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Uma intervenção sutil: acompanhamento psicanalítico de pais e bebês prematuros*1 *1 Artigo baseado na tese acadêmica desenvolvida pela primeira autora, sob a orientação da segunda, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. A tese foi intitulada de Psicanálise e prematuridade: uma proposta de intervenção desde a UTIN até o primeiro ano de vida do bebê, sendo defendida em 2020. O trabalho está vinculado ao grupo de pesquisa “CER Bebê” do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Unisinos.

Subtle intervention: psychoanalytic follow-up of parents and premature babies

Intervention subtile: suivi psychanalytique de parents-bébés prématurés

Una intervención sutil: acompañamiento psicoanalítico de padres y bebés prematuros

O número de nascidos prematuros no país é alto e, embora as tecnologias das Unidades de Tratamento Intensivo Neonatal (UTINs) ampliem a sobrevivência, pode haver prejuízos. Além da urgência do corpo, há a subjetiva, pois são bebês separados dos pais, manuseados e submetidos a dolorosos procedimentos, carecendo de representações. Objetivou-se narrar o acompanhamento psicanalítico realizado com quatro bebês prematuros extremos e muito prematuros e seus pais a fim de favorecer a constituição psíquica desde a internação em UTIN até os seus 12 meses de vida. Realizou-se estudo qualitativo de casos múltiplos e síntese dos casos cruzados usando-se os Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI). Evidenciou-se a emergência de operações fundamentais para a constituição psíquica e a potencialidade do acompanhamento psicanalítico na promoção e prevenção em saúde mental.

Palavras-chave:
Prematuridade; acompanhamento psicanalítico; constituição psíquica; IRDI


Resumos

Brazil features a high number of premature births and although the technologies of the Neonatal Intensive Care Units (USINs) increase their survival, losses occur as well. In addition to the urgency of the body, there is also a subjective factor, as the babies are separated from their parents, handled, and subjected to painful procedures, lacking representations. This article describes a psychoanalytic follow-up involving four extremely premature and very premature babies and their parents to favor their psychic constitution from their admission to the USIN to 12 months of age. A qualitative study of multiple cases and a synthesis of crossed cases were performed using Clinical Child Development Risk Indicators (IRDIs). We highlight the emergence of fundamental operations for the constitution of the psyche and the potential of psychoanalytic monitoring in the promotion and prevention of mental health.

Key words:
Prematurity; psychoanalytic follow-up; psychic constitution; IRDI

Le nombre de naissances prématurées dans le pays est élevé, même si les Unités de Soins Intensifs Néonatals (USINs) augmentent la survie il y a la possibilité de quelques pertes. Au-delà de l’urgence du corps, il y a la subjectivité, tandis que les bébés sont séparés de leurs parents, sont manipulés et soumis à des procédures douloureuses, en absence des représentations. L'objectif est de faire le rapport du suivi psychanalytique de quatre bébés de prématurité extrême et grande, et ses parents, afin de favoriser la constitution psychique depuis l’admission dans l’USIN jusqu'à 12 mois de vie. L’étude réalisée dans le cadre de la recherche est une approche qualitative de cas multiples et une synthèse des cas qui ont été superposés à l’aide des Indicateurs Cliniques de Risque pour le Développement Infantile (IRDIs). La recherche a souligné l'urgence des opérations fondamentales pour la constitution psychique et la potentialisation des suivis psychanalytique en promouvoir la santé mentale et aussi dans la prévention.

Mots clés:
Prématurité; suivi psychanalytique; constitution psychique; IRDI


El número de nacidos prematuros en Brasil es alto y, aunque las tecnologías de las Unidades de Cuidados Intensivos Neonatales (UCIN) aumentan la supervivencia, puede haber daños. Además de la urgencia del cuerpo, también existe la subjetiva, porque los bebés son separados de sus padres, manipulados y sometidos a dolorosos procedimientos, careciendo de representaciones. Se buscó narrar el acompañamiento psicoanalítico realizado con cuatro bebés, prematuros extremos y muy prematuros, y sus padres, con el fin de favorecer la constitución psíquica desde la hospitalización en la UCIN hasta los 12 meses de vida. Se realizó un estudio cualitativo de casos múltiples y la síntesis de casos cruzados, utilizando los Indicadores de Riesgo para el Desarrollo Infantil (IRDI). Fue posible observar la aparición de operaciones fundamentales para la constitución psíquica y también la potencialidad del acompañamiento psicoanalítico en materia de promoción y prevención en salud mental.

Palabras clave:
Prematuridad; acompañamiento psicoanalítico; constitución psíquica; IRDI


Introdução

Um bebê é prematuro quando nasce antes da 37a semana de gestação (World Health Organization – WHO, 2018World Health Organization (2018). Preterm birth. <https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/preterm-birth>.
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). Não há uma causa única; acredita-se na interação de fatores de risco genéticos e ambientais, sendo mais comum diante de gravidez múltipla, infecções e condições crônicas maternas (Passini et al., 2014Passini, R., Cecatti, J. G., Lajos, G. J., Tedesco, R. P., Nomura, M. L., Dias, T. Z., ... Sousa, M. H. (2014). Brazilian Multicentre Study on Preterm Birth (EMIP): Prevalence and Factors Associated with Spontaneous Preterm Birth. PLoS ONE, 9(10): e0116843. https:/doi:10.1371/journal.pone.0109069.
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; WHO, 2018). Cerca de um a cada dez nascimentos são prematuros no mundo, correspondendo a 15 milhões por ano (WHO, 2018). No Brasil, estima-se que 10,6% dos nascimentos sejam prematuros (Chawanpaiboon et al., 2018Chawanpaiboon, S. et al. (2018). Global, regional, and national estimates of levels of preterm birth in 2014: a systematic review and modelling analysis. Lancet Glob Health, 7(1), e37-e46. https:/doi:10.1016/S2214-109X(18)30451-0.
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), o que o deixa em 10o lugar no ranking mundial (WHO, 2018). Felizmente, o avanço tecnológico das Unidades de Tratamento Intensivo Neonatal (UTINs) vem possibilitando que pequenos prematuros sejam reanimados, inclusive, sem sequelas orgânicas (Ribeiro, 2018Ribeiro, A. C. P. (2018). Articulações sobre os impactos psíquicos da vivência de dor na UTI neonatal nos bebês prematuros e a metapsicologia de Freud. In A. M. R. Vorcaro, L. C. Santos, & A. O. Martins (Eds.), O bebê e o laço social: uma leitura psicanalítica (pp. 185-203). Artesã Editora.; Vanier, 2013Vanier, C. (2013). Os mecanismos operantes no desenvolvimento psíquico do bebê prematuro e os riscos eventuais de patologia. In M.-C. Busnel, & R. G. Melgaço (Eds.), O bebê e as palavras: uma visão transdisciplinar sobre o bebê (E. Parlato-Oliveira, R. E. O. G. Kelly, J. H. B. Machado, & R. G., Melgaço, Trads.; pp. 49-58). Instituto Langage.).

Todavia, além da urgência corporal, há a urgência psíquica, pois os efeitos fantasmáticos no imaginário parental e as primeiras experiências do bebê na UTIN podem lhe deixar sem acesso a representações que o signifiquem e o acolham (Jerusalinsky, 2000Jerusalinsky, J. (2000). Do neonato ao bebê: a estimulação precoce vai à UTI neonatal. Estilos da Clínica, 5(8), 49-63. https:/doi.orq/10.11606/issn.1981-1624.v5i8p49-63.
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; Ribeiro, 2018Ribeiro, A. C. P. (2018). Articulações sobre os impactos psíquicos da vivência de dor na UTI neonatal nos bebês prematuros e a metapsicologia de Freud. In A. M. R. Vorcaro, L. C. Santos, & A. O. Martins (Eds.), O bebê e o laço social: uma leitura psicanalítica (pp. 185-203). Artesã Editora.). Esse bebê sofre uma série de manipulações em seu corpo, constantes intervenções, é exposto a uma superestimulação visual e auditiva, passa por uma série de exames e medicações questionando-se os efeitos psíquicos dessas experiências sensoriais (Jerusalinsky, 2000Jerusalinsky, J. (2000). Do neonato ao bebê: a estimulação precoce vai à UTI neonatal. Estilos da Clínica, 5(8), 49-63. https:/doi.orq/10.11606/issn.1981-1624.v5i8p49-63.
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; Ribeiro, 2018Ribeiro, A. C. P. (2018). Articulações sobre os impactos psíquicos da vivência de dor na UTI neonatal nos bebês prematuros e a metapsicologia de Freud. In A. M. R. Vorcaro, L. C. Santos, & A. O. Martins (Eds.), O bebê e o laço social: uma leitura psicanalítica (pp. 185-203). Artesã Editora.).

