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Acompanhamento nutricional de cirróticos com história pregressa de alcoolismo

Nutrition follow-up o cirrhotic patients with history of alcoholism

Resumos

A desnutrição proteíco-energética é freqüente nos pacientes cirróticos e representa um sério risco no aumento das taxas de morbi-mortalidade desta população. Independente do fator etiológico sua prevalência é alta e repercute em ambos os sexos. Este estudo de casos objetivou verificar o impacto da injúria cirrose alcoólica no estado nutricional e a eficácia do tratamento dietoterápico na reversão da depleção nutricional. Foram estudados 50 pacientes (47 homens e 3 mulheres) atendidos no Ambulatório de Nutrição onde foi realizada avaliação nutricional objetiva com os parâmetros antropométricos, bioquímicos, clínicos e história dietética em três momentos distintos (início, 8º e 18º mês de tratamento). Os resultados iniciais revelaram que 96% dos cirróticos apresentavam algum nível de desnutrição e, no 18º mês tiveram normalização dos parâmetros nutricionais.

avaliação nutricional; cirrose hepática alcoólica; dietoterapia; nutrição clínica na cirrose alcoólica; alcoolismo


The protein-calorie malnutrition is very common in the cirrhotic patients and it represents a risk in the morbidity and mortality rates increase. Independently of the etiologic factor, its prevalence is high and has repercussions in both sexes. This cases study had the objective of verifying the impact of alcoholic cirrhosis in the nutritional status and the efficacy of the diet therapy in the reversion of malnutrition. Fifty patients (47 men and 3 women) were studied. They were attended at the Nutrition Ambulatory, where an objective nutritional assessment was carried out wish anthropometric, biochemical and clinical parameters and dietetic history in three distinct moments (beginning, 8th and 18th month of treatment). The first results revealed that 96% of the cirrhotic patients presented some level of malnutrition and in the 18th month the nutritional parameters were normalized.

nutritional assessment; alcoholic liver cirrhosis; diet therapy; clinical nutrition in alcoholic cirrhosis; alcoholism


ARTIGO ORIGINAL

Acompanhamento nutricional de cirróticos com história pregressa de alcoolismo

Nutrition follow-up o cirrhotic patients with history of alcoholism

Nelzir Trindade ReisI ; Cláudia dos Santos CopleII

ILivre Docente em Nutrição Clínica, Professora Adjunta e Coordenadora da Pós-Graduação em Nutrição Clínica da Universidade Gama Filho, Professora Titular aposentada da Universidade Federal Fluminense

IIDoutoranda em Ciências da Nutrição da Escola Paulista de Medicina/UNIFESP; Professora Assistente de Nutrição Clínica da Universidade Gama Filho e Universidade Estadual do Rio de Janeiro

RESUMO

A desnutrição proteíco-energética é freqüente nos pacientes cirróticos e representa um sério risco no aumento das taxas de morbi-mortalidade desta população. Independente do fator etiológico sua prevalência é alta e repercute em ambos os sexos. Este estudo de casos objetivou verificar o impacto da injúria cirrose alcoólica no estado nutricional e a eficácia do tratamento dietoterápico na reversão da depleção nutricional. Foram estudados 50 pacientes (47 homens e 3 mulheres) atendidos no Ambulatório de Nutrição onde foi realizada avaliação nutricional objetiva com os parâmetros antropométricos, bioquímicos, clínicos e história dietética em três momentos distintos (início, 8º e 18º mês de tratamento). Os resultados iniciais revelaram que 96% dos cirróticos apresentavam algum nível de desnutrição e, no 18º mês tiveram normalização dos parâmetros nutricionais.

Termos de indexação: avaliação nutricional, cirrose hepática alcoólica, dietoterapia, nutrição clínica na cirrose alcoólica, alcoolismo.

