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Principais mudanças corporais percebidas por gestantes adolescentes assistidas em serviços públicos de saúde de Goiânia

Main body changes perceived by pregnant adolescent girls attended in public health services at Goiânia

Resumos

OBJETIVO: O objetivo do estudo foi identificar as mudanças corporais percebidas por gestantes adolescentes e a opinião delas sobre tais mudanças. MÉTODOS: Os dados foram coletados por meio de entrevista, fundamentada em questionário, com 132 gestantes adolescentes, menores de 18 anos que faziam o pré-natal em três serviços públicos de saúde de Goiânia entre 1996 e 1997. Também foi aplicada uma escala de avaliação do apoio familiar e outra de atitude quanto ao ganho de peso. RESULTADOS: As gestantes adolescentes tinham em média 16 anos, 64% eram casadas ou viviam em união consensual e 78% não estudavam. Os dados da escala de apoio familiar indicaram apoio positivo em relação à gestante. As principais mudanças corporais identificadas foram o seio, o peso e a barriga. A mais apreciada foi o crescimento da barriga, possivelmente em função do papel da maternidade na sociedade; a menos apreciada foi o aumento do seio. Constatou-se uma divergência estatisticamente significante (p<0,05) entre a avaliação do peso pré-gestacional e a auto-avaliação deste, sendo que 92% manifestaram atitudes positivas em relação ao ganho de peso. CONCLUSÃO: Uma adequada orientação do serviço de saúde, durante o pré-natal, deve compreender a adolescente a partir da interação entre o universo vivenciado pela gestante e a percepção sobre as mudanças ocorridas em seu corpo.

gestante; adolescente; corpo; ganho de peso; gravidez na adolescência


OBJETIVE: The purpose of the study was to discuss bodily changes perceived by pregnant adolescent girls and their opinion in regard to such changes. METHODS: Data was collected through interviews based on questionnaires and applied to 132 pregnant teenagers in three different public institutions in Goiânia from 1996 to 1997. A family support scale was also applied and another attitude in relation to weight gain. RESULTS: Pregnant teenagers were, in average, 16 years old, 64% of them were married and 78% were not studying. Data from the family support scale has indicated positive support to the pregnant women. The chief bodily changes observed were in the breasts, weight, and in the abdomen or belly. The most desirable change involved the growth of the belly, perhaps on account of the role maternity plays in society; and the least desirable ones were the augmented breasts. A statistically significant deviation (p<0.05) was found regarding the gap between the weight evaluation prior to pregnancy and the weight gained, once that 92 percent expressed positive attitudes in regard to weight gain. CONCLUSION: Proper health-center guidance during prenatal care should range from the interaction between the pregnant teenager and the universe where she lives and assistance in the perception of changes her body is undergoing.

pregnant; adolescent; body; weight gain; pregnancy in adolescence


ORIGINAL ORIGINAL

Principais mudanças corporais percebidas por gestantes adolescentes assistidas em serviços públicos de saúde de Goiânia1 1 Artigo elaborado a partir da dissertação de I.H.C.F. MENEZES, intitulado "Gestante adolescente: percepção das transformações do corpo". Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, 1998. 149p. 2 Correspondência para/ Correspondence to: I.H.C.F. Menezes. E-mail: idamenezes@uol.com.br

Main body changes perceived by pregnant adolescent girls attended in public health services at Goiânia

Ida Helena Carvalho Francescantonio MenezesI, 2 1 Artigo elaborado a partir da dissertação de I.H.C.F. MENEZES, intitulado "Gestante adolescente: percepção das transformações do corpo". Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, 1998. 149p. 2 Correspondência para/ Correspondence to: I.H.C.F. Menezes. E-mail: idamenezes@uol.com.br ; Maria Hermínia Marques da Silva DominguesII

IFaculdade de Nutrição, Universidade Federal de Goiás. Rua 227, s/n, Q. 68, Setor Universitário, 74605-080, Goiânia, GO, Brasil

IIFaculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás. E-mail:domjlh@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: O objetivo do estudo foi identificar as mudanças corporais percebidas por gestantes adolescentes e a opinião delas sobre tais mudanças.

MÉTODOS: Os dados foram coletados por meio de entrevista, fundamentada em questionário, com 132 gestantes adolescentes, menores de 18 anos que faziam o pré-natal em três serviços públicos de saúde de Goiânia entre 1996 e 1997. Também foi aplicada uma escala de avaliação do apoio familiar e outra de atitude quanto ao ganho de peso.

