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A psicopatologia fenomenológica da atenção: entre a descrição e a hermenêutica*1 *1 Trabalho parcialmente baseado na tese de doutorado do primeiro autor, defendida em 2020 no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista – Unesp, Campus de Assis.

Phenomenological psychopathology of attention: between description and hermeneutics

Psychopathologie phénoménologique de l’attention: entre description et heméneutique

La psicopatología fenemonológica de la atención: entre la descripción y la hermenéutica

Neste trabalho, propõe-se uma análise sobre as contribuições da psicopatologia fenomenológica para a consideração crítica dos fenômenos de atenção e desatenção no contexto social e histórico contemporâneo. Para tanto, analisa a matriz naturalista de concepção da atenção e de sua disfunção e situa a psicopatologia fenomenológica; apresenta diretrizes críticas quanto à concepção naturalista das funções executivas e sua correlação com os processos atencionais; interroga descrições da experiência vivida do sujeito desatento e analisa a normatividade social da experiência atentiva e de seus critérios intersubjetivos e contextuais. Ao fim, propõe-se uma hermenêutica dos regimes atencionais contemporâneos, que destaca o acoplamento entre a experiência de fracasso atentivo e as demandas de um mundo cada vez mais recheado de estímulos e mais veloz.

Palavras-chave:
Hermenêutica; psicopatologia fenomenológica; transtorno da falta de atenção com hiperatividade; vigilância


Resumos

This paper analyses the contributions of phenomenological psychopathology for the critical consideration of the phenomena of attention and inattention in the contemporary social and historical context. To achieve that goal, we analyzed the naturalist matrix of conception of attention and its dysfunction and situated phenomenological psychopathology. We present critical guidelines regarding the naturalistic conception of executive functions and their correlation with attentional processes and question descriptions of the inattentive subject’s experience. We further analyzed the social normativity of the attentive experience and its intersubjective and contextual criteria. Finally, we propose a hermeneutical approach regarding contemporary attention regime, which highlights the link between the experience of attentive failure and the demands of a world that has become increasingly faster and filled with stimuli.

Key words:
Hermeneutics; phenomenological psychopathology; attention deficit disorder with hyperactivity; vigilance

Dans cet essai, nous proposons une analyse des apports de la psychopathologie phénoménologique à la prise en compte critique des phénomènes d’attention et d’inattention dans le contexte social et historique contemporain. Pour cela, nous analysons la matrice naturaliste de conception de l’attention et ses dysfonctionnements et situons la psychopathologie phénoménologique, nous présentons des lignes directrices critiques concernant la conception naturaliste des fonctions exécutives et leur corrélation avec les processus attentionnels, nous interrogeons les descriptions de l’expérience du sujet inattentif et nous analysons la normativité sociale de l’expérience attentive et ses critères intersubjectifs et contextuels. Finalement, nous proposons une approche herméneutique du régime d’attention contemporain qui met en évidence le couplage entre l’expérience de l’échec attentif et les exigences d’un monde de plus en plus rapide et rempli de stimuli.

Mots clés:
Herméneutique; psychopathologie phénoménologique; trouble déficitaire de l’attention avec hyperactivité; vigilance


En este trabajo proponemos un análisis sobre los aportes de la psicopatología fenomenológica a la consideración crítica de los fenómenos de atención y desatención en el ámbito social e histórico contemporáneo. Para ello, se analiza la matriz naturalista de concepción de la atención y su disfunción y se sitúa a la psicopatología fenomenológica; se presentan pautas críticas sobre la concepción naturalista de las funciones ejecutivas y su correlación con los procesos atencionales; se interrogan las descripciones de la experiencia del sujeto desatento; y se analiza la normatividad social de la experiencia de atención y de sus criterios intersubjetivos y contextuales. Por último, se propone un enfoque hermenéutico de los regímenes atencionales contemporáneos, que destaca el acople entre la experiencia del fracaso atencional y las exigencias de un mundo cada vez más rápido y lleno de estímulos.

Palabras clave:
Hermenéutica; psicopatología fenomenológica; trastorno por déficit de atención e hiperactividad; vigilancia


Introdução

A psicopatologia da atenção é um tema eminentemente atual e que, dada a sua circunscrição histórica e social, necessita de um esclarecimento fenomenológico de direito próprio. Em especial, uma das questões que se destaca neste campo é: dado o contexto social contemporâneo e os seus imperativos, a demarcação entre, por um lado, as patologias da atenção e desatenção e, por outro, a otimização ou maximização das capacidades atentivas dos agentes sociais não ficaria esfumaçada (Caliman, 2008aCaliman, L. V. (2008a). O TDAH: entre as funções, disfunções e otimização da atenção, Psicol. estud. 13(3): 559-566. DOI: 10.1590/S1413-73722008000300017.
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) e, com isso, as bases dos critérios diagnósticos não exigira uma fenomenologia de outro tipo, de caráter mais situado e interpretativo do que a perspectiva nosológica dos manuais diagnósticos ou a perspectiva biologizante das neurociências cognitivas. Considerada a relevância desses fatores de ordem social e histórica, a remissão aos modos de ser no mundo dos sujeitos contemporâneos seria um elemento indispensável dessa fenomenologia psicopatológica e de qualquer tentativa de aproximação concreta do fenômeno, sobretudo quando são consideradas as correlações com a economia da atenção (Caliman, 2008bCaliman, L. V. (2008b). Os valores da atenção e a atenção como valor, Estud. pesqui. psicol., 8(3). Recuperado de: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812008000300006&lng=pt&nrm=iso>.
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; 2012Caliman, L. V. (2012). Os regimes da atenção na subjetividade contemporânea, Arq. bras. psicol., 64(1), 2-17. Recuperado de: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672012000100002&lng=pt&nrm=iso>.
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).

Por se tratar de uma perspectiva que se sustenta sobre a base de uma posição crítica quanto ao naturalismo científico e diagnóstico e que, por isto, fornece uma concepção alternativa à teorização sobre os fenômenos psíquicos e psicopatológicos, a pesquisa psicopatológica de orientação fenomenológica talvez possa fornecer as diretrizes epistemológicas e metodológicas para articular os diferentes fatores relativos à atenção e à desatenção na sociedade contemporânea. Assim, o objetivo deste trabalho é analisar como a perspectiva fenomenológica em psicopatologia pode contribuir para a consideração crítica dos fenômenos de atenção e desatenção no contexto social e histórico contemporâneo. Começamos com a análise da matriz naturalista de concepção da atenção e de sua disfunção e a posição da psicopatologia fenomenológica frente a seus princípios. Na sequência, são apresentadas algumas direções críticas quanto à concepção naturalista das funções executivas e sua correlação com os processos atencionais. Para substanciar as descrições fenomenológicas, apresentamos e interrogamos algumas pesquisas que trazem ao primeiro plano a experiência vivida do sujeito desatento. Diante do fundo social sutilmente referido por essas pesquisas, aprofundamo-nos, na seção seguinte, em uma análise da normatividade social da experiência atentiva e sobre como ela se funda em critérios claramente intersubjetivos e contextuais. Por fim, generalizamos as consequências da análise desse fundo social e normativo fornecendo algumas direções para uma hermenêutica dos regimes atencionais contemporâneos, que destaca o acoplamento entre a experiência de fracasso atentivo e as demandas de um mundo cada vez mais recheado de estímulos e mais veloz. A hipótese de um “desencaixe” temporal é, com isto, sugerida.

Naturalismos e percursos da psicopatologia da atenção

Atualmente, na psicopatologia, destaca-se a abordagem da atenção como signo de uma disfunção executiva e como pinçada pelo olhar clínico nas modulações do estado mental. Na psiquiatria biomédica e funcionalista, o discurso encontra-se organizado em torno do Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem hiperatividade (TDA/H). Em complemento a uma visão teoricamente neutra quanto à etiologia do transtorno, as pesquisas de ordem experimental tendem a concentrar-se em identificar e isolar os seus correlatos neurobiológicos.