Para Santos e Vorcaro (2018)Santos, L. C., & Vorcaro, A. M. R. (2018). Implicações da doença e da hospitalização ao nascer. In A. M. R. Vorcaro, L. C. Santos, & A. O. Martins (Eds.), O bebê e o laço social: uma leitura psicanalítica (pp. 237-277). Artesã Editora. não há como prever como a experiência da UTIN marcará cada bebê, mas deve-se considerar estudos que apontam que o prematuro tem mais chances de ter problemas comportamentais, emocionais e psiquiátricos (Fevang et al., 2016Fevang, S. K. E., Hysing, M., Markestad, T., & Sommerfelt, K. (2016). Mental Health in Children Born Extremely Preterm Without Severe Neurodevelopmental Disabilities. Pediatrics, 137(4), e2015-3002. https:/doi:10.1542/peds.2015-3002.
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; Johnson & Marlow, 2014Johnson, S., & Marlow, N. (2014). Growing up after extremely preterm birth: Lifespan mental health outcomes. Seminars in Fetal & Neonatal Medicine, 19(2), 97-104. https:/doi:10.1016/j.siny.2013.11.004.
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; Laerum et al., 2017Laerum, A. M., Reitan, S. K, Evensen, K. A., Lydersen, S., Brubakk, A. M., Skranes, J., & Indredavik, M. S. (2017). Psychiatric Disorders and General Functioning in Low Birth Weight Adults: A Longitudinal Study. Pediatrics, 139(2): e20162135. https:/doi:10.1542/peds.2016-2135.
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; Lieshout et al., 2015Lieshout, R. J. V., Boyle, M. H., Saigal, S., Morrison, K., & Schmidt, L. (2015). Mental Health of Extremely Low Birth Weight Survivors in Their 30s. Pediatrics, 135(3), 453-459. https:/doi:10.1542/peds.2014-3143.
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; Lindstrom et al., 2009Lindstrom, K., Lindblad, F., & Hjern, A. (2009). Psychiatric morbidity in adolescents and young adults born preterm: a Swedish national cohort study. Pediatrics, 123(1), e47-53. https:/doi:10.1542/peds.2008-1654.
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; Linsell et al., 2016Linsell, L., Malouf, R., Johnson, S., Morris, J., Kurinczuk, J., & Marlow, N. (2016). Prognostic Factors for Behavioral Problems and Psychiatric Disorders in Children Born Very Preterm or Very Low Birth Weight: A Systematic Review. Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics, 37(1), 88-102. https:/doi:10.1097/DBP.0000000000000238.
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; Woodward et al., 2009Woodward, L. J., Moor, S., Hood, K. M., Champion, P. R., Foster-Cohen, S., Inder, T. E., & Austin, N. C. (2009). Very preterm children show impairments across multiple neurodevelopmental domains by age 4 years. Archives of Disease in Childhood – Fetal and Neonatal Edition, 94(5), F339–F344. https:/doi:10.1136/adc.2008.146282.
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). Não é preciso predizer danos psíquicos para prevenir problemas, pois a fragilidade física e a hospitalização colocam pais e bebês em sofrimento, razão suficiente para intervir (Santos & Vorcaro, 2018Santos, L. C., & Vorcaro, A. M. R. (2018). Implicações da doença e da hospitalização ao nascer. In A. M. R. Vorcaro, L. C. Santos, & A. O. Martins (Eds.), O bebê e o laço social: uma leitura psicanalítica (pp. 237-277). Artesã Editora.).

Em torno da noção de inconsciente, estabelece-se a vida psíquica, que não é efeito cronológico, mas sim organizadora das conquistas da criança quanto à maturação, ao crescimento e ao desenvolvimento (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.; Jerusalinsky, 2018Jerusalinsky, J. (2018). A especificidade do bebê e os tempos do sujeito (Prólogo). In A. M. R. Vorcaro, L. C. Santos, & A. O. Martins (Eds.), O bebê e o laço social: uma leitura psicanalítica (pp. 9-17). Artesã Editora.). Assim, uma intervenção precoce precisa considerar os aspectos orgânicos do bebê e a ordem simbólica (Jerusalinsky, 2018Jerusalinsky, J. (2018). A especificidade do bebê e os tempos do sujeito (Prólogo). In A. M. R. Vorcaro, L. C. Santos, & A. O. Martins (Eds.), O bebê e o laço social: uma leitura psicanalítica (pp. 9-17). Artesã Editora.). Deve-se conhecer o que é esperado nas produções espontâneas do bebê alertando-se quando os indicadores de referência não aparecem (Jerusalinsky, 2018Jerusalinsky, J. (2018). A especificidade do bebê e os tempos do sujeito (Prólogo). In A. M. R. Vorcaro, L. C. Santos, & A. O. Martins (Eds.), O bebê e o laço social: uma leitura psicanalítica (pp. 9-17). Artesã Editora.). É fundamental um acompanhamento a prematuros, na UTIN e após a alta, que se atente para a relação pais-bebê investigando indicadores que sinalizem a ocorrência da estruturação psíquica e, havendo sinais de risco, intervenha-se (Nieto & Bernardino, 2012Nieto, G., & Bernardino, L. M. F. (2012). Interação e atenção à família do recém-nascido pré-termo. In T. I. J. S. Riechi, & M. V. L. Moura-Ribeiro (Eds.), Desenvolvimento de crianças nascidas pré-termo (pp. 35-45). Revinter.).

Jerusalinsky (2018)Jerusalinsky, J. (2018). A especificidade do bebê e os tempos do sujeito (Prólogo). In A. M. R. Vorcaro, L. C. Santos, & A. O. Martins (Eds.), O bebê e o laço social: uma leitura psicanalítica (pp. 9-17). Artesã Editora. sugere o uso de indicadores de “risco-referência” no acompanhamento do desenvolvimento de bebês, apontando a ocorrência de operações essenciais à constituição psíquica que, caso não apareçam, norteiem intervenções precoces. Nessa perspectiva, tem-se os Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDIs)1 1 Utilizou-se o IRDI-20 por se tratar de bebês prematuros em orientação feita pelo psicanalista Alfredo Jerusalinsky durante o Curso de Capacitação IRDI (Centro Lydia Coriat, 2018). , que sinalizam a ocorrência das operações psíquicas por sinais observáveis e/ou dedutíveis nos 18 primeiros meses de vida (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.; Kupfer et al., 2009Kupfer, M. C. M., Jerusalinsky, A., Bernardino, L. M. F., Wanderley, D., Rocha, P. S. B., Molina, S. E., ... Lerner, R. (2009). Valor preditivo de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil: um estudo a partir da teoria psicanalítica. Latin American Journal of Fundamental Psychopathology, 6(1), 48-68. Retrieved from: <http://www.fundamentalpsychopathology.org.br/wp-content/uploads/2019/10/valor_preditivo_de_indicadores_clinicos_de_risco_para_o_desenvolvimento_infantil.pdf>.
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).

Os IRDIs apoiam-se na noção de constituição de sujeito, direcionando o olhar sobre o bebê (Pesaro, 2010Pesaro, M. E. (2010). Alcance e limites teórico-metodológicos da pesquisa multicêntrica de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil. Tese (Doutorado em Psicologia), Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-09112010-114133/publico/pesaro_do.pdf>.
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). Concebem o entrelaçamento entre os cuidados maternos2 2 O IRDI refere-se à mãe enquanto agente maternante ou cuidador primordial. e as produções do bebê, apoiando-se em quatro eixos teóricos que representam as principais operações formadoras do psiquismo (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.; Kupfer et al., 2009Kupfer, M. C. M., Jerusalinsky, A., Bernardino, L. M. F., Wanderley, D., Rocha, P. S. B., Molina, S. E., ... Lerner, R. (2009). Valor preditivo de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil: um estudo a partir da teoria psicanalítica. Latin American Journal of Fundamental Psychopathology, 6(1), 48-68. Retrieved from: <http://www.fundamentalpsychopathology.org.br/wp-content/uploads/2019/10/valor_preditivo_de_indicadores_clinicos_de_risco_para_o_desenvolvimento_infantil.pdf>.
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). O primeiro eixo, “Suposição do sujeito”, refere-se a uma antecipação materna porque o bebê não está, de início, constituído, necessitando ser suposto ou antecipado (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.; Kupfer et al., 2009Kupfer, M. C. M., Jerusalinsky, A., Bernardino, L. M. F., Wanderley, D., Rocha, P. S. B., Molina, S. E., ... Lerner, R. (2009). Valor preditivo de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil: um estudo a partir da teoria psicanalítica. Latin American Journal of Fundamental Psychopathology, 6(1), 48-68. Retrieved from: <http://www.fundamentalpsychopathology.org.br/wp-content/uploads/2019/10/valor_preditivo_de_indicadores_clinicos_de_risco_para_o_desenvolvimento_infantil.pdf>.
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). O segundo eixo, “Estabelecimento da demanda”, trata do ato de a mãe supor, nas primeiras reações involuntárias do bebê, um pedido dirigido a ela, colocando-se a responder (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.; Kupfer et al., 2009Kupfer, M. C. M., Jerusalinsky, A., Bernardino, L. M. F., Wanderley, D., Rocha, P. S. B., Molina, S. E., ... Lerner, R. (2009). Valor preditivo de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil: um estudo a partir da teoria psicanalítica. Latin American Journal of Fundamental Psychopathology, 6(1), 48-68. Retrieved from: <http://www.fundamentalpsychopathology.org.br/wp-content/uploads/2019/10/valor_preditivo_de_indicadores_clinicos_de_risco_para_o_desenvolvimento_infantil.pdf>.
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). A mãe “traduz” em palavras as ações do bebê e, concomitantemente, “traduz” em ações suas palavras (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.).