RESULTADOS: As gestantes adolescentes tinham em média 16 anos, 64% eram casadas ou viviam em união consensual e 78% não estudavam. Os dados da escala de apoio familiar indicaram apoio positivo em relação à gestante. As principais mudanças corporais identificadas foram o seio, o peso e a barriga. A mais apreciada foi o crescimento da barriga, possivelmente em função do papel da maternidade na sociedade; a menos apreciada foi o aumento do seio. Constatou-se uma divergência estatisticamente significante (p<0,05) entre a avaliação do peso pré-gestacional e a auto-avaliação deste, sendo que 92% manifestaram atitudes positivas em relação ao ganho de peso.

CONCLUSÃO: Uma adequada orientação do serviço de saúde, durante o pré-natal, deve compreender a adolescente a partir da interação entre o universo vivenciado pela gestante e a percepção sobre as mudanças ocorridas em seu corpo.

Termos de indexação: gestante, adolescente, corpo, ganho de peso, gravidez na adolescência.

ABSTRACT

OBJETIVE: The purpose of the study was to discuss bodily changes perceived by pregnant adolescent girls and their opinion in regard to such changes.

METHODS: Data was collected through interviews based on questionnaires and applied to 132 pregnant teenagers in three different public institutions in Goiânia from 1996 to 1997. A family support scale was also applied and another attitude in relation to weight gain.

RESULTS: Pregnant teenagers were, in average, 16 years old, 64% of them were married and 78% were not studying. Data from the family support scale has indicated positive support to the pregnant women. The chief bodily changes observed were in the breasts, weight, and in the abdomen or belly. The most desirable change involved the growth of the belly, perhaps on account of the role maternity plays in society; and the least desirable ones were the augmented breasts. A statistically significant deviation (p<0.05) was found regarding the gap between the weight evaluation prior to pregnancy and the weight gained, once that 92 percent expressed positive attitudes in regard to weight gain.

CONCLUSION: Proper health-center guidance during prenatal care should range from the interaction between the pregnant teenager and the universe where she lives and assistance in the perception of changes her body is undergoing.

Index terms: pregnant, adolescent, body, weight gain, pregnancy in adolescence.

INTRODUÇÃO

A gravidez na adolescência é um fato presente nos serviços de saúde. Em 2000 foram realizados 2,6 milhões de partos pelo Serviço Único de Saúde. Desses, 679 mil, ou 27,13%, foram de jovens de 10 a 19 anos1. Em Goiânia, segundo informações coletadas junto ao Sistema de Informações sobre os Nascidos Vivos, 22,1% das crianças nascidas no ano de 2000 eram de mães adolescentes; dessas 2,7% eram filhos de mães com idade compreendida entre 10 a 14 anos.

Tais dados são mais preocupantes quando se considera os significados econômicos, sociais e psicobiológicos da gravidez na adolescência nos dias atuais. Em relação aos primeiros, verifica-se que, diante da modernização ocorrida nas últimas décadas, criou-se uma expectativa de redução da maternidade durante a adolescência como uma conseqüência do papel social da mulher, passando-se a exigir dela não só o papel de mãe e dona de casa, mas também uma inserção mais efetiva na força de trabalho2. Quanto aos aspectos psicobiológicos, destacam-se aqueles referentes às mudanças corporais. Na adolescência ocorrem mudanças significativas, em curto período de tempo, muitas vezes desenvolvendo no adolescente um sentimento de estranheza em relação ao próprio corpo3. Nesse sentido entre os elementos que estruturam a imagem corporal estão presentes os fatores sociológicos, estabelecidos pelo papel que é dado ao corpo em uma determinada cultura. Geralmente, durante a adolescência, está presente um conflito entre a imagem idealizada e aquela real do corpo em transformação, gerando assim insatisfação e a prática de hábitos de saúde inadequados, tais como jejum, uso de laxantes e diuréticos4.

Diante de uma sociedade que valoriza o corpo esbelto, a imagem da gestante não se justapõe à imagem da adolescente valorizada pelos meios de comunicação. O conflito entre a auto-imagem e o corpo idealizado pode ser acentuado quando se considera que, durante a gravidez, as transformações corporais ocorrem em um curto espaço de tempo, exigindo da gestante um processo de adaptação, o que certamente interfere na sua imagem corporal5,6.