ABSTRACT

The protein-calorie malnutrition is very common in the cirrhotic patients and it represents a risk in the morbidity and mortality rates increase. Independently of the etiologic factor, its prevalence is high and has repercussions in both sexes. This cases study had the objective of verifying the impact of alcoholic cirrhosis in the nutritional status and the efficacy of the diet therapy in the reversion of malnutrition. Fifty patients (47 men and 3 women) were studied. They were attended at the Nutrition Ambulatory, where an objective nutritional assessment was carried out wish anthropometric, biochemical and clinical parameters and dietetic history in three distinct moments (beginning, 8th and 18th month of treatment). The first results revealed that 96% of the cirrhotic patients presented some level of malnutrition and in the 18th month the nutritional parameters were normalized.

Index terms: nutritional assessment, alcoholic liver cirrhosis, diet therapy, clinical nutrition in alcoholic cirrhosis, alcoholism.

INTRODUÇÃO

O consumo de bebidas alcoólicas tem crescido na maioria dos países, pois trata-se de uma droga amplamente aceita pela sociedade, geralmente relacionada a momentos de festividades e de confraternização. A utilização da bebida alcoólica pelo homem data desde a antiguidade. Lieben afirma que "o consumo de bebida alcoólica surgiu com a humanidade" (COPLE, 1994). Esta ampla aceitação social e cultural no ocidente dificulta o seu controle (ORGANIZACIÓN..., 1980).

No Brasil o consumo de bebidas alcoólicas cresce progressivamente (QUINTANILHA et al., 1993). Estudos estimam que 10% da população brasileira apresenta danos físicos e psíquicos decorrentes do abuso do álcool (PASSARELLI et al., 1988; HIRATA et al., 1990; FORTES, 1991). Investigações epidemiológicas sobre o consumo etílico no país, sugerem uma correlação inversa ao nível socioeconômico, a escolariedade e a renda (SANTANA et al., 1989; ALMEIDA & COUTINHO, 1993).

Desde a associação entre o consumo etílico e a cirrose hepática, feita por Mathew Baillie em 1793, diversos estudos têm sido realizados para verificar o impacto do álcool na saúde do homem (SHERLOCK, 1993). Hoje sabe-se que o álcool é uma droga hepatotóxica direta, responsável pela instalação da doença hepática alcoólica de graus variados, podendo ser leve (esteatose) até a forma crônica irreversível (cirrose) (FEINMAN & LIEBER, 1994).

A cirrose hepática é a quarta causa de morte nos Estados Unidos da América do Norte (EUA). A incidência de cirrose nos alcoólatras situa-se entre 10-15% (SHERLOCK, 1993), sendo a causa de morte de 30% dos italianos (ITALIAN..., 1994).

Os indivíduos com doença hepática alcoólica tendem a apresentar um comprometimento no seu estado nutricional, fator este que influencia diretamente o tempo de hospitalização dos cirróticos (MÜLLER, 1995) e o prognóstico da doença (CAPACCI, 1996). As possíveis explicações do papel do álcool no desenvolvimento da desnutrição são substituição dos nutrientes da dieta pelo álcool; expoliação dos nutrientes corporais (principalmente vitaminas e minerais); a presença das alterações patológicas decorrentes do uso agudo ou crônico do álcool; alterações metabólicas (presença das citocinas); alteração da função intestinal; alterações na estocagem dos nutrientes e o quadro de estágio final da cirrose descompensada (vômitos, hematêmese, peritonite bacteriana espontânea entre outros) (GECELTER & COMER, 1995; CAPACCI, 1996).

A avaliação nutricional objetiva apresenta limitações em praticamente todos os parâmetros nos cirróticos (COPLE, 1994; GECELTER & COMER, 1995; CARVALHO & PARISE, 1996). A presença de edema e ascite interferem diretamente nos parâmetros antropométricos (CAPACCI, 1996). Diminuição da síntese hepática de proteínas viscerais, como albumina, pré-albumina e transferrina que deixam de refletir o estado nutricional e tornam-se um índice de prognóstico (REIS, 1988). O prejuízo na síntese da uréia e o quadro de hiperamonemia resultam numa subestimação do balanço nitrogenado negativo, limitando portanto a sua utilização. Já o índice creatinina/altura perde a validade, pois a desnutrição, que é comum no hepatopata crônico, diminui a eliminação e a formação de creatinina, havendo também a possibilidade da Síndrome Hepatorenal se instalar acarretando diminuição da quantidade creatinina filtrada pelos rins.

