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Situação de saúde mental de comunidades tradicionais: marcadores sociais em análise1 *1 Trata-se de um projeto integrado de pesquisa entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, Universidade Federal do Ceará - UFC e Universidade Federal do Delta do Parnaíba - UFDPAR. Copntou com suporte financeiro do CNPq na forma de Bolsa de Produtividade em Pesquisa e de Iniciação Científica.

Mental health status in traditional communities: Social markers under analysis

L’état de santé mentale dans les communautés traditionelles: les marqueurs sociaux à l’étude

Situación de la salud mental en comunidades tradicionales: marcadores sociales en análisis

Resumos

Objetiva-se analisar a situação de saúde mental de 48 municípios nordestinos que registram a presença de comunidades quilombolas e de assentamentos de reforma agrária em seus territórios, considerando as condições de vida, a oferta de serviços de saúde e o perfil de morbimortalidade em saúde mental. São articulados aspectos de gênero, classe e raça para compreender a produção de iniquidades em saúde nesses territórios. Trata-se de um estudo descritivo, realizado a partir de análise quantitativa com dados secundários coletados de diferentes bases disponíveis em domínio público. Observa-se o entrecruzamento e a combinação de fatores que influenciam a situação de saúde mental de municípios com populações do campo e da floresta: a precariedade nas condições de vida e trabalho, retaguarda insuficiente de serviços de atenção psicossocial e desigualdades étnico-raciais e de gênero da morbimortalidade psiquiátrica.

Palavras-chave:
Atenção à saúde mental; indicadores de morbimortalidade; vazios assistenciais; populações do campo e da floresta


This descriptive study sought to analyze the mental health status of 48 Northeastern municipalities in Brazil with quilombola communities and agrarian reform settlements in their territories, considering the living conditions, health service supply and the profile of morbidity and mortality in mental health. Gender, class and race aspects are articulated to understand the production of health inequities in these territories. By means of a quantitative analysis based on secondary data collected from different open databases, the research unveiled the intersection and combination of factors that influence the mental health status of municipalities with rural and forest populations: the precariousness of living and working conditions, insufficient support from psychosocial care services, and ethnic-racial and gender inequalities in psychiatric morbidity and mortality.

Key words:
Mental health care; morbidity and mortality indicators; health care gaps; rural and forest populations


Cette recherche descriptive visait à analyser l’état de santé mentale dans 48 municipalités du Nord-Est brésilien ayant des communautés quilombolas et des établissements de réforme agraire sur leur territoire, en tenant compte des conditions de vie, de l’offre de services de santé et du profil de morbidité et de mortalité en matière de santé mentale. Les aspects de genre, de classe et de race sont articulés pour comprendre la production d’inégalités en matière de santé dans ces territoires. À partir d’une analyse quantitative basée sur des données secondaires recueillies dans différentes bases de données dans le domaine public, on dévoile l’intersection et la combinaison de facteurs qui influencent l’état de santé mentale dans les communes à population rurale et forestière : la précarité des conditions de vie et de travail, le soutien insuffisant des services de soins psychosociaux et les inégalités ethniques, raciales et de genre en matière de morbidité et de mortalité psychiatriques.

Mots clés:
Soins de santé mentale; indicateurs de morbidité et de mortalité; lacunes en matière de soins de santé; populations rurales et forestières


El objetivo de este artículo es analizar la situación de la salud mental en 48 municipios del Nordeste de Brasil que tienen comunidades quilombolas y asentamientos de reforma agraria en sus territorios, en cuanto a las condiciones de vida, la oferta de servicios de salud y el perfil de morbimortalidad en salud mental. Se articulan los aspectos de género, clase y raza para comprender la producción de las desigualdades sanitarias en estos territorios. Se trata de un estudio descriptivo, que aplicó el análisis cuantitativo a los datos secundarios recogidos de diferentes bases de datos disponibles en el dominio público. Se observan el entrecruzamiento y la combinación de factores que influyen en la situación de la salud mental en los municipios con poblaciones rurales y de la floresta: la precariedad en las condiciones laborales y de vida, el insuficiente apoyo de los servicios de atención psicosocial y las desigualdades étnico-raciales y de género en la morbimortalidad psiquiátrica.

Palabras clave:
Atención a la salud mental; indicadores de morbimortalidad; carencias asistenciales; poblaciones del campo y de la floresta


Introdução

A situação de saúde de um grupo populacional é, segundo a Organização Pan Americana de Saúde, resultante da combinação de uma diversidade de fatores e sua análise engloba um processo de “territorialização das condições de saúde, de modo a reconhecer as relações entre condições de vida, saúde e acesso aos serviços de saúde em um dado território” (OPAS, 2021Organização Pan Americana de Saúde - OPAS (2021). Determinantes Sociais e Riscos para a Saúde, Doenças Crônicas não Transmissíveis e Saúde Mental. https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=317:analise-de-situacao-de-saude-ambiental&Itemid=839
https://www.paho.org/bra/index.php?optio...
, p.1). Gestores e trabalhadores precisam conhecer a situação de saúde de uma população para identificar suas necessidades e prioridades, bem como para desenvolver intervenções apropriadas e monitorar a efetividade das mesmas.

No âmbito da saúde mental não é diferente. Compreendida como um fenômeno eminentemente humano e social, e não como um fato biológico-natural, uma abordagem complexa, histórica, política e culturalmente contextualizada dos cenários de vida de uma população, torna-se imprescindível para a compreensão da produção do sofrimento psíquico. Ancorados em pressupostos da antropologia médica e da etnopsiquiatria (Martins-Borges et al., 2019Martins-Borges, L., Lodetti, M. B., Jibrin, M., & Pocreau, J. B. (2019). Inflexões epistemológicas: A Etnopsiquiatria. Fractal: Revista de Psicologia, 31, 249-255. https://periodicos.uff.br/fractal/article/view/29001
https://periodicos.uff.br/fractal/articl...
), partimos do princípio que saúde, doença e sofrimento não são entidades universais, nem individuais, mas dizem respeito a um “processo social corporificado nos sujeitos históricos” (Victora, 2011Victora, C. (2011). Sofrimento social e a corporificação do mundo: Contribuições a partir da Antropologia. Revista Eletrônica de Comunicação Informação & Inovação em Saúde, 5(4), 3-13. https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/764
https://www.reciis.icict.fiocruz.br/inde...
, p. 4).

