão fora do binário de gênero e das cisnormatividades. Agênero, neutrois, bigênero, poligênero, gênero-fluido, intergênero, demigênero, trigênero, maverique e pangênero são alguns dos termos que circulam no discurso da inconformidade de gênero.

Na vertente das abordagens filosóficas antipsicopatológicas desse tema, Joan Scott (1995)Scott, J. (1995). Gênero: uma Categoria Útil de Análise Histórica. Educação e Realidade, 20(2), 71-99. defende que “gênero é uma forma primária de significar as relações de poder” (p. 88). Historicamente datada, esta noção serviria para manter as desigualdades sociais e de poder que incidem sobre o gênero, a raça e a classe, sobrepondo-os. Nesse sentido, a autora cita o antropólogo francês Maurice Godelier, para quem não é a sexualidade que assombra a sociedade, mas a sociedade que assombra a sexualidade do corpo. Judith Butler, por sua vez, sustenta que o gênero não é uma essência, nem uma construção social, mas uma produção de poder (Butler, 2003Butler, J. (2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (Trad. Renato Aguiar). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.). Questiona a identidade como fundamento da política feminista, ao argumentar que as estruturas jurídicas contemporâneas engessam categorias de identidade pela coerência exigida pela matriz heterossexual (Firmino & Porchat, 2017Firmino, F. H., & Porchat, P. (2017). Feminismo, identidade e gênero em Judith Butler: apontamentos a partir de “Problemas de Gênero”. Doxa: Revista Brasileira de Psicologia da Educação, 19(1), 51-61. Doi: 10.30715/rbpe.v19.n1.2017.10819.
https://doi.org/10.30715/rbpe.v19.n1.201...
). Desse modo, a reafirmação da identidade feminina conservaria as relações hierárquicas entre o masculino e o feminino, provocando a exclusão dos que não se enquadraram nessa categoria. Inspirada na analítica foucaultiana genealógica das relações de poder, Butler contesta as reificações de gênero e a construção variável da identidade, com o objetivo de desmantelar as hierarquias e seus supostos mecanismos de poder. A heterossexualidade compulsória seria apresentada ao sujeito como um imperativo (Firmino & Porchat, 2017Firmino, F. H., & Porchat, P. (2017). Feminismo, identidade e gênero em Judith Butler: apontamentos a partir de “Problemas de Gênero”. Doxa: Revista Brasileira de Psicologia da Educação, 19(1), 51-61. Doi: 10.30715/rbpe.v19.n1.2017.10819.
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). Para Butler, atos, atuações e gestos são meras ações performativas que podem criar a ilusão de um núcleo interno e regular de um gênero, servindo politicamente à manutenção da heterossexualidade compulsória sob a forma da heteronormatividade.

O paradigma pós-moderno invalida tudo aquilo que resulta da transmissão simbólica, afetiva e cultural de uma família constituída por um homem, uma mulher e seus filhos naturais. O homem não é mais considerado parte da natureza. Sexo e gênero são dissociados. O homem nem sequer precisa imitar a natureza. Não faz nem mesmo semblante de ser parte dela. Sua sexualidade nada tem a ver com a reprodução. Esta última pode ser providenciada graças aos artifícios da ciência. Quando avaliamos essas atitudes do ponto de vista de uma mudança dos costumes, tendemos a rejeitar a dimensão psicopatológica do sofrimento que se experimenta nessa dissonância entre o sexo e o gênero. Marie Édith Cypris (2012)Cypris, M. E. (2012). Mémoires d'une transsexuelle – La belle au moi dormant. Colection “Souffrance et Theórie”. Rennes, FR: Presses Universitaires de France., em suas Mémoires d'une transsexuelle: la belle au moi dormant, adverte sobre possíveis efeitos negativos da despatologização que reivindicam as militâncias associativas de transexuais e de transgêneros:

Na medida destas perspectivas despatologizantes e na ausência de causa orgânica perceptível atualmente, continuaremos a falar de diagnóstico para uma demanda de cuidado que pretende ser entendida como um direito? A psiquiatria vai desaparecer do dispositivo logo ela que até então protegia o paciente de uma atitude precipitada, de um engano irreversível? (p. 276; tradução nossa)

Paradoxalmente, embora o desmentido (Coelho dos Santos, 2016Coelho dos Santos, T. (2016). O Outro que não existe: verdade verídica, verdades mentirosas e desmentidos veementes. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 3, 565-604.) da dimensão real, natural, biológica do corpo avance de maneira cada vez mais desmedida, não faltam indivíduos dos diversos matizes sexuais que querem se casar, constituir uma família e criar filhos. Estes desejos e comportamentos, para muitos indivíduos, descolaram-se das estruturas elementares do parentesco que interditam as relações endogâmicas. O paradigma pós-moderno refuta, condena e desacredita a herança religiosa que ao longo dos séculos foi transmitida de uma geração à outra, consolidando tais estruturas, que podem estar em vias de extinção. Essa estrutura elementar pode estar em vias de extinção. Se a sexualidade humana desvincula-se completamente do problema da consanguinidade, as noções de filiação natural, paternidade, maternidade perderão sua estrutura e seus significados tradicionais. Será preciso inventar outros novos? Numa nova configuração simbólica, a interdição do incesto ainda terá algum sentido? E a pedofilia? Será preciso condená-la? Até onde a pós-modernidade vai desconstruir a natureza e a tradição? Isso depende, é claro, de quanta resistência o discurso pós-moderno vai encontrar em seu esforço de disseminação. A psicanálise pode ser uma das barreiras? Ou será que a sociedade tende a dividir-se no que se refere à relação com o real do desamparo? De um lado estarão aqueles que valorizam a transmissão do inconsciente, do desejo do Outro e do recalque da sexualidade por meio das fantasias edipianas. De outro, aqueles que a rejeitam e necessitam se autodefinir.