A anergia cutânea quando presente também se torna um indicador inconclusivo, pois a imunidade celular pode estar alterada na hepatopatia mesmo na ausência de desnutrição, principalmente nas alterações auto-imune (GECELTER & COMER, 1995).

Esta pesquisa foi desenvolvida com os objetivos de avaliar o estado nutricional de pacientes cirróticos com história pregressa de alcoolismo e acompanhar a evolução clínica e o prognóstico dos pacientes que foram orientados nutricionalmente.

MATERIAL E MÉTODOS

Casuística

A amostragem constou de 50 pacientes (47 homens e 3 mulheres) atendidos no período de 1990 a 1993 no Ambulatório de Clínica Médica e Nutrição do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro com o diagnóstico de cirrose alcoólica realizado através de biópsia hepática ou pelo diagnóstico clínico. De acordo com o registro no ambulatório, os pacientes foram acompanhados durante 18 meses. O diagnóstico clínico foi baseado nos exames laboratoriais (hipoalbuminemia, diminuição da atividade da protrombina, elevação da Transaminase Glutâmico-Oxalacética (TGO ou AST), Transaminase Glutâmico-Pirúvica (TGP ou ALT) e GamaGlutamil-Transpeptidase (GGT) e plaquetopenia) concomitante à presença de um sinal e/ou sintoma de complicações, tais como varizes esofagianas ou presença de ascite, ou encefalopatia hepática leve.

Os pacientes encaminhados ao ambulatório de Nutrição passaram por uma avaliação nutricional inicial, além da coleta dos dados referentes a identificação e história socioeconômica-clínica. A avaliação nutricional englobou a utilização de parâmetros antropométricos, bioquímicos, clínicos e história dietética. Esta avaliação foi repetida no 8º e 18º mês de acompanhamento nutricional.

A avaliação socioeconômica demonstrou que 100% dos pacientes pertenciam a classe média baixa, tendo a renda familiar de aproximadamente três salários mínimos.

A avaliação antropométrica constou de mensuração do peso atual e da altura e a coleta do peso usual referido pelo próprio paciente. Posteriormente foram calculadas a relação peso ideal/peso atual estimado e peso usual/peso atual estimado. Para cálculo do peso atual foi descontado o peso hídrico estimado por JAMES (1989) de acordo com a intensidade da ascite e do edema periférico:


A fim de fornecer maiores informações quanto a distribuição dos tecidos adiposo e magro foram realizadas as mensurações de prega cutânea triciptal (PCT) e da circunferência do braço (CB). A PCT foi obtida através da utilização de um paquímetro científico no ponto que corresponde ao terço superior do braço não dominante e fornece uma estimativa da reserva adiposa subcutânea. Já CB através da utilização de uma fita no terço superior do braço não dominante. Com os dados da PCT e CB foi calculada a circunferência muscular do braço, obtida através da fórmula CMB = CB - (0,314 x PCT), que fornece uma estimativa da reserva de massa magra corporal (BLACKBURN & THORNTON, 1979). Em todas as consultas foi mensurada também, a circunferência abdominal a fim de se acompanhar a evolução do quadro ascítico.

Todos os parâmetros antropométricos foram adequados usando-se JELIFFE (1966) como padrão de normalidade.


Posteriormente foram classificados de acordo com BLACKBURN& THORNTON (1979) a saber: 91 a 110% (normal); 81 a 90% (depleção leve); 60 a 80% (depleção moderada); < 60% (depleção grave).

Na avaliação bioquímica foram dosadas as proteínas séricas (albumina e globulinas), visto que trata-se de proteínas plasmáticas que indicam o prognóstico da doença hepática. Foram solicitados hemograma completo de Schilling, a dosagem de transferrina plasmática, da glicemia de jejum, lipidograma completo, TGO, TGP, GGT, ácido úrico, uréia e creatinina.