Um estudo de Maiese (2012)Maiese, M. (2012). Rethinking attention deficit hyperactivity disorder, Philosophical Psychology, 25(6). DOI: 10.1080/09515089.2011.631998,
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sobre a teoria do TDAH destaca este paradigma. A autora distingue dois modelos predominantes nas teorizações sobre a etiologia e o quadro sindrômico do transtorno. De um lado, situa-se o modelo de Barkley (1997)Barkley, R. A. (1997). ADHD and the nature of self-control. Guilford Press., centrado na hiperatividade (hipercinesia) e cujo conceito operatório central é o de inibição central, que se encontraria prejudicada nos casos patológicos. Para esse autor, o controle inibitório se situa na base das funções executivas, dentre as quais figuram o autocontrole e a atenção dirigida. Em sua visão, a inibição facilita a internalização do comportamento ao suprimir os acompanhamentos motores observáveis, permitindo, dessa forma, o autocontrole e a antecipação. De outro lado, encontra-se o modelo de Brown (2005)Brown, T. (2005). Attention Deficit Disorder: The Unfocused Mind in Children and Adults. New Haven: Yale University Press, 2005., que tem por foco a desatenção e formula a sua compreensão com base no entendimento de que o prejuízo central no TDAH se encontra nas próprias funções executivas, das quais o controle inibitório é apenas uma parte. Segundo essa teoria, as funções cognitivas dos sistemas executivos cerebrais seriam as mais afetadas. A atenção é destacada pelo autor como uma função executiva “administrativa”. Por isso, manifestam-se para os indivíduos com o transtorno dificuldades de organizar e de priorizar tarefas, além de obstáculos para focar, manter e modificar a atenção, para lidar com a frustração, modular as emoções, utilizar a memória de trabalho e de longo prazo, e para monitorar e guiar a ação. Em comum às duas abordagens, encontra-se, conforme Maiese (2012)Maiese, M. (2012). Rethinking attention deficit hyperactivity disorder, Philosophical Psychology, 25(6). DOI: 10.1080/09515089.2011.631998,
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, a concepção de que o TDAH é uma “ruptura” no funcionamento executivo dos sistemas de controle interno do sistema nervoso central.

Uma psicopatologia fenomenológica precisa ir além das descrições sintomatológicas associadas a causas neurobiológicas ou outras estruturas clínicas. Segundo Fuchs (2010a)Fuchs, T. (2010a). Phenomenology and Psychopathology. In D. Schmicking, & S. Gallagher (Eds.), Handbook of Phenomenology and Cognitive Science (pp. 547-575). Springer., a psicopatologia fenomenológica deve fornecer “organizadores psicopatológicos”, ou seja, conceitos que “conectam características singulares” e, assim, ajudam a “definir os transtornos mentais sobre a base de suas características estruturais experienciais, conectando fenômenos aparentemente desconexos” (p. 249). Nesta abordagem metodológica, pode-se seguir pela via da descrição das rupturas da existência, em sua referência à experiência normal, ou mesmo pela via de análise das formas particulares típicas e individuais de existência e de experiência, guiada por uma descrição das estruturas gerais do ser-no-mundo (Töpfer, 2013Töpfer, F. (2013). Conceito de doença e normatividade no pensamento de Ludwig Binswanger e Medard Boss, Psicopatologia Fenomenológica Contemporânea, 2(2), 32-50. DOI: https://doi.org/10.37067/rpfc.v2i2.1034.
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). A posição epistemológica da psicopatologia fenomenológica define-se, assim, no antípoda em relação à perspectiva neuropsicológica, articulada discursivamente e metodologicamente “em terceira pessoa”. Aponta-se que o papel constantemente atribuído ao cérebro corresponde, efetivamente, a características ou operações que dizem respeito à pessoa e que, não fosse a referência ao cérebro, seriam julgadas subjetivas e, portanto, desprovidas de evidência (Töpfer, 2013Töpfer, F. (2013). Conceito de doença e normatividade no pensamento de Ludwig Binswanger e Medard Boss, Psicopatologia Fenomenológica Contemporânea, 2(2), 32-50. DOI: https://doi.org/10.37067/rpfc.v2i2.1034.
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; Fuchs, 2018Fuchs, T. (2018). Ecology of the Brain. Oxford University Press.). Na psicopatologia fenomenológica, atribui-se legitimidade justamente ao estudo dessas experiências e de suas estruturas, suspendendo-se, em princípio, qualquer preocupação sobre a correlação entre as descrições de estruturas experienciais e os fenômenos neurobiológicos analisáveis no nível das disfunções “moleculares” e a partir de métodos experimentais.

A posição crítica da fenomenologia frente ao naturalismo pode ser interpretada ao menos em duas direções distintas, mas complementares. Primeiro, como uma abertura para a descrição imanente da experiência vivida e de sua estrutura eidética. Segundo, como uma recusa dos compromissos óbvios e automaticamente postos do campo da psicopatologia com a neurobiologia, de modo a se favorecer uma inspeção mais profunda dos seus alcances teóricos e mesmo práticos.1 1 Uma das questões importantes decorrentes deste ponto é, sem dúvida, aquela que se refere à ligação entre a fenomenologia e o programa de pesquisa da neurobiologia. Embora na próxima seção busquemos fornecer uma análise esquemática da confrontação entre os dois campos quanto à abordagem das funções executivas, não nos aprofundaremos nesse ponto. Em todo caso, gostaríamos de indicar ao leitor que a aproximação entre eles tem uma tradição que remonta, pelo menos, aos trabalhos, de V. von Weizsäcker, J. von Uexküll e K. Goldstein, os quais são abordados, de maneira bastante frutífera, nos trabalhos de Fuchs (2012; 2018). Esse autor, aliás, propõe uma abordagem ecológica dos fenômenos cerebrais e mentais, a qual, sugerimos, pode ser bastante rica para o aprofundamento das questões abordadas em nosso estudo. Em particular, dê-se destaque para a sua tese de que os mais diversos transtornos mentais são malogros não apenas de origem orgânica, mas, também, daqueles apelos do mundo da vida e do entorno social ao qual o sujeito está sempre já integrado. Deste ponto de vista, uma perspectiva sistêmica dos transtornos mentais é afirmada por Fuchs (2012s) da seguinte forma: “O transtorno final é o produto de uma cascata de influências subjetivas, neurológicas, sociais e ambientais que estão continuamente interagindo umas com as outras. Dentro dessas interações circulares, os cérebros agem como um órgão mediador, transformador e, também, amplificador, mas não como uma ‘causa monolinear’” (p. 342). O mesmo deve se aplicar ao TDAH e às questões relativas à atenção. A argumentação de Maiese (2012), que trazemos a seguir, está, a nosso ver, em acordo com as premissas básicas desta perspectiva ecológica ou sistêmica.

Interrogando as funções executivas

Maiese (2012)Maiese, M. (2012). Rethinking attention deficit hyperactivity disorder, Philosophical Psychology, 25(6). DOI: 10.1080/09515089.2011.631998,
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aponta alguns problemas centrais das concepções neurobiológicas da atenção, os quais dão indicativos para uma crítica do que Caliman (2008b)Caliman, L. V. (2008b). Os valores da atenção e a atenção como valor, Estud. pesqui. psicol., 8(3). Recuperado de: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812008000300006&lng=pt&nrm=iso>.
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chama de “‘atencionismo’ tarefista das funções e localizações cerebrais” (p. 643). Segundo Maiese (2012)Maiese, M. (2012). Rethinking attention deficit hyperactivity disorder, Philosophical Psychology, 25(6). DOI: 10.1080/09515089.2011.631998,
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, um primeiro problema consiste na falha dessas teorias em demonstrar a conexão essencial entre o “conter-se” e o “engajar-se”, ligado ao contexto de ação. O segundo problema diz respeito à explicação da maneira pela qual o cérebro posiciona valências, ou seja, as significações afetivas, e da importância teórica da história pessoal para a percepção e a significação do Umwelt. Para a autora, uma solução adequada para a questão deve levar em conta uma teoria bem fundamentada sobre (a) a função do tempo na coordenação de tarefas e (b) a função integral do cérebro em um sistema mais amplo que inclui o corpo com os seus padrões de interação incorporados. Propõe, assim, uma releitura da noção de “central executiva” do cérebro como (i) não sendo um sujeito (um “homúnculo”), (ii) nem uma coisa, mas (iii) algo que nós fazemos no mundo. Trata-se de um funcionamento imediato e pré-tético do direcionamento intencional ao mundo. Esse funcionamento é o que garante a formação de saliências perceptivas.

O terreno sobre o qual a autora assenta a sua proposta é o campo de pré-doação de objetos. Segundo ela, esse funcionamento corresponde ao que nomeia como “enquadramento afetivo” (affective framing) (Maiese, 2012Maiese, M. (2012). Rethinking attention deficit hyperactivity disorder, Philosophical Psychology, 25(6). DOI: 10.1080/09515089.2011.631998,
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), que articula (a) corpo e espaço, (b) corpo e tempo e (c) as normas vitais do organismo (por exemplo, a manutenção da vida). Ela propõe, portanto, que o TDAH resulta de uma deficiência nas capacidades de enquadramento afetivo, as quais normalmente permitem às pessoas limitar dados e simplificar processos cognitivos de acordo com considerações de relevância, saliência e contexto (Maiese, 2012, p. 901Maiese, M. (2012). Rethinking attention deficit hyperactivity disorder, Philosophical Psychology, 25(6). DOI: 10.1080/09515089.2011.631998,
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).