O peso é uma das mudanças corporais que desperta nas gestantes em geral. No entanto, quando se refere à gravidez na adolescência, a literatura indica controvérsias entre os estudos que analisam a satisfação em relação ao ganho de peso e a imagem corporal. Baker et al.7, em um estudo prospectivo de um grupo de 90 gestantes, observaram que durante a gestação pode ocorrer aumento na satisfação com o peso e com a imagem corporal. Stevens –Simon et al.8, em um estudo com 99 gestantes adolescentes, observaram atitudes positivas destas em relação ao ganho de peso. Matsuhashi & Felice9, comparando um grupo de gestantes adolescentes com um de adolescentes não grávidas, observaram uma melhor auto-estima e imagem corporal mais positiva entre as grávidas. Ao contrário, os resultados do estudo de Stenberg & Blinn10 indicam que as gestantes adolescentes apresentaram sentimentos negativos em relação a elas próprias, assim como em relação às mudanças corporais ocorridas. Um dado que se destaca é que tais opiniões não eram estáveis ao longo do período em estudo, indicando que o período de gestação talvez possa ser um elemento a ser destacado em futuros estudos.

O peso gestacional é o reflexo de uma série de mudanças corporais tais como: o aumento do seio, o crescimento do bebê, o aumento de líquidos e de gordura. É portanto, o objetivo deste estudo, de caráter descritivo, identificar as mudanças corporais percebidas pelas gestantes adolescentes e a opinião delas sobre tais mudanças.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

A amostra foi composta por 132 gestantes adolescentes, nulíparas, inscritas no pré-natal de três serviços de saúde pública, dois estaduais e um federal, de Goiânia, no período de outubro de 1996 a fevereiro de 1997.

Apesar de a Organização Mundial de Saúde (OMS)11 definir a adolescência como o período entre as idades de 10 a 20 anos, no entanto, neste estudo, foram selecionadas gestantes adolescentes até a idade de 18 anos completos.

Foram realizadas entrevistas dirigidas, fundamentada em um questionário e em duas escalas - uma de atitudes em relação ao ganho de peso e outra para avaliação do apoio familiar. Alguns dados foram coletados diretamente do prontuário ou do cartão da gestante. Os instrumentos de coleta de dados foram validados por equipe de três juízes sendo também pré-testados.

Foram colhidos dados sobre as condições socioeconômicas (renda, escolaridade e ocupação do chefe da família), o contexto familiar (estado civil, idade e escolaridade dos pais da criança, relacionamento com o pai da criança, atitudes dos próprios pais e do pai da criança diante da gravidez), a gestação (idade da menarca, data da última menstruação, semana de gestação, peso pré-gestacional e o atual), e as mudanças corporais. A análise do peso pré-gestacional foi feita segundo a opinião da gestante sobre esse e o Índice de Massa Corporal (IMC) pré-gestacional11. A aplicação do questionário foi realizada pela própria pesquisadora em local reservado, individualmente, antes ou depois da consulta médica. Todas as gestantes adolescentes presentes na unidade e que atendiam aos critérios estipulados, foram convidadas a participar da pesquisa. As questões abertas e fechadas eram feitas oralmente, anotando-se as respostas em seguida. As alternativas já existentes nas questões fechadas não eram expostas à adolescente.

A escala de atitudes de gestantes em relação ao ganho de peso, elaborada e validada por Palmer et al.12, é do tipo Likert e busca identificar o grau de concordância das gestantes quanto ao ganho de peso no período gestacional, tendo sido retirado a alternativa que expressava a resposta "não concordo nem discordo". Tal adaptação busca obter uma posição clara de concordância ou discordância da gestante adolescente no que se refere a cada item. A validação da escala modificada foi feita utilizando-se o mesmo método do estudo original, resultando um valor de r = 0,71. Na análise dos dados obtidos por essa escala, a média geral foi calculada a partir das médias de pontos obtidas para cada gestante, sendo consideradas como atitudes positivas aquelas > 2,5, e como atitudes negativas aquelas inferiores a esse ponto de corte.

A segunda escala, para avaliar o apoio familiar, elaborada por Smilkstein et al.13, é fundamentada em cinco aspectos de convivência familiar - adaptação, associação, crescimento, afeição e resolução. Para a escala de apoio familiar não foi feita a validação, pois não se propôs nenhuma modificação na escala original.

Antes da aplicação das escalas era feita uma orientação sobre a forma como deveriam responder ao questionário. Em seguida, cada item deste era lido pela pesquisadora e a gestante adolescente respondia de acordo com as alternativas de respostas apresentadas em um cartaz.

