Acessibilidade / Reportar erro

Impacto da ingestão de cálcio sobre a mineralização óssea em adolescentes

The impact of calcium ingestion on the bone mineralization in adolescents

Resumos

A puberdade destaca-se como período fundamental para a aquisição de massa óssea. Durante essa fase da vida, a mineralização encontra-se aumentada com taxas de formação óssea superior às de reabsorção. Nesse sentido, o objetivo desta revisão foi investigar a inter-relação da ingestão dietética de cálcio com a mineralização óssea, durante a puberdade. Entre os fatores influenciadores nutricionais, merecem destaque o fosfato e o magnésio, que, juntamente com o cálcio, mantêm a integridade estrutural do esqueleto. A revisão de literatura indicou que os excessos de proteína e de refrigerantes, na alimentação dos jovens, acarretam comprometimento na mineralização óssea, embora os dados sejam ainda contraditórios. Conclui-se que, durante o período da puberdade, é indicado manter o aporte de cálcio em níveis adequados, na perspectiva de maximizar o pico da massa óssea.

adolescente; cálcio; mineralização óssea; calcificação fisiológica


The puberty is distinguished as the main period for bone mass acquisition. During this phase of the life, the mineralization finds an increase with higher taxes of bone formation compared to re-absorption cycle. In this direction, the objective of this revision was an investigation of the interrelation between the dietary calcium ingestion and bone mineralization during the puberty. Among nutritional factors, deserve prominence phosphate and magnesium, that, jointly with calcium keep the structural integrity of the skeleton. The literature revision indicated that the excesses of protein and carbonated soft drinks in the feeding of the young people cause a jeopardizing in the bone mineralization, even so the data is still contradictory. In conclusion, during the period of the puberty, is indicated to keep the amount of calcium in adjusted levels, with the perspective of bone mass peak maximization.

adolescent; calcium; bone mineralization; calcification; physiologic


COMUNICAÇÃO COMMUNICATION

Impacto da ingestão de cálcio sobre a mineralização óssea em adolescentes

The impact of calcium ingestion on the bone mineralization in adolescents

Carla Cristiane da SilvaI; Altamir Santos TeixeiraII; Tamara Beres Lederer GoldbergIII,1 1 Correspondência para / Correspondence to: T.B.L. GOLDBERG. E-mail: tamara@fmb.unesp.br

IMestranda em Pediatria, Programa de Pós-Graduação em Pediatria, Faculdade de Medicina Botucatu, Universidade Estadual Paulista. Botucatu, SP, Brasil. Bolsista CNPq

IIDepartamento de Doenças Tropicais e Diagnóstico por Imagem, Faculdade de Medicina Botucatu, Universidade Estadual Paulista. Botucatu, SP, Brasil

IIIDepartamento de Pediatria, Faculdade de Medicina Botucatu, Universidade Estadual Paulista. 18607-918, Botucatu, SP, Brasil

RESUMO

A puberdade destaca-se como período fundamental para a aquisição de massa óssea. Durante essa fase da vida, a mineralização encontra-se aumentada com taxas de formação óssea superior às de reabsorção. Nesse sentido, o objetivo desta revisão foi investigar a inter-relação da ingestão dietética de cálcio com a mineralização óssea, durante a puberdade. Entre os fatores influenciadores nutricionais, merecem destaque o fosfato e o magnésio, que, juntamente com o cálcio, mantêm a integridade estrutural do esqueleto. A revisão de literatura indicou que os excessos de proteína e de refrigerantes, na alimentação dos jovens, acarretam comprometimento na mineralização óssea, embora os dados sejam ainda contraditórios. Conclui-se que, durante o período da puberdade, é indicado manter o aporte de cálcio em níveis adequados, na perspectiva de maximizar o pico da massa óssea.

Termos de indexação: adolescente, cálcio, mineralização óssea, calcificação fisiológica.