Trata-se de um sofrimento intrinsecamente vinculado ao que gosto de me referir simplesmente como as políticas e economias da vida, verificadas em condições e configurações históricas e sociais específicas. É nesse sentido que se torna fundamental observar como os poderes políticos, econômicos e institucionais se entrelaçam na experiência pessoal e cotidiana e como as pessoas reagem aos eventos no dia a dia. Não se trata de um sofrimento individual, embora na maioria das vezes se faça visível como tal, ou de um sofrimento corporal, embora se manifeste, como argumentado ao longo deste artigo, de forma corporificada. Como uma experiência sociocultural, existe como uma condensação corporificada do tempo histórico, ou seja, o sofrimento social é social não somente porque é gerado por condições sociais, mas porque é, como um todo, um processo social corporificado nos sujeitos históricos. (Victora, 2011Victora, C. (2011). Sofrimento social e a corporificação do mundo: Contribuições a partir da Antropologia. Revista Eletrônica de Comunicação Informação & Inovação em Saúde, 5(4), 3-13. https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/764
https://www.reciis.icict.fiocruz.br/inde...
, pp. 3-4)

Enquanto experiência sociocultural, considera-se que a produção de sofrimento psíquico é forjada no entrelaçamento de dimensões referentes ao gênero, raça/etnia, sexualidade e geração e que há uma estreita associação entre contextos de vida marcados por intensas desigualdades, injustiças e violência com a deterioração das condições gerais de saúde da população, em particular da saúde mental, como é o caso das populações do campo e da floresta.1 1 De acordo com a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF), trata-se de “comunidades que têm seus modos de vida, produção e reprodução social relacionados predominantemente com a terra. Neste contexto estão os camponeses, sejam eles agricultores familiares, trabalhadores rurais assentados ou acampados, assalariados e temporários que residam ou não no campo. Estão ainda as comunidades tradicionais, como as ribeirinhas, quilombolas e as que habitam ou usam reservas extrativistas em áreas florestais ou aquáticas e ainda as populações atingidas por barragens, entre outras” (Brasil, 2013, p. 8).

Apesar de não ser homogênea, a vida no meio rural no Brasil é historicamente marcada pela desproteção social e inseguranças socioassistenciais. As populações do campo e da floresta compartilham histórias marcadas pela pobreza e pelas consequências da intensa e perversa desigualdade constitutiva da formação social e do campo. Somado aos problemas advindos das condições precárias de trabalho, da baixa escolarização e renda, da falta de acesso às políticas públicas, acrescenta-se as iniquidades e discriminação racial em contextos rurais específicos, como é o caso de assentamentos de reforma agrária e comunidades quilombolas. O abismo que separa as populações rurais e urbanas, bem como as assimetrias no que diz respeito à escolarização e renda, sobretudo entre as diversas regiões brasileiras, têm sido evidenciados em vários estudos, o que vem gerando a perda de vitalidade das áreas rurais, a ampliação dos espaços socialmente vazios e, por que não dizer, a precarização das condições de vida e de saúde, em particular da saúde mental (Dimenstein et al., 2019aDimenstein, M., Dantas, C., Leite, J., Cirilo Neto, M., & Landini, F. P. (2019a). Forms of subjectivation and precariousness of life: Contradictions in rural settings. Estudos de Psicologia, 24(1), 82-89. doi: 10.22491/1678-4669.20190010.
https://doi.org/10.22491/1678-4669.20190...
).

Esse cenário multifacetado e em permanente transformação, fortemente marcado por condições de vida adversas, compõe uma complexa rede de determinações sociais que conformam um quadro de morbimortalidade onde os processos de alcoolização, o suicídio, o uso indiscriminado de psicofármacos e substâncias psicoativas, os padrões de internação psiquiátrica, dentre outras questões, aparecem de forma significativa e preocupante (Macedo et al., 2018Macedo, J. P., Dimenstein, M., Silva, B. I. D. B. D. M., Sousa, H. R. D., & Costa, A. P. A. D. (2018). Apoio social, transtorno mental comum e uso abusivo de álcool em assentamentos rurais. Trends in Psychology, 26(3), 1123-37. https://www.scielo.br/j/tpsy/a/RJ89GYmDpwSZ5L5sxK6ykZs/abstract/?lang=pt
https://www.scielo.br/j/tpsy/a/RJ89GYmDp...
; Dimenstein et al., 2017Dimenstein, M., Macedo, J. P. S., Leite, J., Dantas, C., & Silva, M. P. R. D. (2017). Iniquidades Sociais e Saúde Mental no Meio Rural. Psico-USF, 22(3), 541-553. doi: 10.1590/1413-82712017220313.
https://doi.org/10.1590/1413-82712017220...
; Dimenstein et al., 2019bDimenstein, M., Belarmino, V. H., Leite, J. F., Macedo, J. P. S., Silva, T. I., Dantas, C. & Alves Filho, A. (2019b). Consumo de álcool em uma comunidade quilombola do Nordeste brasileiro. Quaderns de Psicología, 21(1), 1-13. https://www.raco.cat/index.php/QuadernsPsicologia/article/download/v21-n1-dimenstein-belarmino-leite-etal/447622/
https://www.raco.cat/index.php/QuadernsP...
; Dimenstein et al., 2020Dimenstein, M., Belarmino, V. H., Martins, M. E., Dantas, C., Macedo, J. P. S., Leite, J. F., & Alves Filho, A. (2020). Desigualdades, racismos e saúde mental em uma comunidade quilombola rural. Amazônica - Revista de Antropologia, 12(1), 205--29. https://periodicos.ufpa.br/index.php/amazonica/article/view/8303
https://periodicos.ufpa.br/index.php/ama...
).

No entanto, apesar desse panorama, a situação de saúde mental ainda é pouco conhecida e a atenção voltada às populações rurais não tem destaque nas principais políticas públicas de bem-estar social. Essas políticas estão sendo alvo de sucateamento e desmonte pelo atual governo brasileiro, atingindo frontalmente povos e territórios historicamente mais desfavorecidos. Sabe-se que grande parte dessas populações, em particular a que habita o Nordeste brasileiro, está em municípios de pequeno porte, marcados por baixo desenvolvimento socioeconômico e baixa oferta de serviços, e, por conseguinte, encontra imensas dificuldades no acesso à saúde, o que resulta, com frequência, em índices alarmantes de morbimortalidade (Viana et al., 2015Viana, A. L. D., Bousquat, A., Pereira, A. P. C. D. M., Uchimura, L. Y. T., Albuquerque, M. V. D., Mota, P. H. D. S., Demarzo, M. M. P., & Ferreira, M. P. (2015). Tipologia das Regiões de Saúde: Condicionantes estruturais para a regionalização no Brasil. Saúde e Sociedade, 24(2), 413-422. https://www.scielo.br/j/sausoc/a/5zVsFNHY6HFYBrc9KfPDJzg/?format=pdf⟨=pt
https://www.scielo.br/j/sausoc/a/5zVsFNH...
).

Em razão disso, objetiva-se apresentar e analisar a situação de saúde mental de 48 municípios nordestinos que registram a presença de comunidades quilombolas e assentamentos de reforma agrária em seus territórios, considerando as condições de vida, a oferta de serviços de saúde e o perfil de morbimortalidade em saúde mental.