O terceiro eixo, “Alternância presença-ausência”, implica que a mãe não responda ao bebê apenas com sua presença ou ausência, mas que produza uma alternância (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.; Kupfer et al., 2009Kupfer, M. C. M., Jerusalinsky, A., Bernardino, L. M. F., Wanderley, D., Rocha, P. S. B., Molina, S. E., ... Lerner, R. (2009). Valor preditivo de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil: um estudo a partir da teoria psicanalítica. Latin American Journal of Fundamental Psychopathology, 6(1), 48-68. Retrieved from: <http://www.fundamentalpsychopathology.org.br/wp-content/uploads/2019/10/valor_preditivo_de_indicadores_clinicos_de_risco_para_o_desenvolvimento_infantil.pdf>.
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). Permite que surja a resposta do bebê experimentando-se como sujeito porque a ausência materna o obriga a simbolizar (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.; Kupfer et al., 2009Kupfer, M. C. M., Jerusalinsky, A., Bernardino, L. M. F., Wanderley, D., Rocha, P. S. B., Molina, S. E., ... Lerner, R. (2009). Valor preditivo de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil: um estudo a partir da teoria psicanalítica. Latin American Journal of Fundamental Psychopathology, 6(1), 48-68. Retrieved from: <http://www.fundamentalpsychopathology.org.br/wp-content/uploads/2019/10/valor_preditivo_de_indicadores_clinicos_de_risco_para_o_desenvolvimento_infantil.pdf>.
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). O quarto eixo, “Função paterna (alterização)”, refere-se à renúncia das satisfações imediatas que surgiam do seu corpo e da relação com a mãe, identificando a criança na sexualidade, nas gerações e na cultura (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.; Kupfer et al., 2009Kupfer, M. C. M., Jerusalinsky, A., Bernardino, L. M. F., Wanderley, D., Rocha, P. S. B., Molina, S. E., ... Lerner, R. (2009). Valor preditivo de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil: um estudo a partir da teoria psicanalítica. Latin American Journal of Fundamental Psychopathology, 6(1), 48-68. Retrieved from: <http://www.fundamentalpsychopathology.org.br/wp-content/uploads/2019/10/valor_preditivo_de_indicadores_clinicos_de_risco_para_o_desenvolvimento_infantil.pdf>.
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). A separação (simbólica) não deixa que o bebê fique como objeto de gozo materno possibilitando-lhe usar a linguagem na função simbólica buscando novas formas de substituição (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.; Kupfer et al., 2009Kupfer, M. C. M., Jerusalinsky, A., Bernardino, L. M. F., Wanderley, D., Rocha, P. S. B., Molina, S. E., ... Lerner, R. (2009). Valor preditivo de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil: um estudo a partir da teoria psicanalítica. Latin American Journal of Fundamental Psychopathology, 6(1), 48-68. Retrieved from: <http://www.fundamentalpsychopathology.org.br/wp-content/uploads/2019/10/valor_preditivo_de_indicadores_clinicos_de_risco_para_o_desenvolvimento_infantil.pdf>.
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).

O IRDI não é um questionário de verificação de indicadores, sendo um instrumento de leitura clínica de acompanhamento da constituição psíquica (Kupfer & Bernardino, 2018Kupfer, M. C. M., & Bernardino, L. M. F., (2018). IRDI: um instrumento que leva a psicanálise à polis. Estilos da Clínica, 23(1), 62-82. https:/doi:10.11606/issn.1981-1624.v23i1p62-82.
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). Essa leitura parte do conhecimento dos tempos lógico e cronológico da constituição psíquica, demarcando o esperado em cada fase do bebê, aliada à escuta parental e ao marco sociocultural (Jerusalinsky, 2018Jerusalinsky, J. (2018). A especificidade do bebê e os tempos do sujeito (Prólogo). In A. M. R. Vorcaro, L. C. Santos, & A. O. Martins (Eds.), O bebê e o laço social: uma leitura psicanalítica (pp. 9-17). Artesã Editora.). Isso ocorre porque as produções do bebê surgem como resposta ao seu Outro,3 3 O Outro é o lugar onde se articula a palavra inconsciente permitindo o reconhecimento do sujeito, não sendo um elemento da realidade e diferenciando-se do outro do imaginário (Lacan, 1955-56/2008). só tendo sentido em seu contexto (Jerusalinsky, 2018Jerusalinsky, J. (2018). A especificidade do bebê e os tempos do sujeito (Prólogo). In A. M. R. Vorcaro, L. C. Santos, & A. O. Martins (Eds.), O bebê e o laço social: uma leitura psicanalítica (pp. 9-17). Artesã Editora.).

Mariotto (2016)Mariotto, R. M. (2016). O Instrumento IRDI no campo da saúde. Aplicações, implicações e reflexões. In M. Kamers, H. H. Marcon, & M. L. Moretto (Eds.), Desafios Atuais das Práticas em Hospitais e nas Instituições de Saúde (pp. 183-201). Escuta. valoriza a ampliação do uso do IRDI e seu papel no campo da saúde, o qual pode auxiliar na detecção de risco psíquico e na promoção da saúde mental. O terapeuta, através de seu olhar, escuta e palavra, pode sustentar o exercício parental e, inclusive, reestruturar a relação com o bebê (Nieto & Bernardino, 2012Nieto, G., & Bernardino, L. M. F. (2012). Interação e atenção à família do recém-nascido pré-termo. In T. I. J. S. Riechi, & M. V. L. Moura-Ribeiro (Eds.), Desenvolvimento de crianças nascidas pré-termo (pp. 35-45). Revinter.).

Intervenções precoces em UTIN buscam sustentar o discurso parental posto em ato diante da produção do bebê lendo-se os efeitos disso nele (Jerusalinsky, 2000Jerusalinsky, J. (2000). Do neonato ao bebê: a estimulação precoce vai à UTI neonatal. Estilos da Clínica, 5(8), 49-63. https:/doi.orq/10.11606/issn.1981-1624.v5i8p49-63.
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). O acompanhamento de bebês expressa-se como “seguir”, “estar ao lado”, “olhar” e “escutar”; logo, um acompanhamento no primeiro ano de vida de prematuros egressos da UTIN atua quando a estruturação psíquica está em curso, podendo evitar a instalação de patologias que exigiriam tratamentos futuros (Batista, 2016Batista, C. A. M. (2016). Por um bom início – Acompanhamento de bebês. In M. C. Kupfer, & M. Szejer (Eds.), Luzes sobre a clínica e o desenvolvimento de bebês: novas pesquisas, saberes e intervenções (2a ed.; pp. 54-62). Instituto Langage.).

Partindo disso, objetivou-se narrar o acompanhamento psicanalítico realizado com pais e bebês prematuros extremos e muito prematuros a fim de favorecer sua constituição psíquica desde a internação em UTIN até os seus 12 meses de vida.

Método

Estudo inserido na Plataforma Brasil, com parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa n. 2.616.567 e aprovado sob n. CAAE 86671018.6.0000.5344. Foi aprovado pelo Hospital co-partícipe e seguiu as recomendações da Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2016Brasil (2016). Resolução n. 510, de 7 de abril de 2016. http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
). Teve enfoque qualitativo visando compreender e aprofundar os fenômenos pelo ponto de vista dos participantes (Sampieri et al., 2013Sampieri, H. R., Collado, F. C., & Lucio, P. B. M. (2013). Metodologia de pesquisa (5a ed,; D. V. de Moraes, Trad.). Penso.). Utilizou-se a pesquisa longitudinal para coletar os dados em períodos que tentam inferir sobre possíveis mudanças ao longo do tempo, seus determinantes e consequências (Sampieri et al., 2013Sampieri, H. R., Collado, F. C., & Lucio, P. B. M. (2013). Metodologia de pesquisa (5a ed,; D. V. de Moraes, Trad.). Penso.).

Local de pesquisa e participantes

O estudo foi realizado na UTIN de um Hospital do interior do Rio Grande do Sul, que possui dez leitos e recebe bebês de até 28 dias. Acompanharam-se quatro bebês prematuros extremos (<28 semanas) e muito prematuros (28 a 32 semanas) e seus pais. Os bebês tinham que ter até quatro meses incompletos (primeira fase do IRDI), residir na cidade da UTIN e não apresentar fortes indícios de possíveis sequelas futuras (exemplo: síndromes ou sequelas neurológicas graves). Os pais tinham que ser maiores de 18 anos de idade e não terem comprometimentos cognitivos e/ou psicopatológicos severos (identificados no contato direto) que viessem a interferir no acompanhamento. Na Figura 1, apresenta-se a caracterização geral dos pais participantes e, na Figura 2, a caracterização dos bebês quanto aos aspectos clínicos.

