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Estado nutricional e maturação sexual de adolescentes de uma escola pública e de uma escola privada do Município do Rio de Janeiro

Nutritional status and pubertal stage of adolescents from one public school and one private school from Rio de Janeiro, Brazil

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o estado nutricional e a maturação sexual de adolescentes de 11 a 15,9 anos, de níveis socioeconômicos diferentes. MÉTODOS: Foram avaliados 303 estudantes de uma escola pública e 199 de uma escola privada do município do Rio de Janeiro. O estado nutricional foi avaliado por meio do índice de massa corporal e dobras cutâneas tricipital e subescapular. Avaliou-se a maturação sexual, por intermédio de auto-avaliação, para identificação de estágio de desenvolvimento de mama e genitália externa. RESULTADOS: Na escola pública, observou-se que 2,0% dos adolescentes tinham baixo peso, 6,6% sobrepeso e 9,2% eram obesos. Na escola privada, as respectivas freqüências foram 3,0%, 9,0% e 18,1%, sem diferença entre os sexos. Na escola privada, maior número de meninas apresentava sobrepeso/obesidade (27,1% vs 14,2%; chi2=8,08, p=0,004), e maior número de meninos e meninas estavam em estágios mais avançados de maturação sexual do que os da escola pública. O risco de apresentar sobrepeso/obesidade foi maior nas adolescentes em estágios mais avançados de maturação sexual (Odds ratio=3,16, intervalos de confiança de 95,0% 1,71-5,87). Esta associação foi observada apenas nos adolescentes da escola pública (Odds ratios=3,52 intervalos de confiança 95,0% 1,76-7,07). CONCLUSÃO: A obesidade foi o problema nutricional mais relevante entre os adolescentes. Nos estudantes da escola pública, o processo de maturação sexual foi mais tardio do que nos da escola privada.

adolescente; avaliação nutricional; maturação sexual


OBJETIVE: To compare the nutritional status and sexual maturation of adolescents 11 to 15.9 years old, from different socioeconomic levels. METHODS: Three hundred and three adolescents from one public school were evaluated, and 199 from one private school, both in the municipality of Rio de Janeiro. The nutritional status was assessed by body mass index and triciptal and subscapular skinfold thickness measurements. The sexual maturation was assessed through self-examination, identifying stages of genitals and breasts' development. RESULTS: In the public school, 2.0% of the adolescents were classified as underweight, 6.6% as overweight, and 9.2% as obese, whereas in the private school, such occurrences were 3.0%, 9.0%, and 18.1%, respectively. Regarding these occurrences, there were no differences between sexes. On the othser hand, at the private school, greater proportion of girls presented overweight/obesity (27.1% vs 14.2%; chi ²=8.08, p=0.004), and girls and boys were more advanced in sexual maturation than their public school counterparts. Only in adolescents from public school overweight/obesity were associated with advanced sexual maturation (Odds ratio=3.52 IC 95.0% 1.76-7.07). Therefore, the total risk of overweight/obesity was higher among adolescents with advanced sexual maturation (Odds ratio=3.16, CI 95.0%=1.71-5.87). CONCLUSION: Obesity was the main nutritional problem in adolescents. The public school students presented sexual maturation, later than the private school ones.

adolescent; nutrition assessment; sexual maturation


ORIGINAL ORIGINAL

Estado nutricional e maturação sexual de adolescentes de uma escola pública e de uma escola privada do Município do Rio de Janeiro

Nutritional status and pubertal stage of adolescents from one public school and one private school from Rio de Janeiro, Brazil

Celina Szuchmacher Oliveira; Glória Valéria da Veiga1 1 Correspondência para/ Correspondence to: G.V.VEIGA. Email: < gvveiga@gbl.com.br>

Instituto de Nutrição, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Av. Brigadeiro Trompowisky, s/n, Bloco J, 2º andar, Ilha do Fundão, 21941-590, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o estado nutricional e a maturação sexual de adolescentes de 11 a 15,9 anos, de níveis socioeconômicos diferentes.

MÉTODOS: Foram avaliados 303 estudantes de uma escola pública e 199 de uma escola privada do município do Rio de Janeiro. O estado nutricional foi avaliado por meio do índice de massa corporal e dobras cutâneas tricipital e subescapular. Avaliou-se a maturação sexual, por intermédio de auto-avaliação, para identificação de estágio de desenvolvimento de mama e genitália externa.