Percurso metodológico

Trata-se de um estudo quantitativo do tipo descritivo, considerando que não nos propusemos a realizar análises estatísticas mais aprofundadas (do tipo tendência central, por dispersão, comparação de médias, relevâncias estatísticas etc.), mas tão somente apresentar uma “fotografia” da situação de saúde mental dos referidos municípios. Com isso, intencionamos dar visibilidade a essa realidade e produzir informação e conhecimento útil para orientar a atenção psicossocial nesses territórios.

Para a produção dos dados, combinamos diferentes bases de dados disponíveis em domínio público: 1. Departamento de Atenção Básica (DAB) — referente à cobertura das equipes da ACS, ESF e NASF nos 5.570 municípios brasileiros; 2. Departamento de informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS) — referente aos registros de internação hospitalar em transtornos mentais e comportamentais, tempo médio de permanência das internações, de óbito hospitalar em transtornos mentais e comportamentais, de óbito da população geral em transtornos mentais e comportamentais, de óbito devido ao uso de substância psicoativa, de óbito devido ao uso de álcool, óbito por suicídio; 3. Coordenação Nacional de Saúde Mental concernente aos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS); 4. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) referente aos municípios brasileiros com assentamentos rurais da reforma agrária; 5. Fundação Cultural Palmares referente aos municípios brasileiros com comunidades quilombolas; 6. Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA) para identificar informações relativas ao perfil sociodemográfico de sexo, cor ou raça, faixa etária e atividades produtivas nos três Estados e nos municípios com comunidades quilombolas e assentamentos rurais; 7. Ministério do Desenvolvimento Social acerca da quantidade de famílias beneficiadas no Programa Bolsa Família (PBF).

As informações referentes ao perfil sociodemográfico e à oferta de serviços nos municípios tomaram dezembro de 2018 como referência, exceto os dados retirados do SIDRA, baseados no último Censo de 2010. Quanto aos indicadores de saúde mental, consideramos o recorte temporal de 2008 a 2018. A base de dados foi analisada de forma descritiva por meio do software Statistical Package for the Social Sciences for Windows (SPSS), versão 21. As unidades de análise foram, no caso do mapeamento dos serviços da RAPS, a estratificação por Estado e porte dos municípios e regiões de saúde. A estratificação por porte municipal baseou-se na classificação dos municípios nas categorias de pequeno, médio pequeno, médio, médio grande e grande porte (IBGE, 2010). Por fim, para o cálculo das taxas médias de internação e de óbitos por 1.000 habitantes e das taxas de mortalidade por suicídio para cada 100 mil habitantes, foram utilizadas como denominador para o cálculo das taxas médias as estimativas populacionais disponibilizadas pelo DAB.

Resultados e discussão

Perfil sociodemográfico e condições de vida nos municípios

Os Estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte registram 48 municípios com a presença simultânea de comunidades quilombolas e de assentamentos de reforma agrária, assim distribuídos:

Segundo o contingente populacional, 36 dos 48 municípios são de pequeno porte, com menos de 50 mil habitantes, sendo 49% homens e 51% mulheres. Quanto à distribuição por cor/raça, nota-se o aumento do percentual da população autodeclarada negra (74%) e diminuição da população branca (30%) quando se compara com o percentual geral dos três Estados. Quanto à faixa etária, predomina uma população jovem: 25% entre 1 e 14 anos; 29% entre 15 e 29 anos; 27% entre 30 e 49 anos; 14% entre 50 e 69 anos e 5% com 70 ou mais anos.

Tabela 1
Distribuição das comunidades quilombolas e dos assentamentos rurais nos 48 municípios

Em termos da distribuição por Região de Saúde (RS), tais municípios cobrem grande parte dos Estados: 75% das RS do PI, 41% das RS do CE e 50% das RS do RN. Em termos da distribuição por grupos de condições socioeconômicas e de oferta de serviços de saúde, segundo a classificação de Viana et al. (2015)Viana, A. L. D., Bousquat, A., Pereira, A. P. C. D. M., Uchimura, L. Y. T., Albuquerque, M. V. D., Mota, P. H. D. S., Demarzo, M. M. P., & Ferreira, M. P. (2015). Tipologia das Regiões de Saúde: Condicionantes estruturais para a regionalização no Brasil. Saúde e Sociedade, 24(2), 413-422. https://www.scielo.br/j/sausoc/a/5zVsFNHY6HFYBrc9KfPDJzg/?format=pdf⟨=pt
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, observa-se que quase a totalidade dos municípios (n=45) encontra-se no G1 (baixo desenvolvimento socioeconômico e baixa oferta de serviços). Isso alerta para a existência nesses municípios de problemas associados às condições de vida e de trabalho da população, à desproteção social em termos de políticas públicas de educação, saúde, segurança etc.

Com base nos dados do IBGE, foi possível observar algumas características comuns aos 48 municípios: as médias dos índices para os anos iniciais e finais do ensino fundamental estão abaixo das médias estaduais e nacional; o percentual médio da população com rendimento nominal mensal per capita de até 1/2 salário mínimo nesses locais é de 51,3%; a população se dedica especialmente à agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura; reúnem 237.304 famílias no Programa Bolsa Família, representando 12,62% do total dos beneficiários nos três Estados. Não à toa, registram maior desigualdade socioeconômica por meio da renda domiciliar per capita e de desenvolvimento humano que a média dos municípios dos três Estados, da região Nordeste e do Brasil.

Esses índices apontam para as condições de vida, de trabalho, renda e escolaridade dessa população, os quais são fatores ativos na determinação social da saúde. Assim, o panorama dos 48 municípios com comunidades quilombolas e assentamentos rurais diz respeito a uma ampla população (10% do contingente populacional dos três Estados), majoritariamente jovem e negra, com pouca escolaridade e baixos rendimentos, dependente de programas sociais. Abrange territórios com baixo desenvolvimento e oferta de serviços, aspectos que compõem o cenário característico do Nordeste brasileiro e das populações do campo e da floresta (Brasil, 2013Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa (2013). Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta. Brasília: Ministério da Saúde, 48 p. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacoes_campo.pdf
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).

A avaliação da situação de saúde mental deve levar em conta que esses territórios são atravessados pela pobreza e desigualdade social, estando em situação de permanente vulnerabilidade e abandono. Isso, por sua vez, traz repercussões importantes na produção contínua e sistemática de sofrimento psíquico entre esses povos. Reconhece-se que isso não é pontual e atual, mas uma construção histórica, associada à organização social do campo, às consequências do projeto colonial, ao racismo estrutural e às estratégias de governamentalidade e biopolíticas ligadas à razão neoliberal. As iniquidades presentes nesses cenários derivam, pois, da subjugação desses povos, majoritariamente não brancos, à privação de direitos básicos, à geopolítica da despossessão com o avanço do agronegócio e desmonte das políticas de agricultura camponesa, a regimes de existência moldados pelo racismo e pela violência, que configuram um projeto necropolítico bastante evidenciado na atualidade (Mbembe, 2016Mbembe, A. (2016). Necropolítica. N-1 Edições.).