ABSTRACT

The puberty is distinguished as the main period for bone mass acquisition. During this phase of the life, the mineralization finds an increase with higher taxes of bone formation compared to re-absorption cycle. In this direction, the objective of this revision was an investigation of the interrelation between the dietary calcium ingestion and bone mineralization during the puberty. Among nutritional factors, deserve prominence phosphate and magnesium, that, jointly with calcium keep the structural integrity of the skeleton. The literature revision indicated that the excesses of protein and carbonated soft drinks in the feeding of the young people cause a jeopardizing in the bone mineralization, even so the data is still contradictory. In conclusion, during the period of the puberty, is indicated to keep the amount of calcium in adjusted levels, with the perspective of bone mass peak maximization.

Index terms: adolescent, calcium, bone mineralization, calcification, physiologic.

INTRODUÇÃO

Durante as duas primeiras décadas de vida, as principais atividades do organismo são crescer e desenvolver-se. Para que isso ocorra, é necessária uma maior ou menor velocidade desses fenômenos, que dependerão do nível maturacional em que o indivíduo se encontra1.

Os adolescentes experimentam vários tipos de maturação, incluindo a cognitiva, expressa pelo desenvolvimento dos pensamentos operacionais formais, a psicossocial, caracterizada pela definição da própria identidade, busca de autonomia, questionamento dos padrões familiares e interação grupal, e a biológica. Assim, devido às intensas e complexas modificações morfológicas, fisiológicas, psicológicas e sociais, esse é um dos períodos mais desafiadores do desenvolvimento humano. A Organização Mundial da Saúde considera como adolescentes os indivíduos representados na faixa etária entre 10 e 19 anos2.

A série de mudanças e transições, que envolve as funções biológicas, é reconhecida como puberdade. As mais visíveis transformações que ocorrem nessa fase são o crescimento estatural e o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários. Também deve ser considerada a possibilidade da fecundidade, as alterações corporais e dos mais variados sistemas, tais como o neuroendócrino, o muscular, o esquelético e o cardiovascular, além da mineralização óssea.

A puberdade destaca-se como período crucial para a aquisição do conteúdo mineral ósseo3,4,5. Embora não haja consenso sobre a idade em que o pico de massa óssea ocorre, vários autores consideram a infância e a adolescência como os períodos de maior aumento na massa óssea, para ambos os sexos3,5,6,7. Foi anteriormente descrito que, durante as transformações dos eventos pubertários, os adolescentes acumulam 40% de sua massa óssea total8.

A compreensão do processo de mineralização óssea conduz à busca da prevenção primária da osteoporose, considerada um grave problema de saúde pública, com alto impacto econômico, onerando muito os gastos dos serviços de saúde4,9.

Assim, a saúde óssea passou a ser um tema de grande interesse científico. Para Heaney10, ela depende de três prováveis fatores que se inter-relacionam: os níveis de hormônios circulantes que agem no processo de calcificação, a sobrecarga mecânica imposta ao esqueleto, além da ingestão adequada de cálcio e vitamina D e a sua produção.

Entre os principais estudos que avaliam o papel dos nutrientes na determinação do pico de massa óssea, a ingestão dietética de cálcio recebe destaque3,5,8. O reconhecimento dos fatores nutricionais conduz à possibilidade de intervenção precoce, com o intuito de prevenir o aparecimento de quadros de osteoporose. Embora essa doença se manifeste nos idosos, a predisposição para ela tem início na infância e na adolescência7.

Neste sentido, o objetivo desta revisão é demonstrar a inter-relação da ingestão dietética de cálcio com a mineralização óssea durante a puberdade, bem como indicar interações nutricionais e possíveis conseqüências de um aporte inadequado desse mineral, nessa faixa de idade e repercussões na vida futura. Para tanto, os conceitos aqui apresentados foram obtidos por meio de consulta ao Medline, Lilacs e livros de texto específicos. Como critério de inclusão, utilizaram-se fontes dos últimos dez anos, com exceção de textos clássicos, para o entendimento dos eventos pubertários. Entre os parâmetros e critérios para seleção do material consultado, deu-se preferência por artigos originais que envolvem os aspectos nutricionais relacionados ao cálcio e à adolescência. Os artigos de revisão de literatura e os experimentais foram incluídos para oferecer consolidação ao tema estudado, sendo os artigos experimentais utilizados quando da impossibilidade de confirmação das hipóteses aventadas não ser viável, por meio de investigações com seres humanos.