RESULTADOS: Na escola pública, observou-se que 2,0% dos adolescentes tinham baixo peso, 6,6% sobrepeso e 9,2% eram obesos. Na escola privada, as respectivas freqüências foram 3,0%, 9,0% e 18,1%, sem diferença entre os sexos. Na escola privada, maior número de meninas apresentava sobrepeso/obesidade (27,1% vs 14,2%; c2=8,08, p=0,004), e maior número de meninos e meninas estavam em estágios mais avançados de maturação sexual do que os da escola pública. O risco de apresentar sobrepeso/obesidade foi maior nas adolescentes em estágios mais avançados de maturação sexual (Odds ratio=3,16, intervalos de confiança de 95,0% 1,71-5,87). Esta associação foi observada apenas nos adolescentes da escola pública (Odds ratios=3,52 intervalos de confiança 95,0% 1,76-7,07).

CONCLUSÃO: A obesidade foi o problema nutricional mais relevante entre os adolescentes. Nos estudantes da escola pública, o processo de maturação sexual foi mais tardio do que nos da escola privada.

Termos de indexação: adolescente, avaliação nutricional, maturação sexual.

ABSTRACT

OBJETIVE: To compare the nutritional status and sexual maturation of adolescents 11 to 15.9 years old, from different socioeconomic levels.

METHODS: Three hundred and three adolescents from one public school were evaluated, and 199 from one private school, both in the municipality of Rio de Janeiro. The nutritional status was assessed by body mass index and triciptal and subscapular skinfold thickness measurements. The sexual maturation was assessed through self-examination, identifying stages of genitals and breasts' development.

RESULTS: In the public school, 2.0% of the adolescents were classified as underweight, 6.6% as overweight, and 9.2% as obese, whereas in the private school, such occurrences were 3.0%, 9.0%, and 18.1%, respectively. Regarding these occurrences, there were no differences between sexes. On the othser hand, at the private school, greater proportion of girls presented overweight/obesity (27.1% vs 14.2%; c 2=8.08, p=0.004), and girls and boys were more advanced in sexual maturation than their public school counterparts. Only in adolescents from public school overweight/obesity were associated with advanced sexual maturation (Odds ratio=3.52 IC 95.0% 1.76-7.07). Therefore, the total risk of overweight/obesity was higher among adolescents with advanced sexual maturation (Odds ratio=3.16, CI 95.0%=1.71-5.87).

CONCLUSION: Obesity was the main nutritional problem in adolescents. The public school students presented sexual maturation, later than the private school ones.

Indexing terms: adolescent, nutrition assessment, sexual maturation.

INTRODUÇÃO

A adolescência é caracterizada por intenso crescimento, o qual demanda elevada ingestão protéico-energética que, quando não atendida, pode levar à desnutrição. Por outro lado, nesta fase da vida, as práticas alimentares, muito influenciadas por propagandas e modismos que incentivam o consumo de alimentos de maior densidade energética1, associadas à pouca atividade física2, podem contribuir para a obesidade, um problema que vem aumentando em jovens, tanto em países desenvolvidos3 quanto nos em desenvolvimento4. Desta forma, a avaliação do estado nutricional de adolescentes é importante para prevenir doenças futuras.

Existem grandes variações, entre indivíduos e entre populações, quanto ao momento de início e todo o desenrolar do processo de maturação sexual. Este se dá, principalmente, na faixa entre 10 e 14 anos5. Devido às transformações corporais características desta faixa etária, esta torna-se variável importante na avaliação nutricional, enquanto a idade cronológica pontual perde muito do seu poder explicativo.

O desenvolvimento da puberdade e o estado nutricional podem sofrer influência tanto dos fatores genéticos, quanto dos ambientais6. Particularmente em relação à obesidade, tem sido demonstrado que a sua incidência possui uma estreita relação com a condição socioeconômica do indivíduo, relacionando-se diretamente na infância e inversamente na adolescência e vida adulta, em países desenvolvidos7. No Brasil, com base nos dados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN), realizada em 1989, foi observada maior prevalência de sobrepeso em adolescentes de nível de renda mais alto8, todavia, em estudos locais, verificou-se o inverso9,10. Em estudos de tendência de sobrepeso/obesidade em adultos brasileiros, demonstrou-se que a prevalência vem diminuindo em classes sociais mais altas e aumentando nas classes mais baixas11.

