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Medicalização da vida nas práticas vinculadas à estratégia saúde da família *1 *1 O presente artigo faz parte da tese de doutoramento da primeira autora (Filardi, 2019), que investigou o uso de medicamentos psicotrópicos e de abordagens não farmacológicas para superação de dificuldades da vida cotidiana que geram sofrimento psíquico, mas que são referidas pela literatura médica especializada como transtornos mentais comuns, não classificáveis em um diagnóstico psiquiátrico estrito. A tese foi desenvolvida em duas etapas. No primeiro momento foi investigada a experiência dos pacientes com o uso de psicotrópicos. Neste artigo, apresentamos os resultados da segunda etapa da pesquisa cujo propósito foi realizar uma análise exploratória das práticas clínicas dos médicos da saúde da família nos cuidados primários, no manejo do uso de psicotrópicos — em especial, benzodiazepínicos e antidepressivos — e/ou de abordagens não farmacológicas, para a superação de problemas psicossociais por seus pacientes.

Medicalization of life in practices linked to the family health strategy

La médicalisation de la vie dans les pratiques liées à la stratégie santé de la famille

Medicalización de la vida en prácticas vinculadas a la estrategia de salud de la familia

Resumos

A inclusão dos cuidados em Saúde Mental na Atenção Primária tem ocorrido em diversos países, incluindo o Brasil, para suprir a existência de uma lacuna assistencial. A integração dos serviços é apontada como necessária, mas ao mesmo tempo um grande desafio. O objetivo deste estudo foi realizar a análise exploratória das práticas discursivas sobre o uso dos medicamentos psicotrópicos e das abordagens não farmacológicas para superação de eventos negativos da vida. As entrevistas realizadas com médicos que trabalham na saúde da família, sobre a prática clínica nos cuidados primários em saúde mental, compuseram o corpus da pesquisa. Os dados foram tratados a partir dos pressupostos da análise do discurso. As descrições analíticas foram construídas a partir dos enunciados identificados na formação discursiva da medicalização da vida. Os resultados da análise evidenciaram o pluralismo terapêutico dos psicotrópicos e seus efeitos, com o uso menos frequente das abordagens não farmacológicas; a prescrição exclui tramas sociais mais amplas, captura a potência da vida modulando os comportamentos individuais e coletivos, para que a convivência seja assegurada e legitimada, para garantir o pretenso bem comum.

Palavras-chave:
Medicamentos; psicotrópicos; análise do discurso


Inclusion of mental health care into primary care has occurred in several countries, including Brazil, to tackle the lack of assistance. The integration of services is seen as necessary, but at the same time a major challenge. The aim of this study was to conduct an exploratory analysis of discursive practices on the use of psychotropic drugs and non-pharmacological approaches to overcome negative life events. Interviews conducted with physicians working in family health on the clinical practice of primary mental health care made up our research corpus. Data were analyzed based on the assumptions of discourse analysis. The analytical descriptions were built based on the statements identified in the discursive formation of the medicalization of life. The results of the analysis showed the therapeutic pluralism of psychotropics and their effects, less frequently using non-pharmacological approaches. Prescription excludes broader social plots, captures the power of life by modulating individual and collective behavior, so that social life is assured and legitimized, thus ensuring the alleged common good.

Key words:
Medications; psychotropic; discourse analysis


L'inclusion des soins de santé mentale dans l'attention primaire se développe dans divers pays, y compris au Brésil, pour combler l'existence d'une lacune assistancielle. L'intégration des services est considérée comme nécessaire, mais également comme un défi. L'objectif de cette étude a été de réaliser l'analyse exploratoire des pratiques discursives sur l'usage des médicaments psychotropes et des approches non pharmacologiques pour surmonter les événements négatifs de la vie. Les entretiens réalisés avec les médecins travaillant en santé familiale à propos de la pratique clinique dans les soins primaires de santé mentale ont composé le corpus de la recherche. Les résultats de l'analyse ont mis en évidence le pluralisme thérapeutique des psychotropes et leurs effets, avec l'usage moins fréquent des approches non pharmacologiques. La prescription exclut des trames sociales plus amples, capture la puissance de la vie en modulant les comportements individuels et collectifs pour que la vie sociale soit assurée et légitimée, pour garantir le prétendu bien commun.

Mots clés:
Médicaments; psychotropes; analyse du discours


La inclusión de la atención en salud mental en el ámbito de la atención primaria se ha dado en varios países, entre ellos Brasil, para suplir la existencia de un vacío asistencial. La integración de los servicios se considera como necesaria y, al mismo tiempo, como un gran desafío. El objetivo de este estudio fue realizar un análisis exploratorio de las prácticas discursivas sobre el uso de medicamentos psicotrópicos y sobre los abordajes no farmacológicos para superar los eventos negativos de la vida. Las entrevistas a médicos, que trabajan en salud familiar, sobre la práctica clínica en salud mental dentro de la atención primaria, constituyeron el corpus de la investigación. Los datos fueron tratados a partir de los postulados del análisis del discurso. Las descripciones analíticas se construyeron a partir de las declaraciones identificadas en la formación discursiva de la medicalización de la vida. Los resultados del análisis mostraron el pluralismo terapéutico de los psicotrópicos y sus efectos, con un uso menos frecuente de abordajes no farmacológicos, la prescripción excluye tramas sociales más amplias, capta la potencia de la vida modulando os comportamientos individuales y colectivos, para garantizar y legitimar la coexistencia y garantizar el supuesto bien común.

Palabras claves:
Medicamentos; psicotrópicos; análisis del discurso


Resta estudar de que corpo necessita a sociedade atual...

(Foucault, 1985, p. 148Foucault, M. (1985). Microfísica do poder. (Organização e tradução Roberto Machado. (5a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Graal.)

O presente artigo investigou o uso de medicamentos psicotrópicos e de abordagens não farmacológicas para superação de dificuldades da vida cotidiana que geram sofrimento psíquico, mas que são referidas pela literatura médica especializada como transtornos mentais comuns, não classificáveis em um diagnóstico psiquiátrico estrito. Neste artigo, apresentamos os resultados da pesquisa cujo propósito foi realizar uma análise exploratória das práticas clínicas dos médicos que atuam na saúde da família nos cuidados primários, no manejo do uso de psicotrópicos — em especial, benzodiazepínicos e antidepressivos — e/ou de abordagens não farmacológicas, para a superação de problemas psicossociais por seus pacientes.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe a integração da saúde mental na Atenção Primária (AP) reforçando uma perspectiva de saúde global, levando em conta que não existe saúde sem saúde mental (WHO, 2008World Health Organization (WHO) (2008). World organization of family doctors (wonca). Integrating mental health into primary care: a global perspective. Retrived from: <https://www.who.int/mental_health/resources/mentalhealth_PHC_2008.pdf>.
https://www.who.int/mental_health/resour...
; Nunes, & Landim, 2016Nunes, M., & Landim, F. L. P. (Orgs.) (2016). Saúde Mental na Atenção Básica; Política & Cotidiano. Salvador, BA: EDUFBA.). Essa integração é justificada para facilitar e ampliar o acesso aos cuidados em saúde mental, pela proximidade com as famílias e a comunidade e por diminuir o estigma associado ao sofrimento psíquico. Os cuidados primários em saúde mental são necessários e importantes porque representam um olhar para a saúde global, apesar de não corresponderem a todas as necessidades de saúde mental da população, que tem de contar também com equipamentos especializados (WHO, 2008World Health Organization (WHO) (2008). World organization of family doctors (wonca). Integrating mental health into primary care: a global perspective. Retrived from: <https://www.who.int/mental_health/resources/mentalhealth_PHC_2008.pdf>.
https://www.who.int/mental_health/resour...
; Wenceslau, & Ortega, 2015Wenceslau, L.D, & Ortega, F. (2015). Mental health within primary health care and Global Mental Health: international perspectives and Brazilian context. Interface, 19(55), 1121-32. doi.org/10.1590/1807-57622014.1152.
https://doi.org/10.1590/1807-57622014.11...
).