A seguir, apresentaremos alguns indicadores sobre os serviços de saúde desses municípios, em particular a rede de atenção primária à saúde e de atenção psicossocial, objetivando dar visibilidade a esse mosaico de fatores que interferem na situação de saúde mental.

Indicadores de serviços de saúde

Em relação à rede assistencial e à oferta de serviços de saúde, o fato de 93,8% dos 48 municípios fazerem parte do G1, indica a presença de uma rede pouco diversificada de estabelecimentos de saúde e a oferta de serviços também é limitada. Quanto às equipes de Atenção Primária à Saúde (APS), especificamente, Agentes Comunitários de Saúde (ACS), equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) e Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), os 48 municípios registram déficit de profissionais em pelo menos uma dessas três modalidades, ou seja, não atingem o teto de equipes e profissionais previstos pelo DAB com base no quantitativo populacional. Essa situação é especialmente preocupante em relação ao NASF, pois 23 dos 48 municípios apresentam déficit em relação a essas equipes.

Em termos da RAPS, a distribuição dos equipamentos está assim configurada:

Tabela 2
Distribuição dos equipamentos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) nos 48 municípios

A maior parte dos 48 municípios não atende ao critério populacional de 70 mil habitantes para abertura de Centros de Atenção Psicossocial - CAPS ad e de 200 mil habitantes para implantação de CAPS III, CAPS ad III, CAPS i. Em razão disso, destaca-se a presença de CAPS I, CAPS II e CAPS ad, equipamentos presentes em 26 dos 48 municípios. Nenhum município tem equipe de Consultório na Rua, CAPS III, CAPS ad III, Serviço Residencial Terapêutico (SRT) e Unidade de Acolhimento Infanto-juvenil (UAi).

Alguns problemas foram detectados em termos da organização da RAPS e da implantação de dispositivos de cuidado: há municípios que atendem ao critério populacional para implantar vários serviços, mas isso nunca ocorreu; por outro lado, há municípios que possuem certo dispositivo mesmo não atendendo o critério para tal. Tem destaque o fato de que 17 dos 48 municípios (7 no RN, 1 no CE e 9 no PI) não possuem nenhum equipamento da RAPS. Outros cinco municípios contam apenas com a retaguarda de Comunidades Terapêuticas (CT), as quais vêm registrando crescimento vertiginoso na região em contraste com os outros serviços substitutivos. Já existem 31 CT nos três Estados.

Observa-se, portanto, vários pontos de vulnerabilidade nos 48 municípios com populações quilombolas e assentadas que servem de indicadores importantes na avaliação da situação de saúde mental: há problemas referentes à organização da RAPS, à cobertura e acessibilidade precárias, juntamente com o déficit de equipes de NASF, principal responsável pelo acolhimento em saúde mental e vazios assistenciais, isto é, regiões que não possuem estrutura condizente com o padrão mínimo esperado em termos de cobertura de saúde e/ou de saúde mental em seus territórios (Macedo et al., 2017Macedo, J. P., Abreu, M. M. D., Fontenele, M. G., & Dimenstein, M. (2017). A regionalização da saúde mental e os novos desafios da Reforma Psiquiátrica brasileira. Saúde e Sociedade, 26, 155-170. doi: 10.1590/S0104-12902017165827.
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201716...
).

Esses problemas são mais evidentes na atenção especializada do que na atenção primária em saúde. Existe um grande percentual da população sem retaguarda alguma dos serviços de atenção psicossocial, principalmente daqueles que dão suporte à crise, urgências e emergências como os CAPS III e AD III. Porém, diante do fato de que a maioria é de pequeno porte e não atende aos critérios populacionais para abertura desses serviços, o papel da APS e das equipes NASF torna-se ainda mais importante. E o que foi observado é que são essas equipes as que apresentam maior déficit, com quase metade dos municípios sem nenhuma delas. As perspectivas futuras não parecem animadoras com a extinção do incentivo financeiro ao NASF publicada na Nota Técnica do Ministério da Saúde nº 3/2020, deixando ao encargo do gestor local a decisão de manter ou não as equipes existentes; contratar ou não várias categorias profissionais, como é o caso dos trabalhadores da saúde mental que qualificam a atenção, ampliam a abrangência e a resolutividade da APS e da atenção psicossocial.

Claro que a presença de vazios assistenciais em saúde mental existe em todo o território nacional, pois estão relacionados aos diferentes estágios de implantação da RAPS no país. Contudo, desde 2017, têm piorado drasticamente em razão de várias mudanças na Política Nacional de Atenção Básica que empurram os investimentos na contramão da integralidade, princípio fundamental do SUS. Observa-se o desmonte gradual da Política Nacional de Saúde Mental e do processo de organização das Redes de Atenção à Saúde, reverberando em desigualdades regionais na implantação da RAPS, fragilidades no sistema de governança, de planejamento, de pactuações e dependência das disputas políticas locais, regionais e nacionais (Bandeira, Campos & Gonçalves, 2019Bandeira, F. J. S., Campos, A. C. V., & Gonçalves, L. H. T. (2019). Rede de atenção: Fragilidades no processo de implementação na perspectiva de especialistas em gestão da atenção primária. Enferm. foco, 24-29. http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/1988
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). Essas manobras estão criando muitas dificuldades para a expansão e consolidação da RAPS. Não há linhas de financiamento, faltam parcerias regionais mais estruturadas e são escassas as pactuações para compartilhamento de serviços, e até mesmo capacidade técnica das equipes da atenção primária e especializada para trabalharem de forma colaborativa e em rede.

Um aspecto preocupante e decorrente desse cenário é o avanço na implementação de CT pelo país e, sobretudo, nos municípios com populações do campo e da floresta, uma vez que se tratam de instituições que não operam segundo a lógica da atenção psicossocial. As CT, instituições de cunho religioso e com caráter manicomial, se inseriram no financiamento da RAPS desde 2012, intervindo sob preceitos excludentes e moralistas, promovendo práticas higienistas e proibicionistas, materializando a contrarreforma psiquiátrica em andamento (Guimarães & Rosa, 2019Guimarães, T. D. A. A., & Rosa, L. C. D. S. (2019). A remanicomialização do cuidado em saúde mental no Brasil no período de 2010-2019: Análise de uma conjuntura antirreformista. O social em questão, 22(44), 111-138. http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ_44_art5.pdf
http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/m...
).

Nesse sentido, observa-se a presença significativa das CT nos 48 municípios, havendo, inclusive, aqueles que só possuem esse serviço. Comparativamente, os 48 municípios concentram 15% das unidades de CAPS dos três Estados, mas em relação às CT, representam 25% do total existente. Tal panorama mostra o nível de abrangência das CT, sua presença em territórios remotos e de difícil acesso, sua penetração no cotidiano de uma população que possui dificuldades de acesso aos equipamentos da RAPS e não tem suas necessidades de saúde atendidas, ficando subjugadas a possibilidades mais restritas de acesso às ações de cuidado integral em saúde mental.