O conflito de paradigmas, aliás, tornou-se bastante acentuado nos últimos 20 anos, expressando-se no laço social por meio de uma divisão entre aqueles que acreditam que “Deus os criou homem e mulher” e os que colocam em questão a herança simbólica que sustenta a tradição familiar. Essa nova versão da “guerra entre os sexos” não se amenizou com o progresso da tolerância dos que adotam a concepção tradicional. O recuo do comportamento rebelde à tradição também não evita a persistência do confronto. Este é o caso da onda de casamentos entre homossexuais e transexuais e da adoção de crianças por estes novos casais que desejam conformar-se ao modelo familialista.

O campo do Direito é o que se vê mais mobilizado, talvez, pelas mudanças nos costumes que os movimentos LGBT+ exige transformar em alterações nas leis. Mas, também os psicanalistas se vêm acossados pelas críticas desse grupo que questiona a autoridade da experiência clínica no campo da sexualidade e acredita que seus paradigmas não passam de preconceitos herdados da tradição patriarcal. Identificam, sem nenhum pejo epistêmico, a estrutura das relações elementares do parentesco (herança que é relativa às bases de toda civilização e que emana dos textos sagrados) com os costumes mais ou menos patriarcais que a elas se associam ao longo dos séculos.

Como pretendemos demonstrar, a relativização dessas estruturas tradicionais, através de uma redução a simples representações socioculturais, passa ao largo do problema mais essencial que é a dimensão psicopatológica. Negligenciam uma pergunta fundamental: por que algumas pessoas desenvolvem uma incompatibilidade psicológica com sua própria anatomia? Por que se sentem premidas a rejeitá-la em lugar de assumi-la e simbolizá-la por meio da identificação ao ideal do seu sexo? Até que ponto a experiência da dissociação entre o sexo anatômico e o gênero psíquico pode ter raízes num desencadeamento psicótico? O estranhamento do próprio corpo é uma experiência que se encontra frequentemente na gênese da psicose. Até que ponto pode-se generalizar essa abordagem? As experiências dos indivíduos transgênero e transexuais podem ensinar muito acerca das angústias que conduzem um sujeito a aventurar-se na redefinição de seu gênero tanto na esfera civil quanto pela via da intervenção cirúrgica. Nossa hipótese é a de que somente o caminho da investigação clínica, caso a caso, pode dizer quando é que se trata de uma foraclusão do Nome-do-pai e da subsequente ruptura na junção do imaginário e do real que afeta o sentimento da vida.

Considerar a dimensão psicopatológica requer levar a sério a clínica dos estados psicológicos que antecedem essas decisões. Neste sentido, o caminho é o diagnóstico rigoroso que permita interrogar a estrutura subjetiva daqueles que experimentam uma incompatibilidade com seu sexo anatômico. Trata-se de um sintoma? Ou estamos diante de uma experiência psicótica? Será que a cultura pós-moderna mascara sob o véu da ideologia antiautoritária uma infinidade de transtornos psicopatológicos dificultando mais ainda seu diagnóstico e tratamento?

As topologias borromeana e não borromeana

Que estatuto tem o Outro no mundo que vivemos? Costumamos articular a dimensão do Outro ao simbólico à religião, à tradição, aos princípios, crenças e valores que se encarnam na figura paterna que pensamos emanar do divino. Os textos sagrados — a Bíblia, a Torá ou Pentateuco, o Talmud, o Corão — fundaram civilizações com base na palavra de Deus endereçada aos seus profetas. A crença em um Deus único, a fé monoteísta, prevaleceu progressivamente entre as comunidades humanas ao longo da história. O cristianismo revolucionou as religiões monoteístas, defendendo que só existe uma única humanidade e que todos os seres humanos são iguais perante Deus. Uma poderosa inovação foi, talvez, a explicação do seu sucesso. A ideia de que o verbo se fez carne e habitou entre nós. Acreditam que Jesus Cristo, filho de Deus, diferentemente de outros pregadores e profetas, é o próprio Deus encarnado. Da hegemonia do cristianismo no mundo nasceu a crença que funda os Estados modernos e democráticos: todo homem nasce livre e igual. O Estado moderno é laico, mas, paradoxalmente, sua base filosófica e moral é cristã.

O advento da ciência redefine o mundo como laico e torna a religião um assunto de crença individual. A Igreja se separa do Estado. A família, entretanto, é um resíduo que resiste à laicização do mundo (Coelho dos Santos, 2001Coelho dos Santos, T. (2001). Quem precisa de análise hoje? São Paulo, SP: Bertrand Brasil.). O pai encarna a exceção divina, ele supostamente detém o falo, símbolo da diferença sexual, continente do fluxo vital e guardião do sentimento de estar vivo. Na fantasia das crianças ele é o agente da castração. Interdita o incesto, separando as crianças de suas mães. É ele quem pune os meninos desobedientes e travessos com a perda do precioso pênis, órgão que os predestina a encarnar na vida adulta o símbolo fálico. As meninas já o perderam, porque meninas são más. Sim, são somente fantasias infantis, mas são crenças inconscientes poderosas. Servem para explicar a estranha diferença anatômica entre os sexos. Permitem localizar a diferença de gozo que dela resulta, o masculino e o feminino. Funcionam como um aparelho ficcional de defesa contra a única verdadeira e dura realidade: a satisfação absoluta é impossível. Não se pode ser homem e mulher ao mesmo tempo. Não se pode gozar de todos os gozos possíveis. Logo, organizam a diferença de papéis entre os gêneros, em torno dessa falta constitutiva dos desejos. A fantasia edipiana é protetora. É mais ameno acreditar que se a satisfação absoluta falta, é porque o pai a proíbe. E continuar sonhando inconscientemente com ela, tentando encontrá-la na via do desejo.