Na interpretação dessa autora, os sintomas do TDAH repousam, portanto, nas camadas mais basais da constituição dos sistemas de relevância, em “um contorno do mundo pré-reflexivo, não conceitual e refinado, de tal forma que nós podemos, de imediato, mirar e focar a nossa atenção” (p. 901). Acrescenta, ainda, que “um enquadramento afetivo opera, de fato, como um mapa contornado pela ocupação egocêntrica que ajuda o sujeito a definir os pontos, as linhas e os contornos de saliência no mundo complexo de seu entorno” (p. 902; itálicos da autora). Trata-se de um fundo estruturante de todas as nossas experiências subjetivas que está sempre coadunado com as capacidades corporais e afetivas, tais como o esquema corporal, a memória de trabalho e a ressonância afetiva do corpo.

Segundo a autora, os processos cognitivos de ordem superior e mais complexa são orientados e modulados por esse enquadramento afetivo. Com base nisso, ela lê as dificuldades de organização do agente desatento2 2 Em nosso texto, enfatizamos as variações atencionais que, em uma linguagem mais familiar à psicologia e à psiquiatria, poderiam ser reconhecidas como manifestações “atípicas”, sem, com isso, nos determos em seus aspectos “típicos”. Apesar desse recorte entre o típico e o atípico ter as suas próprias tensões epistemológicas inerentes, gostaríamos de indicar, de outro modo, que, onde quer que se reconheça o seu ponto de diferenciação, uma indicação deve ser feita quanto ao curso de desenvolvimento da atenção, pois somente com base nisso é que uma compreensão suficientemente ampla e holística do fenômeno pode ser construída tanto teórica quanto empiricamente. Ora, o enquadramento afetivo e toda a organização experiencial que descrevemos como sendo rompidas no processo de desatenção também se aplicam como estruturas da experiência atencional típica, ou do campo de consciência “puro”, considerado pela própria fenomenologia filosófica. Assim, abre-se para consideração a problemática de como o referencial fenomenológico considera a ontogenia no geral e, em particular, refere-se às diferentes influências pelas quais se dá o desenvolvimento humano. Nos últimos anos, têm-se apresentado diálogos interessantes entre o referido referencial, por um lado, e a Psicologia Ecológica, as Ciências Cognitivas e a Psicologia do Desenvolvimento, por outro (Szokolszky & Read, 2018). Uma importante noção que deriva desses diálogos é, sem dúvida, a de que o desenvolvimento humano se dá através da construção flexível e aberta de “nichos”, que constituem “formas” mais ou menos estáveis e significativas e as quais se entrelaçam em uma matriz intersubjetiva de hábitos e práticas culturais (Stotz, 2010). Outra noção importante a ser destacada é a de que a atenção — e a cognição humana, no geral — está conectada a contextos sociais e ambientais de forma cíclica; e que, sendo assim, desde pelo menos a primeira infância ela se constrói por referência à atenção do outro socialmente relevante que posiciona o mundo como significativo para mim e dá a meus atos cognitivos um contexto ou horizonte de significação (Ramstead et al., 2016). Esse paradigma se desdobra a partir do fenômeno que ficou conhecido como “atenção conjunta”. Os regimes atencionais, discutidos abaixo, podem ser entendidos como matrizes complexas que formatam os espaços e as modalidades de atenção conjunta ao longo de diferentes momentos do desenvolvimento humano. A relação e o impacto deles sobre os nichos deve ser avaliada empiricamente. Para uma perspectiva que dialoga com os aspectos evolutivos do assunto, veja-se Stutz (2014). Concluímos esta linha de raciocínio argumentando que esses aspectos do desenvolvimento humano típico se comunicam com a perspectiva ecológica das facetas neurobiológicas abordadas na nota anterior. como uma ruptura na sintonia entre os estímulos e sentimentos corporais, tornando-o mais suscetível ao “poder” do contexto imediato. Também nota uma ruptura no processo passivo de constituição temporal dos objetos, como na produção automática de saliências e na manutenção de um significado na apreensão, o que acarreta, por exemplo, a dificuldade de um aluno para manter o significado de um texto em mente enquanto o professor formula questões. Ao mesmo tempo, destaca uma dificuldade na orientação quanto às motivações intrínsecas do sujeito, ou seja, ao estabelecimento de relevâncias intrínsecas, no sentido schütziano (Schütz, 2011Schütz, A. (2011). Reflections on the Problem of Relevance. In L. Embree (Ed.), Collected Papers V (pp. 93-200). Springer.).

Em sua análise, Ceron-Litvoc (2012)Ceron-Litvoc, D. (2012). Análise fenomenológica da distração infantil, Psicopatologia Fenomenológica Contemporânea, 1(1), 149-157. DOI: https://doi.org/10.37067/rpfc.v1i1.1047.
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dialoga com esse campo de questões ao interrogar a estrutura intencional da distração infantil. Para tanto, ela objetiva uma compreensão do sintoma da “distração” por meio da distinção de Ribot entre o “distraído-dissolvido” e o “distraído-absorvido”. A autora compreende a atenção como uma forma de abertura estável ao mundo, com o qual o sujeito mantém um contato vital. De um lado, o distraído-dissolvido descreve uma forma de atenção em que não há “presença” da criança em suas divagações; há uma “falta de intencionalidade” (Ceron-Litvoc, 2012, p. 152Ceron-Litvoc, D. (2012). Análise fenomenológica da distração infantil, Psicopatologia Fenomenológica Contemporânea, 1(1), 149-157. DOI: https://doi.org/10.37067/rpfc.v1i1.1047.
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) correlativa a uma “realidade fragmentada” em que a “consciência não assume forma”. Entende-se, de fato, que se trata de uma experiência constituída sem a coerência temporal que permitiria a estabilização de um tema no campo de consciência. Segundo Ceron-Litvoc (2012)Ceron-Litvoc, D. (2012). Análise fenomenológica da distração infantil, Psicopatologia Fenomenológica Contemporânea, 1(1), 149-157. DOI: https://doi.org/10.37067/rpfc.v1i1.1047.
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, “o distraído não conseguirá remontá-la [uma história contada], porque ele não consegue remontar a linha temporal dos fatos” (p. 153). Esse é o caso de uma criança, curiosamente, sem história. De outro lado, a criança distraída-absorvida está direcionada para um mundo subjetivo e desconectado do mundo “externo”. “O seu pensar”, diz Ceron-Litvoc, “está focado em questões que são para ela essenciais” (p. 153). Aqui, o tempo interno da criança continua a se desenrolar e constituir-se de maneira ininterrupta, embora direcionada para outro lugar.

A formulação dessa autora é bastante interessante, levando-a a questões fundamentais da fenomenologia da distração, mas, ao mesmo tempo, coloca problemas conceituais importantes. Por exemplo, pode um sujeito “perder a intencionalidade”? É uma maneira curiosa de formular a questão. A intencionalidade que “falta” no caso do “distraído-dissolvido” é a intencionalidade que posiciona os objetos, tética, mas deduzir disto que não há intencionalidade e não há “presença” é uma forma, talvez, muito radical de formular a resposta. Uma abordagem sobre as sínteses temporais passivas da constituição de sentido e sobre o campo de pré-doações objetivas poderia complementar estas análises de forma bastante rica. Isso indicaria a estrutura de uma “permeabilidade à intrusão” dessas pessoas. A teoria de Schütz (1962)Schütz, A. (1962). On multiple realities. In M. Natanson (Ed.), Collected Papers I (pp. 207-259). Martinus Nijhoff. sobre as províncias finitas de significado também poderia demonstrar que a criança “distraída-absorvida” pode bem direcionar-se a outras esferas de realidade que não uma realidade única e correlativa ao significado de “mundo externo”. Além disso, a autora também traz uma contribuição importante ao dizer que a criança, ao longo do desenvolvimento, adquire a possibilidade de parear o tempo cronológico e o que chama de “tempo/desempenho” (Ceron-Litvoc, 2012, p. 155Ceron-Litvoc, D. (2012). Análise fenomenológica da distração infantil, Psicopatologia Fenomenológica Contemporânea, 1(1), 149-157. DOI: https://doi.org/10.37067/rpfc.v1i1.1047.
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). Contudo, a autora não mostra como essas temporalidades estão imbricadas com a temporalidade intersubjetiva e como as categorias do tempo intersubjetivo se impõem sobre o agente e podem até mesmo criar-lhe “embaraços”. Estes são pontos que serão analisados melhor abaixo.

A experiência do sujeito desatento

Qual é, afinal, a estrutura da experiência vivida pelo sujeito “desatento”? Esta é uma questão fundamental para a psicopatologia fenomenológica. Em um estudo sobre o assunto, Ladd e Churchill (2012)Ladd, P. D.; Churchill, A. (2012). Attention Deficit Hyperactive Disorder. In P. D. Ladd, & A. Churchill. Person-centered Diagnosis and Treatment in Mental Health: A Model for Empowering Clients (pp. 36-55). Jessica Kingsley Publishers destacaram a estrutura da experiência vivida da “desatenção” com base em relatos de crianças, adolescentes e adultos diagnosticados com TDAH. Esse estudo oferece duas direções distintas de interpretação para os seus resultados. Por um lado, oferece algumas direções gerais para a compreensão da estrutura da experiência vivida, centrada na pessoa. Por outro, oferece um conjunto de dicas para uma compreensão social dessa estrutura. Nesse sentido, citaremos trechos literais das descrições da experiência vivida e teceremos, a partir das pistas deixadas, comentários críticos a respeito, conforme a direção geral de nossas análises.