O valor de normalidade utilizado para cada tipo de exame foi: proteínas totais: 6 a 8 g/100ml, albumina: 4-5,2g, globulina: 1,9-2,7g; transferrina: 300mg; hematócrito; homens: 46%; mulheres: 40%; hemoglobina: homens 13,5 a 18g/100 ml; mulheres: 11,5 a 16,5g/100ml, hemácias- homens: 5 000 000 (cels/mm3; mulheres: 4 500 00, leucócito: 6 000 a 10 000/mm3, linfócitos (Blackburn): acima de 1200/mm3; glicemia (Folin Wu.:F.W.): 80-120mg; colesteroltotal ideal: 200mg; colesterol-HDL (lipoproteína de alta densidade): até 440mg/100ml (25 a 35%); colesterol-LDL (lipoproteína de baixa densidade): < 150mg/dl; triglicerídeos (TG): < 150mg/dl; VLDL (lipoproteína de muito baixa densidade): 0 a 25%, TGO - homem: 18 U/l e mulher: 15U/l; TGP: homem: 22U/l e mulher: 17U/l, GGT: 0 a 30mU/ml, ácido úrico: 3-6mg/100 ml, uréia: 20-30mg/100ml, creatinina: 1-2 mg/100ml (GORINA, 1996),

A avaliação clínica constou de exames físicos completos com ênfase no funcionamento intestinal; tipo de fezes (esteatorréia, presença de restos alimentares entre outros); na presença de edema periférico e/ou ascite; sinal de aranhas vasculares e dos dedos em baquetas de tambor; e sinais/sintomas clássicos da hepatopatia crônica e das deficiências de vitaminas e minerais. A encefalopatia hepática e a presença dos flappings foram avaliadas em todas as consultas através da grafia e do exame físico (REIS, 1988).

A história dietética foi coletada através do recordatório de 24 horas e da lista de freqüência de consumo alimentar.

Após a avaliação nutricional inicial foi prescrito um tratamento dietoterápico adequado e individualizado. As características gerais da conduta dietoterápica foram (REIS,1990):

• Valor Energético Total (calorias da dieta): obtido pela equação de Harris-Benedict, utilizando o fator injúria de 1,5 (GECELTER & COMER, 1995).

• Protídios: oscilou de 1,0 a 0,8g/Kg/dia havendo a seleção do tipo de aminoácido a ser oferecido, priorizando os ramificados e mantendo a relação entre os ramificados e os aromáticos entre 2-3/1 através da seleção dos alimentos. Na presença de sinais precoces da encefalopatia hepática fez-se necessário a restrição protídica (aproximadamente 0,6 g/Kg/dia).

• Glicídios: variou de 4,5 a 6,0g/Kg/dia, sem concentração de dissacarídios, enfatizando a utilização dos polissacarídeos.

• Lipídios: em torno de 1,0g/Kg/dia, com a relação de 2 triglicerídeos de cadeia longa (TCL) para 1 triglicerídeo de cadeia média (TCM); o colesterol: no máximo de 500mg/dia a fim de evitar sobrecarga no metabolismo lipídico hepático. Evitamos a concentração de lipídios nas refeições.

O peso utilizado no cálculo da dieta foi a média entre o peso usual referido pelo paciente e o peso atual subtraído do peso hídrico retido (edema ou ascite).

• Vitaminas e Minerais: foi prescrita uma dieta com aporte aumentado de micronutrientes. Para isto seguiu-se as recomendações da Recomended Dietary Allowance (RDA) mais 100%, exceto para o sódio que ficou restrito a 2g/dia e para vitamina A prescrita de acordo com a recomendação da RDA.

• Caldos Concentrados de Purina: isento, com o objetivo de evitar a excitação gastrintestinal que agravaria o quadro de desnutrição nestes pacientes ao descadear quadro diarréico.

• Fibras - Celulose: ajustada ao funcionamento intestinal do paciente e, abrandada na presença de varizes esofagianas. As solúveis em média de 25 mg/dia distribuídas nas diversas refeições do dia.