A análise dos dados incluiu a codificação e a informatização por meio do programa Epi Info versão 6, para obtenção de freqüências e do teste c2, com o objetivo de verificar as relações existentes entre as variáveis.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As adolescentes estudadas residiam em Goiânia (47,7%) ou na grande Goiânia (49,9%) e tinham de 12 a 18 anos, sendo a idade média de 16,5 anos. Destaca-se que 47,0% eram menores de 16 anos, confirmando os dados atuais que apontam para a diminuição da fecundidade da mulher brasileira, no entanto, com aumento na participação do grupo de 15 a 19 anos na taxa de fecundidade total14.

A maioria das gestantes (82,6%) estava no segundo ou terceiro trimestre de gravidez, sendo que destas, 48,6% estavam no último trimestre, período no qual são mais acentuadas as mudanças corporais. Metade das gestantes (49,3%) pertencia a famílias cuja renda familiar era inferior a dois salários mínimos; destas, 36,9% referiram menos de um salário mínimo.

Em relação ao estado civil, 64,0% das gestantes estavam casadas ou em união consensual, o que é um fator positivo diante da gravidez, especialmente na adolescência. No entanto, 36,0% eram solteiras, o que é uma condição geralmente desfavorável, pois pode acarretar maiores limitações nas oportunidades de educação, trabalho e futuro matrimônio15. A média de tempo para o estado civil foi de 9,9 meses, sendo que 59,5% estavam unidas ou casadas havia menos de nove meses e 44,0% havia menos de seis meses, sugerindo a ocorrência de gravidez em um momento da convivência inicial do casal ou que a gravidez foi motivo da união, fato também encontrado por Neves2.

Apesar de se encontrarem em idade de formação escolar, somente 22,0% das gestantes adolescentes afirmaram ainda estar estudando, e quase metade (44,8%) cursava até a sexta série. Das que não estudavam mais, 77,0% pararam seus estudos até a sexta série. Tal dado indica tanto o abandono precoce quanto a distorção idade/série, visto que a média de idade é de 16,5 anos. A baixa escolaridade, por gerar uma baixa expectativa quanto ao futuro, é apontada como um fator de risco para a gravidez na adolescência, assim como a gravidez é um fator para a interrupção da escolaridade15,16.

Os pais dos filhos das adolescentes eram em sua maioria (64,4%) os atuais companheiros, com a idade média de 21 anos, sendo 37,1% também adolescentes. Em relação ao nível de escolaridade, destaca-se que 50,0% deles cursaram até a sexta série.

A gravidez não foi planejada para a maioria (75,0%) das gestantes, fato também encontrado por Guimarães16. Os dados indicam uma relação estatisticamente significante (c2=20,51; gL=2; p<0,05) entre o planejamento da gravidez e o estado civil, demonstrando a falta de planejamento, sobretudo entre as solteiras. Apesar disso, a alegria foi o sentimento mais presente diante da confirmação da gravidez, representando 43,8% do total de respostas e 53,8% do total de respondentes. Sentimentos negativos também estiveram presentes – medo, rejeição, preocupação. Algumas gestantes (22,7%) expressaram mais de um sentimento diante da gravidez, até mesmo alguns ambivalentes, característica própria desse estado, como descrito por Soifer17.

Foi encontrada uma relação direta estatisticamente significante entre sentimento positivo diante da gravidez e seu planejamento (c2=29,49; gL=2; p<0,05). As gestantes solteiras demonstraram maior sentimento negativo diante da gravidez do que as demais, diferença esta estatisticamente significante (c2=24,36; gL=4; p<0,05).

A atitude construtiva do pai do bebê (58%) e da mãe da gestante (43%) diante da gravidez fica evidente quando se observa que a escala de apoio familiar, apesar de ter uma média 6,0, apresentou alto desvio-padrão (2,0). Esta média é mais baixa do que a encontrada em outros estudos13, porém nenhum deles foi realizado com adolescentes gestantes. Destaca-se que para 46% das gestantes o pai estava ausente.

Em relação às mudanças corporais verifica-se que a maioria absoluta das gestantes adolescentes (98,5%) afirmou ter percebido alguma mudança corporal durante a gravidez. Somente duas responderam negativamente, apesar de estarem com mais de 38 semanas de gestação, não tendo sido identificado os motivos para tal resposta (Tabela 1).