Um adendo inicial deve ser feito a este estudo, para fins de sua compreensão: os relatos obtidos e comunicados aos pesquisadores podem ser analisados, ao mesmo tempo, como tipificações particulares de determinadas experiências vividas por essas pessoas e como entrelaçadas a tipificações mais gerais e compartilhadas com outras pessoas significativas de sua cultura e sociedade (Schütz, 2018Schütz, A. (2018). A construção significativa do mundo social. Vozes.). O quadro social dessas tipificações se cruza com as interpretações concretas de cada pessoa e conduz, com efeito, a uma autointerpretação do próprio desempenho como “deficitário”. Este é um dos primeiros pontos a serem observados neste estudo. Pois, conforme os autores destacam, os sujeitos qualificavam a sua própria dificuldade como “alguma forma de condição física” (Ladd & Churchill, 2012, p. 37Ladd, P. D.; Churchill, A. (2012). Attention Deficit Hyperactive Disorder. In P. D. Ladd, & A. Churchill. Person-centered Diagnosis and Treatment in Mental Health: A Model for Empowering Clients (pp. 36-55). Jessica Kingsley Publishers). Acreditavam que a “desorganização, a pressão de outrem e as diferenças biológicas faziam deles inquietos” (Ladd & Churchill, 2012, p. 37Ladd, P. D.; Churchill, A. (2012). Attention Deficit Hyperactive Disorder. In P. D. Ladd, & A. Churchill. Person-centered Diagnosis and Treatment in Mental Health: A Model for Empowering Clients (pp. 36-55). Jessica Kingsley Publishers; itálicos dos autores). Os indivíduos classificavam a sua experiência como “diferente”. “Eles sentiam essa inquietude quanto a juízos negativos deles próprios enquanto pessoas diferentes, desorganizadas e não cooperativas” (p. 37). Por sua vez, “reagiam a estes juízos negativos com sentimento de culpa, constrangimento, ressentimento ou raiva” (p. 37). Ademais, a “perda de foco através da distração foi uma das principais razões pelas quais os clientes acreditavam ser percebidos de maneira diferente” (p. 37; itálicos dos autores). Evidencia-se, portanto, o cruzamento das tipificações de caráter social nas tipificações da autoexperiência.

Ladd e Churchill (2012)Ladd, P. D.; Churchill, A. (2012). Attention Deficit Hyperactive Disorder. In P. D. Ladd, & A. Churchill. Person-centered Diagnosis and Treatment in Mental Health: A Model for Empowering Clients (pp. 36-55). Jessica Kingsley Publishers apontam, ainda, que essas pessoas apresentavam uma dificuldade quanto à transição de tarefas. Passar de uma tarefa a outra era, para elas, uma experiência de muita ansiedade e dificuldade. Dessa forma, elas tendiam a “hiperfocar” em uma só coisa, o que lhes era, geralmente, mais confortável. “Elas achavam mais fácil hiperfocar do que fazer várias coisas em um curto período” (p. 38). No geral, o tempo insuficiente para que completassem as diversas tarefas de seu dia a dia é fator destacado pelos autores como contribuindo para a inquietude, sem, com isso, indicar qualquer problema de ansiedade mais grave. Nesse sentido, Ladd e Churchill (2012)Ladd, P. D.; Churchill, A. (2012). Attention Deficit Hyperactive Disorder. In P. D. Ladd, & A. Churchill. Person-centered Diagnosis and Treatment in Mental Health: A Model for Empowering Clients (pp. 36-55). Jessica Kingsley Publishers falam da quantidade de “expectativa de tempo” que é colocada sobre esses clientes, que pode ultrapassar consideravelmente as suas capacidades, e falam, também, da flexibilidade no respeito às diferenças individuais. Rotinas fixas, prazos curtos e impostos, grande quantidade de tarefas e de informações, tudo isto era vivido por essas pessoas como enquadramentos impostos sobre as quais não tinham nenhum controle e que lhes colocavam sérias dificuldades. Essas diferenças dizem respeito, precisamente, à maneira como elas habitam o tempo.

Ladd e Churchill (2012)Ladd, P. D.; Churchill, A. (2012). Attention Deficit Hyperactive Disorder. In P. D. Ladd, & A. Churchill. Person-centered Diagnosis and Treatment in Mental Health: A Model for Empowering Clients (pp. 36-55). Jessica Kingsley Publishers veem, na supersensitividade relatada por seus entrevistados, uma “permeabilidade da intrusão”, característica de nossa receptividade aos dados do fundo de nosso campo de consciência. A esse respeito, pode-se compreender, de fato, que a maneira de as coisas se colocarem para esses sujeitos é diferente, sobretudo no que diz respeito à esfera passiva das pré-doações, na qual se colocam as saliências primeiras da experiência subjetiva. Algumas coisas se destacam com maior “poder” sobre eles, que podem ser “atacados” por elas com maior ímpeto e mesmo se desorganizar com essa intrusão. Isso está em concordância com as análises de Maiese (2012)Maiese, M. (2012). Rethinking attention deficit hyperactivity disorder, Philosophical Psychology, 25(6). DOI: 10.1080/09515089.2011.631998,
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e Ceron-Litvoc (2012)Ceron-Litvoc, D. (2012). Análise fenomenológica da distração infantil, Psicopatologia Fenomenológica Contemporânea, 1(1), 149-157. DOI: https://doi.org/10.37067/rpfc.v1i1.1047.
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, referidas anteriormente.

Embora se destaquem destes relatos e análises as categorias de foco e desorganização, bastante naturalistas, também se dá destaque para o fato de que “a experiência concreta do TDAH é muito mais social do que biológica” (Ladd & Churchill, 2012, p. 49Ladd, P. D.; Churchill, A. (2012). Attention Deficit Hyperactive Disorder. In P. D. Ladd, & A. Churchill. Person-centered Diagnosis and Treatment in Mental Health: A Model for Empowering Clients (pp. 36-55). Jessica Kingsley Publishers). Parte-se, é claro, dessa dicotomia, mas também para permitir uma investigação cuidadosa sobre a desorganização de uma experiência subjetiva cuja estrutura temporal parece indicar uma variação significativa da norma. A coerência da experiência subjetiva desses indivíduos talvez apresente algum indício de “anormalidade”, no sentido a ser estudado abaixo. Porém, é relevante observar que a essa coerência se misturam, também, normas de origem social. Estamos diante de sistemas de relevância sociais e culturais em relação aos quais a aceleração temporal, e por conseguinte a dessincronização, possuem grande importância. Nas palavras dos próprios autores,

Em um mundo acelerado de expectativas aceleradas, de horários agendados e desempenhos de tempo, os profissionais da saúde mental podem estar em uma posição de desacelerar o ritmo para clientes com um padrão de TDAH e reconhecer que uma sociedade acelerada faz as transições para os clientes que experienciam o TDAH ainda mais difíceis e devastadoras. (Ladd & Churchill, 2012, p. 50Ladd, P. D.; Churchill, A. (2012). Attention Deficit Hyperactive Disorder. In P. D. Ladd, & A. Churchill. Person-centered Diagnosis and Treatment in Mental Health: A Model for Empowering Clients (pp. 36-55). Jessica Kingsley Publishers)

Veremos esse ponto mais de perto a seguir.

A normatividade da experiência atentiva

A partir das experiências intersubjetivas de mundo, as experiências subjetivas conformam-se a normas compartilhadas e que nos permitem guiar-nos por referenciais comuns dos grupos sociais aos quais pertencemos. De acordo com Schütz (2011)Schütz, A. (2011). Reflections on the Problem of Relevance. In L. Embree (Ed.), Collected Papers V (pp. 93-200). Springer., a nossa experiência atencional se orienta pelo que ele nomeia como “sistemas de relevância” — e que chamaremos, a partir de agora, de “enquadramentos da atenção” — que compartilhamos socialmente e que são por nós mesmos internalizados. Esse enquadramento é formado, primordialmente, de forma imposta, passiva; e somente então podemos explorar esses direcionamentos de maneira mais própria e criativa. É possível dizer, por essa via, que a atenção se estrutura de duas formas básicas, a saber, uma imposta ou normativa e outra voluntária ou criativa (Waldenfels, 2010Waldenfels, B. (2010). Attention suscité et dirigée, Alter, 18, 33-44. DOI: https://doi.org/10.4000/alter.1527.
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). Aquilo que é desconhecido só pode ser conhecido, neste sentido, por meio de referenciais culturais do que é dado como conhecido e como horizonte do que pode ainda ser conhecido. Ao mesmo tempo, o conjunto de interesses sociais permeiam os meus próprios interesses perceptivos e atencionais quanto à exploração que eu posso empreender quanto aos horizontes internos e externos dos tópicos que se me apresentam a partir de meu entorno social. Tudo isto forma um “contexto referencial” (Breyer, 2009Breyer, T. (2009). Attention and Language: Preliminary Remarks on a Philosophically Important Connection, Intuitio, 2(1), 245-256. Recuperado de https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/view/5438/3952.
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) que constitui meu sistema de relevâncias singular e que é de origem social e histórica.