Ainda nesse contexto, ao longo das últimas décadas, a OMS vem desenvolvendo políticas que estimulam os Estados-Membros para o uso da medicina complementar e alternativa nos sistemas de saúde. O Brasil aderiu a tais práticas desde a criação do SUS, conforme documentado na portaria ministerial n° 971 de 2006, que aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPPIC), tais como a acupuntura, a homeopatia e a utilização de plantas medicinais e fitoterapia, na perspectiva da prevenção de agravos e da promoção e recuperação da saúde (MS, 2006MS. (2006). Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 971, de 3 de maio de 2006. Brasil. Retrived from <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt0971_03_05_2006.html>.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
). Embora as práticas integrativas e as abordagens não farmacológicas sejam preconizadas para o Transtorno Mental Comum (TMC) — termo utilizado para designar os sofrimentos mentais não psicóticos, de pessoas que apresentam queixas somáticas inespecíficas, sintomas de irritação, cansaço, insônia, estresse, entre outros (Ludermir & Melo-Filho, 2002Ludermir, A. B., & Melo-Filho, D. A. (2002). Living conditions and occupational organization associated with common mental disorders. Rev Saúde Pública, 36 (2), 213-221. doi.org/10.1590/S0034-89102002000200014.
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200200...
; Lucchese et al., 2014Lucchese, R., Sousa, K., Bonfim, S.P., Vera, I., & Santana, F. R. (2014). Prevalence of common mental disorders in primary health care. Acta Paul Enferm., 27(3), 200-207. doi.org/10.1590/1982-0194201400035.
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) —, os dados da literatura apontam para o aumento do consumo de psicotrópicos, tanto internacionalmente como no Brasil, com prevalência da prescrição na Atenção Primária (AP) (Azevedo, Araújo, & Ferreira, 2016Azevedo, A. J. P., Araújo, A. A., & Ferreira, M. A. F. (2016). Consumo de ansiolíticos benzodiazepínicos: uma correlação entre dados do SNGPC e indicadores sociodemográficos nas capitais brasileiras. Ciência & Saúde Coletiva, 21(1), 83-90. doi.org/10.1590/1413-81232015211.15532014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
; Mojtabai, & Olfson, 2010Mojtabai R., & Olfson M. (2010). National trends in psychotropic medication polypharmacy in office-based psychiatry. Arch Gen Psychiatry, 67(1), 26-36. doi:10.1001/archgenpsychiatry.2009.175.
https://doi.org/10.1001/archgenpsychiatr...
; Olfson, Steven, & Marcus 2009Olfson, M., Steven, M. P. H., & Marcus, C. (2009). National Patterns in Antidepressant Medication Treatment. Arch Gen Psychiatry, 66(8), 848-856. doi.10.1001/archgenpsychiatry.2009.81.
https://doi.org/10.1001/archgenpsychiatr...
; Silva et al., 2015Silva, V. P., Botti, N. C. L., Oliveira, V. C., & Guimarães, E. A. A. (2015). Perfil epidemiológico dos usuários de benzodiazepínicos na atenção primária à saúde. R. Enferm. Cent. O. Min., 5(1), 1393-1400. doi.org/10.19175/recom.v0i0.546.
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; Souza, Cavalcante, & Mendes, 2016Sousa, A. B., Cavalcante, P. B. F. G., & Mendes, C. M. M. (2016). Study of prescription benzodiazepines by physicians of primary attentions in Teresina. R. Interd. 9(3), 26-35.). O estudo de Santos (2009)Santos, D. V. D. (2009). Uso de psicotrópicos na Atenção Primária do Distrito Sudoeste de Campinas e sua relação com os arranjos da clínica ampliada: “uma pedra no sapato”. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas., que avaliou a rede de atenção primária de saúde da cidade de Campinas, SP, Brasil, apresentou como resultado que os medicamentos psicotrópicos são na maioria das vezes a principal intervenção e estratégia de tratamento em saúde mental, os quais são também utilizados por longos períodos e para situações do cotidiano, como problemas sociais e econômicos (Santos, 2009Santos, D. V. D. (2009). Uso de psicotrópicos na Atenção Primária do Distrito Sudoeste de Campinas e sua relação com os arranjos da clínica ampliada: “uma pedra no sapato”. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.).

Os benefícios promovidos pelo uso dos psicotrópicos estão bem documentados na literatura e linhas-guia, mas, por outro lado, eles também estão associados a problemas de dependência, efeitos adversos e medicalização (Lader, 2011Lader, M. (2011). Benzodiazepines revisited – will we ever learn? Addiction, 106, 2086-2109.). Uma revisão sistemática de estudos qualitativos reuniu evidências para a compreensão do uso do medicamento psicotrópico por adultos para lidar com eventos negativos da vida pessoal, e os resultados demonstraram que os psicotrópicos foram considerados pelos usuários um recurso útil para superar os problemas sociais, que se negava a existência dos seus efeitos colaterais e que faltavam abertura e acesso para outros mecanismos de apoio (Filardi et al., 2017Filardi, A. F. R., Araújo, V. E., Nascimento, Y. A., & Ramalho-Oliveira, D. (2017). Use of psychotropics in everyday life from the perspective of health professionals and patients: a systematic review. J Crit Rev, 4(3), 1-8. doi.org/10.22159/jcr.2017v4i3.17598.
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). O estudo desenvolvido por Hedenrud e colaboradores (2013)Hedenrud, T. M., Svensson, S. A., & Wallerstedt, S. M. (2013). “Psychiatry is not a science like others” – a focus group study on psychotropic prescribing in primary care. BMC Family Practice, 14(115). doi.org/10.1186/1471-2296-14-115.
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apontou que a prescrição dos psicotrópicos na AP estava relacionada com as características do paciente, do médico ou sua interação, ao contrário de necessidades médicas propriamente ditas dos pacientes (Hedenrud, Svensson & Wallerstedt, 2013Hedenrud, T. M., Svensson, S. A., & Wallerstedt, S. M. (2013). “Psychiatry is not a science like others” – a focus group study on psychotropic prescribing in primary care. BMC Family Practice, 14(115). doi.org/10.1186/1471-2296-14-115.
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).