Figura 1
CARACTERIZAÇÃO GERAL DOS PAIS
Figura 2
CARACTERIZAÇÃO DOS BEBÊS QUANTO AOS ASPECTOS CLÍNICOS

Procedimentos e instrumentos

Após a aprovação da pesquisa, contataram-se pais e bebês explicando a pesquisa, assim como convidando-os para participar do acompanhamento. Quando aceito, assinou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e preencheu-se a Ficha de Dados Obstétricos e Sociodemográficos da Família. Logo, iniciou-se o acompanhamento semanal durante todo o período de internação (sete a 12 encontros) do bebê e, após sua alta, coletaram-se dados clínicos no Prontuário Médico padrão da UTIN.

Os encontros pós-alta (cinco a oito encontros) aconteceram em local escolhido pela família, em sua maioria, nas residências ou nos serviços de saúde que os bebês frequentavam. Previram-se cinco encontros com cada bebê, porém alguns foram vistos mais vezes devido às demandas surgidas. Eram agendados e duravam entre 30 e 60 minutos. O acompanhamento ocorreu entre setembro de 2018 e dezembro de 2019. Durante o acompanhamento utilizou-se o instrumento de Diário de campo para registrar, ao final de cada encontro, as percepções da pesquisadora.

No decorrer do acompanhamento, o IRDI-20 foi utilizado como um dispositivo de leitura clínica que norteou o comparecimento das operações fundantes do psiquismo e auxiliou nas ações da psicóloga. Os bebês foram avaliados pelo instrumento nas fases I (0-4 meses incompletos), II (4-8 meses incompletos) e III (8-doze meses incompletos) havendo dois momentos de observação em cada fase, conforme a indicação de uso do IRDI (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.). Os bebês foram avaliados por sua idade cronológica. Os indicadores do IRDI não serão abordados no estudo, pois ele foi utilizado como um norteador da escuta e não um check list buscando-se conversar com os pais, observar a interação pais-bebê e fazer uma leitura do que se percebeu (Kupfer & Bernardino, 2018Kupfer, M. C. M., & Bernardino, L. M. F., (2018). IRDI: um instrumento que leva a psicanálise à polis. Estilos da Clínica, 23(1), 62-82. https:/doi:10.11606/issn.1981-1624.v23i1p62-82.
https:/doi:10.11606/issn.1981-1624.v23i1...
).

Análise dos dados

Utilizou-se a proposta de estudo de casos múltiplos de Yin (2015)Yin, R. K. (2015). Estudo de caso: planejamentos e métodos (5a ed.; C. M. Herrera, Trad.). Bookman.. Os casos foram construídos individualmente integrando-se os dados obtidos de todos os instrumentos, fundamentalmente, do Diário de Campo. Inicialmente, apresenta-se uma síntese dos acompanhamentos. A seguir, expõe-se a Síntese dos Casos Cruzados, privilegiando-se a análise dos aspectos comuns e divergentes em cada um dos eixos de análise. Considerou-se a investigação em profundidade, as condições ao longo do tempo e as condições contextuais (Yin, 2015Yin, R. K. (2015). Estudo de caso: planejamentos e métodos (5a ed.; C. M. Herrera, Trad.). Bookman.). Os casos foram contextualizados e organizados a partir dos quatro eixos teóricos fundamentais para a constituição psíquica, anteriormente citados.

Resultados e Discussão

Os elementos que serão apresentados foram os que mais emergiram na fala dos pais e nas observações ao longo do acompanhamento. Salienta-se que os nomes dos bebês são fictícios. A narração será apresentada em primeira pessoa por se tratar da experiência desenvolvida pela primeira autora.

Caso 1 – Antônio

O acompanhamento inicia-se quando Antônio tem cinco dias, momento em que os pais estão fragilizados pela piora dos gêmeos. Permanecem pouco na UTIN por acharem que “é lugar de visita4 4 As falas dos pais foram destacas em itálico e entre aspas. e para evitar “só notícias ruins”. Com sete dias, o irmão falece (fala-se pouco nele) e Antônio segue grave. Buscava falar com o bebê dando-lhe lugar nas conversas (nem sempre os pais falam com ele) e traduzir suas manifestações. Escutava e acolhia os pais, algumas vezes, longe do bebê por estarem chorosos.

Com um mês de vida, ganha o primeiro colo e, com quase dois, é transferido de cidade para cirurgias, interrompendo-se o acompanhamento por três semanas. Os pais voltam seguros para cuidar do filho, identificam preferências, sabem alimentá-lo (“afoga-se”) e acalmá-lo. Na UTIN (12 encontros) visava-se sustentar as funções parentais, sobretudo, quando questionavam a capacidade de cuidá-lo. A mãe diz que falar ali os preparava para “falar lá fora” com os outros.

Após a alta (cinco encontros), uma das preocupações era a necessidade dos pais de “estimular” para “compensar o provável déficit” no desenvolvimento. Valorizo as interações e brincadeiras espontâneas e aponto-lhes os progressos dele (exemplo: capacidade de sorrir, vocalizar, responder e chamar o outro). Os pais, embora vinculados, racionalizavam tentando não expor fraquezas, com pouca abertura para intervenções. Eram tantos olhares sobre Antônio (seis profissionais) que o acompanhamento era mais um. Ademais, mantiveram-se unidos e com apoio familiar.

Caso 2 – Bruno

O acompanhamento de Bruno inicia-se próximo a completar um mês (sete encontros) e o contato era com a mãe (o pai ia à noite na UTIN). A gestação foi descoberta aos quatro meses, sendo bem aceita. O primeiro colo ocorreu com 43 dias de vida, contudo, tem uma piora e é suspenso. A mãe tem conhecimento na área da saúde, angustiando-se em assistir os procedimentos, pela equipe dar colo e banho no bebê (“difícil não poder fazer o mesmo”), bem como, pelas “restrições” da UTIN (exemplo: ter que sair nas trocas de plantões e em alguns procedimentos).

A mãe falava com Bruno (e por ele), contava-lhe da família, traduzia seus movimentos e nomeava-o como “esperto” (“não para nunca”) sentindo-se segura ao iniciar os cuidados. Bruno buscava o olhar e interessava-se pelas conversas. Participavam do Método Canguru5 5 Visa favorecer o cuidado ao recém-nascido e à família promovendo sua participação nos cuidados, também inclui o contato pele a pele indo do toque à posição canguru (Ministério da Saúde, 2017). e do grupo de musicoterapia,6 6 Grupo conduzido por uma musicoterapeuta, em que cantavam para os bebês e rememoravam músicas da própria infância das mães. assim, muitos encontros ocorreram com outras díades. Colocava-me ao lado deles, apoiando-os nos cuidados maternos e durante a amamentação (momento difícil) com poucas intervenções verbais.

O pai participou do acompanhamento pós-alta (5 encontros); o casal mostra-se unido e revezava-se nos cuidados. Consideravam Bruno um “bebê fácil e feliz”, sendo “mais adiantado” que os outros (exemplo: firmou-se cedo, dançava e brincava). Houve preocupação no inverno devido à “fragilidade respiratória” do bebê, com medo que adoecesse e fosse internado. No acompanhamento, os pais não demandaram da psicóloga, sendo para eles um espaço de escuta, especialmente na UTIN. Ao final, verbalizam que os deixou mais seguros quanto ao desenvolvimento do filho, parecendo significar um olhar sobre o bebê.

Caso 3 – Caio

O acompanhamento de Caio na UTIN (oito encontros) inicia-se aos 13 dias de vida e o primeiro colo ocorre com 25 dias. O contato maior é com a mãe (o pai teve uma “experiência horrível com UTI” permanecendo pouco tempo). Mostravam-se vinculados ao bebê, interpretavam seus movimentos (exemplo: “está sonhando”, “está assustado”), falavam com ele e por ele, contavam do “mundo lá fora” e faziam planos. O casal era unido e fortalecido, mas ansiosos, mobilizando a equipe da UTIN com questionamentos. Havia superexpectativa acerca do filho. Sentiam-se “visitas” na UTIN e incomodavam-se com as restrições.

Quando Caio piorou, a mãe quis afastar-se (para que não a visse “triste” e “chorando”), então, a auxilio na aproximação incentivando que expresse para ele o que sente. Posteriormente, se dá conta de que eles (pais) “o pressionam” para que melhore rápido. Trabalhei com a mãe acerca de sua preocupação em dar “colo demais” e vir a ser prejudicial quando precisasse trabalhar. Quando inicia os cuidados, a mãe mostra-se segura e calma. Participam do Método Canguru e do grupo de musicoterapia, porém o contato continua individualizado, pois há poucas mães participando. A demora pela alta deixou os pais ansiosos, mas, na proximidade da ida sentem-se inseguros para cuidar do bebê.