É fundamental conduzir uma análise da normatividade da percepção para se compreender como as regras de origem social e histórica constituem os enquadramentos da atenção. Para tanto, deve-se partir de uma consideração histórica da constituição das normas e de um ponto de partida que reconheça o entrelaçamento entre experiência e discursividade (Wehrle, 2015Wehrle, M. (2015). Normality and Normativity in Experience. In M. Doyon, & T. Breyer. (Eds.), Normativity in Perception: New Directions in Philosophy and Cognitive Science (pp. 128-139). Palgrave Macmillan.). Em uma abordagem fenomenológica, a objetividade e a identidade são constituídas em processos passivos e ativos da consciência e da subjetividade encarnada (Husserl, 1939Husserl, E. (1939). Erfahrung und Urteil: Untersuchungen zur Genealogie der Logik Academia. Verlagsbuchhandlung Prag.; 1991Husserl, E. (1991). Ideen zu einer reinen Phänomenologie und phänomenologischen Philosophie. Zweites Buch. Husserliana, Bd. IV. Springer.; 2008Husserl, E. (2008). Die Lebenswelt: Auslegungen der vorgegebenen Welt und ihrer Konstitution. Husserliana, Bd. XXXIX. Springer.). A experiência pela qual a objetividade e a identidade são constituídas é a “experiência normal” (Husserl, 2008Husserl, E. (2008). Die Lebenswelt: Auslegungen der vorgegebenen Welt und ihrer Konstitution. Husserliana, Bd. XXXIX. Springer.). Com isto, pode-se distinguir entre uma experiência normal no sentido de (1) concordância (Einstimmigkeit) entre os seus conteúdos ou (2) optimalidade (Optimalität). Comecemos pelo primeiro critério geral.

De acordo com esse critério, concebe-se como normal toda percepção que é concordante com o contexto temporal prévio da experiência subjetiva e com os seus pressupostos implícitos, como, por exemplo, de que o ser e a aparência coincidem. Aqui, “normal” não é o médio ou o estatisticamente mais frequente: “normal é o que contribui para a constituição de sentido e anormal é aquilo que desfaz as treliças de sentido” (Heinämaa & Taipale, 2019, p. 285Heinämaa, S., & Taipale, J. (2019). Normality. In G. Stanghellini et al. (Eds.), Handbook of Phenomenological Psychopathology (pp. 284-296). Oxford University Press. DOI: 10.1093/oxfordhb/9780198803157.013.30
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). Esta normalidade perceptiva e fundada sobre o funcionamento normal do corpo garante que todas as adumbrações, ou percepções parciais, sejam vistas por mim como contínuas e coerentes em relação a um mesmo objeto ao longo do tempo. Quer seja em uma mudança temporal ou em uma mudança de perspectiva quanto ao objeto, garante-se que as aparências sejam concordantes entre si e que se refiram a um mesmo objeto. Por exemplo, se estou em um teatro escuro, assistindo uma peça, e as luzes são, abruptamente, acesas, eu não vejo nada em um primeiro momento. Essa experiência é “anormal” com referência ao fluxo temporal concordante das experiências anteriores. A experiência coerente pressupõe a operação da concordância no nível da organização passiva da consciência e é assim definida como um pré-requisito formal da experiência. “Uma experiência é dita normal no sentido da concordância se ela é coerente com outras experiências enquanto mantêm a identidade do objeto experienciado”, comentam Heinämaa e Taipale (2019, p. 289)Heinämaa, S., & Taipale, J. (2019). Normality. In G. Stanghellini et al. (Eds.), Handbook of Phenomenological Psychopathology (pp. 284-296). Oxford University Press. DOI: 10.1093/oxfordhb/9780198803157.013.30
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. Trata-se de uma norma autóctone à percepção e à corporeidade. Ela pode ser, inclusive, identificada em casos como a “cegueira atencional” (inattentional blindness) e a “cegueira de mudanças” (change blindness) (Wehrle, 2015, p. 131Wehrle, M. (2015). Normality and Normativity in Experience. In M. Doyon, & T. Breyer. (Eds.), Normativity in Perception: New Directions in Philosophy and Cognitive Science (pp. 128-139). Palgrave Macmillan.).

Segundo Wehrle (2015)Wehrle, M. (2015). Normality and Normativity in Experience. In M. Doyon, & T. Breyer. (Eds.), Normativity in Perception: New Directions in Philosophy and Cognitive Science (pp. 128-139). Palgrave Macmillan., a concepção de optimalidade em Husserl parece estar associada à sua crença na capacidade humana de orientar-se pela razão e no progresso, mesmo através da tecnologia. E esse conceito parece ter sido importante para Husserl julgar a diferença entre a percepção normal e a anormal. Para Wehrle (2015)Wehrle, M. (2015). Normality and Normativity in Experience. In M. Doyon, & T. Breyer. (Eds.), Normativity in Perception: New Directions in Philosophy and Cognitive Science (pp. 128-139). Palgrave Macmillan., o ideal objetivo possui uma relatividade fenomenológica, em nível individual ou grupal, que deve ser considerada mais de perto. Segundo ela, o “melhor” quanto à percepção de um objeto pode variar tanto no que diz respeito a interesses particulares, ou seja, um optimum relativo às ações, aos interesses e ao estilo experiencial habitual individual, quanto no que diz respeito a preocupações práticas comuns e a um estilo culturalmente formatado de experiência, quer dizer, enquanto optima relativos em nível intersubjetivo. Assim, por exemplo, a percepção de uma casa pode variar de acordo com as normas associadas ao percipiente: se ele é um arquiteto ou um matemático, se ele pertence a uma cultura tal ou qual etc. Ou seja, o optimum da experiência varia de acordo com os sistemas de relevância predominantes em um dado momento da vida de uma pessoa ou de acordo com os sistemas de relevância dominantes em uma cultura e sociedade, estruturando o mundo da vida.

O fundo histórico e cultural que formata a matriz da experiência subjetiva influencia tanto a meta da percepção, seu optimum, quanto, também, as condições e motivações para a sua exploração. Isso implica reconhecer que há uma conexão profunda entre a percepção individual e os horizontes experienciais relativos ao contexto social e histórico ao qual pertence o agente. E isto sugere que, em sua experiência, normalidade e normas estão entrelaçadas, ou, nas palavras de Wehrle (2015)Wehrle, M. (2015). Normality and Normativity in Experience. In M. Doyon, & T. Breyer. (Eds.), Normativity in Perception: New Directions in Philosophy and Cognitive Science (pp. 128-139). Palgrave Macmillan., “os horizontes intersubjetivos da normalidade contêm normas culturais específicas que, por sua vez, geram expectativas específicas na percepção” (p. 135). Essas normas intersubjetivas permitem garantir a evidência de que a percepção de Pedro e a de Paulo, comunicadas através de determinados esquemas expressivos, referem-se ao mesmo mundo. Por trás do véu dos optima ideais, escondem-se, portanto, optima ou normas relativos à cultura, mas que se tornaram tão naturais e incorporados que passam a constituir o mundo da rotina, no sentido de Schütz (2011)Schütz, A. (2011). Reflections on the Problem of Relevance. In L. Embree (Ed.), Collected Papers V (pp. 93-200). Springer., aparecendo, portanto, como reificados e anonimamente impostos.