O presente estudo teve como objetivo avaliar tanto o estado nutricional de adolescentes, com base em medidas antropométricas, como sua maturação sexual, comparando-se os dados obtidos de estudantes de uma escola pública e os de uma escola privada do Município do Rio de Janeiro.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo transversal, com 502 adolescentes de ambos os sexos, de 11 a 15,9 anos, estudantes em uma escola pública (EPU) e uma escola privada (EPR) do Município do Rio de Janeiro. A EPU localizava-se no bairro de Vila Izabel, RJ, sendo freqüentada por crianças e adolescentes pertencentes a famílias de baixo nível socioeconômico, residentes em favelas próximas. A EPR estava localizada no bairro de Grajaú, RJ, sendo freqüentada por crianças e adolescentes pertencentes a famílias de classe média, moradores do bairro ou de seus arredores.

A seleção das escolas foi feita por conveniência, condicionada à permissão dos dirigentes. A escola pública abrangia as classes de 5ª a 8ª série do ensino fundamental, totalizando 323 alunos matriculados no ano letivo de 1999, na faixa etária de interesse para o estudo. Destes, apenas 303 foram avaliados, pois 20 estiveram ausentes da escola no dia da coleta de dados.

Na EPR, no ano letivo em questão, havia 452 adolescentes matriculados na faixa etária do estudo, nas classes de 5ª a 8ª série, sendo 60% do sexo feminino e 40% do sexo masculino. Na impossibilidade de avaliar a totalidade dos estudantes, trabalhou-se com uma amostra aleatória de 50%. Para a seleção da amostra, foi feita uma listagem dos nomes de todos os alunos, procedendo-se o sorteio de 226, em distribuição proporcional por sexo. Destes, 27 não quiseram participar do estudo, totalizando 199.

Investigou-se a possibilidade de haver meninas grávidas, o que seria critério de exclusão do estudo.

A coleta de dados foi realizada, no período de abril de 1999 a maio de 2000, pela própria pesquisadora e por uma aluna do Curso de Nutrição da UFRJ, bolsista de Iniciação Científica do CNPq, devidamente treinadas para a avaliação antropométrica e de maturação sexual. O peso foi obtido utilizando-se balança eletrônica digital, tipo plataforma, com variação de 50g. A estatura foi avaliada com uma fita métrica fixada em régua de madeira, com variação de 0,1cm, estendida na parede, sem rodapé, com o auxílio de um esquadro de madeira cujos lados do ângulo reto estavam um na cabeça do adolescente e outro no metro. Os adolescentes foram avaliados com o mínimo de roupas e descalços. A estatura foi medida duas vezes, sendo calculada a média das duas medidas, admitindo-se uma variação máxima de 0,5cm entre as mesmas. Com os dados de peso e estatura, foi calculado o índice de massa corporal (IMC), que consiste no peso em kg, dividido pelo quadrado da estatura em metro.

Para mensuração das dobras cutâneas tricipital (DCT) e subescapular (DCSUB) utilizou-se adipômetro da marca Harpenden, com variação de 0,2mm. Foram feitas três medidas, do lado direito do corpo, admitindo-se variação máxima de 1mm entre as medidas, sendo considerado como valor final a média das três. A avaliação antropométrica foi realizada segundo técnica proposta por Lohman et al.12 e a classificação do estado nutricional, de acordo com o critério proposto pela World Health Organization13 (WHO), conforme segue: magreza ou baixo peso: IMC<Percentil 5; eutrofia: IMC>Percentil 5 e <Percentil 85; sobrepeso: IMC>Percentil 85; obesidade: IMC>Percentil 85 mais DCT e DCSUB >Percentil 90, e déficit de estatura: valores de estatura para idade (E/I) inferior a -2 Z escore.

Utilizaram-se os dados da população norte-americana como referência para dobras cutâneas13, valores de IMC14, e E/I15, específicos para cada sexo e idade.

A avaliação da maturação sexual foi feita por meio da auto-avaliação, realizada em local reservado. Os adolescentes foram solicitados a identificarem o estágio de desenvolvimento da genitália externa (G) para meninos e de mamas (M) para as meninas, com base nas fotografias propostas por Van Wieringen et al.16, adaptadas de Tanner17 para genitália e nos desenhos propostos por Tanner para mamas. Para cada estágio, havia a descrição detalhada dos caracteres sexuais secundários, para melhor identificação por parte dos adolescentes.