Relação dos eventos pubertários e crescimento físico com mineralização óssea

O período da puberdade é caracterizado por profundas alterações biológicas, sendo que as externas correspondem ao crescimento físico e à maturação sexual. Ambos são processos dinâmicos que envolvem transformações em nível molecular, celular e somático do organismo11, evidenciando-se de maneira bastante diferenciada, de acordo com o sexo e a etapa na qual o adolescente se encontra.

A aceleração do crescimento físico é uma manifestação característica da maturação sexual1. As adolescentes apresentam seu pico máximo de velocidade de crescimento (PHV) dois anos antes, em média, do que adolescentes do sexo masculino.

Conceitualmente, a puberdade caracteriza-se por uma série de estágios previsíveis e por uma seqüência de mudanças dos caracteres sexuais secundários, os quais são detalhados por vários autores e aceitos internacionalmente12.

O sistema de classificação dos estágios mais freqüentemente utilizado é o de Marshall e Tanner. Estes estágios são listados por meio da sistematização das mudanças das mamas e pêlos pubianos, no sexo feminino, e dos genitais e pêlos pubianos, no sexo masculino13.

O tecido ósseo, como outros, apresenta um processo de maturação que se estende das primeiras semanas de vida embrionária até a idade adulta14. Carrascosa e Guissinyé15 advogam que a mineralização óssea começa na vida fetal e continua durante a infância e a adolescência, quando então se estabiliza, entre 21 e 25 anos de idade.

O crescimento ósseo, por sua vez, é caracterizado por uma constante remodelação, por meio de ganho e perda de massa óssea6,14. Khan et al.16 descreveram a mineralização óssea como um processo cíclico de produção e reabsorção, cujo equilíbrio se modifica ao longo da vida, sendo que, no período da infância e adolescência, ocorre predominância da formação óssea sobre a reabsorção; na idade adulta, ambos os processos estabilizam-se e, a partir dos 45-50 anos, principalmente no sexo feminino, ocorre predomínio da reabsorção.

São indispensáveis investigações sobre a aquisição da massa óssea durante o período que compreende a adolescência, em função das associações que existem entre os eventos pubertários, o pico máximo de velocidade de crescimento (PHV) e a mineralização óssea17.

O pico da massa óssea assume fundamental importância na determinação do risco de fraturas, sendo vinculado a diversos fatores ambientais e genéticos. Blanchet et al.9 destacam o fator genético; entretanto, a participação dos fatores nutricionais não pode ser desprezada5,8, bem como os hormonais, entre os quais, os esteróides sexuais, o calcitriol, o IGF-118, os mecânicos, como o nível de atividade física e o peso corporal8,9, e a influência da maturação sexual17, que atuam modulando a aquisição da massa óssea.

Na gênese dos quadros de osteopenia e osteoporose, também tem-se enfatizado a interação ambiental e genética16. A contribuição genética concorre com 60% a 80% do incremento da densidade mineral óssea9. Vários genes têm sido investigados como determinantes do pico da massa óssea. Tem-se apontado o polimorfismo do gene para o receptor da vitamina D (RVD) como o principal responsável pela variabilidade da massa óssea individual. Blanchet et al.9 investigando esse gene, acompanhando 575 mulheres de 42 a 85 anos, observaram que a região da coluna lombar é mais sensível às alterações genéticas desses alelos do que o colo femural. Contudo, os resultados da atuação desse gene, em estudos que envolvem populações de adolescentes, são escassos, ficando a questão genética inconclusa.

Harnack et al.19 relatam que o pico de massa óssea e os locais específicos para a avaliação da densidade mineral óssea são indicadores importantes, quando se tenciona prevenir um estado de osteopenia e/ou osteoporose precoce. A densitometria óssea, realizada por emissão de raios-X (DEXA), é o exame recomendado pela Organização Mundial da Saúde como critério diagnóstico da síndrome osteoporótica. Esse método propicia uma análise altamente precisa e com baixa exposição à radiação, sendo adequado seu emprego no acompanhamento de crianças e adolescentes14,20.