O uso de medicamentos psicotrópicos possui dimensões sociais e culturais, às quais estamos todos ligados, que perpassam, portanto, as relações entre os médicos e os pacientes. A medicalização, temática discutida desde a década de 1970, é um processo no qual os problemas não médicos passam a ser definidos e tratados como problemas médicos, geralmente em termos de doenças ou distúrbios (Conrad, 2007Conrad, P. (2007). The Medicalization of Society: On the Transformation of Human Conditions into Treatable Disorders. Baltimore, MA: The Johns Hopkins University Press.). O termo medicalização, neste artigo, é apresentado como ponto inicial para a análise da prescrição de medicamentos psicotrópicos para aliviar sentimentos que antes eram aspectos da infelicidade cotidiana (Rose, 2007Rose N. (2007). Beyond medicalisation. Lancet, 369(9562), 700-702.). Nesse sentido, o uso da psicofarmacologia como tecnologia substitui as ‘instituições de sequestro' — termo utilizado por Foucault (1985)Foucault, M. (1985). Microfísica do poder. (Organização e tradução Roberto Machado. (5a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Graal., para se referir, dentre outras, aos hospitais psiquiátricos — promovendo uma transformação esperada, conformada, normatizada, produzindo corpos dóceis (Foucault, 1985, p. 145Foucault, M. (1985). Microfísica do poder. (Organização e tradução Roberto Machado. (5a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Graal.).

A dependência da tecnologia é um fenômeno das sociedades modernas que apresenta inúmeras ferramentas e dispositivos como solução para nossas necessidades cotidianas. Nesse cenário, o medicamento está inserido também como mercadoria simbólica, utilizado como instrumento terapêutico e bem de consumo (Oliveira, 2018Oliveira, W. F. (2018). Medicalização da vida: reflexões sobre a sua produção cultural. In P. Amarante, A. M. F. Pitta, W. F. Oliveira (Orgs.), Patologização e medicalização da vida: epistemologia e política (pp. 11-15). São Paulo, SP: Zagodoni.). Para Illich (1975)Illich, I. (1975). A expropriação da saúde: nêmesis da medicina (2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira. a medicalização da vida está relacionada à colonização médica da saúde, terapias que aprendemos a desejar, às intervenções técnicas aplicadas ao corpo humano, ao consumo da medicina, fármacos, equipamentos, exames diagnósticos e cirurgias, que transformam a dor, a experiência inevitável da dor. Para o autor “essa medicalização da dor reduz a capacidade que possui todo homem de se afirmar em face do meio e de assumir a responsabilidade de sua transformação, capacidade em que consiste precisamente a saúde” (p. 127). Já o termo medicamentalização, refere-se ao uso de medicamentos, não requeridos previamente, para problemas sociais (Mbongue et al., 2005Mbongue, T. B., Sommet, A., Pathak, A., & Montastruc, J. L. (2005). “Medicamentation” of society, non-diseases and non-medications: a point of view from social pharmacology. Eur J Clin Pharmacol., 61(4), 309-313. doi.org/10.1007/s00228-005-0925-6.
https://doi.org/10.1007/s00228-005-0925-...
). O termo é considerado originado do conceito de medicalização, e delimita também os problemas comportamentais, que não eram considerados médicos, mas passaram a ser tratados farmacologicamente (MS, 2019MS. (2019). Ministério da Saúde. Comitê Nacional para Promoção do Uso Racional de Medicamentos. Uso de medicamentos e medicalização da vida: recomendações e estratégias. Brasília/DF. Recuperado de: <https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/fevereiro/15/Livro-uso-de-medicamentos-e-medicalizacao-da-vida-1-.pdf>.
https://portalarquivos2.saude.gov.br/ima...
; Amarante, 2007Amarante, P. D. (2007). Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro, RJ: Editora Fiocruz.).

Apesar da existência de estudos prévios tanto sobre o cotidiano da AP quanto a respeito do cuidado primário em saúde mental, consideramos relevante o desenvolvimento de pesquisas que investiguem os fatores ou mecanismos que incidem sobre a tomada de decisão dos médicos que atuam na saúde da família para a prescrição, manutenção e indicação dos psicotrópicos e outras abordagens. Essas pesquisas podem ajudar tanto os profissionais de saúde quanto os usuários dos serviços a melhorar o uso desses medicamentos. O objetivo deste estudo foi realizar a análise exploratória das práticas discursivas sobre o uso dos medicamentos psicotrópicos e das abordagens não farmacológicas para superação de eventos negativos da vida, a partir do que dizem os médicos que atuam na saúde da família.

Método

Para seleção dos participantes da pesquisa, no primeiro momento os membros do Centro de Estudos em Atenção Farmacêutica (CEAF) da Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil, trabalhando em instituições de saúde, divulgaram a pesquisa entre os médicos. Os profissionais que manifestaram interesse disponibilizaram o seu contato e este foi repassado para a pesquisadora principal, que, posteriormente, enviou-lhes uma mensagem de celular e/ou e-mail explicando os objetivos da pesquisa.

Ao todo foram enviados convites para 11 médicos (seis homens e cinco mulheres) e participaram efetivamente cinco médicos (duas mulheres e três homens). As pesquisadoras decidiram não fazer nova rodada de convites, por considerarem suficiente o número de participantes. A decisão levou em conta que, para uma análise exploratória do problema investigado, as entrevistas continham material suficiente, de qualidade, denso e rico. O tratamento dos dados da pesquisa qualitativa promove uma visão e discussão crítica do objeto de estudo não havendo por parte das autoras a pretensão de generalização dos resultados. As autoras ocuparam a posição de analistas; na prática, tiveram uma “preocupação maior com o conteúdo do que com a representatividade” (Gill, 2018, p. 264Gill, R. (2018). Análise de Discurso. In M. W. Bauer, & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som (pp.244-270). Petrópolis, RJ: Vozes.).

Optou-se por entrevistar apenas os médicos, com experiência na Atenção Primária e em cuidados primários em saúde mental, excluindo-se profissionais que atuavam na Atenção Secundária, pois interessava-nos investigar o uso de medicamentos psicotrópicos e as indicações de abordagens não farmacológicas associados a dificuldades enfrentadas no cotidiano, para superação dos problemas vividos por pessoas da comunidade em geral, não portadoras de transtorno mental propriamente dito (psicoses ou depressão maior), tratado prioritariamente por serviços especializados da saúde mental.

O trabalho de análise e interpretação do material levantado foi inspirado no método arqueológico proposto pelo filósofo Michel Foucault, que abriga uma análise original sobre o discurso permitindo compreender os saberes ou as práticas discursivas sobre o homem. O pensamento de Foucault confere grande importância às práticas discursivas como elemento de análise da realidade social. Tal contexto produtivo é denominado de formação discursiva, no sentido

[...] em que se puder descrever, entre certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações). (Foucault, 2016, p. 47Foucault, M. (2016). A arqueologia do saber (8a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.)

Segundo Passos (2008)Passos, I. C. F. (2008). Aproximações históricas e teóricas entre a análise do discurso francesa e a pesquisa e intervenção psicossocial. Vertentes, 31, 9-15., “o método evidencia as regras de dispersão, multiplicação e ao mesmo tempo de contenção dos discursos, por um lado, e, por outro, qualifica esses saberes como práticas discursivas, o que vale dizer formas históricas e contingentes” (p. 4).