• Líquidos: normóhídrica (1,0ml/kcal da dieta). Na ausência de edema de Membros Inferiores e de ascite e na presença de sinais de hipohidratação prescreveu-se ligeiramente hiperhídrica (1,2ml/Kcal). Quando houve sinais de retenção hídrica realizou-se o balanço hídrico.

• Consistência: foi ajustada a aceitação de cada paciente e variou de pastosa a normal. Sendo que na presença de varizes esofagianas prescreveu-se a consistência pastosa.

• Temperatura: de acordo com a preparação, evitando os extremos (gelado e quente).

• Fracionamento: aumentado (em torno de 8 refeições) para minimizar a inapetência, e compensar quadro hipercatabólico comum nos cirróticos alcoólicos.

• Volume: diminuído e concentrado (para veicular maior quantidade de calorias)

• Restante: ajustado ao paciente

Todas as dietas fornecidas foram calculadas individualmente levando-se em conta a interação entre as drogas utilizadas pelos pacientes. Pela gravidade do quadro clínico havia a prescrição medicamentosa de Espironolactona 25mg; 2x/dia em todos os pacientes (100%), Alopurinol 100mg; 1x/dia em 2 pacientes (4 %).

RESULTADOS

Quanto a avaliação nutricional antropométrica, observou-se alterações que evoluíram positivamente com o acompanhamento dietoterápico (Tabelas 1, 2, 3 e 4 e Figura 1).


Quanto a avaliação bioquímica foram observadas evoluções positivas no transcorrer do tratamento nutricional conforme descrito a seguir:

1. Avaliação bioquímica inicial: (1º consulta):

• Proteínas totais: 2 pacientes (4%) estavam no limiar mínimo de normalidade; 35 (70%) gravemente depletados; 8 (16%) moderadamente depletados e 5 (10%) levemente depletados.

• Albumina: 2 pacientes (4%) estavam no limiar mínino de normalidade; 36 pacientes (72%) estavam gravemente depletados; 8 (16%) moderadamente depletados e 4 levemente depletados (8%).

• Hemograma: 2 pacientes (4%) tiveram resultados no limiar de normalidade, enquanto que 48 (96%) estavam com anemia ferropriva moderada.

• Linfócitos: 6 pacientes (12%) estavam no limiar de normalidade e 37 (74%) apresentaram linfocitose moderada e 7 pacientes (14%) linfocitose grave.

• TGO; TGP; GGT: se encontraram acentuadamente aumentada em todos os pacientes estudados.

• Glicemia: 10 pacientes (20%) apresentaram normoglicêmicos, 40 (80%) foram classificados como intolerantes à glicose (confirmados com o teste tolerância oral a glicose).

• Lipidograma: 36 pacientes (72%) foram diagnosticados com hipertrigliceridemia, destes 19 (38%) tinham diminuição de HDL (faixa de 30-33mg) e 30 (60%) tinham aumento de VLDL. Não foi encontrado quadro de hipercolesterolemia nesta amostra.

• Ácido úrico: 2 pacientes (4%) apresentaram valores de 6,6 e 6,8mg; e o restante (96%) se encontraram no limiar de normalidade.

• Uréia: 2 pacientes (4%) apresentaram hiperazotemia com valores 35 e 40mg% (média de 37,5mg%), 86% se encontraram no limiar mínimo de normalidade e 10% apresentaram diminuição da uréia.

• Creatinina: 2 pacientes (4%) apresentaram valores 3,2 e 4,8 com média 4,0mg e o restante (96%) se encontraram no limiar de normalidade.

2. Avaliação bioquímica Intermediária: após oito meses de acompanhamento, os exames revelaram tendência a normalização que se concretizou na avaliação final.

• Proteínas totais e albumina: 44 pacientes (88%) estavam no limiar de normalidade; 2 (4%) moderadamente depletados e 4 (8%) levemente depletados.

• Hemograma: 48 (96%) apresentaram resultados no limiar de normalidade e 2 (4%) com anemia ferropriva (os que evoluíram com Insuficiência Renal Crônica).

• Linfócitos: 12% dos pacientes continuaram no limiar de normalidade e 88% com linfocitose moderada persistente.