Para Plapler14, é evidente que o risco de osteoporose pode ser reduzido se houver uma preocupação em aumentar a massa óssea durante a infância e a adolescência, cuidando-se, posteriormente, da taxa de perda óssea pós-pubertária. Atenção especial deve ser dada aos fatores que afetam negativamente a densidade mineral óssea durante a fase de crescimento4,7.

Aspectos dietéticos em populações de adolescentes

As necessidades nutricionais, durante a adolescência, são influenciadas pelas taxas de crescimento físico e de alterações na composição corporal. Trata-se de uma fase marcada por mudanças nas preferências alimentares, questionamentos dos padrões familiares, influência dos grupos de amigos, pressões e modificações, que fazem deste um período de risco nutricional21.

Os aspectos nutricionais relacionados com o crescimento físico merecem grande atenção, uma vez que a nutrição desempenha um papel duplo. Num primeiro momento, interage com certos hormônios, tais como gonadotrofinas e hormônio de crescimento (GH), na regulação de esteróides gonadais e dos níveis de IGF-1; depois, a nutrição proporciona energia e nutrientes necessários ao crescimento e à mineralização do esqueleto15.

A mineralização óssea é de extrema importância por ser responsável pela integridade estrutural do esqueleto16, que, por sua vez, é o maior reservatório do íon cálcio e fosfato, na ordem de 99% e 90%, respectivamente7. Nos ossos, o fosfato, juntamente com o cálcio, constitui a hidroxiapatita [Ca10(PO4)6(OH)2], moléculas cristalinas que compõem o principal depósito mineral do esqueleto16.

Estudos revelam que, durante a puberdade, a retenção de cálcio corresponde a 600mg/dia durante o PHV20. Jackman et al.7 verificaram que, em adolescentes do sexo feminino de 11 a 14 anos, a retenção de cálcio foi 4,5 vezes maior do que aquela observada em mulheres adultas de 20 a 32 anos. Parece evidente que a baixa ingestão desse mineral, durante a fase de crescimento de crianças e adolescentes, resulta em menor mineralização óssea, quando esta é comparada à de indivíduos da mesma faixa etária que tiveram ingestão adequada de cálcio7.

Os adolescentes também incorporam, no organismo, o dobro da quantidade de ferro, zinco e magnésio, durante os anos de estirão de crescimento, em comparação a outras épocas da vida. Particularmente o magnésio deve ser mantido em níveis adequados durante a adolescência, visto que é citado como importante coadjuvante no processo de mineralização óssea3; pois aproximadamente um terço do magnésio corporal encontra-se nos ossos.

A homeostase do cálcio ocorre em função de vários fatores, entre os quais a ingestão dietética, a absorção intestinal, a excreção urinária e o depósito no esqueleto. Com relação à absorção intestinal do cálcio, a forma ativa do metabólito da vitamina D - a diidroxivitamina D [1,25(OH)2D3] - é o principal controlador da absorção intestinal.

A diidroxivitamina D tem um aumento marcante em suas concentrações na fase máxima de crescimento na adolescência18. Nesse sentido, explica-se a grande deposição de massa óssea advinda do aumento da absorção de cálcio dietético, durante a puberdade3.

Em adolescentes, a retenção de cálcio, durante o PHV, apresenta-se aumentada, respectivamente, na ordem de 30% e 36%, para aqueles do sexo feminino e masculino. A eficiência na absorção desse mineral tem sido reportada como sendo 80% maior, na infância e na adolescência3,20. Provavelmente, a baixa ingestão de cálcio durante esses períodos de crescimento intenso é beneficiada por um mecanismo compensatório temporário que atua na manutenção do nível adequado de cálcio16.

Em estudo com adolescentes do sexo feminino entre 11 e 14 anos, foi observado um aumento significativo na formação óssea com concomitante aumento da osteocalcina e da fosfatase alcalina6. Mora et al.17, avaliando 269 crianças e adolescentes entre 7 e 18 anos, verificaram que os estágios maturacionais são bons indicadores de formação óssea. Embora a absorção de cálcio esteja aumentada neste período da vida, a quantidade dietética consumida por adolescentes é decisiva no processo de mineralização óssea. Confirmando tal afirmação, Jackman et al.7, avaliando a retenção de cálcio em 35 adolescentes do sexo feminino de 12 a 15 anos, observaram que, para esta faixa etária, a ingestão de cálcio deve ser de 1200 a 1500mg/dia, para garantir boa retenção do mineral. De forma similar, a Dietary Reference Intakes (DRI) de 1998 recomendam 1300mg/dia tanto para adolescentes do sexo feminino como do masculino22. O Instituto Nacional de Saúde (NIH) estabeleceu que a ingestão "ótima" de cálcio deve ser de 800mg/dia para crianças de 3 a 8 anos e 1300mg/dia para crianças e adolescentes de 9 a 17 anos23, sendo recomen-dada a manutenção de 1000 a 1500mg/dia, após essa fase da vida.