Os textos das entrevistas realizadas, e minuciosamente transcritas, com os médicos compuseram o corpus da pesquisa, “definido como qualquer conjunto de enunciados em um meio material” qualquer, seja ele transcrições de falas, elementos gráficos ou textos prévios (Iñiguez, 2005, p. 154Iñiguez, L. (Coord.). (2005). Manual de Análise do Discurso em Ciências Sociais (2a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.). O corpus apresenta um conjunto de enunciados que, na perspectiva foucaultiana, evidencia a sua consistência na medida em que está correlacionado e problematizado em relação a outros enunciados referentes a determinada formação discursiva (Bauer & Aarts, 2018Bauer, M. W, & Aarts, B. (2018). A construção do corpus: um princípio para a coleta de dados qualitativos. In M. W. Bauer, & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som (pp. 39-63). Petrópolis, RJ: Vozes.). Foram exploradas questões circulares ao tema referentes a: início do uso de psicotrópicos, renovação da receita, demanda dos pacientes, indicação e aceitação dos medicamentos e de outras abordagens não farmacológicas, cessação e desprescrição dos medicamentos e melhor forma de superação dos problemas psicossociais enfrentados. As descrições analíticas foram construídas a partir dos enunciados correlacionados às redes de sentidos, identificando-se também os atravessamentos sociais na formação discursiva sobre o uso de psicotrópicos e de abordagens não farmacológicas.

O termo de livre consentimento foi assinado previamente pelos entrevistados, e o sigilo e o anonimato da participação serão resguardados. A coleta de dados foi realizada no período de fevereiro a março de 2019, utilizando-se a técnica de entrevistas semiestruturadas. O estudo recebeu aprovação previa do Comitê de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP/UFMG) (CAAE: 30244714.9.0000.5149).

Resultados e Discussão

Participaram desta pesquisa duas médicas e três médicos com experiência em cuidados primários em saúde mental na AP. O tempo total das entrevistas foi de três horas, com duração média de 36 minutos. Para garantir o sigilo, doravante os profissionais serão nomeados pelas letras Ma para as médicas e Mo para os médicos seguidas do algarismo numérico correspondente ao número de participantes, conforme o Quadro 1 abaixo.

Quadro 1
Médicos participantes da pesquisa

Os profissionais entrevistados apresentaram experiência principalmente na AP pública, com tempo de trabalho mínimo de um ano e quatro meses e máximo de oito anos. Todos os profissionais são jovens, formados há menos de 11 anos. Apenas as médicas possuíam residência em Medicina de Família e Comunidade. Desde o início das entrevistas, o problema da medicalização foi enunciado pelos entrevistados como uma questão importante. Fizeram referência ao uso excessivo dos medicamentos psicotrópicos, de modo geral, para lidar com problemas psicossociais, além de motivos relacionados com a precariedade da estrutura social. Os relatos demonstraram um saber consistente e crítico sobre o lugar ocupado pelos médicos na clínica da AP, os limites da formação biomédica, a realidade da comunidade e as terapêuticas disponíveis, a relação dos pacientes com as indicações para lidar com as dificuldades diárias. A análise das entrevistas transcritas permitiu que identificássemos os enunciados que consideramos fundamentais para a formação discursiva da medicalização.

A população busca pela cura na medicina

A primeira pergunta feita aos entrevistados abordou o uso do medicamento na sociedade e, em particular, na própria clínica. Os entrevistados foram unânimes em responder que, além do uso elevado dos medicamentos, os motivos para o uso são muito diversificados. Os pacientes apresentam aos profissionais problemas psicossociais como: luto, perda da mãe ou do pai, necessidade de cuidar de um parente que está doente, problemas no trabalho e com familiares, o estresse da vida agitada, dificuldades financeiras, desemprego, ansiedade, insônia. Além dos motivos de uso que afetam todas as classes sociais, evidenciam-se também problemas específicos, sofridos por uma parcela importante da população, tais como a pobreza, a precariedade das condições de moradia, a proximidade com o tráfico de droga, o filho que virou traficante etc. Para Ma.2, “frequentemente a causa do adoecimento é social, pois falta o acesso a diversos recursos para o desenvolvimento humano”. Às realidades circundantes, também diversas, soma-se um quadro que reflete diretamente na vida, impondo uma carga pesada à existência, colocando à prova a capacidade de resiliência e de superação, que impactam a saúde mental. Os pacientes atraídos, por uma ideia de que não possuem recursos próprios para superar as suas dificuldades, outorgam a solução do problema para o médico e passam a utilizar o medicamento psicotrópico, “convencidos de que essa é a via privilegiada para enfrentar os desafios da existência”, segundo afirmam Freitas e Amarante (2017, p.11)Freitas, F., & Amarante, P. (2017). Medicalização em Psiquiatria. Rio de Janeiro, RJ: Editora Fiocruz.. Pesquisas recentes associam a origem do TMC a determinantes psicossociais (Fonseca, Guimaraes, & Vasconcelos, 2008Fonseca, M. L. G., Guimarães, M. B. L., & Vasconcelos, E. M. (2008). Diffuse Distress and Common Mental Disorders: A Bibliographic Review. Rev. APS, 11(3), 285-294. Recuperado de: <https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps/article/view/14269>.
https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps...
). Uma pesquisa realizada em dois Estados do Nordeste brasileiro, Rio Grande do Norte e Piauí, apresentou como principais fatores para o sofrimento mental dos homens as condições precárias de trabalho, a perda de vitalidade física e as doenças crônicas. Para as mulheres, a carga elevada de trabalho com dupla jornada, a violência de gênero sofrida e os estressores cotidianos, entre outros, a morte de parente próximo, problemas de saúde e a vulnerabilidade. Os pesquisadores verificaram também, através dos relatos dos participantes, que na AP as estratégias de promoção em saúde mental não aconteciam e a proposta de tratamento estava centrada no uso do medicamento (Leite et al., 2017Leite, J. F., Dimenstein, M., Dantas, C.B., Silva. E. L., Macedo, J. P. S., & Sousa, A. P. (2017). Condições de vida, saúde mental e gênero em contextos rurais: um estudo a partir de assentamentos de reforma agrária do Nordeste brasileiro. Avances em Psicologia Latinoamericana, 35(2), 301-316. doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.4768.
https://doi.org/10.12804/revistas.urosar...
). Constatação ainda mais preocupante se consideramos o contexto brasileiro de reforma psiquiátrica que questiona profundamente a hegemonia do saber biomédico e propõe novas estratégias de cuidado complexas, comunitárias e territoriais, alternativas à mera medicamentalização (Amarante, 2007; Brasil, 2011Brasil. Ministério da Saúde. Lei n. 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF.).

Para Mo.4 “existe um excesso de alopatia, de exames, os pacientes quando chegam ao consultório, com frequência, a primeira frase que pronunciam é: eu quero um remédio!”. Já para Mo.1, os pacientes “tanto das classes sociais com maior poder aquisitivo como as menos favorecidas utilizam muito os medicamentos psicotrópicos, por motivos diversos, desde um quadro de depressão com sintomas psicóticos até uma decepção com o filho”. Nas palavras da Ma.2, “as pessoas estão sem repertório para lidar com as diversas frustrações que a vida impõe”. As falas das médicas vêm ao encontro do pensamento do filósofo Peter Pal Pelbart (2017)Pelbart, P. P. Palestra durante o lançamento da segunda edição de O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento [vídeo file]. (7/4/2017). Recuperado de: <https://n-1publications.org/o-avesso-do-niilismo-cartography-of-exhaustion>.
https://n-1publications.org/o-avesso-do-...
, que afirma que a nossa sociedade está de fato esgotada de tudo, o modo de existência contemporâneo impõe, exige e cobra das pessoas o êxito, o sucesso, extraindo-lhes a potência da vida.