Por que os laços sociais organizados em torno da função da família de matriz e rede das relações de parentesco já não são tão sólidos e definidos na pós-modernidade? Bem, talvez porque esta nova época começa no pós-guerra, quando a sociedade enriquecida pelo Plano Marshall esquece que a satisfação absoluta é impossível. Pela primeira vez na história da humanidade, depois da longa e cruel destruição e miséria deixada pelas duas grandes guerras, a economia floresce e tudo parece possível. De acordo com Coelho do Santos (2019)Coelho dos Santos, T. (2019). O que é e onde começa a pós-modernidade? In T. Coelho dos Santos, A. L. Santiago, & F. L. G. de Oliveira, Reconfigurações do Imaginário no Século XXI (pp. 17-32). Curitiba, PR: Editora CRV.:

A pós-modernidade é esta revolução nos costumes que começa a ser preparada ao longo dos anos 1950, período em que muitas nações vão conhecer um crescimento industrial e tecnológico estupendo com efeitos de aumento notável no acesso a uma melhor qualidade de vida e ao consumo de bens e serviços, por parte de uma parcela considerável da população desses países. Muito rapidamente, o acesso à televisão, ao automóvel, às viagens ao exterior, aos telefones particulares, às máquinas de lavar e outros eletrodomésticos, tornaram o padrão de vida do cidadão médio comparável ao que, até então, somente indivíduos muito ricos podiam alcançar e desfrutar. A Era de Ouro ou, os anos dourados de acordo com Eric Hobsbawn (2016), foram sem dúvida a pré-condição para uma profunda mudança nas aspirações individuais e na natureza dos laços coletivos. Do nosso ponto de vista, a condição pós-moderna inaugura-se juntamente com os acontecimentos de maio de 1968 em todo mundo. (p. 18)

O mundo em que vivemos caracteriza-se pelo embate entre o paradigma moderno, ainda vivo, e por um conjunto de novos paradigmas que se apoiam na convicção tenaz de que tudo é possível. Esse conflito se desdobra em algumas vertentes principais. A mais importante é a da oposição entre ciência e conveniência ou gadgets. Existem pseudociências, mas existe também uma tensão entre ciência e anticiência. Em particular, o descasamento entre os fundamentos inconscientes do laço social — que são o desamparo e a função paterna de transmissão da castração — e as novas configurações do laço social como um arranjo suplementar à falência dos papéis sexuais e parentais. Na esfera do direito, a contenda vai se estabelecer entre a ideia de universalidade dos direitos e deveres dos cidadãos e a reivindicação de indivíduos ou de grupos — que se consideram minoritários e prejudicados — de serem tratados como exceção.

Neste artigo, vamos trazer uma amostra dessas tensões para aprofundar os efeitos subjetivos de uma diferença entre duas topologias que as perpassam: a borromeana e a não borromeana. Partindo da concepção lacaniana de que os registros simbólico, imaginário e real (linguagem, imagem e corpo) são independentes uns dos outros e precisam de um artifício para se articularem, há dois modos de fazê-lo. O primeiro e mais universal é tipicamente neurótico, o borromeano. A subjetividade borromeana é aquela que amarra os três registros graças à crença. O segundo convém melhor às subjetividades psicóticas, aquelas que foracluem todas essas dimensões. Quando esse último modo de subjetivação do real experimenta um deslizamento do imaginário, pode recorrer à autodefinição, à invenção de um artifício singular ou à produção de uma personalidade excepcional para amarrar os registros.

O Outro simbólico consistente que vem dando substância ao sujeito desde a origem conhecida dos tempos, agora se mostra falho, fraturado, exposto nas suas imperfeições e não é mais o detentor das verdades universais anunciadas pelos mitos, religiões e ideologias contundentes com forte poder de mobilização. Os antigos ideais, baseados em uma forte adesão coletiva, subsistem minados, tendo de coexistir com ideais novos, próprios a comunidades diversas com diversos mais de gozar. O sujeito do mundo moderno não sofre de falta de ideais, mas sim de uma diversidade que gerou seu espalhamento e sua multiplicação, tornando-os menos impositivos. Seu modo de gozo não reside mais na ruptura dos limites, mas sim na sua precariedade. As patologias em ascensão evidenciam a presença de um tratamento do gozo pelo objeto, onde mutilações e maus-tratos ao corpo revelam que não houve declínio social da castração, só do Pai, já que ela não é mais introduzida pelo Édipo, reduzindo-se a que nos é imposta pela entrada na linguagem. As psicoses não são mais delirantes e extraordinárias como no caso do presidente Schreber. A psicose hoje é ordinária pois emerge inscrita nesse contexto de destituição do valor simbólico do Nome-do-Pai. Elas se caracterizam pelo tratamento objetal do gozo por meio de condutas de castração real, ou por manobras de extração, recuperação e até mesmo acumulação do objeto. Também demonstram que o simbólico contemporâneo foi colocado em continuidade com o imaginário, revelando que a vividez de certas imagens pode vir enquadrar um gozo que transborda.

Acreditamos que é preciso abordar, por hipótese, a dissociação entre sexo anatômico e gênero psíquico como um dos mecanismos possíveis de reorganização subjetiva após a desconstituição do nó borromeano. O nó borromeano é o dispositivo simbólico que dá enlace às três dimensões da estrutura subjetiva do real, do simbólico e do imaginário. A ruptura de um dos elementos libera os demais, temos aí a escrita topológica da função paterna, que permite reuni-las. A grande contribuição para uma pesquisa como essa é o reconhecimento de que as psicoses mudaram. Diante da fenomenologia discreta apresentada pelos sujeitos psicóticos de hoje em dia —, uma vez que se tornaram raras as manifestações de grandes delírios — a hipótese da foraclusão do Nome-do-Pai introduzida por Lacan nos anos 1950, torna concebível que um sujeito seja estruturado de modo psicótico sem que a psicose clínica seja atualizada. Para remediar a falha no encadeamento do nó, ele pode estabelecer suplências que lhe fornecem outras formas de enlace, não borromeano. Elas restauram um senso de imbricação da estrutura subjetiva, mas conservam o vestígio de uma ou mais falhas, fazendo com que o corte de um dos elementos não libere todos como na topologia borromeana, mantendo a conexão de uma parte.