• TGO e TGP: permaneceram com níveis elevados nos 100%.

• GGT: houve diminuição em todos os pacientes (100%).

• Glicemia de jejum: 37 pacientes (74%) estavam normoglicêmico; 13 (26%) apresentaram glicemia entre 120-139mg.

• Lipidograma: 43 pacientes (86%) se encontravam com TG normal, os demais 7 pacientes (14%) persistiram no quadro de hipertrigliceridemia, porém de grau leve. Foi observado normalização dos limiares séricos HDL e VLDL.

• Ácido úrico: 2 pacientes (4%) apresentaram valores de 6,6 e 6,3 (média de 6,45). Os demais estavam na faixa de normalidade (96%).

• Uréia: um paciente (2%) apresentou valor de 45mg/100ml e os demais estavam na faixa de normalidade (98%).

• Creatinina: 2 pacientes (4%) apresentaram valores de 2,5 e 3,0. Os demais estavam na faixa de normalidade (96%).

3. avaliação bioquímica final (18º mês): todos os pacientes (100%) passaram para o limiar de normalidade relacionado a proteínas totais, albumina e linfócitos. Os demais resultados da avaliação bioquímica mantiveram os mesmos valores da avaliação intermediária.

As evoluções observadas na avaliação clínica foram:

1. Avaliação clínica inicial: constatou-se que 28 pacientes (56%) apresentaram constipação intestinal; 2 (4%) diarréia; 20 (40%) funcionamento intestinal normal. A incidência da presença de edema periférico e de ascite observada foi a seguinte: 4 (8%) não apresentavam nem ascite e nem edema, 15 (30%) apresentaram discreta ascite e edema nutricional em membros inferiores (MsIs) ++/4+ e 21 (42%) apresentaram ascite moderada e edema de MsIs +++/4+. Todos os pacientes (100%) apresentavam aranhas vasculares e dedos em baquetas de tambor e 25 pacientes (50%) apresentavam flapping leve.

2. Avaliação clínica intermediária: quarenta e oito (96%) sem ascite e sem edema. Dois pacientes (4%) apresentaram edema nutricional ++/4+, e evoluíram para o quadro de hipertensão arterial e insuficiência renal crônica (IRC) sem ascite. Todos (100%) tiveram trânsito intestinal regularizado e a estagnação do processo de dedos em tambor. Quanto a presença de aranha vascular foi observada ainda em 25 pacientes (50%). No momento da reavaliação não foi verificado flapping em nenhum dos pacientes da amostra.

3. Avaliação clínica final (18º mês): dois pacientes (4%) evoluíram com síndrome hepatorenal, sem a presença de ascite e edema nutricional. Os 48 pacientes (96%) restante evoluíram bem, mantendo o mesmo quadro clínico da avaliação intermediária.

Quanto a história dietética foram:

1. Avaliação da história dietética inicial: o recordatório de 24 horas revelou consumo médio de 1200Kcal, com as características de permuta isocalórica com o álcool em 70% dos pacientes; consumo excessivo de glicídios (massas, hortaliça C- batata-doce, batata inglesa, cará, aipim ou macaxeira ou mandioca, inhame; arroz e refrigerante); e escasso consumo de hortaliça A, B e frutas (1 vez/semana) em 95% dos pacientes.

2. Avaliação da história dietética intermediária: foi realizado o recordatório de 24 horas onde se constatou um consumo médio de 1 895 calorias e uma melhora na qualidade do consumo alimentar com o aumento médio para 7 vezes na semana de hortaliça A e B. Todos os pacientes negaram consumo de bebidas alcoólicas neste período.

3. Avaliação da história dietética final: quanto aos aspectos pertinentes à dieta observou-se melhora da inapetência; maior consumo calórico (2 300 calorias) e distribuição qualitativa mais adequada às recomendações nutricionais para o cirrótico.