A angústia dos profissionais: a medicalização da vida

Como esperado, todos os entrevistados concordaram que os medicamentos psicotrópicos são importantes porque podem melhorar a qualidade de vida, inicialmente propiciam o equilíbrio necessário para o paciente buscar outras possibilidades de superação do seu sofrimento. O medicamento ajuda a suportar a dor, a administrar o espaço, os conflitos nas relações pessoais e no trabalho, a enfrentar as dificuldades da realidade cotidiana, além de possibilitar a ocupação de um lugar mais pragmático no mundo, diante da necessidade de continuar e preservar a existência. Mas também questionaram a adequação da prescrição dos psicotrópicos quanto à centralidade da indicação, os limites da terapêutica e o tempo de uso do medicamento.

Na saúde mental, os psicotrópicos são adjuvantes, na maioria das vezes não são o pilar, o centro do tratamento. A medicação é a base do tratamento apenas nos casos de transtornos mais graves, como exemplo, transtorno bipolar. O uso dos psicotrópicos é um problema de saúde pública, principalmente o uso dos benzodiazepínicos, ‘o clonazepam “ad aeternum”, utilizado por pacientes por longos períodos, muitos usam por mais de 30 anos, além do que são também a classe de psicotrópicos mais difíceis para ser retirados. (Mo.5)

Iniciada a prescrição do psicotrópico, a cessação do uso não será realizada facilmente, e mesmo com a indicação necessária, o plano terapêutico precisa estabelecer a cessação, a retirada do medicamento, o objetivo final de tratamento. A fala da médica Ma.1 complementa a fala anterior e representa o raciocínio dos participantes:

Diante da opção técnica de prescrever, é necessário construir com o paciente o entendimento sobre as causas do adoecimento psíquico, que são complexas, porque, senão, os medicamentos viram a solução, quando na verdade são uma pequena parte da solução dos problemas. (Ma.1)

Nesse cenário, os médicos que atuam na saúde da família têm diante de si um paciente que apresenta um sofrimento, muitas vezes, relacionado a fatores sociais, impossibilitado de vislumbrar saídas para suas dificuldades, apresenta-se sem perspectivas. A medicalização do sofrimento humano, a medicalização da vida “transforma as experiências consideradas indesejáveis ou perturbadoras em objetos da saúde, permitindo a transposição do que originalmente é da ordem do social, moral ou político para os domínios da ordem médica e práticas afins” (Freitas & Amarante, 2017, p. 14Freitas, F., & Amarante, P. (2017). Medicalização em Psiquiatria. Rio de Janeiro, RJ: Editora Fiocruz.).

Para Mo.3, “o cerne do problema é a estrutura social na qual o paciente está inserido” e as suas queixas são direcionadas ao médico. Conforme disse Mo.5, o paciente demanda a ajuda: “Ah, doutor, o senhor tem que dar um jeito”. A médica Ma.2 traduz o sentimento de todos: “essa demanda bate na nossa porta todos os dias e nos angustia muito, porque sabemos que não estamos solucionando o problema e sim remediando”.

Diante desse fato, no decorrer da entrevista, Ma.2 enunciou uma pergunta, repetida também pela pesquisadora: “Qual é o papel do médico nessa história toda, uma vez que nem tudo é um problema médico ou falta de acesso ao medicamento?”. A resposta é dada a partir do sentimento de dever ético, presente na essência do profissional médico, que direciona o seu olhar para a solução do problema apresentado porque o paciente está sofrendo e necessita de ajuda. Segundo Tesser (2006)Tesser, C. D. (2006). Social medicalization (II): biomedical limits and proposals for primary care clinics. Interface – Comunic., Saúde, Educ., 10(20), 347-62. doi.org/10.1590/S1414-32832006000200006.
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, “a vinculação do combate aos sintomas com o saber médico é ambígua. Ela se dá pelo dever ético de sedar a dor e aliviar o sofrimento, como regra geral e arremedo de doutrina médica” (p. 354). Portanto, na maioria das vezes, a terapêutica considerada recurso disponível e mais aceito pela população é ofertada: o medicamento psicotrópico, percebido pela médica Ma.1 “muitas vezes, como o único recurso utilizado”. Da mesma maneira, Lacasse e colaboradores (2016)Lacasse, J. R., Megan, H. P. Lietz, C.A., Rider, A., & Hess, J. Z. (2016). The client experience of psychiatric medication: A qualitative study. Social Work in Mental Health, 14(1), 61-81. doi.10.1080/15332985.2015.1058312.
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apontaram, como tema principal na investigação qualitativa realizada, a primazia dos medicamentos psiquiátricos como estratégia de tratamento em saúde mental. O resultado se repete em outras pesquisas, apesar de evidências que demonstram ser a medicação útil principalmente nas fases iniciais dos transtornos vividos e apontarem o desenvolvimento de estratégias alternativas como facilitadores para a recuperação em saúde mental (Kartalova-O'Doherty, & Doherty, 2010Kartalova-O'Doherty, Y., & Doherty, D. T. (2010). Recovering from mental health problems: Perceived positive and negative effects of medication on reconnecting with life. International Journal of Social Psychiatry, 57(6), 610-618. doi: 10.1177/0020764010377396.
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).

O estudo qualitativo de Onocko-Campos et al. (2011)Onocko-Campos, R. T., Gama, C.A., Ferrera, A. L., Santos, D. V. D., Stefanello, S., Trapé, T. L., & Porto, K. (2011). Saúde mental na atenção primária à saúde: estudo avaliativo em uma grande cidade brasileira. Ciência & Saúde Coletiva, 16(12), 4643-4652. doi.org/10.1590/S1413-81232011001300013.
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, que avaliou o vínculo entre as redes de atenção primária e de saúde mental em regiões de alta vulnerabilidade social em Campinas, SP, Brasil, também apresentou os sentimentos de angústia e impotência dos trabalhadores frente à vulnerabilidade social dos pacientes. Conforme relatado, nessas circunstâncias, os medicamentos são utilizados como recurso ‘paliativo', configurando um processo de medicalização. O encaminhamento dessas demandas para o médico cria a responsabilidade de solucionar biologicamente um corpo que sofre de uma dor já reconhecida como oriunda de uma outra cena, a estrutura social. Para Mo.4. “a medicina alopática é predominante, o paciente está diante de um profissional que tem como recurso terapêutico o medicamento”, mas o uso do psicotrópico muitas vezes exclui tramas sociais mais amplas.

Ao trabalhar com o corpo humano — uma realidade complexa, não apenas biológica, mas vivencial e simbólica —, o que temos a oferecer são os cuidados para o corpo biológico, e numa perspectiva bioquímica restrita, do medicamento psicotrópico. Paradoxalmente, no ato da prescrição, é todo o corpo que é capturado, não apenas na sua dimensão biológica, mas fundamentalmente em suas potências de vida. Nesse cenário ocorre a operacionalização do biopoder (Pelbart, 2015Pelbart, P. P. (2015). Life's politic, production of the common and life at stake... Saúde Soc., 24, supl.1, 19-26. doi.org/10.1590/S0104-12902015S01002.
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).