No Brasil, investigações relativas à ingestão de cálcio por crianças e adolescentes de diferentes regiões não indicam resultados otimistas. No município de Maceió, Albuquerque & Monteiro24 estimaram a ingestão de nutrientes, em um grupo de 247 escolares, com idade média de 9,5 anos. Os resultados demonstraram que não foram alcançadas as recomendações para ingestão de cálcio propostas pela DRI22, sendo que a ingestão média foi de apenas 339mg/dia para os meninos e 351mg/dia para as meninas. Lerner et al.25 avaliaram o consumo de cálcio em 323 adolescentes, de ambos os sexos, entre as idades de 13 e 14 anos, na cidade de Osasco. Os autores encontraram uma ingestão superior de cálcio comparada àquela apresentada no estudo anterior, com média de ingestão de 600mg/dia, mas ainda distante das recomendações para adolescentes23.

Por outro lado, estudos sugerem que, durante a adolescência, existe um limiar na ingestão de cálcio, com o máximo de incorporação quando ela estiver ao redor de 1500mg/dia3,7. A ingestão acima da recomendação22 parece não contribuir, proporcionalmente, para a deposição de cálcio no tecido ósseo.

Com o intuito de investigar os efeitos da alta ingestão de cálcio e suas repercussões na saúde óssea, Kimura26 realizou estudo experimental com 40 ratos Wistar, suplementados por 4 semanas com cálcio e subdivididos em 4 grupos, assim formados: grupo 1, controle; grupo 2, com ingestão 2 vezes superior à recomendada; grupos 3 e 4, 5 e 10 vezes mais do que o controle, respectivamente. O autor observou redução do conteúdo mineral ósseo, sobrecarga renal e enrijecimento arterial nos animais dos grupos 3 e 4, quando comparados aos do grupo 1. Assim, é possível inferir que o consumo de cálcio acima dos valores recomendados, por faixa etária, ocasiona efeitos deletérios em vários sistemas, além de comprometer a densidade mineral óssea. De acordo com a DRI22, para adolescentes de ambos os sexos, a quantidade máxima tolerada é de 2500mg/dia.

Entretanto, apenas a avaliação da quantidade consumida de cálcio não é suficiente, quando se objetiva adequar nutricionalmente uma dieta para otimizar a formação óssea, sendo necessário investigar a interação do cálcio com outros nutrientes, como proteína, sódio, potássio e fósforo4,5,8.

A ingestão protéica elevada promove declínio da osteocalcina sérica, o que sugere uma redução concomitante no turnover ósseo, gerando importantes alterações na deposição óssea em adultos27. Esse comprometimento ocorre em função da maior excreção de cálcio urinário, resultante de maior reabsorção óssea26. Porém, a participação isolada da ingestão protéica sobre a mineralização óssea tem sido difícil de avaliar e poucos estudos estão direcionados à faixa etária do adolescente. Dawson-Hughes & Harris27 ressaltam que a alta ingestão protéica pode afetar a absorção intestinal de cálcio, todavia, dados provenientes da literatura ainda são contraditórios.

Em relação aos outros nutrientes e suas atuações diante da mineralização óssea, há poucos relatos na literatura. No caso do potássio e do magnésio, sua ação na preservação do conteúdo mineral ósseo, em mulheres idosas, talvez seja decorrente da manutenção de uma alcalose metabólica moderada, seguida de excreção diminuída de cálcio urinário, resultando em balanço positivo de cálcio4,16.