Em outras palavras, os indicadores de serviços de saúde apontam para um processo de precarização em marcha nesses territórios, o qual tem sucateado as equipes da APS dificultado a abertura de equipamentos da RAPS, facilitado a explosão das CT, desestimulado a organização das redes de saúde e o compartilhamento de serviços e equipes. No cenário de iniquidades existente, a falta de acesso adequado aos cuidados em saúde mental é mais um elemento da política de abandono e morte destinadas a certas parcelas da população, dentre as quais as populações quilombolas e assentadas.

Indicadores da situação de saúde mental

A situação de saúde mental da população dos 48 municípios está relacionada à interseção entre as condições de vida, necessidades em saúde e oferta de serviços acima apresentadas. Em relação à saúde mental, levamos em conta alguns indicadores: número de internações psiquiátricas; diagnóstico; tempo de permanência nas internações; regime de internação e o caráter de atendimento; taxa de internações por 1000 habitantes; mortalidade hospitalar; óbitos da população geral por saúde mental; óbitos associados a transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substâncias psicoativas no geral e de álcool especificamente e suicídio. Essas categorias serão apresentadas considerando a heterogeneidade das populações do campo e da floresta, e as dinâmicas de precarização que complexificam a análise a partir dos marcadores sociais de raça/cor, sexo, faixa etária, estado civil e escolaridade2 2 Dado disponibilizado somente para os casos referentes a óbitos da população em geral, suicídio e tentativa de suicídio, conforme acesso e registro no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS). tomando, enquanto recorte temporal, os anos de 2008 a 2018.

O número de internações psiquiátricas referente aos 48 municípios de residência somou um total de 11.142 em 10 anos. Observa-se uma tendência de decréscimo no período, mas uma retomada a partir de 2015.

Algumas instituições hospitalares se destacaram em termos de internações nesse período: no CE, foram instituições localizadas em Fortaleza, como o Hospital de Saúde Mental de Messejana (Público); o Hospital Espírita Nosso Lar (privado) e o Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo (privado). No PI, destacaram-se: o Hospital Areolino de Abreu (público), Sanatório Meduna (privado) e Hospital Amarante (público), localizados em Teresina e Amarante, respectivamente. Por fim, no RN, destaque para o Hospital Colônia dr. João Machado (Público); Hospital Psiquiátrico Professor Severino Lopes (privado) e Hospital Municipal São Camilo de Lellis (público), localizados em Natal e Mossoró, respectivamente.

Figura 1
Série histórica dos casos de internação hospitalar em transtorno mental nos 48 municípios com comunidades quilombolas e assentamentos rurais (2008-2018)

Apesar dessas internações se referirem ao município de residência do usuário, ocorreram em hospitais psiquiátricos das capitais ou regiões metropolitanas, indicando que são instituições que ainda mantêm uma centralidade na atenção em saúde mental, apesar dos esforços empreendidos em mais de 20 anos de reforma psiquiátrica e de luta antimanicomial. Há fragilidades na atenção à crise nos 48 municípios, seja pela falta de CAPS III, seja de leitos em hospitais gerais e demais equipamentos de retaguarda da RAPS, situação associada à geração de demanda hospitalar e que constitui um desafio imenso para o projeto de reforma psiquiátrica brasileira, conforme apontado por Cruz, Guerrero e Vieira (2019)Cruz, K. D. F. D., Guerrero, A. V. P., & Vieira, J. S. (2019). Atenção à crise em saúde mental: Um desafio para a reforma psiquiátrica brasileira. Revista do NUFEN, 11(2), 117-132. .http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rnufen/v11n2/a08.pdf
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.

Considerando a soma dos três Estados, as internações públicas (4.201; 37,7%) são superiores às privadas (3.741; 33,6%) e não informadas (3.200; 28,7%), porém, é visível o crescimento das internações privadas entre 2008 e 2018. Apesar de a maioria ser em caráter de urgência, tanto nas instituições públicas quanto nas privadas, observou-se que as de caráter eletivo nas instituições privadas superam trinta vezes as públicas. Em termos de dias de permanência, nota-se, em dez anos, uma diminuição importante nos três Estados: em 2008, a média era de 33,3 dias, já em 2018 foi de 26,4 dias. Contudo, o que se destaca é que há um retorno aos padrões de internações mais longas a partir de 2015; que as instituições privadas registram quase 50% mais dias de internação do que as públicas e que as internações de caráter eletivo duram em média 47 dias, superando as de urgência, com média de trinta dias.

O aumento do número e do tempo das internações psiquiátricas e o protagonismo das instituições privadas nesse cenário de reaquecimento da política manicomial é reflexo de um conjunto de alterações no âmbito da Coordenação Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Tem havido retrocessos na portaria nº 3.088/2011, que instituiu a RAPS; na Lei Federal nº> 10.216 de 2011 que redirecionou o modelo assistencial em saúde mental, assim como aprovação de Resoluções como a de nº 32, em 14 de dezembro de 2017 — que introduziu na RAPS os ambulatórios e os leitos em hospitais psiquiátricos — e o Decreto nº 9.761, de 11 de abril de 2019, que autorizou o aumento do repasse financeiro para instituições hospitalares especializadas. Esse cenário revela a força da histórica privatização da assistência psiquiátrica no Brasil, com a transferência de recursos públicos aos setores privados e do lucrativo modelo asilar-hospitalocêntrico, em pleno revigoramento com a assunção de grupos conservadores e ultraliberais nos espaços de poder do país.

Quanto à distribuição de internações por sexo, no intervalo entre 2008 e 2018, os homens registraram o dobro de internações que as mulheres nos três Estados: 63,7% (n=7.105) são homens e 36,3% (n=4.037) são mulheres. Além disso, os homens ficam 59% mais tempo internados do que as mulheres. Em relação à faixa etária, houve destaque na população de trinta a 39 anos (n=3.146), seguida de vinte a 29 anos (n=2.673) e de cinquenta a 59 anos (n=2.405). Em relação à cor/raça, a população negra sobressai com 40,3% (n=4.493) dos casos, seguida da branca com 7% (n=780) e amarela com 1,2% (n=130). Contudo, há muita escassez de informação a esse respeito nos três Estados, visto que 51,4% dos registros não informam esse dado, indicando que apesar da sua importância, não há controle de preenchimento nos sistemas de informação do SUS. A ausência desse registro, obrigatório em todos os sistemas de informações do Sistema Único de Saúde desde a Portaria nº 344, de 1/2/2017, gera impactos negativos como a subnotificação, a qual tem efeitos importantes como a invisibilidade dos problemas dessas populações.