Novos métodos de controle passam a penetrar o corpo utilizando investimentos mais sofisticados do que o mero controle-repressão dos comportamentos, operado pelas instituições disciplinares (Foucault, 1985Foucault, M. (1985). Microfísica do poder. (Organização e tradução Roberto Machado. (5a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Graal.). Modos mais sutis e invisíveis de normalização dos indivíduos são “aplicados globalmente à população, à vida e aos vivos” (Fontana & Bertani, 2005, p. 329Fontana, A., & Bertani, M. (2005). Situação do curso. In Em defesa da sociedade, curso no Collège de France (1975-1976) (pp. 330-351). São Paulo, SP: Martins Fontes.), como igualmente indicou Foucault em um segundo momento de sua analítica do poder (Foucault, 2015Foucault, M. (2015). Ditos e Escritos IV: Estratégia, Poder-Saber (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.). O saber da medicina é extrapolado, portanto, para a vida como um todo, articulando a disciplina com a biopolítica e formando um elo com o biopoder no controle da vida (Zorzanelli & Cruz, 2018Zorzanelli, R. T., & Cruz M. G. A. (2018). El concepto de medicalización en Michel Foucault en la década de 1970. Interface, 22(66), 721-31. doi.org/10.1590/1807-57622017.0194.
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). Nesse sentido, o biopoder produz transformações estratégicas integrando tanto a perspectiva individualizante da disciplina quanto os mecanismos das políticas coletivas desenhadas para a população (Rabinow, & Rose, 2003). O biopoder garante uma capilaridade que de outra maneira não seria possível para o Estado, cumprindo o dever de manter o controle do social, assegurando a ordem, o bem comum, a eficiência e utilidade econômica (Foucault, 2015Foucault, M. (2015). Ditos e Escritos IV: Estratégia, Poder-Saber (3a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.). De modo que somos, enquanto sujeitos, sem exceção, capturados “pelas práticas discursivas (os saberes) e pelas práticas sociais e institucionais (via relações de poder)” (Passos, 2010, p. 236Passos, I. C. F. (2010). Violence and power relations. Rev Med Minas Gerais, 20(2), 234-241.). O uso dos psicotrópicos enquanto prática expandida e quase ilimitada se apresenta como estratégia do biopoder. Em uma perspectiva de suposta pluralidade terapêutica, difundida como necessária, os efeitos adversos são minimizados e os benefícios exaltados, destacando-se o seu uso como uma boa opção que produz a conformação do corpo às adversidades.

Segundo o filósofo Pelbart (2015)Pelbart, P. P. (2015). Life's politic, production of the common and life at stake... Saúde Soc., 24, supl.1, 19-26. doi.org/10.1590/S0104-12902015S01002.
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, os espaços da vida passaram a ser ocupados pelo poder, a evolução foi de uma sociedade disciplinar para uma de controle, mas agora sem folga, respiro ou margem de manobra, porque o poder está de tal forma incorporado, que opera de dentro para fora. As pessoas demandam o controle, uma normalidade idealizada. Nesse movimento algo se esgotou, ocorreu um esvaziamento, mas, ao mesmo tempo, o esgotamento indica o seu reverso: a resistência à extração da vida, a busca da potência de vida; é preciso criar, reinventar possibilidades.

As abordagens não farmacológicas são desqualificadas

As principais terapêuticas não farmacológicas indicadas pelos profis-sionais foram a psicoterapia, a acupuntura, a homeopatia e as atividades físicas, além de atividades como desenvolver um hobby, a leitura de um livro, cultivar uma horta e participar de rodas de terapia comunitária integrativa. Na experiência de Ma.1, alguns pacientes que já usavam estratégias não farmacológicas confirmavam o seu benefício na vida pessoal, relatavam, por exemplo, que quando praticavam exercício físico se sentiam muito bem. Já os pacientes que nunca tiveram experiências com essas abordagens, segundo a médica, “torciam o nariz e falavam: ‘Ah, não, não quero, não gosto, não é o meu perfil!'” (Ma.1). Além disso, a diferença para o acesso dos pacientes atendidos nos serviços públicos e privados é colocada em evidencia pela médica Ma.1:

A população do Centro de Saúde relatava falta de tempo disponível depois do horário de trabalho para fazer os tratamentos não medicamentosos, porque são pais, principalmente, mães muito jovens, com filhos para cuidar e trabalhos em casa para realizar. De outra maneira, as pessoas que são atendidas na rede privada, de maneira geral, conseguem adequar e conciliar horário de trabalho, para, por exemplo, fazer uma acupuntura ou homeopatia. (Ma.1)

A proposta do tratamento não farmacológico ou mudanças de hábitos de vida apresenta ainda outro aspecto, segundo Mo.4: “os pacientes acham que o médico está de má vontade, não gostam, são muito resistentes e endeusam muito o medicamento”.

A dificuldade para indicar alternativas para lidar com os problemas apresentados está relatada em estudos desenvolvidos em Campinas, SP (Onocko-Campos et al., 2011Onocko-Campos, R. T., Gama, C.A., Ferrera, A. L., Santos, D. V. D., Stefanello, S., Trapé, T. L., & Porto, K. (2011). Saúde mental na atenção primária à saúde: estudo avaliativo em uma grande cidade brasileira. Ciência & Saúde Coletiva, 16(12), 4643-4652. doi.org/10.1590/S1413-81232011001300013.
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; Santos, 2009Santos, D. V. D. (2009). Uso de psicotrópicos na Atenção Primária do Distrito Sudoeste de Campinas e sua relação com os arranjos da clínica ampliada: “uma pedra no sapato”. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.). O estudo qualitativo desenvolvido por Santos (2009)Santos, D. V. D. (2009). Uso de psicotrópicos na Atenção Primária do Distrito Sudoeste de Campinas e sua relação com os arranjos da clínica ampliada: “uma pedra no sapato”. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. na AP demonstrou que a terapêutica não medicamentosa “é vista como não essencial, quase se desenhando como elemento figurativo” (p. 55). Por um lado, o uso do psicotrópico é problematizado, mas, por outro, fica exposta a dificuldade de aceitação de outras abordagens como efetivas por parte de profissionais da saúde e dos pacientes, além da ausência ou dificuldade de acesso a outros profissionais e a outras políticas sociais, questões que reforçam a prescrição de medicamentos como solução, aceitável, disponível e possível.

Já o relato de Ma.2 indica que apesar de todas as dificuldades existentes é preciso insistir e investir em iniciativas criativas:

Muitas vezes, os medicamentos psicotrópicos preenchem ou tentam preencher vazios muito mais complexos e profundos do que a ação de um comprimido. Eu procuro oferecer a minha presença, a atenção, a escuta, a conversa, a ajuda de uma equipe multidisciplinar. Além disso, as rodas de terapia comunitária integrativa são recursos muito importantes nas comunidades. E às vezes, costumo prescrever alguns livros para que a pessoa possa ter uma visão mais ampla do problema. (Ma.2)

A riqueza das opções terapêuticas não farmacológicas deve sempre ser levada em conta. Essas abordagens quando indicadas precisam seguir todo o ritual de um plano de cuidado, prescritas e validadas pelos profissionais que ocupam um lugar de saber, por conseguinte, será também creditada pelo paciente.