Em adultos a ingestão de sódio é considerada um fator de risco para a perda urinária de cálcio, e para a reabsorção de cálcio ósseo. No entanto, poucos estudos têm relatado o papel desse micronutriente sobre a mineralização óssea de crianças e adolescentes, muitos deles não encontrando associação entre o sódio urinário e a massa óssea, sugerindo uma diferença entre a modelação óssea própria da criança e a remodelação óssea do adulto4.

Outro aspecto que merece destaque é a ingestão de refrigerantes, particularmente por esse ser um hábito dietético comum, durante a infância e adolescência. A teoria de que a saúde óssea é comprometida pelos níveis de cafeína contida nos refrigerantes, por aumentarem a excreção de cálcio, ainda não está comprovada cientificamente28.

Entre os refrigerantes disponíveis no mercado, os produtos à base de cola são os que acarretam maiores comprometimentos à massa óssea, por estarem fortemente associados à redução da densidade mineral óssea e ao aumento do risco de fraturas29. A ingestão de bebidas dessa natureza pode contribuir para a hiperfosfatemia, ocasionando inibição da diidroxivitamina D, gerando hipocalcemia, pelo grande aporte de fosfato e hidrogênio em sua composição28.

A ingestão diária de fósforo, recomen-dada para crianças de zero a 6 meses, é de 100mg/dia; de 7 a 12 meses, de 275mg/dia e de 10 a 18 anos, de 1250mg/dia22. O leite humano contém 14mg de fosfato a cada 100g, e sua relação Ca:P é de 2,3:1; já no leite de vaca, a proporção é de 1,3:1. Os refrigerantes que contêm ácido fosfórico (colas) possuem uma concentração de fosfato de até 18mg/dL e, praticamente, ausência de cálcio, o que facilita a absorção do fosfato. É importante ressaltar que a avaliação dietética do cálcio e do fósforo deve ser vista de forma integrada, uma vez que os estudos indicam que o consumo de refrigerantes é inversamente proporcional à ingestão de bebidas lácteas. Rampersaud et al.30 destacam o alto consumo de refrigerantes por crianças e adolescentes nos Estados Unidos e Harnack et al.19, acompanhando 1810 crianças e adolescentes entre 2 e 18 anos, evidenciaram um maior consumo de refrigerantes pelos adolescentes, quando comparados às crianças com idade inferior a 10 anos, confirmando um desequilíbrio na relação cálcio/fósforo que favorece o aporte de fósforo.

No Brasil, investigação realizada em Manaus indicou que, dos 118 adolescentes consultados sobre o lanche escolar, 100% deles tinham preferência por refrigerantes31. Em São Paulo, Garcia et al.32, investigando o consumo alimentar e o estado nutricional de 153 adolescentes de 10 a 14 anos, de ambos os sexos, verificaram que bebidas gaseificadas foram consumidas diariamente por 70% dos adolescentes. A quantidade de proteína consumida ultrapassou o recomendado para ambos os sexos, enquanto o consumo médio de cálcio não alcançou as recomendações mínimas, atingindo em média valores de 515,4mg/dia.

Todas as pesquisas consultadas sobre o assunto revelam caráter pontual com análises realizadas em cidades específicas ou áreas metropolitanas de algumas regiões do país. O Brasil ocupa o terceiro lugar em produção de refrigerantes, sendo esta por volta de 10,1 bilhões de litros anuais.

Pode-se intuir que grande parte desse consumo seja realizado por adolescentes33,34, em detrimento do consumo de cálcio, conseqüente à baixa ingestão de leite e seus derivados24,25,32.

Neste sentido, há necessidade de averiguação dos hábitos dietéticos, relacionados ao cálcio e a suas interações nutricionais, que atuam sobre a mineralização óssea em adolescentes brasileiros, uma vez que estudos desta natureza ainda são escassos em nosso país35.

CONCLUSÃO

A adolescência é uma fase da vida considerada de risco nutricional, quando os jovens incorporam seus hábitos dietéticos para o futuro, estabelecendo seus padrões alimentares. Os aspectos nutricionais, que envolvem o adolescente, têm forte influência ambiental e social, onde muitos deles apresentam preocupações ligadas ao corpo, à imagem corporal, à aceitação grupal, à busca da autonomia e identidade, rebeldia contra normas exercidas pela família, sendo submetidos constantemente aos efeitos da propaganda ao estímulo para o consumo de refeições rápidas e alimentação industrializada com alta densidade calórica e valor nutricional questionável.