No acompanhamento pós-alta (seis encontros) os pais demandam-me ativamente. Surge preocupação que Caio os culpe por terem o “abandonado” na UTIN ou que ela “deixe marcas” trabalhando-se a ideia de “reconstruir” sua história. É inserido na escola aos oito meses e, por vezes, a avó o cuida. Por ser “inquieto” e “agitado”, temem hiperatividade e “sequelas” da prematuridade. Referem que tiveram “sorte” de ter o acompanhamento, que os encontros os faziam refletir e valorizar as conquistas do filho.

Caso 4 – Daniela

O acompanhamento inicia-se quando Daniela tem 23 dias de vida (oito encontros na UTIN). Teve uma irmã gêmea, que faleceu no 3o dia de vida. Os pais ficam pouco na UTIN (o pai viaja e diz que “não consegue ficar muito” no ambiente hospitalar). De início, a mãe fala pouco e em tom de voz baixo com a filha. Após dar o primeiro colo (com 37 dias), a mãe fica mais tempo na UTIN. Comumente, a mãe utilizava o espaço de escuta para falar da vida fora da UTIN (filhos, casa e trabalho). Com o tempo e a melhora da bebê, preocupa-se em como conciliar a atenção entre os filhos, como se já conseguisse imaginar Daniela fora da UTIN. A tentativa da mãe de dar lugar à filha falecida perpassa o acompanhamento (a mãe, até, troca os nomes), lugar que o pai evitava encontrar.

No acompanhamento pós-alta (oito encontros), a mãe encontra-se, frequentemente, triste, cansada, estressada com a rotina e imersa no seu luto. Indiquei psicoterapia, mas só encontra espaço para pensar nisso ao final do acompanhamento. Os encontros são difíceis porque as outras crianças nos demandam muita atenção. Aos sete meses da bebê, a mãe parece deprimida e desamparada, falando sobre a perda da outra filha e revivendo um episódio traumático na gestação. Daniela teve vários problemas de saúde, três reinternações, diversas idas ao pronto atendimento e consultas. A mãe tem dificuldade de seguir as orientações médicas (exemplo: antecipa a introdução alimentar). A dupla interage menos, a bebê tem olhar triste, entretanto, responde à minha convocação. A rede de apoio é fraca, o casal é pouco fortalecido, e o pai não auxilia nos cuidados. Surge um alerta quanto às operações fundantes do psiquismo.7 7 Indicadores ausentes: 7 (IRDI-20) – A criança utiliza sinais diferentes para expressar suas diferentes necessidades, 8 (IRDI-20) – A criança solicita a mãe e faz um intervalo para aguardar sua resposta, e 9 (IRDI-20) – A mãe fala com a criança dirigindo-lhe pequenas frases (Centro Lydia Coriat, 2018).

Na reavaliação, observaram-se todos os indicadores presentes. Todavia, a orientação de uso do IRDI é que, mesmo quando presentificados, faça-se, no mínimo, dois retornos (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.). Nas reavaliações, Daniela estava internada, debilitada, dormindo quase todo o tempo, os pais estavam preocupados e tristes. Os IRDIs não puderam ser verificados e uma avaliação nesse contexto seria reducionista. Após a alta e sua melhora clínica, os indicadores continuam presentes.

Posteriormente, a mãe fortalece-se, retoma projetos profissionais e pensa na filha “como uma criança normal”. Próximo de completar um ano, Daniela sorri, faz gracinhas, fala palavrinhas e convoca o outro, embora a mãe pareça deprimida. O acompanhamento pós-alta ajudava a mãe a (re)formular questões acerca do casamento e sustentá-la para que sustentasse a filha, também, sustentava a posição da bebê diante da mãe. Solicitava-me bastante, como uma espécie de presença; frequentemente, sem nada questionar. Ao final, diz que lhe “trazia tranquilidade” por “conseguir falar de assuntos difíceis” ajudando-a a “repensar as coisas”.

Síntese dos casos cruzados

Apresenta-se, nas Figuras 3 e 4, quadros-síntese elaborados pelas autoras e baseado nas operações fundamentais para a constituição psíquica (IRDI), com fragmentos clínicos que ilustram seu comparecimento. Exibe uma síntese do propósito das intervenções pais-bebê por eixo, elucidando o acompanhamento psicanalítico na UTIN e no período pós-alta. As intervenções eram sutis e visavam favorecer o exercício parental e a constituição psíquica do bebê. Pesaro (2010)Pesaro, M. E. (2010). Alcance e limites teórico-metodológicos da pesquisa multicêntrica de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil. Tese (Doutorado em Psicologia), Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-09112010-114133/publico/pesaro_do.pdf>.
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salienta que, mesmo separados, os eixos surgem simultaneamente e um determina, retroativamente, o outro. Posteriormente, apresenta-se a discussão conjunta dos casos orientada pelos eixos teóricos do IRDI, também, com fragmentos clínicos ilustrativos de seu comparecimento e de intervenções realizadas durante o acompanhamento na UTIN e no período pós-alta.

Figura 3
SÍNTESE DAS OPERAÇÕES PSÍQUICAS E INTERVENÇÕES REFERENTES AOS EIXOS I E II DO IRDI
Figura 4
SÍNTESE DAS OPERAÇÕES PSÍQUICAS E INTERVENÇÕES REFERENTES AOS EIXOS III E IV DO IRDI

1) Suposição de um sujeito

Durante a internação, nos quatro casos, os pais identificavam características físicas suas (ou de familiares) no bebê (exemplo: “É a minha cara”, “O nariz é da minha família”), mostravam-se vinculados, faziam uso do manhês,8 8 Língua usada pela mãe, com registro de voz mais alto, maior ritmo prosódico e contornos de entonação, maior frequência de repetições contendo informações afetivas que convocam o bebê (Laznik, 2011). olhavam e tocavam (mesmo na incubadora) no bebê. Nomeavam as manifestações do bebê (exemplo: franzir a testa, mexer-se na incubadora) como tendo intenções ou indicando preferências (exemplo: “Não gosta de ser colocado desse lado”). Observou-se a percepção dos pais de que o bebê respon`dia quando se aproximavam da incubadora ou falavam e, até mesmo, interpretavam desconforto nos bebês quando se despediam (exemplo: “Tá, não chora! Depois a mãe vem!”).

Laznik (2016)Laznik, M. C. (2016). Podemos pensar uma clínica do nó borromeo que distingue a psicose do autismo nos bebês? In M. C. Laznik, B. Touati, & C. Bursztein (Eds.), Distinção clínica e teórica entre autismo e psicose na infância (pp. 27-56). Instituto Langage., em referência ao Esquema Ótico de Bouasse em Lacan, situa que o olhar dos pais9 9 Não se trata dos pais da realidade, mas dos pais no exercício das funções parentais. faliciza o bebê o tomando como His Majesty the Baby fazendo surgir a ilusão antecipadora que permite que vejam no bebê além de um organismo (Real) inserindo-o no registro pulsional. Posteriormente, esse olhar servirá como espelho para o bebê (Laznik, 2016Laznik, M. C. (2016). Podemos pensar uma clínica do nó borromeo que distingue a psicose do autismo nos bebês? In M. C. Laznik, B. Touati, & C. Bursztein (Eds.), Distinção clínica e teórica entre autismo e psicose na infância (pp. 27-56). Instituto Langage.). O narcisismo dos pais é colocado à prova diante do filho prematuro frágil, que está na incubadora cercado de aparelhos, distanciando-se do bebê sonhado, em que podiam se reconhecer (Mathelin, 1999Mathelin, C. (1999). O sorriso da Gioconda (P. Abreu, Trad.). Cia. de Freud.). Contudo, nos casos, mesmo com os entraves da prematuridade e da UTIN, foi possível aos agentes parentais, num ato de antecipação, ver um sujeito no bebê. Segundo Kupfer et al. (2009)Kupfer, M. C. M., Jerusalinsky, A., Bernardino, L. M. F., Wanderley, D., Rocha, P. S. B., Molina, S. E., ... Lerner, R. (2009). Valor preditivo de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil: um estudo a partir da teoria psicanalítica. Latin American Journal of Fundamental Psychopathology, 6(1), 48-68. Retrieved from: <http://www.fundamentalpsychopathology.org.br/wp-content/uploads/2019/10/valor_preditivo_de_indicadores_clinicos_de_risco_para_o_desenvolvimento_infantil.pdf>.
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, isso fará com que o bebê busque corresponder ao que se espera dele.