Os médicos não conseguem sozinhos solucionar problemas psicossociais

A obviedade da frase acima soa como um desabafo da experiência solitária do médico que vivencia no cotidiano o fracasso da articulação das políticas públicas sociais, uma vez que nenhum setor ou especialidade profissional é capaz de solucionar sozinho tais problemas. Os participantes foram unânimes em afirmar que a estrutura do serviço na rede pública sobrecarrega o médico que trabalha na saúde da família, no SUS, que é responsável por um grande número de pacientes. Além disso, foi relatada a dificuldade no encaminhamento para outros profissionais por fatores como agenda lotada dos psicólogos disponíveis e ausência de educador físico, que abririam outras alternativas de tratamento. Para Mo.4, “a medicina alopática é predominante, o paciente está diante de um profissional que tem como recurso terapêutico o medicamento”, mas o uso do psicotrópico muitas vezes exclui tramas sociais mais amplas. Mo.4 pondera ainda que,

diante dos determinantes sociais — a pobreza, a vulnerabilidade social, — que causam o sofrimento psíquico dos mais pobres, os profissionais dos Centros de Saúde precisam ter alternativas de tratamento disponíveis para melhor acolher e encaminhar o paciente como, por exemplo, grupos de apoio. (Mo.4)

A fluoxetina é prescrita, o encaminhamento para psicologia é realizado, mas o problema, a causa do sofrimento, não vai deixar de existir. O problema explicitado nos enunciados demonstra que a sobrecarga sentida vai além do número de pacientes que devem ser atendidos, tem a ver com a própria estrutura social. Nas palavras da médica Ma.2:

Então é isso, né? A gente vai lutando contra esse sistema, meu menor problema é atender o número de pacientes que eu atendo, meu menor problema é lidar com os problemas dos meus pacientes, então o problema é muito maior, que é estrutural, que é político, que é social, e a gente vai aqui construindo tijolinho por tijolinho pra ver aonde vai dar [risos]. (Ma.2)

Dessa maneira, podemos constatar que, ao viverem em uma sociedade que valoriza a anestesia e a sedação de sintomas, o médico e o usuário da saúde aprendem a abafar a interrogação inerente a qualquer dor ou enfermidade (Tesser, 2006Tesser, C. D. (2006). Social medicalization (II): biomedical limits and proposals for primary care clinics. Interface – Comunic., Saúde, Educ., 10(20), 347-62. doi.org/10.1590/S1414-32832006000200006.
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). Assim, tanto os profissionais como os pacientes são atravessados, capturados, envolvidos, tomados, por um discurso que molda uma prática que cumpre um objetivo de conformidade. Para os médicos que participaram deste estudo, os problemas sociais impactam na saúde mental da população, prevalecendo como principal estratégia de cuidado o uso do medicamento psicotrópico.

A desprescrição como solução proposta

Os participantes relataram como proposta para a descontinuidade dos medicamentos a estratégia de desprescrição — intervenção positiva que parte do diagnóstico do uso inapropriado de um fármaco (Moraes, 2018Moraes, E. N. (2018). A arte da (des)prescrição no idoso: a dualidade terapêutica. Belo Horizonte, MG: Folium.). Freitas e Amarante (2017)Freitas, F., & Amarante, P. (2017). Medicalização em Psiquiatria. Rio de Janeiro, RJ: Editora Fiocruz. indicam que é preciso que estejam estabelecidos limites mais precisos da doença propriamente dita “como requisito para entender a dimensão da medicalização e criar condições para a própria desmedicalização” (p. 29), apesar de os autores reconhecerem o desafio desse processo para a saúde/doença mental e a expansão em curso da patologização dos comportamentos e sofrimentos psíquicos.

A adoção dessa prática foi reconhecida por todos como necessária, segundo Ma.2, “por questões objetivas como a polifarmácia e o uso prolongado dos psicotrópicos”. Nas palavras da médica Ma.1, “é preciso conversar com o paciente sobre a real necessidade do medicamento, a sua manutenção ou substituição por outro medicamento ou o início da retirada gradual, a desprescrição”. A pesquisa qualitativa desenvolvida por Mokhar e colaboradores (2019)Mokhar, A., Kuhn, S., Topp, J., Dirmaier, J., Psych, D., Härter, M., & Verthein, U. (2019). Long-term use of benzodiazepines and Z drugs: a qualitative study of patients' and healthcare professionals' perceptions and possible levers for change. BJGP Open., 3(1). doi.org/10.3399/bjgpopen18X101626.
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apontou como resultados a necessidade de mais troca de informações entre os pacientes e seus profissionais de saúde e mais colaboração entre diferentes profissionais de saúde. Mo.4 relatou também que na sua experiência como médico da UBS, os prontuários são estudados, a equipe conversa entre si e com os pacientes, que são convidados a iniciar o “desmame”. Segundo seu relato, “a resistência é muito forte no início, mas o trabalho de equipe, junto com o agente comunitário de saúde, que colaborou trazendo mais dados sobre a história familiar, a parceria com a farmacêutica e a imprescindível vontade dos pacientes possibilitaram o desmame, a retirada gota a gota do clonazepam”. Além disso, os participantes reforçaram a importância do desmame, entre outros motivos:

Com o uso do medicamento, os pacientes acordam cansados, e com a sua retirada gradual relatam que passam a se sentir melhor. No processo de desprescrição em saúde mental, a parceria com o farmacêutico tem sido fundamental porque, por exemplo, melhorou muito diminuindo o número de pacientes que pedem renovação para a prescrição de benzodiazepínico.(Mo.4)

A necessidade de alterações nos campos da política, da gestão e dos próprios saberes e práticas da saúde coletiva está descrita na literatura, assim como as propostas para operacionalizar mudanças que reforcem a importância do empoderamento dos usuários, a autogestão e autonomia do paciente em relação à sua condição de saúde. Esses conceitos e princípios foram desenvolvidos e aplicados no processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB), não apenas centrada nos pacientes com transtornos mentais graves, mas que também propõe o atendimento em saúde mental de modo a incluir as pessoas que apresentem queixas mais difusas. Novas estratégias concretas de ação são propostas no sentido de se alcançar tal perspectiva integrativa, como as equipes de referência da atenção básica e o apoio matricial a essas equipes (Campos, 1999Campos, G. W. S. (1999). Equipes de referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Cien Saude Colet, 4(2), 393-403.). Nesse sentido, resgatamos o método proposto pelo médico sanitarista Gastão Wagner de Souza Campos, por ele denominado de Saúde Paidéia (noção grega que indica a formação integral do ser humano) e de Clínica Ampliada, que constrói projetos terapêuticos amplos. Trata-se de um movimento que desloca o olhar, que está direcionado exclusivamente para a doença na perspectiva biomédica, para o paciente, para a pessoa real, em sua existência concreta, a ser convidada a ocupar papel ativo na solução dos seus problemas e processos de cura (Onocko-Campos & Campos, 2006Onocko-Campos, R. T., & Campos, G. W. S. (2006). Co-construção de autonomia: o sujeito em questão. In G. W. S. Campos, M. C. S. Minayo, M. Akerman, Drumond Júnior, & Y. M. Carvalho (Orgs.), Tratado de saúde coletiva. São Paulo, SP: Hucitec.; Campos, 2007Campos, G. W. S. (2007). Saúde Paideia (3 ed.). São Paulo, SP: Hucitec.).