Sendo a adolescência marcada por grande parte da remodelação e formação do conteúdo mineral ósseo, é de fundamental importância avaliar os aspectos nutricionais, ambientais e sociais que estejam envolvidos na ingestão do cálcio e de outros minerais coadjuvantes ao processo de mineralização óssea, dando-se ênfase às recomendações feitas pela DRI22 para essa faixa etária.

Fica evidente que uma intervenção nutricional adequada em relação à ingestão do cálcio, com recomendação de consumo diário de alimentos lácteos e orientação para a não substituição destes por outros alimentos que interfiram no aporte total de cálcio, atua na maximização do pico da massa óssea durante a adolescência, prevenindo o aparecimento da osteopenia e osteoporose, na vida futura.

Recebido para publicação em 6 de janeiro e aceito em 11 de setembro de 2003.

  • 1. Viru A, Loko J, Harro M, Volver A, Laaneots L, Viru M. Critical periods in development of performance capacity during childhood and adolescence. Eur J Phys Educ 1999; 4:75-119.
  • 2
    World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Geneve: World Health Organization; 1995. 453p.
  • 3. Abrams SA, Grusak MA, Stuff J, Brien KOO. Calcium and magnesium balance in 9-14 y-old children. Am J Clin Nutr 1997; 66:1172-7.
  • 4. Jones G, Riley MD, Whiting S. Association between urinary potassium, urinary sodium, current diet, and bone density in prepuberal children. Am J Clin Nutr 2001; 73:839-44.
  • 5. Crawford MCW, et al Adolescent diet is predictive of peak bone mass. Am J Clin Nutr 2002; 75:356.
  • 6. Weaver CM, Peacock M, Martin BR, Plawecki KL, Mccabe GP. Calcium retention estimated from indicators of skeletal status in adolescent girls and Young women. Am J Clin Nutr 1996; 64:67-70.
  • 7. Jackman LA, et al Calcium retention in relation to calcium intake and postmenarcheal age in adolescent females. Am J Clin Nutr 1997; 66:327-33.
  • 8. Cromer B, Harel Z. Adolescents: at increased risk for osteoporosis? Clin Pediatrics 2000; 39:565-74.
  • 9. Blanchet C, Giguère Y, Prud'Homme D, Dumont M, Rousseau F, Dodin S. Association of physical activity and bone: influence of vitamin D receptor genotype. Med Sci Sports Exerc 2002; 34:24-31.
  • 10. Heaney RP. Calcium, dairy products and osteoporosis. J Am Coll Nutr 2000; 19(Suppl): 83-99.
  • 11. Rogol AD, Clark PA, Roemmich JN. Growth and pubertal development in children and adolescents: effects of diet and physical activity. Am J Clin Nutr 2000; 72(Suppl):521-8.
  • 12. Colli AS. Crescimento e desenvolvimento físico do adolescente. In: Maakaroun MF, Souza RP, Cruz AR. Tratado de adolescência: um estudo multidisciplinar. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 1991. p.5-27.
  • 13. Marshall WA, Tanner JM. Variation in the pattern of pubertal changes in boy. Arch Dis Child 1970; 45:13.
  • 14. Plapler PG. Osteoporose e exercícios. Rev Hosp Clín Fac Med São Paulo 1997; 52:163-70.
  • 15. Carrascosa A, Guissinyé M. Crescimento e mineralização do esqueleto durante a puberdade e adolescência: regulação nutricional e hormonal. Anais Nestlé 1998; 55:9-17.
  • 16. Khan K, Mckay H, Kannus P, Bailey D, Wark J, Bennell K. Physical activity and bone health. Champaign: Human Kinetics; 2001. p.275.
  • 17. Mora S, Pitukcheewanont P, Kaufman FR, Nelson JC, Gilsang V. Biochemical markers bone turnover and the volume and the density of bone in children at different stages of sexual development. J Bone Min Res 1999; 14:1664-71.