A aproximação e vinculação dos pais ao bebê foi gradual. Notou-se que a maior permanência dos pais na UTIN, maior direcionamento ao bebê falando com ele e, sobretudo, por ele, ocorreu após melhora no quadro clínico. O pai de Antônio verbaliza que “conseguiam ficar mais tempo depois que ele começou a ter uma reação” (exemplo: mexer-se, abrir os olhos), inclusive, as mães referiram que, após a prescrição do colo (forma tratada na UTIN), “não tinham vontade de ir embora da UTIN”. Nos primeiros dias, Antônio, Caio e Daniela estavam entubados, o que obstaculiza o contato porque os bebês pouco se movimentavam e seus sons (exemplo: choro e tosse) não podiam ser ouvidos pelos pais e tomados como tentativas de interação.

Assim como os pais precisam investir no bebê, necessitam ser por ele investidos. Isso, em prematuros, pode ser mais demorado pela imaturidade biológica (menos ativo, tem respostas mais lentas, coberto de equipamentos etc.). Marchetti e Moreira (2015)Marchetti, D., & Moreira M. C. (2015). Vivências da Prematuridade: a aceitação do filho real pressupõe a desconstrução do bebê imaginário? Revista Psicologia e Saúde, 7(1), p. 82-89. Retrieved from: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-093X2015000100011>.
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mencionam que a proximidade com o bebê requer tempo, sendo influenciada por sua evolução clínica, ganho de peso, diminuição de medicamentos e equipamentos, pelas notícias médicas mais positivas e pelas repostas do bebê.

Elucidam-se essas questões com Daniela, que, após a morte de sua irmã gêmea continua grave, dormindo a maior parte do tempo. A mãe permanecia quieta e entristecida ao lado da incubadora falando-lhe baixinho. Ao chegar, dirigia-me à bebê sinalizando pequenos progressos em tom de manhês (exemplo: ganho de peso, movimentos), o que fazia a mãe sorrir e olhá-la.

Nos encontros pós-alta, essa operação continuou sendo evidenciada através das trocas interativas observadas entre pais-bebês, que usavam manhês, trocavam olhares e seguiam traduzindo as produções do bebê. Mesmo que a chegada em casa tenha sido difícil para todos os pais, principalmente no Caso 1 (chorava, apresentava desconforto respiratório) e no Caso 4 (“afogava-se” pelo Refluxo, difícil rotina materna), os pais foram apropriando-se dos cuidados dos(a) filhos(a), mostrando-se mais seguros. No decorrer do acompanhamento, os pais foram deixando os protocolos médicos (exemplo: cuidados excessivos para a criança “não pegar vento” ou “não ser contaminada”) e encontrando uma forma particular de cuidar o(a) filho(a).

É árduo o trabalho dos pais de prematuros que devem investir em um filho com o risco de perdê-lo, não podem carregá-lo nos braços, vestem trajes esterilizados como profissionais e, muitas vezes, sentem-se inúteis e responsáveis pelo que acontece ao bebê (Druon, 1999Druon, C. (1999). Ajuda ao bebê e aos seus pais em terapia intensiva neonatal. In D. B. Wanderley (Ed.), Agora eu era o rei: Os entraves da prematuridade (2a ed.; pp. 35-54). Ágalma.). Quando há entraves no suposto saber parental não permitindo que vejam no bebê mais do que um corpo frágil e máquinas que o mantém vivo, deve-se intervir (re)situando os pais diante do filho que carece de significações.

Após a alta, o favorecimento deste eixo aparece na sessão de fisioterapia de Antônio (três meses), que chorava angustiando a mãe que repetia: “Eu não vou aguentar” (por vê-lo chorar “sem poder fazer nada”). Dirijo-me a ele lendo seu mal-estar e, inclusive, o da mãe. Acalma-se, mas retoma a “queixa”. Solicito pausar a sessão propondo à mãe que tente acalmá-lo. A mãe o pega, fala com ele fazendo-o parar de chorar. As sessões seguem difíceis e, além de escutá-la, propus que pensasse com a fisioterapeuta como minimizar o sofrimento dos dois (exemplo: fazendo pausas na sessão, colocando-se à frente do bebê falando com ele), que antecipasse ao filho a sessão dizendo-lhe que o ajudaria a brincar, a sentar e a caminhar). Esperava-se sustentar a capacidade materna de traduzir as produções e cuidar do bebê, sem deixá-lo como objeto de cuidados médicos.

2) Estabelecimento da demanda

No período em que os bebês estavam na UTIN, a expressão desse eixo foi observada nas cenas em que todos os bebês acompanhados se mostravam receptivos ao outro, acalmando-se com a fala, toque e colo. Por serem pequenos prematuros e serem, cotidianamente, submetidos a manuseios, intervenções dolorosas, sons e luzes invasivas, merecem cuidado especial quanto à forma de aproximação e contato. Incentivou-se o contato gradativo dos pais ajudando-os antecipar ao bebê sua chegada e a identificar suas respostas (exemplo: observarem como gostavam ou não de serem tocados). Quando os pais se afastavam, diante de fantasias de que prejudicavam os bebês, escutava-os, valorizava-se a presença deles e nomeava-se, por exemplo, que os bebês não sabiam lidar com a emoção de vê-los fazendo-os aumentar a frequência de batimentos cardíacos.

Batista (2016)Batista, C. A. M. (2016). Por um bom início – Acompanhamento de bebês. In M. C. Kupfer, & M. Szejer (Eds.), Luzes sobre a clínica e o desenvolvimento de bebês: novas pesquisas, saberes e intervenções (2a ed.; pp. 54-62). Instituto Langage. refere não ser incomum que os bebês que nascem com alguma fragilidade orgânica ou que ficam longo período hospitalizados causem uma ruptura no saber parental, interferindo na relação pais-bebê. As primeiras intervenções pais-bebê visam reposicionar o lugar do bebê no imaginário parental permitindo-lhes incluir esse filho real na história familiar (Batista, 2016Batista, C. A. M. (2016). Por um bom início – Acompanhamento de bebês. In M. C. Kupfer, & M. Szejer (Eds.), Luzes sobre a clínica e o desenvolvimento de bebês: novas pesquisas, saberes e intervenções (2a ed.; pp. 54-62). Instituto Langage.). Todavia, mesmo na UTIN, notava-se esforço dos bebês para olhar os pais reconhecendo sua presença. Essa cena é ilustrada pela mãe de Antônio que, ao aproximar-se do berço aquecido fala-lhe em manhês, ao que responde mexendo-se, franzindo a testa e choramingando. A mãe logo percebe que “ele está incomodado com os óculos” (proteção ocular) dizendo-lhe que sabe que gostaria de vê-la. Ao tirá-lo, o bebê acalma-se e a olha.

Um aspecto evidenciado na UTIN, ampliando-se após a alta, foi a capacidade parental de identificar os choros do(a) bebê. Observou-se que, de início, essas nomeações eram mais relacionadas a sensações físicas do bebê (exemplo: “Está com fome”, “Não gosta que mexam nele”). Posteriormente, com a melhora da situação clínica do bebê e com as intervenções que buscavam, entre os outros aspectos, traduzir as produções do bebê diante dos pais, começaram a situar questões mais subjetivas dizendo, por exemplo, que chorava porque “sentia falta deles” ou “queria ser pego no colo”.

Durante o primeiro ano de vida, pôde-se testemunhar os bebês começarem a sorrir, depois gargalhar; vocalizar e balbuciar. Igualmente, expressar-se de diferentes formas mostrando desagrado ou que gostavam de algo (exemplo: de algum alimento, objeto ou brincadeira). Observou-se que os bebês imitavam gestos dos demais para chamar a atenção tossindo, batendo palmas ou fazendo gesto de beijo.

A ocorrência desses marcadores se deu de forma similar em todos os casos, porém Antônio esboçou o primeiro sorriso dirigido ainda na UTIN ao voltar do outro hospital (local onde era cuidado pelos pais). Outra diferenciação ocorreu com Daniela, que interage menos após recorrentes intercorrências (reinternações, mãe deprimida etc.) ampliando-se o acompanhamento para sustentar mãe e filha. Escutavam-se a mãe e as manifestações da bebê interagindo-se com ela, inclusive, sustentando a presença materna (exemplo: apontavam-se as convocações da bebê para a mãe, falava-se no lugar da bebê e com ela).

Um acompanhamento de prevenção em saúde mental implica que não se saiba, previamente, o que vai se produzir, sendo fundamental que o profissional esteja pronto para escutar o que vai emergir na história do pequeno sujeito (Bernardino et al., 2012Bernardino, L. M. F., Corradi, T., Pereira, S., & Ribeiro, R. (2012). Sala da “Mamãe coruja”: um espaço para a circulação da palavra entre mães e filhos. In M. C. Kupfer, L. M. Bernardino, & R. M. Mariotto (Eds.), Psicanálise e ações de prevenção na primeira infância (pp. 201-211). Escuta/Fapesp.). Cada dia de acompanhamento era singular, a posição da psicóloga e as demandas dos pais-bebês definiam-se em cada encontro.