Portanto, na avaliação nutricional final verificou-se que no decorrer dos 18 meses de acompanhamento ambulatorial, 48 pacientes (96%) já não apresentavam queixas clínicas objetivas e subjetivas, tendo a compensação do quadro hepático e, 2 pacientes (4%) evoluíram com síndrome hepatorenal, recebendo tratamento para hepatopatia crônica e IRC, havendo a normalização do seu quadro nutricional.

DISCUSSÃO

As alterações no estado nutricional são freqüentes na cirrose hepática de etiologia alcoólica conforme já verificado em diversos estudos (LINDROS, 1995; MÜLLER, 1995, CAPACCI, 1996). O impacto no estado nutricional está diretamente relacionado a etiologia da cirrose e com o seu respectivo estágio de progressão (CARVALHO, 1995).

Neste estudo constatou-se, conforme a literatura, uma alta prevalência de desnutrição mista, com comprometimento de ambas as reservas (massa magra e tecido adiposo) que foi revertida após 18 meses de tratamento com a utilização de uma conduta dietoterápica individualizada em que se procurou sanar os distúrbios nutricionais secundários à hepatopatia crônica ratificando dados encontrados em outros trabalhos (CARVALHO & PARISE, 1996). A normalização do estado nutricional só foi conseguida nesta amostra a partir do momento em que coinscientizou-se tanto o paciente quanto a sua família da importância do tratamento que seria implementado e da necessidade do auxílio de um grupo de apoio, os Alcoólatras Anônimos (AA), a fim de que a abstinência se mantivesse. É importante lembrar que a partir da terceira consulta todos os pacientes já participavam das sessões do grupo de apoio AA.

A desnutrição do cirrótico é multifatorial, sendo que neste estudo foi decorrente principalmente do baixo consumo calórico, grande proporção de permuta isocalórica com álcool e o alimento e, pelo quadro patológico presente que segundo alguns autores acarreta hipercatabolismo (MÜLLER et al., 1994). Não se pode negar que o álcool além de ser uma droga hepatotóxica direta, trata-se de um "agente" expoliador de nutrientes e ao agir nos diferentes tecidos promove alterações sistêmicas que corroboram para a desnutrição (LINDROS, 1995). Dada a etiologia da cirrose neste estudo podemos afirmar que o álcool participou promovendo a desnutrição.

As causas da desnutrição do cirrótico que tem sido descritas são: ingestão inadequada de nutrientes e calorias, decorrentes da anorexia, alteração do paladar; náuseas e vômitos; má digestão; má absorção; defeito metabólico e presença de encefalopatia hepática (COPLE, 1994; GECELTER & COMER, 1995; CAPACCI, 1996; CARVALHO & PARISE, 1996).

A avaliação nutricional desta amostra foi limitada devido o processo fisiopatológico crônico instalado, que acarreta obstáculos para a identificação das alterações nutricionais. Os processos de ascite e edema nutricional associados a terapia diurética acarretam imprecisões na mensuração do peso que conseqüentemente deve ser estimado, conforme realizado neste trabalho de estudo de casos.

Nos exames bioquímicos mensurados inicialmente, constatou-se elevada prevalência de hipoproteinemia, às custas de hipoalbuminemia; anemia sideroblástica; linfocitose; quadro de intolerância à glicose e hipertrigliceridemia que foram revertidos ao longo dos 18 meses de tratamento. O perfil bioquímico encontrado confirma os dados descritos na literatura.

A utilização dos dados referentes às proteínas totais e frações forneceram a possibilidade de determinar o prognóstico da cirrose hepática, pela classificação de Child, bem como identificar qual a fase da doença (aguda ou crônica) em questão (SHERLOCK, 1993). Ressalta-se que as proteínas viscerais (albumina, transferrina, pré-albumina, proteína carreadora do retinol) não podem ser utilizadas no hepatopata como item de avaliação do estado nutricional, visto terem síntese prejudicada pelo processo fisiopatológico.

Acreditou-se que a anemia sideroblástica detectada nestes pacientes teve como etiologia o baixo consumo de proteínas de alto valor biológico, que são fontes naturais do ferro heme; ao déficit de armazenamento do ferro hepático no período da ingestão alcoólica e possivelmente, a diminuição dos níveis séricos de transferrina decorrentes da alteração de sua síntese hepática.