O processamento e a análise dos dados foram realizados por meio do software Epi Info, versão 6.04. Foi aplicado o teste "t" de Student para comparar médias das variáveis contínuas entre dois grupos independentes e a análise de variância (Anova) para comparar médias entre mais de dois grupos. Utilizou-se o teste do Qui-quadrado para comparar variáveis categóricas ou ordinais. Calcularam-se as odds ratio (OR) e seus intervalos de confiança (IC), para avaliar a associação entre estado nutricional (sobrepeso + obesidade) e estágio de maturação sexual (estágios finais versus estágios iniciais). Foi definida em 5% (p<0,05) a significância estatística das diferenças.

O estudo só foi realizado com os adolescentes que quiseram participar, mediante consentimento do responsável, por escrito, após leitura da carta de consentimento esclarecido, cumprindo os princípios éticos contidos na Declaração de Helsinki da World Medical Association(2).

RESULTADOS

Entre os adolescentes avaliados, 39,6% da EPU e 33,2% da EPR eram do sexo masculino e 60,4% da EPU e 66,8% da EPR eram do sexo feminino, sem diferença estatística entre as escolas.

Os meninos e meninas da EPR apresentaram médias de estatura e peso significativamente maiores do que os da EPU; contudo, o IMC só foi estatisticamente maior para as meninas (Tabela 1).

Verificou-se que, na EPU, 82,2% dos adolescentes eram eutróficos, 2,0% apresentavam baixo peso, 9,2% sobrepeso e 9,2% eram obesos. Na EPR, 70,0%, 3,0%, 9,0% e 18,1% apresentavam, respectivamente, os mesmos diagnósticos nutricionais, não se observando diferença entre os sexos, independente do tipo de escola (Figura 1). Analisando-se as classificações sobrepeso e obesidade agrupadas, verificou-se maior freqüência entre as meninas da EPR, do que entre as da EPU (27,1% vs 14,2%; c2=8,08, p=0,004). Nos meninos, a mesma tendência foi verificada, sem todavia, significância estatística (27,3% vs 18,3%; c2=2,02, p=0,15). Apenas 9 adolescentes (1,8%, 3 meninos e 6 meninas) apresentaram déficit estatural, sendo todos da EPU.


Para classificação dos estágios de maturação sexual foram agrupados, para meninas e meninos respectivamente, M1 + M2 + M3 e G2 + G3 + G4 como estágios iniciais e M4 + M5 e G5 + G6 como estágios finais.

Verificou-se diferença significativa nos estágios de maturação sexual entre os adolescentes das duas escolas, tanto no sexo masculino quanto no sexo feminino, com maior proporção de meninos e meninas da EPR nos estágios mais avançados e maior proporção em M3 e G3 (estágios iniciais), entre os adolescentes da EPU (Tabela 2). Para esta análise, nos meninos, foram agrupados os estágios G5 e G6, devido ao reduzido número de meninos em G6 (n=7), considerando que este agrupamento não incidiria em erro de classificação já que ambos os estágios caracterizam final de processo de maturação sexual. Seis meninos (todos da escola pública) e uma menina (da escola privada) não responderam a auto-avaliação para maturação sexual.

A distribuição dos adolescentes em cada estágio de maturação sexual, por faixa etária, demonstra evolução mais rápida nos adolescentes da escola privada. Apesar de haver, entre os de 12 a 13,9 anos, proporções semelhantes nos estágios de início e de pico máximo de aceleração do crescimento (63,9% para escola pública e 60,0% para escola privada, juntando G3 e G4), entre os de 14 a 15,9 anos uma proporção bem maior de adolescentes da escola privada (67,7% vs 37,7%) se encontrava nos estágios mais avançados. Para as meninas, foi observado fato semelhante, já que apenas 53,1% das que estavam na faixa etária de 14 a 15,9 anos na EPU estavam nos estágios M4 e M5, enquanto, na EPR, esta proporção foi de 69,8%.