Em termos de internações por diagnóstico, Esquizofrenia/Transtornos esquizotípicos e delirantes é o mais frequente nos três Estados (53,8%). Na sequência, consta transtornos de humor (14,8%), uso de substâncias psicoativas (14,4%) e uso de álcool (12,5%), havendo pequenas alterações na ordem desses diagnósticos por estado. Como exposto anteriormente, as internações masculinas são muito superiores às femininas e essa diferença é ainda mais gritante quando se trata do uso de álcool (H=1.212/M=184) e de substâncias (H=1.340/M=271). Sobre a relação entre diagnóstico e cor/raça, apesar da subnotificação, os dados indicam que se trata de uma população majoritariamente jovem, negra, masculina, que é internada em instituições psiquiátricas com diagnóstico de esquizofrenia ou por uso de álcool e/ou substância psicoativa.

Em relação aos óbitos por saúde mental, não hospitalares, houve um aumento em dez anos. Em relação aos marcadores sociais analisados, os homens registraram três vezes mais mortes do que as mulheres (H=1237/M=358), a maioria era negra (61,2%), solteira (44,5%), na faixa etária de trinta a 49 anos (34,5%), com um a três anos ou nenhuma escolaridade (65,2%). Observou-se que o número de mortes aumenta quanto menor o nível de escolaridade/anos de estudo: foram 1040 casos com baixa escolaridade e apenas 22 com registro de 12 anos ou mais de estudos. Esse padrão se manteve no que se refere à mortalidade hospitalar em saúde mental: são homens (77,14%) entre trinta e 49 anos (60%), com diagnóstico de esquizofrenia ou transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool ou uso de outras substâncias psicoativas (40%).

Em termos de suicídio, em dez anos o total de casos aumentou, passando de 112, em 2008, para 138, em 2018. Os municípios que registraram o maior número de internações psiquiátricas também registram mais ocorrência de suicídio, a saber: no PI (Amarante e São Miguel do Tapuio, com 26 e 23 casos, respectivamente); no CE (Caucaia, Tauá e Aquiraz, com 219, 68 e 53 casos, respectivamente); no RN (Açu, Ceará-Mirim e Macaíba, com 36, 24 e 22 casos, respectivamente). Em termos de sexo, estado civil, cor/raça e faixa etária, o mesmo padrão anteriormente apontado se repete: tratam-se de homens (80,6%), solteiros (52%) e negros (69,4%), porém mais jovens, com idade entre vinte e 29 anos (23,5%). De acordo com o CID-10, lesão autoprovocada intencionalmente por enforcamento, estrangulamento e sufocação foram as categorias mais encontradas nessa população. Nota-se que o enforcamento, mesmo sendo a principal estratégia entre homens, há uma variedade de outros registros como uso de sedativos, envenenamento etc.

Situação de saúde mental em territórios vulneráveis: marcadores sociais em análise

O perfil de morbimortalidade em saúde mental acima apresentado nos ajuda a compreender a produção das desigualdades em saúde e sua associação a certos marcadores sociais da diferença como sexo, raça/cor, renda, geração e escolaridade (Jesus, 2019Jesus, D. C. (2019). A saúde mental da população rural e sua relação com os determinantes sociais e as iniquidades de saúde: Uma revisão de literatura. 37 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Saúde Coletiva). Universidade de Brasília, Brasília.). Na direção de um conhecimento multidimensional e situado, ou melhor, na busca de uma “sensibilidade analítica” (Akotirene, 2019Akotirene, C. (2019). Interseccionalidade. Pólem., p. 18), a perspectiva da Determinação Social da Saúde apresenta-se potente na compreensão desse cenário e da situação de saúde mental de povos tradicionais rurais, constituídos na encruzilhada do racismo, do patriarcado e do colonialismo. Com base nas reflexões de Frantz Fanon sobre a sociogênese da loucura e da saúde mental e sua crítica à psiquiatria como braço do sistema colonial, Costa e Mendes (2021)Costa, P. H. A., & Mendes, K. T. (2021). Frantz Fanon, saúde mental e a práxis antimanicomial. Sociedade em Debate, 27(1), 66-82. doi: 0000-0003-2404-8888.
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nos ajudam na hercúlea tarefa de combater as concepções essencialistas em termos do processo saúde-doença, que desconsideram o enquadramento sociocultural e o papel do racismo na conformação do sofrimento psíquico. Outros autores vêm agregar complexidade ao relacionar certos marcadores sociais como classe social, gênero, raça e geração “às condições de agravos, riscos e vulnerabilidades em saúde em decorrência dos processos sociais de opressão, exploração, dominação, assujeitamento, policiamento, silenciamento e colonização” (Santos & Oliveira, 2019Santos, C. V. M., & de Oliveira, M. J. D. (2019). Dossiê Especial “Saúde Mental, Gêneros e Sexualidades: Perspectivas interseccionais”. Rebeh-Revista Brasileira de Estudos da Homocultura, 2(01), 39-41. https://revistas.unilab.edu.br/index.php/rebeh/article/view/333
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, p. 1).

Resguardadas as diferenças da produção e vivência do sofrimento psíquico no tocante às marcações de gênero, observamos, a partir dos dados apresentados, que independentemente de serem homens ou mulheres, os piores índices de saúde mental foram encontrados, não por acaso, entre a população negra, jovem, com baixo rendimento e escolaridade. Evidencia-se, dessa forma, a força reguladora do Estado sobre os corpos negros que se encontram fadados historicamente à violência, à morte e ao extermínio, sob o jugo de uma política de morte que dita quem pode viver e quem deve morrer e torna a raça um elemento de diferenciação entre as espécies e humanos (Mbembe, 2016Mbembe, A. (2016). Necropolítica. N-1 Edições.).

Por meio de variados indicadores, observa-se que os territórios de vida dessa população, marcados pelo baixo desenvolvimento social e baixa oferta de serviços de saúde, apresentam problemas de acesso e cobertura adequada de equipes da Atenção Primária à Saúde e de equipamentos da RAPS, configurando a existência de vazios assistenciais que potencializam a desproteção em saúde mental. Isso foi evidenciado mais fortemente em oito municípios (Amarante, São Miguel do Tapuio, Caucaia, Tauá, Aquiraz, Macaíba, Ceará--Mirim e Açu) onde há uma correlação estreita e direta entre as taxas de internação psiquiátrica e o déficit na cobertura de serviços de saúde mental.

O hospital psiquiátrico ainda ocupa lugar de destaque e é para onde se dirige toda essa população quando necessita de cuidados intensivos e continuados. Observa-se também que essa população está vulnerável à presença insidiosa das drogas e do tráfico no meio rural, à banalização do consumo de álcool e seu uso abusivo pelo público masculino, adolescente e jovem (Dimenstein et al., 2016Dimenstein, M., Leite, J. F., Macedo, J. P. S., & Dantas, C. (Org.) (2016). Condições de vida e saúde mental em contextos rurais. Intermeios.). Assim, há um número significativo de internações e mortes associadas ao uso de álcool e outras substâncias psicoativas nos últimos dez anos.