A noção de psicose ordinária (Miller et al., 1999Miller, J.-A. et al. (1999). La psychose ordinaire: La convention d'Antibes. Paris, FR: Le Paon, Agalma, Seuil.) aparece ao final de uma longa investigação sobre a psicose na contemporaneidade para dar conta de manifestações psicóticas mais “modestas” ou medianas, onde a disruptividade é bem menor. Em geral, não representam o prelúdio de uma grande patologia, mas sim um modo específico de funcionamento subjetivo. Nesses casos, a foraclusão do Nome-do-Pai pode dar lugar a diversas formas de estabilização, desde as construções mais frágeis, às suplências mais sólidas. Miller aponta para a existência de neodesencadeamentos, neoconversões e neotransferências, cujo polo comum é a não centralidade do Outro no lugar de exceção e de âncora da Lei simbólica. Como recorda Maleval (2019)Maleval, J.-C. (2019). Repères pour la psychose ordinaire. Paris, FR: Navarin Éditeur., a clínica das psicoses ordinárias dá conta dos novos tempos, onde o Outro não existe. O sujeito moderno não se orienta mais na direção da moral austera da civilização e não se apoia mais na renúncia às pulsões. Vivemos numa cultura que, muito ao contrário, incentiva ao máximo o gozo e vai produzir um tipo clínico que se associa exatamente ao seu excesso. No tempo em que o Nome-do-Pai designava a verdade do sintoma, seu núcleo de gozo restava oculto, de forma que o sintoma aparecia como um presente divino mais apto a promover a salvação do que a própria saúde. No entanto, na cultura atual, o sujeito não quer mais esperar, não busca mais sua felicidade no além. A ciência arruinou os ideais religiosos e tentou colocar outros em prática, o que acabou sendo ainda mais desastroso.

Os fenômenos elementares, na definição de Lacan (1955-56/2008)Lacan, J. (2008). O seminário. Livro 3. As psicoses (A. Menezes, Trad.). Rio de Janeiro, RJ: Zahar. (Trabalho original publicado em 1955-56)., são os sinais clínicos reveladores da estrutura psicótica. Apresentam-se, geralmente, como fragmentos de linguagem que exibem um desenquadramento do significante que se percebe pela presença de alucinações ou intuições resultantes de uma falha no nó borromeano. Pode ser o caso da experiência de estranheza em relação ao próprio corpo. O sujeito experimenta uma incompatibilidade com ele, rejeita seus órgãos genitais porque lhe parecem dissociados de seu verdadeiro gênero. A psicose se revela na impossibilidade de abordar o gênero por meio do significante. O sujeito não alcança a dimensão metafórica do gênero psíquico. Ele acredita que o homem e a mulher existem em si mesmos. Se os fenômenos elementares são evidentes motivos ou de queixa ou de surpresa para o sujeito, os sinais discretos são claramente assumidos. Amplamente catalogados, os fenômenos elementares são manifestações patológicas descritas inicialmente pela psiquiatria clássica, e permanecem descritos pela psiquiatria moderna. Já os sinais discretos foram quase completamente ignorados pela tradição psiquiátrica. Foram descritos apenas pela clínica psicanalítica e implicam a hipótese de um trabalho subjetivo de invenção. O único deles que foi observado pela psiquiatria é a superidentificação. E justamente esse mecanismo pode ser a chave para elucidar o fenômeno contemporâneo da autodefinição.

Nos anos de 1950, os psiquiatras alemães Hubertus Tellenbach e Alfred Kraus apreendem os fenômenos de transitivismo mental manifesto de formas mais rígidas a partir das noções de hipernomia, de superidentificação e do que eles denominam como typus melancolicus. Kraus (1998)Kraus, A. (1998). Thérapie de l'identité des mélancoliques et des maníaco-depressifs. Confrontations psychiatriques, 39, 275-304. caracteriza a sobreidentificação por dois traços maiores correlacionados entre si: a hipernomia e a intolerância à ambiguidade. A hipernomia torna o sujeito “normopata”. Ele se comporta de maneira excessivamente apropriada às expectativas normativas, identificando-se de forma imutável a uma atividade profissional, social, conjugal etc. Tratam-se de identificações maciças, engessadas em valores autoritários. Em uma sociedade com incidência consistente dos princípios tradicionais, esta manifestação psicopatológica se dava por meio de uma forte relação com o dever em prol de minimizar as contradições e da manutenção da solidez da identidade de um papel. O comportamento hipernômico evita a aparição exterior da ambiguidade das normas, na medida em que este comportamento se detém estritamente ao que é prescrito. Maleval (2019)Maleval, J.-C. (2019). Repères pour la psychose ordinaire. Paris, FR: Navarin Éditeur. sublinha que essa descrição psicopatológica merece atualizações que alcancem as especificidades dos novos tempos, nos quais os ideais não constrangem o gozo e a ideologia predominante cultiva a satisfação pulsional afrouxada de regulações. O rigor moral do typus melancholicus cede espaço a novas suplências da psicose ordinária que fixam uma sobreidentificação por meio de um inflacionamento do eu que o endurece em uma identificação imaginária autodefinidora, geralmente ligada às novas narrativas que ambicionam a hegemonia no laço social. A hipernomia e a dependência extrema a uma definição de si marcada pela certeza psicótica resultam de uma ausência de bússola do fantasma e da tentativa de compensação por caminhos não borromeanos.