No que tange o uso de medicamentos, na década de 1990, duas experiências clínicas inovadoras despontaram, e já demonstraram ser exitosas: o Gerenciamento da Terapia Medicamentosa (GTM) e a Gestão Autônoma do Medicamento (GAM), prometendo ir além do raciocínio da biomedicina (Cipolle, Strand & Morley, 2004Cipolle, R. J., Strand, L. M., & Morley P. C. (2004). Pharmaceutical Care Practice: the Clinician's Guide (2rd ed.) New York, NY: McGraw-Hill.; Mcinnis, Strand & Webb, 2012Mcinnis, T., Strand, L., & Webb, C. E. (2012). The Patient-Centered Medical Home: Integrating Comprehensive Medication Management to Optimize Patient Outcomes. (2a ed.). Washington: Patient-Centered Primary care collaborative. Recuperado de: <https://www.pcpcc.org/sites/default/files/media/medmanagement.pdf>.
https://www.pcpcc.org/sites/default/file...
; Onocko--Campos et al., 2013Onocko-Campos, R. T, Passos, E., Palombini, A. L., Santos, D. V. D. Stefanello, S., Gonçalves, L. L. M., Andrade, P. M., & Borges, L. R. A. (2013). Gestão Autônoma da Medicação: uma intervenção analisadora de serviços em saúde mental. Ciência & Saúde Coletiva, 18(10), 2889-2898. doi.org/10.1590/S1413-81232013001000013.
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). A primeira, o GTM, está embasada no referencial teórico de Atenção Farmacêutica, modelo de prática na qual o paciente ocupa o lugar de ator principal. Nesse serviço é construído um plano de cuidado em uma relação terapêutica que inclui o acolhimento, a escuta, leva em consideração as circunstâncias vividas e a experiência com o uso dos medicamentos para então compartilhar com o paciente a melhor opção terapêutica. O serviço soluciona os Problemas Relacionados ao uso dos Medicamentos (PRM), que são eventos indesejáveis no uso da farmacoterapia, relatados com alta frequência na literatura (Ramalho de Oliveira, 2011Ramalho de Oliveira, D. (2011). Atenção farmacêutica: da filosofia ao gerenciamento da terapia medicamentosa. São Paulo, SP: RCN Editora.). Por outro lado, o GAM foi desenvolvido em Montreal/Quebec/Canadá, apresentado como resposta aos inúmeros problemas com o uso de medicamentos psicotrópicos por pacientes com problemas mentais, propõe uma prática baseada nos princípios básicos do (re)empoderamento: o reconhecimento dos múltiplos significados do medicamento, o respeito às decisões e direitos do paciente, e uma visão ampla do sofrimento e do bem-estar (Barrio et al., 2013Barrio, L. R., Cyr, C., Benisty, L., & Richard, P. (2013). Autonomous Medication Management (GAM): new perspectives on well-being, quality of life and psychiatric medication. Ciência & Saúde Coletiva, 18(10), 2879-2887. doi.org/10.1590/S1413-81232013001000012
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). No Brasil uma versão do guia GAM foi traduzida e adaptada por um grupo de pesquisadores, por entenderem também que a proposta encontrava ressonância com os princípios da RPB. Nomeado Guia Brasileiro da Gestão Autônoma da Medicação (Guia GAM-BR) que, aplicado, reforça a tomada de decisão compartilhada, a ajuda mútua, o estímulo à busca de informação sobre o medicamento em uso, a qualidade de vida, a rede social, os relacionamentos interpessoais, a experiência com o medicamento e o seus efeitos na vida, garantindo assim a efetiva participação dos pacientes nas decisões relativas ao tratamento (Onocko-Campos et al., 2013Onocko-Campos, R. T, Passos, E., Palombini, A. L., Santos, D. V. D. Stefanello, S., Gonçalves, L. L. M., Andrade, P. M., & Borges, L. R. A. (2013). Gestão Autônoma da Medicação: uma intervenção analisadora de serviços em saúde mental. Ciência & Saúde Coletiva, 18(10), 2889-2898. doi.org/10.1590/S1413-81232013001000013.
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; Passos et al., 2013Passos, E., Palombini, A. L., Onocko-Campos, R. T., Rodrigues, S. E., Melo, J., Maggi, P. M., Marques, C.C., Zanchet, L., Cervo, M.R., & Emerich, B. (2013). Autonomia e cogestão na prática em saúde mental: o dispositivo da gestão autônoma da medicação (GAM). Aletheia, 41, 24-38.).

Considerações finais

Os estudos de Foucault sobre a arqueologia do saber e a analítica do poder, bem como o método utilizado nesta pesquisa, operaram como ferramentas que nos permitiram uma compreensão melhor, não da relação do médico com o paciente, o que não era nosso objetivo, mas sobre a formação discursiva de medicalização da vida que está na base da expansão de práticas medicamentosas. A população busca a ajuda dos médicos da AP à saúde e, segundo os profissionais entrevistados, aceita principalmente os psicotrópicos como solução para os seus problemas cotidianos geradores de sofrimento psíquico, sendo que a aceitação das abordagens não farmacológicas é muitíssimo menos frequente e pouco valorizada. A prescrição de psicotrópicos é também apresentada pelos entrevistados como a terapêutica mais disponível para o alívio dos sintomas. Entretanto, pudemos constatar, pelas entrevistas realizadas, pela consulta a resultados de outras pesquisas e pela revisão teórica, que o uso massivo e crônico desses fármacos é ele próprio um sintoma de uma série de problemas estruturais da sociedade e de limitações das políticas públicas. A medicamentalização é, ao mesmo tempo, consequência e legitimação da medicalização da vida que tem sua origem no biopoder. Os próprios entrevistados demonstram possuir crítica sobre este processo, mas se dizem impotentes para revertê-lo através de outros recursos não farmacológicos de enfrentamento de sofrimentos psicossociais. A medicalização da vida torna-se uma prática naturalizada, movimento típico das sociedades ocidentais modernas, e acontece na medida em que é priorizado o alívio dos sintomas, através de uma dissociação entre corpo, mente e condições de vida e de saúde mental. Os resultados encontrados evidenciam o esgotamento do modelo biomédico vigente como saber/poder único ou prioritário, e a necessidade reconhecida de novas intervenções psicossociais, culturais e políticas que possam promover a reversão do processo de medicalização.

  • *1
    O presente artigo faz parte da tese de doutoramento da primeira autora (Filardi, 2019), que investigou o uso de medicamentos psicotrópicos e de abordagens não farmacológicas para superação de dificuldades da vida cotidiana que geram sofrimento psíquico, mas que são referidas pela literatura médica especializada como transtornos mentais comuns, não classificáveis em um diagnóstico psiquiátrico estrito. A tese foi desenvolvida em duas etapas. No primeiro momento foi investigada a experiência dos pacientes com o uso de psicotrópicos. Neste artigo, apresentamos os resultados da segunda etapa da pesquisa cujo propósito foi realizar uma análise exploratória das práticas clínicas dos médicos da saúde da família nos cuidados primários, no manejo do uso de psicotrópicos — em especial, benzodiazepínicos e antidepressivos — e/ou de abordagens não farmacológicas, para a superação de problemas psicossociais por seus pacientes.
  • Financiamento/Funding: Este trabalho não recebeu apoio / This work received no funding.

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Editora/Editor: Profa. Dra. Erotildes Maria Leal

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2020
  • Revisado
    27 Out 2020
  • Aceito
    02 Nov 2020
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