Verifica-se ser no seio a mudança mais percebida, seguida pela mudança de peso (52,3%, dos quais 40,9% correspondentes a engordar e 11,4% a emagrecer) e pela barriga. Das mudanças percebidas, algumas agradaram às adolescentes e outras não (Tabelas 2 e 3).

A mudança corporal mais apreciada pelas adolescentes foi na barriga (48,5%), sobretudo pelo fato de seu crescimento (50,6%). A barriga assume especial papel durante a gestação, pois ela representa o produto da gestação, o bebê. O crescimento dela é sinal de que a gestação está evoluindo de forma satisfatória e reforça na mulher o seu papel de ser capaz de gerar um filho saudável. Além disso, a barriga confere à gestante uma posição especial e muitas vezes de poder em determinadas culturas5,18. O seio, por outro lado, além de ter sido a mudança mais percebida, também foi a que as adolescentes menos gostaram (Tabela 3).

Estudos sobre adolescentes americanas não grávidas ressaltam a presença do desejo de seios maiores, bem como lábios, coxas e nádegas menores. Alguns autores afirmam que as adolescentes se sentem descontentes com o alargamento da parte superior do corpo, com exceção do busto, pois desejam que ele seja maior19. Também em um estudo com gestantes adolescentes referente à estabilidade de sentimentos sobre o "eu" e o corpo durante a gestação, Stenberg & Blinn10 observaram que, em relação ao último, elas expressaram-se com sentimentos de acharem-se feias e gordas. O tamanho do estômago e o ganho de peso foram as queixas mais comuns.

Faz-se importante ressaltar as diferenças culturais entre a população americana e a aqui estudada. A ênfase na percepção do seio durante a gestação sugere que seu significado seja repensado para as gestantes adolescentes, pois é uma parte do corpo vista, na atualidade, como símbolo de sensualidade, mas que durante a gravidez assume um novo papel, ou seja, fonte imediata de alimento para o recém-nascido.

Deve-se destacar que somente 14% das gestantes adolescentes afirmaram que receberam informações sobre mudanças corporais da equipe de saúde durante o pré-natal, sendo a enfermeira a mais citada entre os membros dessas equipes; 26% receberam informações dos familiares; e 50% não responderam indicando, possivelmente, a falta de informação sobre este aspecto. Em razão das características próprias da adolescente diante das mudanças corporais, é necessário que o profissional de saúde fique mais atento a esse aspecto durante a gestação20.

A análise do peso pré-gestacional, segundo o IMC11, apontou para o fato de que a maioria das gestantes (67,4%) estava eutrófica (Tabela 4). No entanto, as opiniões das gestantes sobre seu peso pré-gestacional foram divergentes do peso real, sendo essa relação estatisticamente significante (c2=113,65; gL=9; p<0,05). A maior distorção foi constatada entre a maioria (89,3%), que considerava o seu peso acima do normal, mas que na verdade estava eutrófica (Tabela 4). Entre aquelas que consideravam o peso pré-gestacional abaixo do normal, 31,2% estavam eutróficas; das que o consideravam normal, 29,7% apresentavam baixo peso e 2,3%, sobrepeso. Percebe-se, portanto, uma divergência entre a avaliação real do peso pré-gestacional e a opinião da gestante adolescente sobre ele, acentuando ainda mais a preocupação com peso excessivo, tendência já bastante presente na adolescência4,19.

Esta percepção distorcida também foi verificada por Morin et al.21 no estudo das atitudes e percepções da imagem do corpo no pós-parto de mulheres americanas de origem africana, no qual observaram que todas as mulheres se consideravam maiores do que realmente eram, independente do tamanho real.

Para a quase totalidade das gestantes (97,7%) uma grávida deve engordar. No entanto, 42,0% achavam que deveriam engordar menos que 11,5kg, ganho de peso mínimo recomendado pela OMS11 para mulheres adultas e que iniciam a gravidez com o peso pré-gestacional adequado, segundo o índice de massa corporal pré-gestacional. Deve-se destacar que 30% não sabiam a quantidade de quilos a ser adquirida durante a gravidez, e o serviço de saúde pouco contribuiu (3,03%) para o fornecimento dessa informação.