3) Alternância presença-ausência

No que tange a este eixo na UTIN, compareceu, sobretudo, a disponibilidade parental de supor que o bebê era capaz de responder a uma proposição, dando-lhe espaço para que pudesse surgir. Nos casos, via-se, desde o período de internação, um respeito ao sujeito pelos pais. Observava-se que os pais reposicionavam os(a) bebês no colo diante de queixas (exemplo: choramingavam, agitavam-se) questionando-lhes se “fica melhor desse jeito” readaptando seus atos a partir das respostas (gestuais ou sonoras) da criança, assim como também arrumavam a posição do bebê no berço aquecido aguardando algum sinal em resposta.

Esses intervalos entre a demanda da criança e da mãe (e vice-versa) podiam ser visualizados quando os bebês paravam de chorar, por exemplo, diante da fala ou do toque dos pais, ou seja, os choros deixaram de ser ininterruptos passando a constituir mensagens ao outro. É diante da experiência de descontinuidade que a criança pode vir a se constituir como um ser autônomo e singular (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.). Além de sustentar e antecipar as produções do bebê, o agente materno precisa oferecer espaço para que ele possa se precipitar numa ação (Pesaro, 2010Pesaro, M. E. (2010). Alcance e limites teórico-metodológicos da pesquisa multicêntrica de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil. Tese (Doutorado em Psicologia), Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-09112010-114133/publico/pesaro_do.pdf>.
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). Incentivou-se os pais que, por exemplo, perante o choro ou alguma manifestação de desconforto dos bebês na incubadora falassem com eles. Embora, possivelmente, os bebês não tivessem registrado a presença e ausência do outro nesse momento precoce da vida, principalmente porque que estavam fisicamente separados pela UTIN e incubadoras; sustentava-se a possibilidade dessa operação.

Após a saída da UTIN outros indicadores importantes desse eixo surgiram, como a capacidade de adormecer, diferenciando dia e noite. Bruno e Caio foram os que mais rapidamente organizaram os ritmos de sono. Após a alta, os pais verbalizaram que nenhum dos dois gostava de ficar no quarto durante o dia, fazendo sons e gestos para acordar os pais. Já Antônio foi o bebê que mais demorou a dormir bem, o que, possivelmente, relacionava-se com sua dificuldade respiratória, fase estressante para os pais. Daniela dormia bem logo que foi para casa, porém, a mãe não dormia vigiando-a por medo que se “afogasse”, o que ocorreu diversas vezes. Posteriormente, a bebê começa a trocar os turnos de sono, o que só se estabiliza aos 12 meses.

Um dado interessante que apareceu após a chegada das crianças em casa foi a percepção dos pais de que os filhos(a) sentiam seu afastamento, principalmente com Antônio e Bruno quando os pais retornaram ao trabalho. Os pais de Bruno notavam que ele “ficava triste” se precisasse ficar longe dos dois. Caio foi para escola aos oito meses, aceitando bem o afastamento dos pais e, ao mesmo tempo, ficando “muito feliz” ao reencontrá-los. Daniela não teve a experiência de ficar longe da mãe, pois nunca a deixou com ninguém por muito tempo dizendo que o intervalo era “entre uma mamadeira e outra” porque nem mesmo o pai tinha “coragem” de alimentá-la.

Percebeu-se que esse distanciamento foi mais custoso para os pais do que para os bebês. Apenas os pais de Antônio relataram sentirem-se “aliviados” de voltar ao trabalho devido ao estresse vivido na UTIN e na chegada em casa. Os pais de Bruno e Caio notaram dificuldade de retomar o trabalho e ter que ficar longe dos filhos.

Diferentemente dos demais, a mãe de Daniela voltou a trabalhar logo que a bebê teve alta, contudo, por trabalhar em sua casa, os quatro filhos ficavam sob seus cuidados. Notava que a bebê não gostava de “perdê-la de vista” ficando tranquila se estivesse próxima à mãe. É somente perto dos 12 meses, que a mãe considera colocá-la na escola e deixá-la sob os cuidados da madrinha para se ausentar dizendo imaginar que ficaria bem. Caio e Daniela já estranhavam pessoas desconhecidas.

O que perpassou os quatro casos após a alta foi certa dificuldade dos pais em ouvir o bebê chorar, tendo que atendê-lo imediatamente. Exemplo disso ocorreu com Antônio, como relatado, e com Caio (cinco meses) quando os pais são “repreendidos” pela pediatra porque “não o deixavam chorar”. Todavia, em nenhum dos casos, isso se prolongou e, aos poucos, os pais permitiram certo afastamento. Talvez, a dificuldade inicial fosse efeito da precoce separação na UTIN.

Marchetti e Moreira (2015)Marchetti, D., & Moreira M. C. (2015). Vivências da Prematuridade: a aceitação do filho real pressupõe a desconstrução do bebê imaginário? Revista Psicologia e Saúde, 7(1), p. 82-89. Retrieved from: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-093X2015000100011>.
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sinalizam que a hospitalização desorganiza a dinâmica familiar e surgem sentimentos de impotência, incapacidade, preocupação, angústia, medo e insegurança. Possivelmente essas experiências tenham contribuído para o afastamento mais doloroso após a alta. Entretanto, a angústia inicial de retornar ao trabalho e o temor de deixar com outra pessoa, não chegou a obstaculizar a constituição subjetiva. Gradualmente, pais e bebês mostraram suportar o distanciamento sem ser, ao mesmo tempo, indiferente a ele.

4) Função paterna

Nesta operação psíquica, o primeiro marcador a surgir foi a aceitação da alimentação, o que ocorreu satisfatoriamente nos quatro casos. Antônio teve a inserção alimentar mais tarde pelos comprometimentos que teve, ao contrário de Daniela que iniciou a alimentação antes da orientação médica porque a mãe “queria vê-la engordar mais rápido”. Os pais notaram que os bebês “comiam com prazer” e que os bebês compreendiam que “a comida os alimentava como o leite”.

Pesaro (2010)Pesaro, M. E. (2010). Alcance e limites teórico-metodológicos da pesquisa multicêntrica de indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil. Tese (Doutorado em Psicologia), Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-09112010-114133/publico/pesaro_do.pdf>.
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atribui que a aceitação de outra alimentação, que não o leite materno, evidencia a entrada da criança na cultura (campo do Outro) coloca-a em posição mais ativa, na medida em que descobre outras fontes de prazer e as procura. Frisa que há efeitos disso sobre a mãe, que marca sua incompletude.

Precocemente, surgiram elementos essenciais à operação da Função paterna. Próximo de um ano de idade, todas as crianças brincavam com brinquedos e compreendiam as brincadeiras com os pais. Daniela gostava de brincar com as maquiagens da mãe, embora ficasse bastante exposta ao celular e à televisão. Bruno, aos dez meses, brincava de esconde-esconde usando o andador para se locomover e procurar os pais. Nos quatro casos, os pais identificavam preferências nas crianças descrevendo o que mais gostavam (exemplo: dançar, pular, olhar desenho, passear).

No último acompanhamento, os bebês já pronunciavam as primeiras palavras (exemplo: “ouou” – vovô, “mamã” – mamãe). O processo evolutivo da fala, para Catão (2010)Catão, I. (2010). A voz na clínica psicanalítica com os que não falam. In D. C. Barbosa, & E. Parlato-Oliveira (Eds.), Psicanálise e clínica com bebês: sintoma, tratamento e interdisciplina na primeira infância (pp. 112-123). Instituto Langage., não é instintivo ou efeito cronológico porque é preciso que, primeiramente, a prosódia materna (manhês) dê suporte aos significantes funcionando como o primeiro objeto pulsional para o bebê, que aceita alienar-se no campo do Outro. Assim, futuramente, o bebê começa a corresponder ao investimento dessa voz com balbucios e vocalizações passando, progressivamente, ao exercício da fala (Catão, 2010Catão, I. (2010). A voz na clínica psicanalítica com os que não falam. In D. C. Barbosa, & E. Parlato-Oliveira (Eds.), Psicanálise e clínica com bebês: sintoma, tratamento e interdisciplina na primeira infância (pp. 112-123). Instituto Langage.). Quanto ao desenvolvimento motor, apenas Daniela não se sentava sem apoio, nem ficava de pé aos 12 meses recomendando-se avaliação motora.

Próximo aos bebês completarem um ano de idade, evidencia-se que os pais de Bruno e Caio incentivam a independência dos filhos deixando-os explorar sozinhos os ambientes, caírem e levantarem-se sem ajuda (quando possível) e os deixavam comer bolachinhas com as próprias mãos. Percebeu-se que os pais de Bruno e Daniela haviam iniciado a introdução de pequenas regras sinalizando-lhes que algumas atitudes não eram permitidas.

Jerusalinsky (2000)Jerusalinsky, J. (2000). Do neonato ao bebê: a estimulação precoce vai à UTI neonatal. Estilos da Clínica, 5(8), 49-63. https:/doi.orq/10.11606/issn.1981-1624.v5i8p49-63.
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menciona não ser raro que, diante dos impasses que os pais vivem com o filho prematuro, haja entraves no exercício das funções parentais. Orienta, então, que as intervenções atentem para isso ressignificando essas funções para que não incidam no desenvolvimento e na constituição psíquica da criança. Todavia, as constatações descritas acima quanto ao eixo da Função paterna, sinalizam que ela já estava em curso, ainda que se trate de nascidos prematuros.