Isso significa que as normas intersubjetivas são incorporadas por nós e, ao sê-lo, compõem a nossa forma típica de perceber o mundo, o que abrange “habilidades corporais, habitualidades e a história experiencial do sujeito” (Wehrle, 2015, p. 136Wehrle, M. (2015). Normality and Normativity in Experience. In M. Doyon, & T. Breyer. (Eds.), Normativity in Perception: New Directions in Philosophy and Cognitive Science (pp. 128-139). Palgrave Macmillan.), de maneira concordante ao que escreve Schütz (2011)Schütz, A. (2011). Reflections on the Problem of Relevance. In L. Embree (Ed.), Collected Papers V (pp. 93-200). Springer. sobre os sistemas de relevância. A organização de nossa forma de percepção e sentir o mundo, nesse sentido, não é neutra e a sua seletividade demonstra possuir um profundo enraizamento social e histórico. O estilo individual de nossa experiência e das seleções operadas experiencialmente, de tal forma que nos atentamos àquilo que é mais relevante em cada situação, repousa em um “estilo cultural global” (Wehrle, 2015, p. 136Wehrle, M. (2015). Normality and Normativity in Experience. In M. Doyon, & T. Breyer. (Eds.), Normativity in Perception: New Directions in Philosophy and Cognitive Science (pp. 128-139). Palgrave Macmillan.). Dessa forma, as normas dominantes de nossa vida cotidiana influenciam implicitamente a normalidade perceptiva e atentiva, ou seja, aquilo que percebemos como concordante ou discordante, se a nossa experiência é vivida como óptima ou deficiente com relação às nossas ações e aquilo a que devemos nos atentar ou, então, aquilo que deve ser desconsiderado para que um determinado tópico seja mais bem destacado de seu fundo (Breyer, 2009Breyer, T. (2009). Attention and Language: Preliminary Remarks on a Philosophically Important Connection, Intuitio, 2(1), 245-256. Recuperado de https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/view/5438/3952.
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; Wehrle, 2015Wehrle, M. (2015). Normality and Normativity in Experience. In M. Doyon, & T. Breyer. (Eds.), Normativity in Perception: New Directions in Philosophy and Cognitive Science (pp. 128-139). Palgrave Macmillan.). Ora, a norma constitui e, ao mesmo tempo, se mistura com a familiaridade habitual de nossa lida com o mundo, outorgando à nossa maneira de ver as coisas uma transparência inquestionada.

Ademais, o que garante a continuidade da experiência, em termos de sua concordância e optimalidade, é que o agente encarnado “deve estar constantemente sincronizado com o mundo através das interações” (Wehrle, 2015, p. 137Wehrle, M. (2015). Normality and Normativity in Experience. In M. Doyon, & T. Breyer. (Eds.), Normativity in Perception: New Directions in Philosophy and Cognitive Science (pp. 128-139). Palgrave Macmillan.). Em outros termos, a continuidade da relação adequada com a minha própria experiência e com a experiência dos outros envolve a integração de contextos temporais e espaciais próprios, e culturais e históricos. A normalidade é um processo contínuo de criar e estabilizar a concordância experiencial, mas, como tal, ela é frágil, pois está aberta a “rupturas” e a “quebras” (Wehrle; 2015Wehrle, M. (2015). Normality and Normativity in Experience. In M. Doyon, & T. Breyer. (Eds.), Normativity in Perception: New Directions in Philosophy and Cognitive Science (pp. 128-139). Palgrave Macmillan.; Fuchs, 2010aFuchs, T. (2010a). Phenomenology and Psychopathology. In D. Schmicking, & S. Gallagher (Eds.), Handbook of Phenomenology and Cognitive Science (pp. 547-575). Springer.). É isto o que permite que participemos dos contextos de sentido compartilhados da cultura e da sociedade e que elaboremos as nossas narrativas particulares em torno de nossas próprias experiências (Fuchs, 2013Fuchs, T. (2013). Temporality and psychopathology, Phenomenology & Cognitive Sciences, 12, 75-104. DOI 10.1007/s11097-010-9189-4.
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).

Uma hermenêutica dos regimes atencionais contemporâneos

A partir do que foi exposto, como compreender as possibilidades de sincronização do agente com um mundo social que coloca densas expectativas quanto à maximização da produção e da exploração das coisas e de si mesmo como um sujeito produtivo? Como vimos, o exercício ou desempenho atencional sempre se estrutura como uma resposta a demandas de uma situação social e como articuladas aos referenciais normativos de um grupo de referência. Essas solicitações podem ser lidas como exigências normativas inscritas nos códigos e nas relações sociais. Dentre elas, destacam-se a exigência por uma “múltipla atenção” (Türcke, 2016Türcke, C. (2016). Hiperativos!: abaixo a cultura do déficit de atenção. (José Pedro de Antunes, Trad.). Paz e Terra.), ou por uma “atenção multitarefa” (Han, 2017Han, B.-C. (2017). Sociedade do cansaço. (2a ed.; Enio Paulo Giachini, Trad.). Vozes.). Destaca-se, também, uma “lógica da interrupção” (Türcke, 2016, p. 49Türcke, C. (2016). Hiperativos!: abaixo a cultura do déficit de atenção. (José Pedro de Antunes, Trad.). Paz e Terra.), que necessita ser analisada em direito próprio. Predomina, nas sociedades contemporâneas, o tempo abstrato (Rosa, 2019Rosa, H. (2019). Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. Editora Unesp.), cujas unidades de sentido são segmentadas por um “espaço de tempo” delimitado segundo determinadas regras e convenções sem ser capaz de incluir a dinamicidade da experiência, com sua própria temporalização (Waldenfehls, 2010).

Para interpretar corretamente a estrutura da experiência atencional, especialmente em suas modificações atuais frente às normas dos optima relativos de nossa cultura, exige-se, portanto, uma formulação adequada e crítica da experiência social contemporânea. Em outros termos, é preciso uma hermenêutica centrada nos comportamentos dos seres aí situados e envolvidos. Ora, se o TDAH pode ser interpretado como uma forma de sensibilidade existencialmente significativa e singular, mais suscetível e vulnerável aos poderes dos estímulos do mundo da vida, cabe caracterizar, precisamente, esse correlato. Por um lado, pode-se tematizá-lo pela via do bombardeio de informações e de imagens da atual economia da atenção (Bueno, 2017Bueno, C. C. (2017). The Attention Economy: Labour, Time, and Power in Cognitive Capitalism. Rowman & Littlefield International.; Crary, 2016Crary, J. (2016). 24/7: Capitalismo tardio e os fins do sono. (Joaquim Toledo Jr., Tradução). UBU Editora.; Citton, 2017Citton, I. (2017). The Ecology of Attention. Polity Press.; Türcke, 2016Türcke, C. (2016). Hiperativos!: abaixo a cultura do déficit de atenção. (José Pedro de Antunes, Trad.). Paz e Terra.; Verissimo, 2019aVerissimo, D. S. (2019a). A crise cultural da atenção: repetição maquinal e choque de imagem, Psicol. USP, 30, e180179. DOI: 10.1590/0103-6564e180179.
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; 2019bVerissimo, D. S. (2019b). Fundamentos para a problematização da percepção e da atenção na contemporaneidade, Psicol. Soc., Belo Horizonte, 31, e183355. DOI: 10.1590/1807-0310/2019v31183355.
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). Por outro, pode ser, outrossim, caracterizado pelos descarrilamentos da temporalidade, como um mundo marcado por um vertiginoso processo de aceleração social, por meio do qual sobrepõem-se temporalidades e ritmos determinados sobre a variedade da vida temporal subjetiva. Tudo isto está em acordo com o que se destaca na descrição em primeira pessoa de Ladd e Churchill (2012)Ladd, P. D.; Churchill, A. (2012). Attention Deficit Hyperactive Disorder. In P. D. Ladd, & A. Churchill. Person-centered Diagnosis and Treatment in Mental Health: A Model for Empowering Clients (pp. 36-55). Jessica Kingsley Publishers. Por entendermos que esse segundo ponto foi pouco explorado pela literatura, mas tem sua importância sugerida para a psicopatologia por Fuchs (2010b)Fuchs, T. (2010b). The psychopathology of hyperreflexivity, Journal of Speculative Philosophy, 24(3), 239-255. DOI: 10.1353/jsp.2010.0010
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, vamos explorá-lo aqui em mais detalhes.

De acordo com Flaherty (1987)Flaherty, M. G. (1987). Multiple realities and the experience of duration, The Sociological Quarterly, 28(3), 313-326., existe um conjunto de expectativas de fundo que são violadas em diferentes experiências anômalas do tempo. Esse fato conduz à sugestão de que há um padrão normativo de temporalidade que confere ao mundo da vida a sua continuidade, como um padrão cultural compartilhado por um grupo social com os seus próprios pressupostos implícitos. Devemos nos encaixar às expectativas sociais para que sejamos capazes de interpretar e definir as nossas próprias condutas e as condutas de outrem, assim nos permitindo participar do fluxo contínuo das relações interpessoais. No momento em que há rupturas do aspecto normativo da familiaridade com o mundo da vida, os agentes são motivados a dar sentido a essas irrupções estranhas e lutam para apreender o significado interpessoal dessas experiências.

Em seu cotidiano, o sujeito precisa traduzir a sua duração vivida em termos convencionais de temporalidade, como segundos, minutos, horas, dias etc., para poder fixar o sentido de sua experiência em esquemas de interpretação coletivos. O critério coletivo fornece a medida dos sentimentos da situação e de sua estranheza. Eles permitem avaliar a divergência temporal diretamente vivida por uma pessoa. Porém, essa circunstância coloca-a em uma posição de hipervigilância quanto à dinâmica de sua própria experiência disruptiva. Aquilo que era tomado por óbvio, “na mão”, o encaixe regular entre a temporalidade subjetiva e a regularidade intersubjetiva, passa a ser um tópico de reflexão e de inspeção pelo agente quando ocorrem as situações de ruptura e de encontro de perspectivas divergentes. Isso implica um alargamento de seus sistemas de relevância e a exploração dos horizontes pelos quais a realidade é compreendida.