A característica principal da psicose ordinária reside, como nas psicoses clássicas, na impossibilidade de simbolização da perda do objeto em razão da foraclusão do Nome-do-Pai. O resultado é que o objeto não funda um fantasma fundamental, liberado para seguir seu curso; demonstra-se ser apenas pulsão de morte (Maleval, 2019Maleval, J.-C. (2019). Repères pour la psychose ordinaire. Paris, FR: Navarin Éditeur.). Quando o gozo ultrapassa os limites do prazer, o sujeito se depara frequentemente com situações em que o sofrimento, quer seja o seu ou o de outros torna-se dominante. O sujeito psicótico alimenta uma relação de intimidade com a pulsão, da qual os delírios dos psicóticos extraordinários dão clara demonstração: os limites humanos foram rompidos.

De acordo do com Maleval (2019)Maleval, J.-C. (2019). Repères pour la psychose ordinaire. Paris, FR: Navarin Éditeur., na psicose ordinária temos um quadro não muito diferente, o gozo invasivo pode gerar condutas que visam atravessar o limite entre a imagem e o símbolo: masoquismo sacrificial, despedaçamento necrofílico, homicídio imotivado, descolamento impossível do objeto e aspiração à inércia, revelam um modo de gozo que se revela além do princípio do prazer e é percebido pelo sujeito como uma imposição. Podemos acrescentar a esses sofrimentos atrozes, o sentimento de habitar um corpo que não lhe pertence, que não consegue chamar de seu, com o qual se sente em absoluta incompatibilidade O chamado à mutilação só pode ser apaziguado mediante a promessa de uma cirurgia para livrá-lo do órgão genital perseguidor.

A psicose é um terreno imenso, cujo extenso campo clínico é recoberto por inúmeras acepções de fenômenos elementares, relacionados não só à cadeia partida, da qual atesta a emergência de um significante solitário (S1), mas também a tudo que demonstra uma ruptura no enlace borromeano. O aspecto mais específico da psicose ordinária reside na invenção de um enodamento não borromeano, capaz de dar arrimo ao sujeito no laço social, quer seja pela criação de um sinthoma, ou por enquadramento em uma identificação. O tratamento psicanalítico pode contribuir para esse processo, desde que saiba não interpretar o gozo, mas sim temperá-lo. Voltaremos a esse ponto no final deste artigo. Precisamos responder ao apelo que nos chega do campo do Direito para auxiliá-los a tomar decisões sobre as demandas fundadas na autodefinição sexual.

A sexualidade no campo do Direito

O conceito de diversidade sexual emana diretamente das hipóteses freudianas acerca da origem autoerótica e perversa polimorfa da sexualidade humana? Acreditamos que não. Um longo caminho histórico será percorrido até que comecem a surgir indivíduos que se declaram sexualmente LGBT+. E mais tempo ainda transcorreu até que um conjunto de militantes de organismos não governamentais venha representá-los desenvolvendo um conjunto de princípios que ampliam os direitos universais do homem para incluir o direito das exceções. Para isso foi preciso cunhar um novo paradigma. O da diversidade sexual e seu corolário que é a autodefinição sexual. A ideia de universalidade do homem é baseada na tradição. É o Outro — Deus, o pai, os ancestrais — que nos reconhece como seus descendentes. Não nascemos livres e iguais, senão porque fomos desejados pelo Outro, pai e mãe, que nos engendrou. A natureza humana é um direito moral transmitido pelo nossos antecessores. As cartas constitucionais nascem da história e da tradição humana. Não nos autodefinimos como homens ou mulheres como pretendem os defensores do novo paradigma. Nossa hipótese é a de que o direito à autodefinição sexual faz parte de um conjunto de direitos de ser tratado como exceção. Uma investigação clínica cuidadosa deveria ser capaz de responder se a posição subjetiva dos que acreditam que podem se autodefinir tem, necessariamente ou não, uma afinidade com a psicose. Essa hipótese, entretanto, como já deixamos claro mais acima, só pode ser averiguada caso a caso. Uma parte da literatura psicanalítica (Coppus, 2019Coppus, A. N. S. (2019). Eu sou o outro: o descompasso entre o eu e o corpo que a transexualidade coloca em cena. In T. Coelho dos Santos, A. L. Santiago, & F. L. G. de Oliveira (Orgs.), Reconfigurações do Imaginário no Século XXI (pp. 103--114). Curitiba, PR: Editora CRV.; Santos & Moreira Jr., 2012Souza, C. S. A., & Moreira Junior, W. C. (2012). A ciência a serviço do delírio: “como seria belo ser uma mulher!...” In T. Coelho dos Santos, J. Santiago, & A. de Martello, De que real se trata na clínica psicanalítica? Psicanálise, ciência e discursos da ciência (pp. 195-230). Rio de Janeiro, RJ: Cia de Freud.) apoia essa tese, mas não acreditamos que se trata de um tema esgotado.

Os princípios de Yogyakarta surgem dos esforços de membros de or- ganizações não governamentais especializados no ativismo das questões de gênero, em 2005, de fazer um mapeamento das experiências de violação de direitos humanos sofridas por pessoas de orientações sexuais e identidades de gênero diversas. O objetivo geral seria averiguar a aplicação dos tratados de direitos humanos aos casos específicos, bem como a obrigação dos Estados quanto à implementação efetiva de cada um destes direitos (O'Flaherty & Fischer, 2008, pp. 232-233O'Flaherty, M., & Fisher, J (2008). Sexual Orientation, Gender Identity and International Human Rights Law: Contextualising theYogyakarta Principles. Human Rights Law Review 8(2), 207-248. Disponível em: <https://academic.oup.com/hrlr/article-abstract/8/2/207/677801>. Doi: 10.1093/hrlr/ngn009.
https://academic.oup.com/hrlr/article-ab...
). Desta forma, 29 ditos especialistas — naturais de 25 países diferentes, foram convidados a fazer a minuta do documento, que foi firmado no início do mês de novembro de 2006 na Universidade de Gadjah Mada, em Yogyakarta, Indonésia (O'Flaherty & Fischer, 2008, p. 234O'Flaherty, M., & Fisher, J (2008). Sexual Orientation, Gender Identity and International Human Rights Law: Contextualising theYogyakarta Principles. Human Rights Law Review 8(2), 207-248. Disponível em: <https://academic.oup.com/hrlr/article-abstract/8/2/207/677801>. Doi: 10.1093/hrlr/ngn009.
https://academic.oup.com/hrlr/article-ab...
), razão pela qual acabou recebendo esse nome.