Nos quatro casos houve um desenrolar favorável da constituição psíquica das crianças no primeiro ano de vida, resultados otimistas, visto que a literatura aponta alta incidência de problemas no desenvolvimento de prematuros (Fevang et al., 2016Fevang, S. K. E., Hysing, M., Markestad, T., & Sommerfelt, K. (2016). Mental Health in Children Born Extremely Preterm Without Severe Neurodevelopmental Disabilities. Pediatrics, 137(4), e2015-3002. https:/doi:10.1542/peds.2015-3002.
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; Johnson & Marlow, 2014Johnson, S., & Marlow, N. (2014). Growing up after extremely preterm birth: Lifespan mental health outcomes. Seminars in Fetal & Neonatal Medicine, 19(2), 97-104. https:/doi:10.1016/j.siny.2013.11.004.
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; Laerum et al., 2017Laerum, A. M., Reitan, S. K, Evensen, K. A., Lydersen, S., Brubakk, A. M., Skranes, J., & Indredavik, M. S. (2017). Psychiatric Disorders and General Functioning in Low Birth Weight Adults: A Longitudinal Study. Pediatrics, 139(2): e20162135. https:/doi:10.1542/peds.2016-2135.
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; Lieshout et al., 2015Lieshout, R. J. V., Boyle, M. H., Saigal, S., Morrison, K., & Schmidt, L. (2015). Mental Health of Extremely Low Birth Weight Survivors in Their 30s. Pediatrics, 135(3), 453-459. https:/doi:10.1542/peds.2014-3143.
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; Lindstrom et al., 2009Lindstrom, K., Lindblad, F., & Hjern, A. (2009). Psychiatric morbidity in adolescents and young adults born preterm: a Swedish national cohort study. Pediatrics, 123(1), e47-53. https:/doi:10.1542/peds.2008-1654.
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; Linsell et al., 2016Linsell, L., Malouf, R., Johnson, S., Morris, J., Kurinczuk, J., & Marlow, N. (2016). Prognostic Factors for Behavioral Problems and Psychiatric Disorders in Children Born Very Preterm or Very Low Birth Weight: A Systematic Review. Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics, 37(1), 88-102. https:/doi:10.1097/DBP.0000000000000238.
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; Woodward et al., 2009Woodward, L. J., Moor, S., Hood, K. M., Champion, P. R., Foster-Cohen, S., Inder, T. E., & Austin, N. C. (2009). Very preterm children show impairments across multiple neurodevelopmental domains by age 4 years. Archives of Disease in Childhood – Fetal and Neonatal Edition, 94(5), F339–F344. https:/doi:10.1136/adc.2008.146282.
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). É preciso considerar que cada família tem sua forma particular de lidar com os acontecimentos; além disso, possivelmente o acompanhamento oferecido deu suporte para o exercício das funções parentais, facilitando o percurso subjetivo dos bebês.

Considerações finais

O estudo revelou que a prematuridade e a internação em UTIN não impediram o comparecimento das operações fundamentais à constituição do psiquismo até os 12 meses de vida. As operações esperadas em cada fase compareceram, independentemente da imaturidade orgânica do bebê, o que evidencia que o IRDI incide na relação pais-bebê e não sobre o bebê não havendo, assim, a necessidade de usar a idade corrigida no instrumento. Possivelmente essas operações puderam se efetivar pela incidência da terapeuta durante o primeiro ano de vida da criança. Destaca-se a relevância do IRDI, sobretudo quando utilizado como um norteador da escuta das produções do bebê diante do Outro.

Não se pretendeu demonstrar a avaliação psíquica das crianças, mas sim, narrar o acompanhamento psicanalítico ao longo do primeiro ano de vida. Pode-se evidenciar a potencialidade de um acompanhamento desse tipo quanto à promoção de saúde mental, na medida em que sustenta pais e bebês favorecendo a relação, bem como, enquanto prevenção em saúde mental, atuando precocemente diante de pequenos sinais de alerta.

Nota-se que um atendimento na UTIN e com bebês organicamente fragilizados implica uma dimensão única da imprevisibilidade. Os ritmos parentais eram, inúmeras vezes, orientados pelos ritmos clínicos do bebê, que ora melhoravam, ora tinham significativas pioras. O inverso, indubitavelmente, ocorria precisando-se sustentar a posição do bebê diante de seus pais a fim de que continuassem a investi-lo, já que na UTIN não há garantia de vida, o que inclui a vida psíquica.

Outro aprendizado deu-se quanto à constatação de que na clínica precoce as intervenções são sutis. Não se espera grandes interpretações (eventualmente, podem ocorrer) ou atuações do terapeuta. Espera-se que esteja presente com seu corpo e psiquismo, permitindo-se escutar o indizível de pais e bebês e lendo, até mesmo, o que ainda não pode comparecer nas produções do bebê.

Salienta-se que, como todo estudo, há limitações. Entre elas, há a dificuldade de recrutar pais e bebês para a pesquisa nesse contexto vulnerável como a UTIN. Aliado a isso, pela própria urgência inerente a esse ambiente, ocorriam interferências diversas nos acompanhamentos, como a presença de outros pais ou da equipe (por vezes, inibia os pais) e intercorrências com os bebês que interrompiam o acompanhamento. Trabalhar com a urgência de vida exigiu da psicóloga lidar com sua própria relação com as perdas e a finitude da vida porque, recorrentemente, apostava-se em pequenos sujeitos que vinham a falecer tendo-se que amparar pais e profissionais. É preciso, um eterno (re)fazer clínico, pois não se sabe em qual posição e como será demandada a cada encontro; posição singular da terapeuta que apareceu em cada um dos casos, exigindo uma maleabilidade.

Há muito a ser explorado no campo da promoção e prevenção em saúde mental com prematuros e quanto a intervenções precoces em UTIN. Infelizmente, pouco se investe em medidas desse tipo, contudo, estudos que permitam mostrar ganhos clínicos nesse âmbito tendem a ampliar a inserção de profissionais ancorados na psicanálise que possam ser facilitadores na constituição psíquica. Evita-se, desse modo, a instalação de psicopatologias com prejuízos de alto custo para pais, crianças e sistemas de saúde.

  • *1
    Artigo baseado na tese acadêmica desenvolvida pela primeira autora, sob a orientação da segunda, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. A tese foi intitulada de Psicanálise e prematuridade: uma proposta de intervenção desde a UTIN até o primeiro ano de vida do bebê, sendo defendida em 2020. O trabalho está vinculado ao grupo de pesquisa “CER Bebê” do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Unisinos.
  • 1
    Utilizou-se o IRDI-20 por se tratar de bebês prematuros em orientação feita pelo psicanalista Alfredo Jerusalinsky durante o Curso de Capacitação IRDI (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.).
  • 2
    O IRDI refere-se à mãe enquanto agente maternante ou cuidador primordial.
  • 3
    O Outro é o lugar onde se articula a palavra inconsciente permitindo o reconhecimento do sujeito, não sendo um elemento da realidade e diferenciando-se do outro do imaginário (Lacan, 1955-56/2008Lacan, J. (2008). O seminário. Livro 3. As psicoses (2a ed.; A. Menezes, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1955-56).).
  • 4
    As falas dos pais foram destacas em itálico e entre aspas.
  • 5
    Visa favorecer o cuidado ao recém-nascido e à família promovendo sua participação nos cuidados, também inclui o contato pele a pele indo do toque à posição canguru (Ministério da Saúde, 2017).
  • 6
    Grupo conduzido por uma musicoterapeuta, em que cantavam para os bebês e rememoravam músicas da própria infância das mães.
  • 7
    Indicadores ausentes: 7 (IRDI-20) – A criança utiliza sinais diferentes para expressar suas diferentes necessidades, 8 (IRDI-20) – A criança solicita a mãe e faz um intervalo para aguardar sua resposta, e 9 (IRDI-20) – A mãe fala com a criança dirigindo-lhe pequenas frases (Centro Lydia Coriat, 2018Centro Lydia Coriat (2018). Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. In Apostila do Curso de Capacitação IRDI. (pp.1-41). Porto Alegre.).
  • 8
    Língua usada pela mãe, com registro de voz mais alto, maior ritmo prosódico e contornos de entonação, maior frequência de repetições contendo informações afetivas que convocam o bebê (Laznik, 2011Laznik, M. C. (2011). Linguagem e comunicação do bebê de zero aos três meses. In M. C. Laznik, & D. Cohen (Eds.), O bebê e seus intérpretes: clínica e pesquisa (pp. 93-100). Instituto Langage.).
  • 9
    Não se trata dos pais da realidade, mas dos pais no exercício das funções parentais.

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Editor/Editor: Prof. Dr. Nelson da Silva Junior

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2021
  • Aceito
    31 Mar 2022
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