A vida cotidiana é regulada por normas quanto à quantidade de tempo que é alocada em cada situação. Segundo Flaherty (1987)Flaherty, M. G. (1987). Multiple realities and the experience of duration, The Sociological Quarterly, 28(3), 313-326., a referência da experiência temporal está nos encontros ordinários e interativos da situação cotidiana. Pois é a partir do controle atencional mútuo que os esquemas interpretativos da temporalidade são apreendidos e internalizados pelos agentes. Certamente, cada agente percebe, de início, que não há uniformidade entre as unidades regulares de tempo, sancionadas socialmente, e o volume de experiência contido por elas, contingente a cada situação. É imprescindível que domine o procedimento interpretativo de quanto volume de experiência é necessário para ter sucesso nas transações interpessoais, pois essa é uma faceta fundamental da conduta normativa dos encontros cotidianos. Se essas normas não forem respeitadas, o agente pode ser considerado “rude” (por exemplo, não dedicando tempo suficiente às suas relações de maior intimidade) ou “desajeitado” (por exemplo, no desrespeito de horários definidos para determinados compromissos). É, aliás, por meio dessas regras que o envolvimento mútuo é regulado em termos de normal, excessivo ou carente. Assim é regulado, também, o “volume típico de experiência interativa por unidade padronizada de tempo” (Flaherty, 1987, p. 324Flaherty, M. G. (1987). Multiple realities and the experience of duration, The Sociological Quarterly, 28(3), 313-326.). Cada compromisso ou atividade pode ter uma duração objetiva estipulada de acordo com os enquadramentos sociais.

Em seu estudo sobre temporalidade e psicopatologia, Fuchs (2013)Fuchs, T. (2013). Temporality and psychopathology, Phenomenology & Cognitive Sciences, 12, 75-104. DOI 10.1007/s11097-010-9189-4.
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destacou dois níveis de constituição da temporalidade e que são diferentemente impactados nos mais variados casos de psicopatologia. O autor indicou essas expectativas de ordem social sobre o tempo por meio do conceito de “tempo explícito”. Esse tempo é organizado por meio de objetividades estabelecidas intersubjetivamente, no mesmo sentido acima explorado com Flaherty (1987)Flaherty, M. G. (1987). Multiple realities and the experience of duration, The Sociological Quarterly, 28(3), 313-326.. Por meio dessas tipificações intersubjetivas, a própria biografia é constituída. Por outro lado, o autor indicou uma experiência temporal de ordem passiva, referida às sínteses transcendentais da experiência do tempo, nas sínteses da protenção e da retenção, e da dinâmica conativo-afetiva. A coerência e a continuidade básica da experiência subjetiva pré-reflexiva é garantida por essa temporalidade que o autor nomeou como “tempo implícito”. Psicopatologias como a esquizofrenia e a depressão melancólica apresentam uma ruptura na dimensão do tempo implícito.

Importante para a nossa discussão é, também, a teoria que o autor desenvolve sobre como o agente organiza, em sua experiência, as duas dimensões de tempo. Segundo a teoria de Fuchs (2013)Fuchs, T. (2013). Temporality and psychopathology, Phenomenology & Cognitive Sciences, 12, 75-104. DOI 10.1007/s11097-010-9189-4.
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, o agente necessita operar uma “dessincronização” de seu tempo implícito e subjetivo para adequar-se ao tempo social, compartilhado. Este último é formulado nos termos de um “poder independente” que “nos encara de fora” e que é de origem primordialmente social. Na terminologia da fenomenologia da atenção de Schütz (2011)Schütz, A. (2011). Reflections on the Problem of Relevance. In L. Embree (Ed.), Collected Papers V (pp. 93-200). Springer., trata-se de uma relevância interpretativa imposta, cujas tipificações são utilizadas pelo agente para segmentar e ordenar as suas próprias experiências subjetivas e construir planos de vida que, inclusive, podem ser compartilhados com outros seres humanos. Uma dificuldade na organização da temporalidade implícita, contudo, pode afetar, também, as chances de o agente participar da vida comum e de sua história. A constituição da intersubjetividade perpassa experiências de sincronização, em nível afetivo e passivo da experiência, e de dessincronização, no nível compartilhado das tipificações, de tal forma que tipificações compartilhadas se sobrepõem à minha experiência subjetiva de tempo.

Rosa (2019)Rosa, H. (2019). Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. Editora Unesp., porém, conceitua a “dessincronização” de forma bastante diferente. O seu foco não está na dessincronização entre o tempo subjetivo e o tempo compartilhado, mas nas estruturas institucionalizadas de tempo, com os seus sistemas de relevância dominantes, e a possibilidade de o agente entrar ou não entrar em acordo com elas. De acordo com Rosa (2019)Rosa, H. (2019). Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. Editora Unesp., os modelos e perspectivas temporais institucionalizados de forma sistêmica e os modelos e perspectivas dos agentes podem divergir, conduzindo “a um desencaixe e, com isso, a uma dessincronização de ambas as estruturas temporais” (p. 36). Estamos, aqui, autorizados a falar de uma dessincronização entre o tempo subjetivo, com sua própria constituição e relevância imanente, e o tempo compartilhado. A adequação, no sentido de um encaixe ou de um acompanhamento entre a dinâmica do próprio projeto existencial e os critérios sociais, encontra-se obstruída. Segundo ele, a experiência de fracasso desse acordo corresponde a um “desencaixe” temporal. Ora, segundo essa teoria, esse desencaixe pode ocorrer em casos psicopatológicos, como na depressão, citada por ele, mas também pode se suceder segundo uma fenomenologia correspondente à multiplicidade de sistemas de relevâncias particulares que podem ser sustentados em um dado momento de tempo em uma sociedade, sobretudo em função dos processos de aceleração moderna (ver Rosa, 2019, p. 298Rosa, H. (2019). Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. Editora Unesp.). De nosso ponto de vista, aqui, encontra-se inscrito o dilema de entrar em acordo com o mundo que é vivido, também, por aquele sujeito tipificado como desatento. Um desencaixe temporal e, com ele, a incapacidade de corresponder às demandas de um mundo veloz e recheado de estímulos pode ser, portanto, sugerido tanto para interpretar a sua situação existencial quanto também para colocar em suspenso a clareza imaginária da linha divisória entre o diagnóstico de TDAH e a experiência desatenta estruturante desse horizonte histórico.

Considerações finais

A partir desta investigação, podemos concluir que uma psicopatologia fenomenológica da atenção e da desatenção deve estar vigilante quanto à sua forma de conceituar e estruturar o fenômeno. Primeiramente, a investigação da atenção sob o signo da “desatenção” parece sugerir que o único caminho possível de análise se dá pela negatividade, como a “privação” de uma capacidade, ou como a obstrução de um acoplamento possível com o outro. Apesar de as descrições de Maiese (2012)Maiese, M. (2012). Rethinking attention deficit hyperactivity disorder, Philosophical Psychology, 25(6). DOI: 10.1080/09515089.2011.631998,
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, de Ceron-Litvoc (2012)Ceron-Litvoc, D. (2012). Análise fenomenológica da distração infantil, Psicopatologia Fenomenológica Contemporânea, 1(1), 149-157. DOI: https://doi.org/10.37067/rpfc.v1i1.1047.
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e de Ladd e Churchill (2012)Ladd, P. D.; Churchill, A. (2012). Attention Deficit Hyperactive Disorder. In P. D. Ladd, & A. Churchill. Person-centered Diagnosis and Treatment in Mental Health: A Model for Empowering Clients (pp. 36-55). Jessica Kingsley Publishers serem bastante sugestivas quanto à variedade da experiência atentiva, ocorre-lhes pouco que a estrutura do ser-no-mundo de pessoas com TDAH possa incluir, também, formas produtivas ou inventivas de responder às solicitações de seu mundo da vida e de fazer uso dos referenciais precários de seu grupo social e historicamente situado. Por outro lado, essas pesquisas sugerem, também, uma leitura interessante que, ao mesmo tempo, permite interrogar os limites da análise fenomenológica centrada na descrição da estrutura eidética da vivência atencional. Essa experiência subjetiva demonstra estar, desde o início, acoplada a um conjunto de referenciais de ordem social e histórica e, portanto, a um modo de produção (Franck, 2013). A referência a este fundo constituinte faz da psicopatologia fenomenológica, também uma hermenêutica do mundo da vida.