Uma leitura cuidadosa dessa lista de especialistas causa certa perplexidade. Não há um único psiquiatra, psicólogo ou psicanalista. Ninguém que tenha se especializado no estudo do desenvolvimento psicológico humano e nos seus eventuais impasses. Ninguém que fosse reconhecidamente uma autoridade em psicopatologia. Chama atenção a ausência de qualquer consideração acerca dos direitos e necessidades de portadores de neuroses, psicoses ou perversões. Não são mencionados os deveres dos especialistas em diagnóstico e tratamento de doenças mentais para com eles. A dissociação entre a dimensão da sexualidade e o campo da saúde mental demarca um território onde a ideologia de gênero prevalece, sem discussão, sobre qualquer outra consideração de natureza científica.

Em breve resumo, o documento prevê o seguinte: os princípios de 1 a 3 tratam das violações de direitos humanos universais que sofrem as pessoas desse grupo LGBT+ e defendem muito justamente a obrigação de sua aplicação sem nenhum tipo de discriminação. Realçam a costumeira invisibilidade que as pessoas LGBT+ enfrentam em suas sociedades, tendo seus direitos não protegidos e até sua dignidade humana colocada em xeque. Os princípios 4 a 11 recordam os direitos fundamentais à vida, à segurança pessoal, à privacidade, à liberdade, ao acesso à justiça e à proteção contra a exploração e a privações arbitrárias de suas liberdades.

A discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero inclui qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na orientação sexual ou identidade de gênero que tenha o objetivo ou efeito de anular ou prejudicar a igualdade perante a lei ou proteção igual da lei, ou o reconhecimento, gozo ou exercício, em base igualitária, de todos os direitos humanos e das liberdades fundamentais. (Princípios de Yogyakarta, 2007, novembro, 2, p. 12Princípios de Yogyakarta (2007, novembro). Dispõe sobre aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero. Recuperado de: <https://clam.org.br/uploads/conteudo/principios_de_ yogyakarta.pdf>.
https://clam.org.br/uploads/conteudo/pri...
)

O princípio 6, que trata do direito à privacidade, destaca que esse direito inclui a opção de revelar ou não informações relativas à orientação sexual ou identidade de gênero, assim como as relações pessoais e sexuais, consensuais, que o indivíduo tiver. Esse princípio institui o direito a alguma coisa que é excepcional mas, a nosso ver, explica-se plenamente porque há Estados cujas leis criminalizam atividades sexuais consensuais entre pessoas maiores de idade do mesmo sexo. Ele visa proteger os indivíduos de revelações arbitrárias, indesejadas ou a mera ameaça de revelação por outras pessoas e pelo Estado.

Os princípios 12 a 18 trazem a importância da não discriminação relativa ao trabalho, à seguridade social, à garantia de um padrão de vida adequado, ao direito à habitação adequada, ao direito à educação e ao direito à saúde e à opinião e de expressão, da liberdade de reunião e de associação pacíficas e da liberdade de pensamento, de consciência e de religião — agrupadas em conjunto por tratarem do livre pensamento do indivíduo. Os princípios 22 e 23 tratam do direito à liberdade de ir e vir e de buscar asilo.

Os princípios 24 a 26 tratam do direito de constituir família, de participar da vida pública e de participar da vida cultural. Reafirmam o direito a igualdade e a não discriminação.

Podemos depreender da leitura dos princípios que se trata essencialmente de assegurar os direitos universais do homem a pessoas com orientação sexual e identidade de gênero não conformes aos costumes e ao direito tal como foi estabelecido pela tradição. Algumas questões mais difíceis começam a se destacar quando entramos no direito ao reconhecimento perante a lei. Este é um dispositivo cujo texto vale ser analisado, uma vez que situa o papel do direito com muita clareza a serviço do fato social, independentemente do costume ou do consenso. Afirma que a orientação sexual e a identidade de gênero são “opções” abertas ao sujeito, como também que exercer tal escolha é um direito individual. Introduzindo, sem maiores explicações, os conceitos inéditos de diversidade sexual e de autodefinição.

Toda pessoa tem o direito de ser reconhecida, em qualquer lugar, como pessoa perante a lei. As pessoas de orientações sexuais e identidades de gênero diversas devem gozar de capacidade jurídica em todos os aspectos da vida. A orientação sexual e identidade de gênero autodefinidas por cada pessoa constituem parte essencial de sua personalidade e um dos aspectos mais básicos de sua autodeterminação, dignidade e liberdade. Nenhuma pessoa deverá ser forçada a se submeter a procedimentos médicos, inclusive cirurgia de mudança de sexo, esterilização ou terapia hormonal, como requisito para o reconhecimento legal de sua identidade de gênero. Nenhum status, como casamento ou status parental, pode ser invocado para evitar o reconhecimento legal da identidade de gênero de uma pessoa. Nenhuma pessoa deve ser submetida a pressões para esconder, reprimir ou negar sua orientação sexual ou identidade de gênero. (Princípioos de Yogyakarta, 2007, novembro, 3, pp. 13-14)

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4275 e a tutela dos direitos relativos ao gênero no Brasil

O Brasil foi um dos países da América Latina que receberam muito amplamente as propostas de revisão normativa em favor das agendas de defesa dos direitos dos homossexuais e transgêneros, na Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais — Até então, GLBT — realizada em 2008, sob a coordenação da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, foi deliberado pelo movimento a adoção da sigla LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. A mudança corrobora a visibilidade política e social das mulheres do movimento, formalizando o enfrentamento das desigualdades que se pautam pelas questões de gênero. Assim formou-se oficialmente o Movimento LGBT brasileiro.