  • 18. Ilich JZ, Badenhop NE, Jelic T, Clairmont AC, Nagode LA, Matkovic V. Calcitriol and bone mass accumulation in female during puberty. Calcif Tissue Int 1997; 61:104-09.
  • 19. Harnack L, Stang L, Story M. Soft drinks consumption among US children and adolescents: Nutritional consequences. J Am Diet Assoc 1999; 99:436-41.
  • 20. Martin AD, Bailey DA, Mckay HA, Whiting S. Bone mineral and calcium accretion during puberty. Am J Clin Nutr 1997; 66:611-15.
  • 21. Kerruish KP, O'Connor J, Humphries IRJ, Kohn MR, Clarke SD, Briody JN, et al Body composition in adolescents with anorexia nervosa. Am J Clin Nutr 2002; 75:31-7.
  • 22
    Institute of Medicine (US). Dietary references intakes for calcium, phosphorus, magnesium, vitamin D, and fluoride. Washington, DC: National Academy Press; 1998. p.432.
  • 23. National Institute Health. Osteoporosis prevention, diagnosis, and therapy. Washington, DC: NIH Concensus Statement 2000; 17:1-36.
  • 24. Albuquerque MFM, Monteiro AM. Ingestão de alimentos e adequação de nutrientes no final da infância. Rev Nutr 2002; 15:291-9.
  • 25. Lerner BR, Lei DLM, Chaves SP, Freire RD. O cálcio consumido por adolescentes de escolas públicas de Osasco, São Paulo. Rev Nutr 2000; 13:57-63.
  • 26. Kimura M. Osteoporosis induced by over calcium intake. Am J Clin Nutr 2002; 75:384.
  • 27. Dawson-Hughes B, Harris SS. Calcium intake influences the association of protein intake with rates of bone loss in elderly men and women. Am J Clin Nutr 2002; 75:773-9.
  • 28. Amato D, Maravilha A, Contreas FG, Paniagua R. Los refrescos y la salud. Rev Investig Clin 1997; 49:387-95.
  • 29. Wyshak G, Frisch RE. Carbonated beverages, dietary calcium, the dietary calcium/phosphorus ratio, and bone fractures in girls and boys. J Adolescent Health 1994; 15:210-15.
  • 30. Rampersaud GC, Bailey LB, Kauwell GP. National survey beverage consumption date children and adolescents indicate the need to encourage a shift toward more nutritive beverages. J Am Diet Assoc 2003; 103:97-100.
  • 31. Doyle EI, Feldman RHL. Preferências nutricionais entre adolescentes de classe média de Manaus, AM (Brasil). Rev Saude Publica 1997; 31:342-50.
  • 32. Garcia GCB, Gambardella AMD, Frutuoso MFP. Estado nutricional e consumo alimentar de adolescentes de um centro de juventude da cidade de São Paulo. Rev Nutr 2003; 16:41-50.
  • 33. Carvalho CMRG, Nogueira AMT, Teles JBM, Paz SMR, Sousa RML. Consumo alimentar de adolescentes matriculados em um colégio particular de Teresina, Piauí, Brasil. Rev Nutr 2001; 14:85-93.
  • 34. Aquino RC, Philippi ST. Consumo infantil de alimentos industrializados e renda familiar na cidade de São Paulo. Rev Saude Publica 2002; 36:655-60.
  • 35. Silva CC, Teixeira AS, Goldberg TBL. Densidade e conteúdo mineral ósseo de adolescentes na faixa etária de 10 a 20 anos. Botucatu: Faculdade de Medicina Botucatu; Departamento de Pediatria; 2001. (Processo CnPq nº 130043/2003).
  • 1
    Correspondência para /
    Correspondence to: T.B.L. GOLDBERG.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Out 2004
    • Data do Fascículo
      Set 2004

    Histórico

    • Aceito
      11 Set 2003
    • Recebido
      06 Jan 2003
    Pontifícia Universidade Católica de Campinas Núcleo de Editoração SBI - Campus II , Av. John Boyd Dunlop, s/n. - Prédio de Odontologia, 13059-900 Campinas - SP Brasil, Tel./Fax: +55 19 3343-6875 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: sbi.submissionrn@puc-campinas.edu.br