Somente a partir dessas indicações, por ora provisórias e fornecidas a título de uma propedêutica, torna-se possível compreender a experiência concreta do agente pós-moderno frente às demandas atencionais de sua situação biográfica. E somente dessa forma torna-se possível ligar a análise fenomenológica da atenção a uma economia afetiva e existencial inscrita na carne daqueles que trabalham e consomem. Como comenta Caliman (2012Caliman, L. V. (2012). Os regimes da atenção na subjetividade contemporânea, Arq. bras. psicol., 64(1), 2-17. Recuperado de: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672012000100002&lng=pt&nrm=iso>.
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, “a gestão ineficiente da atenção passa a ser o signo mais fiel do fracasso” (p. 7). O indivíduo urbanizado e colocado no contexto do trabalho tardo-moderno deve dispensar constante atenção à organização do conjunto de informações sociais, sobretudo quanto aos seus aspectos econômicos e suas exigências comportamentais. Ele é responsável por estar atento a todas as variações e organizar a sua vida para dela tirar o melhor proveito comercial e empresarial. Qualquer desvio à norma desta natureza é visto como um fracasso individual, uma irresponsabilidade, ou, ainda, como uma “deficiência” que pode ser inscrita no registro do funcionamento neurobiológico; enfim, como algo que deve ser “tratado” para garantir uma readaptação a esse conjunto de exigências. A necessidade de uma autorreflexividade garantidora da autogestão parece, portanto, empurrar os indivíduos para a hiperreflexividade. É à vigilância do psicólogo e do psiquiatra, portanto, que fazemos apelo ao colocar o fundo social como figura dos “transtornos atencionais”, tão facilmente naturalizados em uma linguagem neurobiológica.

Sem termos podido nos aprofundar na análise fenomenológica da atenção e das ricas e profundas contribuições de autores clássicos, deixamos como tarefa para pesquisas futuras a elaboração de uma antropologia da atenção que possa cumprir os requisitos tanto de descrever as formas particulares típicas e individuais de existência e de experiência atencional, em suas variações privativas e produtivas, quanto, também, de articulá-las significativamente com uma análise, ventilada pelo senso crítico e pela formulação teórica de maior alcance, do mundo da vida contemporâneo. Pois é no jogo de figura e fundo de nossas formulações teóricas que muitos dos pressupostos da pesquisa sobre a atenção e a desatenção podem ser reavaliados, reorganizados ou mesmo colocados em suspenso.

  • *1
    Trabalho parcialmente baseado na tese de doutorado do primeiro autor, defendida em 2020 no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista – Unesp, Campus de Assis.
  • 1
    Uma das questões importantes decorrentes deste ponto é, sem dúvida, aquela que se refere à ligação entre a fenomenologia e o programa de pesquisa da neurobiologia. Embora na próxima seção busquemos fornecer uma análise esquemática da confrontação entre os dois campos quanto à abordagem das funções executivas, não nos aprofundaremos nesse ponto. Em todo caso, gostaríamos de indicar ao leitor que a aproximação entre eles tem uma tradição que remonta, pelo menos, aos trabalhos, de V. von Weizsäcker, J. von Uexküll e K. Goldstein, os quais são abordados, de maneira bastante frutífera, nos trabalhos de Fuchs (2012Fuchs, T. (2012). Are mental illnesses diseases of the brain? (pp. 331-344). In Suparna Choudhury, & Jan Slaby (Eds), Critical Neuroscience: A Handbook of the Social and Cultural Contexts of Neuroscience. Blackwell Publishing.; 2018Fuchs, T. (2018). Ecology of the Brain. Oxford University Press.). Esse autor, aliás, propõe uma abordagem ecológica dos fenômenos cerebrais e mentais, a qual, sugerimos, pode ser bastante rica para o aprofundamento das questões abordadas em nosso estudo. Em particular, dê-se destaque para a sua tese de que os mais diversos transtornos mentais são malogros não apenas de origem orgânica, mas, também, daqueles apelos do mundo da vida e do entorno social ao qual o sujeito está sempre já integrado. Deste ponto de vista, uma perspectiva sistêmica dos transtornos mentais é afirmada por Fuchs (2012s)Fuchs, T. (2012). Are mental illnesses diseases of the brain? (pp. 331-344). In Suparna Choudhury, & Jan Slaby (Eds), Critical Neuroscience: A Handbook of the Social and Cultural Contexts of Neuroscience. Blackwell Publishing. da seguinte forma: “O transtorno final é o produto de uma cascata de influências subjetivas, neurológicas, sociais e ambientais que estão continuamente interagindo umas com as outras. Dentro dessas interações circulares, os cérebros agem como um órgão mediador, transformador e, também, amplificador, mas não como uma ‘causa monolinear’” (p. 342). O mesmo deve se aplicar ao TDAH e às questões relativas à atenção. A argumentação de Maiese (2012)Maiese, M. (2012). Rethinking attention deficit hyperactivity disorder, Philosophical Psychology, 25(6). DOI: 10.1080/09515089.2011.631998,
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    , que trazemos a seguir, está, a nosso ver, em acordo com as premissas básicas desta perspectiva ecológica ou sistêmica.
  • 2
    Em nosso texto, enfatizamos as variações atencionais que, em uma linguagem mais familiar à psicologia e à psiquiatria, poderiam ser reconhecidas como manifestações “atípicas”, sem, com isso, nos determos em seus aspectos “típicos”. Apesar desse recorte entre o típico e o atípico ter as suas próprias tensões epistemológicas inerentes, gostaríamos de indicar, de outro modo, que, onde quer que se reconheça o seu ponto de diferenciação, uma indicação deve ser feita quanto ao curso de desenvolvimento da atenção, pois somente com base nisso é que uma compreensão suficientemente ampla e holística do fenômeno pode ser construída tanto teórica quanto empiricamente. Ora, o enquadramento afetivo e toda a organização experiencial que descrevemos como sendo rompidas no processo de desatenção também se aplicam como estruturas da experiência atencional típica, ou do campo de consciência “puro”, considerado pela própria fenomenologia filosófica. Assim, abre-se para consideração a problemática de como o referencial fenomenológico considera a ontogenia no geral e, em particular, refere-se às diferentes influências pelas quais se dá o desenvolvimento humano. Nos últimos anos, têm-se apresentado diálogos interessantes entre o referido referencial, por um lado, e a Psicologia Ecológica, as Ciências Cognitivas e a Psicologia do Desenvolvimento, por outro (Szokolszky & Read, 2018Szokolszky, A., & Read, C. (2018). Developmental Ecological Psychology and a Coalition of Ecological–Relational Developmental Approaches. Ecological Psychology, 30(1), 6-38. https://doi.org/10.1080/10407413.2018.1410409.
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    ). Uma importante noção que deriva desses diálogos é, sem dúvida, a de que o desenvolvimento humano se dá através da construção flexível e aberta de “nichos”, que constituem “formas” mais ou menos estáveis e significativas e as quais se entrelaçam em uma matriz intersubjetiva de hábitos e práticas culturais (Stotz, 2010Stotz, K. (2010). Human nature and cognitive-developmental niche construction. Phenomenology and the Cognitive Sciences, 9(4), 483-501. https://doi.org/10.1007/s11097-010-9178-7.
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    ). Outra noção importante a ser destacada é a de que a atenção — e a cognição humana, no geral — está conectada a contextos sociais e ambientais de forma cíclica; e que, sendo assim, desde pelo menos a primeira infância ela se constrói por referência à atenção do outro socialmente relevante que posiciona o mundo como significativo para mim e dá a meus atos cognitivos um contexto ou horizonte de significação (Ramstead et al., 2016Ramstead, M. J. D., Veissière, S. P. L., & Kirmayer, L. J. (2016). Cultural affordances: Scaffolding local worlds through shared intentionality and regimes of attention. Frontiers in Psychology, 7(jul), 1-21. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2016.01090.
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    ). Esse paradigma se desdobra a partir do fenômeno que ficou conhecido como “atenção conjunta”. Os regimes atencionais, discutidos abaixo, podem ser entendidos como matrizes complexas que formatam os espaços e as modalidades de atenção conjunta ao longo de diferentes momentos do desenvolvimento humano. A relação e o impacto deles sobre os nichos deve ser avaliada empiricamente. Para uma perspectiva que dialoga com os aspectos evolutivos do assunto, veja-se Stutz (2014)Stutz, A. J. (2014). Embodied niche construction in the hominin lineage: Semiotic structure and sustained attention in human embodied cognition. Frontiers in Psychology, 5(Aug), 1-19. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2014.00834.
    https://doi.org/10.3389/fpsyg.2014.00834...
    . Concluímos esta linha de raciocínio argumentando que esses aspectos do desenvolvimento humano típico se comunicam com a perspectiva ecológica das facetas neurobiológicas abordadas na nota anterior.

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Editor/Editor: Prof. Dr. Nelson da Silva Jr.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2022
  • Revisado
    01 Mar 2022
  • Aceito
    23 Mar 2022
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