Uma das conquistas do movimento no âmbito normativo foi a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais instituída com base no direito à saúde garantido no art. 196 da Constituição Federal e no Plano Nacional de Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), que apresenta as diretrizes para a elaboração de políticas públicas para a população considerada. Pautando-se nas determinações da 13ª Conferência Nacional de Saúde, realizada no Brasil, em 2008, acerca da inclusão da orientação sexual e da identidade de gênero na análise da determinação social da saúde surge uma diretriz do governo federal no sentido de reduzir as desigualdades sociais por meio da formulação e implantação de políticas e ações pertinentes.

Reproduzimos aqui os argumentos em favor de tal orientação. Essas políticas levam em conta que a discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero incidem na determinação social da saúde, no processo de sofrimento e adoecimento decorrente do preconceito e do estigma social reservado às populações de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais e que o desenvolvimento social é condição imprescindível para a conquista da saúde. Consideram também que a exclusão social decorrente do desemprego, da falta de acesso à moradia e à alimentação digna, bem como da dificuldade de acesso à educação, saúde, lazer, cultura interferem, diretamente, na qualidade de vida e de saúde e que todas as formas de discriminação, como no caso das homofobias direcionadas à população, devem ser consideradas na determinação social de sofrimento e de doença. Ao final, destacamos o item IX da PNSLGBT. E, por fim, a necessidade de atenção especial à saúde mental da população LGBT.

Constata-se com muita frequência no cenário jurídico nacional, que diante de algumas insuficiências das funções dos poderes executivo e legislativo, o judiciário é chamado a intervir, decidindo questões que são veiculadas com extrema frequência, por meio de julgamentos de casos pontuais que são transformados em recursos paradigmáticos aos quais é dado efeito vinculante, devendo ser aplicados aos casos práticos semelhantes que vierem a seguir. Neste âmbito se insere a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4275, que se presta a discutir normas de direito registral que impõem as condições em que o registro civil pode ser realizado e o prenome pode ser alterado como consequência daquilo que foi chamado de “direito à autodeterminação da pessoa”. A análise dessa decisão judicial traz valiosos elementos para a compreensão de como estão sendo tratadas as questões relativas a gênero e sexualidade no direito atualmente. O dispositivo em questão afirma: “O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios”. Ação tem como premissa uma interpretação do preceito em jogo em consonância com os artigos 1º, inciso III, 3º, inciso IV, e 5º, cabeça e inciso X, da Carta Federal que direciona à possibilidade de mudança de sexo e prenome, por transexuais, no registro civil.

O tema julgado aponta para a existência de duas abordagens que percebe como não excludentes da transexualidade: a que chama de “biomédica”, que a define como distúrbio de identidade de gênero, e a social, embasada no direito à autodeterminação da pessoa. Sustenta-se o argumento segundo o qual impor ao cidadão a manutenção de prenome que não condiz com a identidade atenta contra a dignidade do indivíduo e compromete a interlocução com terceiros, em espaços públicos e privados. Com base em algumas normas de direito internacional, diz ser incongruente permitir a alteração de prenome sem a correspondente modificação de sexo no registro civil. O direito fundamental à identidade de gênero justifica a troca de prenome, independentemente da realização da cirurgia. Pondera que a configuração da transexualidade não depende do procedimento cirúrgico, fundamentando-se em decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão que condicionou a alteração no registro civil sem a cirurgia à faixa etária — ao menos 18 anos —, à convicção, há 3 anos, de pertencer ao gênero oposto ao biológico e à aferição da observância dos requisitos por grupo de especialistas. Prevalece a interpretação segundo a qual a expressão “apelidos públicos notórios”, inserida no artigo 58 da Lei nº 6.015/1973, abrange o prenome social dos transexuais, ensejando também a modificação relativa ao registro de gênero. O argumento mais frequentemente explorado é a exposição das pessoas transexuais a danos gravíssimos pelo não reconhecimento publico de sua situação.

A decisão judicial apresenta, a seguir, a manifestação do entendimento de alguns poderes da República sobre a questão. O Presidente tece considerações sobre a transexualidade. Aponta ter o Poder Executivo tutelado o direito do transexual mediante a instituição, no Sistema Único de Saúde, de processo transexualizador. Defende a possibilidade da retificação do registro civil postulada na peça primeira, desde que não implique a eliminação da averbação originária com o gênero e prenome anteriores. A Câmara dos Deputados se absteve de prestar informações, com base no disposto no artigo 103, § 3º, que determina que é da competência da Advocacia Geral da União defender a norma quando sua constitucionalidade é questionada. O Senado Federal se baseia nos princípios da proporcionalidade e adequação social das normas relativas ao nome e ao registro civil no Brasil. Defende que poder público já promove os direitos fundamentais dos transexuais de forma eficiente, ao assegurar a realização de cirurgia de transgenitalização. Argumenta ser inviável a modificação do assentamento sem a submissão ao procedimento, considerada a imprescindibilidade de o registro corresponder à realidade física e defende a impropriedade de o Poder Judiciário atuar como legislador positivo. A Advocacia Geral da União, após fazer considerações de natureza processual sobre a ação, entende que o pedido é parcialmente procedente. Argumenta que a condição de transexual, revelando a necessidade de alteração do averbado em relação ao nome e ao gênero, independe da realização de cirurgia de transgenitalização, mas sustenta haver necessidade de manter registrado o estado anterior, afirmando que o desaparecimento do sujeito pregresso inviabilizaria a cobrança de débitos civis e tributários, assim como a persecução penal.