Apesar da discordância entre a opinião sobre o peso pré-gestacional e a avaliação real do IMC, bem como o desconhecimento sobre quantos quilos uma grávida deve engordar, a maioria das adolescentes (92,4%) teve atitudes positivas em relação ao ganho de peso. Assim, ressalta-se que 92,4% das gestantes obtiveram um escore maior ou igual a 2,5, resultado semelhante ao encontrado por Stevens-Simons et al.8 e Gutierrez22. O valor máximo de escore para a escala de atitude de ganho de peso foi 3,7 e o valor mínimo 2,2, resultando numa amplitude de 1,55. A média foi de 2,9, com um desvio padrão de 0,78 e a mediana 3,0, indicando a heterogeneidade do grupo em estudo. Considera-se que a média acima do ponto de corte é um indicador de atitudes positivas em relação ao ganho de peso. Dos 18 itens da escala somente dois tiveram uma média abaixo do ponto de corte: "Eu me preocupo se ficarei gorda durante a gestação" (média 2,3) e "Eu gostaria de ganhar entre 5kg a 9kg durante essa gravidez" (média 2,4). Por outro lado, os itens "Eu me orgulho que os outros percebam que eu estou grávida", "Eu ganharia 18kg se isso significasse que meu bebê fosse mais saudável" e "Eu ganharia 16kg se isso significasse que meu bebê fosse mais saudável" tiveram as maiores médias, todos com 3,3. Tais dados indicam que as gestantes apresentaram certa preocupação com o ganho de peso; entretanto, quando este está associado ao bebê, esta preocupação fica em segundo plano.

As atitudes positivas em relação ao ganho de peso, em contraposição à visão distorcida do peso pré-gestacional e às informações inadequadas sobre o ganho de peso, sugerem a superação das dificuldades características dessa fase do desenvolvimento quanto à satisfação com o próprio corpo. Esse fato é decorrente, possivelmente, da importância dada à maternidade pelas gestantes5,7-9.

O conjunto desses resultados indica, à equipe de saúde, a necessidade de obter informações anteriores à gravidez que possam interferir no seu desenvolvimento, pois o pré-natal é um momento favorável à sua atuação profissional. Segundo Rubin18, a gestação é um período em que a mulher está, em geral, mais disposta a seguir as orientações, buscando mesmo uma mudança nos seus hábitos de vida, visando a melhores condições de saúde para seu filho e para si própria. A autora afirma ainda que, enquanto a gestante multípara já possui uma série de informações sobre a gravidez, a nulípara, tendo como reforço de sua condição a situação de adolescente, apresenta maiores dificuldades na busca de modelos, muitas vezes pouco interagindo com mulheres mais experientes. Este constrangimento parece ser um elemento próprio do seu estágio de desenvolvimento cognitivo, com uma visão limitada do tempo futuro, um senso de isolamento que promove mais alienação do que identificação, dificultando a compreensão das mudanças que estão ocorrendo em seu corpo. Tal estado pode prejudicar a prática das orientações recebidas no serviço de saúde, daí a necessidade de se desenvolver um trabalho contínuo e integral junto às gestantes adolescentes.

CONCLUSÃO

As gestantes adolescentes estudadas, consideradas de baixo nível socioeconômico, identificaram o crescimento do seio como a mudança corporal mais percebida, e a de que elas menos gostaram. Tal informação evidencia a necessidade de durante o pré-natal a gestante adolescente ser preparada para compreender as mudanças corporais, especialmente aquelas relacionadas ao seio, em razão da prática do aleitamento materno.

A identificação da barriga como a mudança que elas mais gostaram, principalmente devido ao seu crescimento, bem como as atitudes positivas em relação ao ganho de peso, sugere superação das dificuldades, possivelmente, em função do significado da maternidade na sociedade.

A desinformação durante o pré-natal sobre as mudanças corporais e o ganho de peso gestacional evidencia a fragilidade do serviço de saúde no atendimento integral à gestante adolescente.

A gravidez na adolescência deve ser compreendida, pela equipe de saúde, no conjunto de seus aspectos socioeconômicos e psicossociais. A prática de uma orientação mais abrangente durante a gestação só será possível a partir da valorização da interação entre o universo vivenciado pela gestante adolescente e a adequada percepção sobre as mudanças que ocorrem em seu corpo.

Recebido em 19 de dezembro de 2001 e aceito em 22 de junho de 2003

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  • 1
    Artigo elaborado a partir da dissertação de I.H.C.F. MENEZES, intitulado "Gestante adolescente: percepção das transformações do corpo". Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, 1998. 149p.
    2
    Correspondência para/
    Correspondence to: I.H.C.F. Menezes.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Recebido
      19 Dez 2001
    • Aceito
      22 Jun 2003
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