Ademais, nesse cenário de vulnerabilidades prévias, as CT estão proliferando, disputando narrativas e recursos sobre o cuidado em saúde mental, com foco na perspectiva manicomial e patologizante. Nesse sentido, enquanto estamos perdendo investimentos para a expansão e financiamento da RAPS e de programas essenciais à desinstitucionalização, como o de reestruturação da assistência psiquiátrica hospitalar no SUS, o Consultório na Rua, o Serviço Residencial Terapêutico e o Programa De Volta para Casa, as CT estão se expandindo com recursos públicos, fazendo funcionar distintos patamares de governamentalidade dos corpos negros e pobres: por um lado, a política de álcool e outras drogas de cunho proibicionista e criminalizante que, ancorada nos padrões de masculinidade e feminilidade hegemônicas, vincula “o sujeito negro, o corpo negro, a existência negra, a subjetividade negra à loucura, a crenças religiosas degradantes, mas principalmente à criminalidade” (Oliveira, 2020Oliveira, R. G. (2020). Racismo e suas expressões na saúde. In P. C. Magno, & R. G. Passos (Org.). Direitos humanos, saúde mental e racismo: Diálogos à luz do pensamento de Frantz Fanon (pp. 58-70). Defensoria Pública do Rio de Janeiro., p. 62). Os modelos estereotipados de masculinidades tão presentes no meio rural ancoram-se, segundo Burille et al. (2018)Burille, A., Gerhardt, T. E., Lopes, M. J. M., & Dantas, G. C. (2018). Subjetividades de homens rurais com problemas cardiovasculares: cuidado, ameaças e afirmações da masculinidade. Saúde e Sociedade, 27(2), 435-447. doi: 10.1590/S0104-12902018162943.
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,

pelo exercício permanente de autoafirmação e de busca por apreciação e reconhecimento pelos pares (e mais amplamente pela sociedade), o modelo normativo de masculinidade, marcado sobretudo pela crença na invulnerabilidade, dificilmente é alcançado em sua totalidade pelos homens, o que implica um esforço desgastante e perigoso ( Connell, 1995a). Atender os predispõem às violências, aos acidentes e aos adoecimentos, na medida em que o modelo valoriza condutas viris e de negação de cuidado. Por outro lado, não o alcançar pode desencadear entre os homens que almejam esse status a depreciação e o sentimento de inferioridade e de não pertencimento ao universo masculino ( Gomes et al., 2008), o que por sua vez pode afetar negativamente a saúde — em especial nas esferas psíquica e social. (p. 437)

Esse padrão de masculinidade hegemônica sustentado na ideia de provedor, chefe da família, de virilidade, que nega qualquer vulnerabilidade, que silencia os sofrimentos e problemas de saúde, traz implicações à sociabilidade e à saúde mental não apenas de homens, mas também de mulheres. Assim, a reprodução do sistema de privilégios materiais, culturais e simbólicos ancorados nos padrões de masculinidade e feminilidade hegemônicos resulta em ordenamentos de gênero nas relações conjugais e familiares, na sustentação de hierarquias e relações de dominação, opressão e violência que os homens exercem sobre as mulheres no meio rural, cujo efeito é um sofrimento invisibilizado ou, quando muito, medicalizado pelos serviços de saúde.

Por outro lado, o racismo estrutural constitutivo da sociedade brasileira reverbera na sobremortalidade da população negra no país, bem como na magnitude e gravidade em termos de determinadas morbidades como é o caso dos transtornos mentais em populações do campo e da floresta (Dimenstein et al., 2020Dimenstein, M., Belarmino, V. H., Martins, M. E., Dantas, C., Macedo, J. P. S., Leite, J. F., & Alves Filho, A. (2020). Desigualdades, racismos e saúde mental em uma comunidade quilombola rural. Amazônica - Revista de Antropologia, 12(1), 205--29. https://periodicos.ufpa.br/index.php/amazonica/article/view/8303
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) e das desigualdades raciais que estamos assistindo em termos da pandemia da Covid-19 no país (Santos et al., 2020Santos, M. P. A. D., Nery, J. S., Goes, E. F., Silva, A. D., Santos, A. B. S. D., Batista, L. E., & Araújo, E. (2020). População negra e Covid-19: Reflexões sobre racismo e saúde. Estudos Avançados, 34(99), 225-244. https://www.scielo.br/j/ea/a/LnkzjXxJSJFbY9LFH3WMQHv/?lang=pt
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) que registra maior fatalidade entre os corpos negros — que são lidos, dentro e fora das periferias do capitalismo, como corpos descartáveis. Os padrões de morbimortalidade da população negra brasileira, tal como apontado pela vasta literatura nacional, evidenciam a maior vulnerabilização de certos corpos generificados e enegrecidos devido às sobreposições de marcadores sociais, a exemplo de gênero, raça e classe (Brasil, 2016Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Articulação Interfederativa (2016). Temático Saúde da População Negra. Brasília: Ministério da Saúde, 82 p. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/tematico_saude_populacao_negra_v._7.pdf
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; Sousa, Nunes & Barros, 2020Sousa, I. S., Nunes, L. F., & Barros, J. P. P. (2020). Interseccionalidade, femi--geno-cídio e necropolítica: Morte de mulheres nas dinâmicas da violência no Ceará. Revista Psicologia Política, 20(48), 370-384. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2020000200009&lng=pt&tlng=pt
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).

Esse conjunto de forças, apesar de ser seletivamente operado sobre os corpos negros, produz um atravessamento de gênero em relação ao sofrimento psíquico, que não podemos ignorar. Considerando que o racismo é um projeto político histórico constituinte das subjetividades e da saúde mental, e que a necropolítica combina seu motor racial à generificação ligada ao padrão cisheteropatriarcal colonial, observa-se uma distribuição diferenciada nos indicadores de morbimortalidade psiquiátrica entre negras e negros. Os resultados desse estudo mostram que os homens ficam expostos mais fortemente a fatores de risco como o uso prejudicial de álcool e outras substâncias psicoativas; registram maior número de internações psiquiátricas; permanecem mais tempo internados em instituições psiquiátricas e registram mais óbitos hospitalares e domiciliares por transtornos mentais.

Compreendemos que o enquadramento cisheteropatriarcal dominante forja as masculinidades e a experiência dos corpos de homens negros de forma que eles sofrem uma dupla injunção: são afetados, de maneira geral, pelo interesse sistêmico em exterminar os negros no Brasil, e particularmente pela construção dessas masculinidades hegemônicas que nos ajudam na compreensão dos seus modos de viver, suas práticas em saúde (Cesaro et al., 2018Cesaro, B. C., Santos, H. B., & Silva, F. N. M. (2018). Masculinidades inerentes à política brasileira de saúde do homem. Rev Panam de Salud Publica, 42, 1-5. doi: 10.26633/RPSP.2018.119.
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), bem como do perfil de morbimortalidade psiquiátrica associado fortemente ao consumo abusivo de álcool e outras drogas (Ferreira et al., 2013Ferreira, L. N., Bispo Júnior, J. P., Sales, Z. N., Casotti, C. A., & Braga Junior, A. C. R. (2013). Prevalência e fatores associados ao consumo abusivo e à dependência de álcool. Ciência & Saúde Coletiva, 18(11), 3409-3418. http://10.1590/S1413-81232013001100030
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).