O julgador compreende que se trata de tema sensível que envolve valores constitucionais de importância maior. Questiona-se se é legítimo recusar a transexuais o direito à alteração do prenome e gênero no registro civil. Adota uma resposta negativa, afirmando ser tempo de regular a questão da insuficiência de critérios morfológicos para afirmação da identidade de gênero, sob a ótica da dignidade humana. Entende como descabido potencializar o relativo a situações divergentes do padrão da sociedade de forma a marginalizar cidadãos que não estão praticando atentados efetivos contra a ordem pública, negando-lhes o exercício de direitos fundamentais. Afirma que a tutela estatal deve respeitar a complexidade ínsita à psique humana, diante da pluralidade dos aspectos conformadores da consciência. Sustenta ser inaceitável, no Estado Democrático de Direito, inviabilizar a alguém a escolha do caminho a ser percorrido, obstando-lhe o protagonismo, pleno e feliz, da própria jornada.

No entanto, a modificação do registro civil constitui situação excepcional no ordenamento jurídico e contém algumas armadilhas a serem evitadas. O critério morfológico, embora carente de mitigação, ainda é parâmetro relevante para a identificação de cidadãos. Nos casos em que não realizada a cirurgia de transgenitalização, a alteração do assentamento deve ser precedida da verificação de critérios técnicos aptos a comprovar a transexualidade, visando preservar critérios mínimos de estabilidade e proteção da confiança na ordem pública. A adequação do nome à identidade psicossocial de gênero não é apta a eliminar o caminho trilhado até aquele momento pelo transexual. Trata-se da mesma pessoa, e permanece sua responsabilidade por atos praticados na situação anterior. Inexiste direito absoluto, de modo que a modificação de prenome e sexo no registro civil, embora relativa à esfera íntima, não pode ser justificativa para descontinuidade das informações registradas. É necessário resguardar o interesse público de sanar divergências ou dúvidas relativas ao estado da pessoa, consubstanciado no princípio da veracidade do registro. Isso não pode significar expor a constrangimentos ou preconceito, devendo qualquer problema desse tipo decorrente da condição de transgênero, ser resolvido no campo da responsabilidade civil.

Cabe destacar que a decisão final facilitou muito os procedimentos de registro civil, reconhecendo-se aos transexuais, independentemente da realização de cirurgia de transgenitalização, o direito à mudança de prenome e sexo no registro civil. Pede, caso o indivíduo não opte pela cirurgia, a fixação dos seguintes requisitos para a alteração do assentamento: (i) idade superior a 18 anos; (ii) convicção, há pelo menos 3 anos, de pertencer ao gênero oposto ao biológico; e (iii) baixa probabilidade, de acordo com pronunciamento de grupo de especialistas, de modificação da identidade de gênero.

Possível aplicabilidade terapêutica do apelo ao direito por parte dos indivíduos afetados por patologias de gênero

A manifestação de psicose no sujeito aparece por meio de uma retirada dos investimentos do indivíduo no mundo externo (Freud, 1914/1996aFreud, S. (1996a). Sobre o narcisismo: uma introdução. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 14). Rio de Janeiro, RJ: Imago. (Trabalho original publicado em 1914).) — naquilo que entendemos como realidade socialmente compartilhada. Tendo em conta isso e a importância da superidentificação como uma suplência observada nessa modalidade psicopatológica, o apelo ao Direito como meio de legitimar a reivindicação desses indivíduos ao direito de serem tratados como exceção pode constituir-se como uma via terapêutica para iniciar um processo de reinvestimento do indivíduo afetado. Contanto que a lei preserve a obrigatoriedade da manutenção dos cuidados com a saúde tanto física quanto mental.

No Brasil, ainda que aparentemente haja uma aceitação ampla dos princípios trazidos pelo protocolo, uma análise mais aprofundada das efetivas inovações legislativas inspiradas pelo documento demonstra que foi preservado o corpo principiológico de limitações às violações da ordem pública. É possível perceber que as promessas de mudanças normativas muito disruptivas em relação à ordem social predominante permanecem, por mais notoriedade que venham a ganhar, no campo teórico de debates políticos de caráter sensacionalista travado na mídia.

O conceito de diversidade sexual revoga o primado dos órgãos genitais na definição sexual dos indivíduos. Consiste em abolir a precedência da natureza sobre a cultura. Revoga também o primado das coordenadas simbólicas instituídas pela civilização e pela cultura para instituir esse novo paradigma no campo da natureza, da cultura e da linguagem: o direito de se autodefinir. Supondo que este direito se estenda para além da orientação sexual e da identidade de gênero, o que mais poderia ser passível de autodefinição? Uma solução jurídica foi encontrada para excluir a assim chamada “disforia de gênero” do campo da psicopatologia das psicoses. A sociedade não foi convidada a participar do debate e muito menos os especialistas em saúde mental foram chamados a contribuir, trazendo à consideração do judiciário o problema mais amplo das psicoses. A pressa em remendar uma situação incômoda e responsável por graves violações de direitos humanos, levou a definições estruturalmente problemáticas.

E por que seriam problemáticas se a intenção é tão boa? Porque é muito difícil convencer a maioria das pessoas de que noções fundamentais como sexo, gênero e família possam ser objeto de autodefinição. Somente subjetividades cuja topologia seja não borromeana poderão, eventualmente, ver o mundo deste ponto de vista. O mais importante é que nós, psicanalistas de orientação lacaniana, precisamos estar mais atentos a esses casos e oferecer mais amiúde nossa contribuição ao exercício do Direito como costumamos fazer tradicionalmente nas Varas de Família.

  • Financiamento/Funding: Este trabalho recebeu apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nivel Superior – Capes (Brasília, DF, Br) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico– CNPq (Brasília, DF. Br) / This work is supported by Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nivel Superior – Capes (Brasília, DF, Br), and by Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico– CNPq (Brasília, DF. Br).

Referências

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Editora/Editor: Profa. Dra. Sonia Leite

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2020
  • Revisado
    01 Dez 2020
  • Aceito
    14 Jan 2021
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