Em relação à ocorrência de menarca, 72,1% das meninas da EPU e 73,7% daquelas da EPR já haviam apresentado este evento. Não se verificou diferença significativa na idade média da menarca entre as adolescentes da EPU (11,7 ±1,3 anos) e da EPR (11,5 ± 1,2 anos). As adolescentes com sobrepeso e obesidade apresentaram média de idade da menarca mais baixa do que as não-obesas (11,1 ± 1,1 anos e 11,8 ± 1,2 anos, p= 0,000).

Considerando-se que o sobrepeso e a obesidade foram os problemas nutricionais mais relevantes nos adolescentes estudados, avaliou-se a associação entre maturação sexual e esta condição nutricional (sobrepeso/obesidade agrupados). Para tal, usaram-se as referências aos estágios iniciais e estágios finais de maturação sexual (M1 etc. e G2 etc., acima descritas).

O risco de desenvolver sobrepeso/obesidade foi maior nos adolescentes em estágios mais avançados, do que naqueles em estágios iniciais (OR = 2,06, IC95%=1,29-3,30). A análise desta associação, segundo sexo e tipo de escola, mostrou que estas variáveis modificam o efeito da maturação sexual no sobrepeso/obesidade (significância para interação c2 = 5,65, p = 0,02 e c2 = 7,3, p=0,007, respectivamente). Por esta razão, apresentaram-se, na Tabela 3, as OR por estrato de sexo e tipo de escola. Verificou-se associação significativa entre a maturação sexual e a prevalência de sobrepeso/obesidade nas meninas, mas não nos meninos, e entre os adolescentes da escola pública, mas não, entre os da escola privada. Não se verificou, todavia, associação entre presença de menarca e sobrepeso/obesidade (OR = 1,71; IC 95% 0,82-3,64).

A associação entre faixa de idade (11 a 13,9 anos versus 14 a 15,9 anos) e sobrepeso/obesidade não foi significativa (OR = 0,69; IC95% 0,42-1,13)

DISCUSSÃO

O sobrepeso e a obesidade foram as alterações nutricionais de maior freqüência entre os adolescentes avaliados, independentemente do tipo de escola, de acordo com o que vem sendo relatado em análises de dados populacionais que mostram um aumento na prevalência de sobrepeso e redução na ocorrência de baixo peso em jovens brasileiros4.

Neste estudo, a freqüência de sobrepeso/obesidade nos adolescentes da escola privada, significativamente maior do que nos da escola pública, particularmente nas meninas, indica uma associação direta entre nível socioeconômico e obesidade na adolescência, conforme divulgado por Neutzling et al.8. Avaliando os dados da PNSN, esses autores verificaram, para adolescentes pertencentes a famílias com renda familiar per capita baixa, intermediária e alta, prevalência de sobrepeso de 5,6%, 8,4% e 15,9%, respectivamente.

Comparar os dados aqui obtidos sobre a freqüência de obesidade em adolescentes com os dados de outros estudos é uma difícil tarefa, considerando-se os diferentes critérios utilizados para a avaliação. Resguardando-se tais diferenças metodológicas de avaliação, os valores descritos neste estudo excederam aos observados em adolescentes estudantes de São Paulo (14,7%)10, do Rio de Janeiro (16,8%)18 e de Niterói, RJ (26,2% nos meninos e 14,2% nas meninas)19.

A freqüência geral de baixo peso no presente estudo (2,4%) foi menor, em comparação a outros estudos. Priori10 encontrou 1,0% de baixo peso no sexo feminino e 7,5% no sexo masculino. Na II Pesquisa de Saúde e Nutrição, verificou-se que, no Município do Rio de Janeiro, 7,3% dos escolares apresentavam baixo peso18. Pereira & Veiga20, em Cuiabá, Mato Grosso, encontraram 19,1% de adolescentes com IMC abaixo do percentil 10, enquanto Pereira21, em estudo com adolescentes no Município do Rio de Janeiro, encontrou baixo peso em 13,0% das meninas e em 10,0% dos meninos. Com exceção de um estudo com adolescentes de uma comunidade muito carente do Rio de Janeiro, em que a prevalência de baixo peso foi bastante elevada (variando de 31,7% a 46,0%), sendo superior à observada para obesidade22, de um modo geral, o que os demais estudos encontraram foi maior prevalência de sobrepeso do que de baixo peso em adolescentes. Este quadro, com o qual está de acordo o observado no presente estudo, indica a transição do desequilíbrio energético, da carência para o excesso, nos jovens brasileiros.