Estudos voltados para contextos rurais demonstram que os homens, em comparação com as mulheres, desenvolvem padrões de uso alcoólico mais nocivos, consumindo com maior frequência e em quantidades mais elevadas, padrão interpretado como um dos signos de masculinidade e virilidade. Em âmbitos rurais é uma estratégia de socialização e aprovação social frente à escassez de alternativas de recreação e lazer nas comunidades, de lidar com os sofrimentos e as precariedades da vida, com a incapacidade de prover a família como socialmente esperado, com a sobrecarga de trabalho no campo, por exemplo (Dimenstein et al., 2019bDimenstein, M., Belarmino, V. H., Leite, J. F., Macedo, J. P. S., Silva, T. I., Dantas, C. & Alves Filho, A. (2019b). Consumo de álcool em uma comunidade quilombola do Nordeste brasileiro. Quaderns de Psicología, 21(1), 1-13. https://www.raco.cat/index.php/QuadernsPsicologia/article/download/v21-n1-dimenstein-belarmino-leite-etal/447622/
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).

Dessa maneira, inspirados em Nielsson e Wermuth (2020), consideramos que os homens, nas realidades investigadas, são alvos prioritários e sofrem diretamente os efeitos da necropolítica de gênero, “que se manifesta através da consolidação de um dispositivo de produção e administração de sofrimento, violência e morte” (p. 38) que, no caso aqui analisado, instrumentaliza a vida de homens negros e jovens, moradores de municípios com assentamentos rurais e comunidades quilombolas no Nordeste do país.

Sabemos que a discussão acerca da necropolítica de gênero foi proposta no meio acadêmico, com muita pertinência, para compreender a instrumentalização dos corpos e vidas das mulheres sob a dominação e controle masculinos, inclusive com o consentimento do Estado para a manutenção de certas violências. Essa necropolítica opera a partir do silenciamento e da aceitação social quanto à reprodução de padrões de masculinidades autoritárias, agressivas e violentas que resultam em abusos, violações, exploração sexual comercial e tráfico de mulheres, de crianças e adolescentes, além de maternidade forçada e feminicídio. Neste trabalho, chamamos atenção para a necessidade de ampliar o debate compreendendo, com base na perspectiva relacional de gênero, que a problemática da necropolítica de gênero permite dar visibilidade ao modo como os corpos de homens negros, jovens e periféricos são submetidos a violações, violências e sofrimentos, tal como identificado no presente estudo.

Assim, reforçamos que está em operação uma necropolítica de gênero sobre os corpos de homens negros e jovens periféricos, mas os dados que nos permitem afirmar isso devem, certamente, guardar as especificidades das localidades em que o estudo foi realizado: municípios de pequeno porte e de baixo desenvolvimento social e econômico, situados em três Estados nordestinos, com presença de povos tradicionais, cuja população, em geral, registra indicadores sociais preocupantes em termos de renda, trabalho, educação, saúde e moradia. Pela perspectiva analítica proposta neste estudo, a saúde mental tem se apresentado, cada vez mais, como um braço modulador da necropolítica de gênero. Buscamos apresentar que os contextos de vida estão associados à produção de sofrimento psíquico, que se intersecciona com gênero, raça, classe e território e o quanto os indicadores de internação, do tempo de permanência e de óbitos incidem com maior presença em certos grupos populacionais do que em outros.

Por fim, não desconsideramos os achados da literatura e das investigações científicas no que diz respeito à situação de saúde das mulheres no Brasil, indissociável dos padrões e desigualdades de gênero, de violência doméstica e sexual, da sobrecarga de trabalho, do feminicídio, dentre outros aspectos. Pelo contrário, entendemos que as mulheres têm modos de sofrer, de expressar sofrimento e de enfrentar contextos sociais adoecedores de forma diferente dos homens, aspectos que precisam ser aprofundados com futuros estudos, inclusive com estudos de campo, compreendendo as particularidades e os variados riscos, graus de vulnerabilidade e violências a que são expostos, perfis de morbimortalidade e padrões de utilização dos serviços de saúde entre homens e mulheres.

Considerações finais

Este estudo evidenciou o entrecruzamento e a combinação de fatores que influenciam a situação de saúde mental de municípios de pequeno porte, com baixo desenvolvimento social e oferta de serviços, com populações assentadas e quilombolas, dentre as quais se destacam a precariedade nas condições de vida e trabalho e a retaguarda insuficiente de serviços de atenção psicossocial. Destacou, igualmente, a importância dos marcadores sociais da diferença como classe social e raça na produção de iniquidades em saúde. Ademais, que existe um cenário de vulnerabilidades prévias e de sofrimentos crônicos associados às desigualdades étnico-raciais e de gênero no que se refere à morbimortalidade psiquiátrica. Nesse sentido, a população masculina, negra e jovem mostra o quanto a saúde mental tem se apresentado como um braço modulador da necropolítica de gênero, indicando, no caso aqui investigado, a articulação entre a modulação das masculinidades e saúde mental, entre as questões de gênero e suas repercussões no adoecimento, indicando que esse debate merece mais estudos e aprofundamentos futuros, inclusive a partir de delineamentos que combinem análises quantitativas e qualitativas, em profundidade sobre a temática, inclusive em relação à saúde mental de mulheres.

  • *1
    Trata-se de um projeto integrado de pesquisa entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, Universidade Federal do Ceará - UFC e Universidade Federal do Delta do Parnaíba - UFDPAR. Copntou com suporte financeiro do CNPq na forma de Bolsa de Produtividade em Pesquisa e de Iniciação Científica.
  • Financiamento/Funding: Este trabalho recebeu apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Brasília, DF, Br.) / This work is supported by Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Brasília, DF, Br.).
  • 1
    De acordo com a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF), trata-se de “comunidades que têm seus modos de vida, produção e reprodução social relacionados predominantemente com a terra. Neste contexto estão os camponeses, sejam eles agricultores familiares, trabalhadores rurais assentados ou acampados, assalariados e temporários que residam ou não no campo. Estão ainda as comunidades tradicionais, como as ribeirinhas, quilombolas e as que habitam ou usam reservas extrativistas em áreas florestais ou aquáticas e ainda as populações atingidas por barragens, entre outras” (Brasil, 2013Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa (2013). Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta. Brasília: Ministério da Saúde, 48 p. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacoes_campo.pdf
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    , p. 8).
  • 2
    Dado disponibilizado somente para os casos referentes a óbitos da população em geral, suicídio e tentativa de suicídio, conforme acesso e registro no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS).

Referências

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Editor/Editor: Prof. Dr. Nelson da Silva Jr.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2021
  • Aceito
    25 Dez 2021
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