Os linfócitos há muito têm sido relacionados ao estado nutricional (BLACKBURN & THORNTON, 1979). Neste grupo foi detectado linfocitose possivelmente do tipo carencial, uma vez que regridiu com a implantação do aporte nutricional adequado (GECELTER & COMER, 1995).

As dosagens das transaminases TGO, TGP e GGT na fase inicial verificaram a presença das alterações hepáticas e do consumo etílico. Com o tratamento e a abstinência alcoólica a GGT diminuiu, confirmando sua utilização como marcadora do alcoolismo (REIS, 1990; COPLE, 1994).

O quadro de intolerância à glicose ocorreu em 80% dos pacientes ratificando sua elevada prevalência na população cirrótica descrita na literatura (SHERLOCK, 1993). Os possíveis mecanismos etiopatológicos deste quadro foram: resistência periférica à insulina; elevação dos níveis séricos do hormônio do crescimento; depleção do potássio corporal e do glicogênio hepático, elementos estes que não puderam ser avaliados neste estudo (FEINMAN & LIEBER, 1994). Acompanhando a alteração metabólica imposta pela hiperglicemia, observou-se a alta prevalência de hipertrigliceridemia, decorrente do fornecimento de calorias vazias pelo álcool; do prejuízo na b oxidação hepática pelo dano crônico e pelo quadro de hiperglicemia decorrente da elevada ingestão de glicídios. No oitavo mês de tratamento, somente 26% ainda apresentavam quadro de intolerância à glicose e 14% de hipertrigliceridemia permanecendo nestes percentuais até o final do estudo. A normalização glicêmica e lipidêmica decorreram da implementação de uma dieta com quantidades equilibradas de glicídios complexos, a retirada dos glicídios simples e da utilização das fibras dietéticas.

Diferentes autores descrevem a elevação sérica de uréia, ácido úrico e creatinina nos pacientes cirróticos alcoólicos (FEINMAN & LIEBER, 1989; REIS, 1990), mas neste estudo não observou-se tal prevalência ficando a elevação das referidas substâncias restrita à dois pacientes (4%) que evoluíram para a síndrome hepatorenal.

Na avaliação clínica, verificou-se prevalência significativa (56%) de constipação intestinal; de 72% de graus variados de ascite e de 30% de edema nutricional que reverteram após o tratamento. A presença da ascite teve como uma das principais causas a hipoalbuminemia, que também contribuiu para o edema nutricional. A constipação intestinal teve como fatores etiológicos os erros alimentares, a inatividade física e a própria presença da ascite.

CONCLUSÃO

O paciente portador de uma hepatopatia crônica alcoólica tem o seu estado nutricional severamente comprometido. Observa-se uma perda significativa de reserva adiposa e protéica por parte do paciente.Este fato pode ser decorrente da constante permuta calórica feita pelo alcoólatra entre a bebida alcoólica e o consumo de alimentos.

O órgão lesado é um importante centro de metabolização de nutrientes e das proteínas plasmáticas, contribuindo para esta depleção do estado nutricional.

No momento inicial do tratamento dietoterápico havia uma elevada incidência de desnutrição protéico-energética nos pacientes hepatopatas com história pregressa de alcoolismo. Após o acompanhamento dietoterápico houve a normalização do estado nutricional da maioria dos pacientes, até mesmo dos dois pacientes que vieram a evoluir com a síndrome hepato-renal.

A dieta individualizada e adequada a cada paciente supriu todos os nutrientes necessários para a reversão da sintomatologia e do quadro clínico apresentado, bem como prevenir a instalação da encefalopatia hepática com a utilização da relação de aminoácidos ramificados/aromáticos que variou de 2 a 3/1.

Desta forma o tratamento dietoterápico individualizado é primordial no acompanhamento do paciente com cirrose alcoólica.

Recebido para publicação em 1 de agosto e aceito em 17 de dezembro de 1997.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Nov 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 1998

Histórico

  • Aceito
    17 Dez 1997
  • Recebido
    01 Ago 1997
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