Os resultados deste estudo indicam que, os adolescentes da escola privada atingem o final do processo de maturação sexual mais precocemente do que os da escola pública. Estes dados são semelhantes aos encontrados por Saito23 e Colli24, que demonstraram uma tendência à maturação sexual mais cedo, quanto melhor o nível socioeconômico.

Uma limitação do presente estudo foi a utilização da técnica de auto-avaliação para maturação sexual, que pode implicar em erros de classificação. Porém, o exame físico, em estudos de campo desta natureza, nem sempre é viável. A auto-avaliação já foi validada em estudos com adolescentes brasileiros25,26, os quais mostraram uma boa correlação (r@0,80) entre a auto-avaliação e aquela realizada por profissional especializado.

A idade mais baixa da menarca registrou-se em meninas obesas, comparadas às não-obesas, observada neste estudo, coincide com o relatado por vários autores9,27-30; esse fato parece estar associado ao aumento de peso e gordura, além de avançada maturação óssea e maturação sexual mais rápida nas meninas obesas27-30. Adair & Gordon-Larsen31 relacionaram a idade da menarca com a ocorrência generalizada de sobrepeso em adolescentes norte-americanas de diferentes etnias, e concluíram que a maturação sexual precoce contribui para dobrar a chance de apresentar sobrepeso.

O fato de ter sido observado maior risco de sobrepeso/obesidade em estágios mais avançados de maturação sexual do que nos estágios iniciais nas meninas, mas não nos meninos, pode, talvez, ser explicado pelas mudanças na composição corporal, que ocorrem de forma diferenciada entre os sexos. Nas meninas, observa-se um gradual aumento nos estoques de gordura corporal durante toda a adolescência, enquanto, nos meninos, pode ocorrer uma perda de gordura corporal e um ganho mais acentuado de massa muscular, na fase de velocidade máxima de crescimento32. Desta forma, nos meninos, o aumento no IMC pode estar refletindo ganho de massa muscular, além de gordura corporal. Outra provável explicação pode ser a faixa etária estudada, até 15 anos, o que resultou em poucos meninos em estágios de maturação mais avançados, já que o desenvolvimento da puberdade, geralmente, ocorre mais tardiamente nos meninos do que nas meninas32.

Permanece ainda para ser explicada a associação entre maturação sexual e sobrepeso/obesidade, observada nos adolescentes da escola pública, mas não nos da escola privada. Provavelmente, na escola privada, os adolescentes em estágios iniciais já apresentassem uma maior prevalência de sobrepeso/obesidade, em relação aos adolescentes da escola pública (27,1% vs 10,4%). Isto pode ser o reflexo de uma quantidade maior de gordura corporal desde a infância. Já na escola pública, a incidência, nos estágios iniciais da maturação sexual, além de ser bem inferior à observada na escola privada na mesma fase, é também menor do que a observada nos adolescentes da mesma classe social, nos estágios finais de maturação sexual (10,4% vs 29,1%). Estes, por sua vez, apresentam incidência semelhante, ou até um pouco acima da observada nos adolescentes de classe social mais alta, na mesma faixa de idade (29,1% vs 27,4%).

Em síntese, o que mais chamou a atenção no presente estudo foi a significativa presença de sobrepeso/obesidade, particularmente nos adolescentes de classe média que freqüentam a escola privada, mas também relevante naqueles de classe social mais baixa que freqüentam a escola pública, e nos estágios de maturação sexual mais avançados. Este fato está em consonância com o fenômeno da transição nutricional que vem sendo observado no Brasil, onde os problemas relacionados ao excesso de gordura corporal aumentam significantemente. Considerando-se a grande probabilidade de que a obesidade da adolescência possa permanecer na vida adulta, ocasionando efeitos adversos à saúde, é importante ampliar os estudos sobre esta faixa etária, visando avaliar a dimensão do problema e criar estratégias de prevenção e controle. Deve-se ressaltar o importante papel da escola na implementação de programas educacionais que visem encorajar a atividade física e os hábitos alimentares adequados. É importante o envolvimento de pais, professores, alunos e de toda a sociedade nesta discussão.

Recebido para publicação em 2 de dezembro de 2003 e aceito em 8 de junho de 2004.

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    Correspondência para/
    Correspondence to: G.V.VEIGA.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2005

    Histórico

    • Aceito
      08 Jun 2004
    • Recebido
      02 Dez 2003
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