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Padrão alimentar de crianças menores de cinco anos

Alimentary profile of under-five year old children

Resumos

OBJETIVO: Caracterizar o padrão alimentar das crianças menores de cinco anos no Estado de Pernambuco segundo a área geográfica (região metropolitana do Recife, interior urbano e interior rural), faixa etária e sexo da criança, renda familiar per capita e escolaridade materna. MÉTODOS: Estudo transversal de base domiciliar com uma amostra aleatória probabilística estratificada de 969 crianças menores de cinco anos. O consumo alimentar foi registrado mediante o método recordatório de 24 horas. O teste de qui-quadrado foi utilizado para verificar associação entre o consumo alimentar e as variáveis estudadas. RESULTADOS: Os alimentos mais consumidos (30% das crianças) no Estado de Pernambuco foram: leite, açúcar, gordura, arroz, feijão e carne. Houve diferenças estatisticamente significativas no consumo da maioria dos alimentos por área geográfica, idade da criança, educação materna e renda familiar per capita. Não houve diferença significativa entre o consumo dos alimentos e o sexo da criança. CONCLUSÃO: A alimentação das crianças menores de cinco anos do Estado de Pernambuco, apesar de algumas diferenças apresentadas nas variáveis estudadas, apresentou-se, de maneira geral, monótona e pouco diversificada, constituída basicamente por uma dieta láctea, com consumo elevado de açúcar e de gordura, e reduzido consumo de frutas e verduras.

alimentos; consumo de alimentos; pré-escolar; desmame; leite materno


OBJECTIVE: To characterize the alimentary profile of under-five year old children in the State of Pernambuco, Brazil, according to geographical area (metropolitan region of Recife, urban inland, rural inland), the child's age and sex, family income and mother's schooling. METHODS: Cross-sectional home based study with a stratified sample of 969 under-five year old children. Food consumption was registered by a 24-hour recording method. The chi-square test was used to verify the association between food consumption and the studied variables. RESULTS: The most consumed food items (30% of the children) in the State of Pernambuco were: milk, sugar, fat, rice, beans and meat. There were statistically significant differences between the consumption of most food items and geographical area, child's age, family income and mother's schooling. There was no significant difference between the consumption foods and the child's sex. CONCLUSION: The food consumption by under-five year old children in the State of Pernambuco, although presenting some differences in the studied variables, was generally monotonous, with little diversification. It was basically made up of a lacteous diet, with a high intake of sugar and fats and low intake of fruits and vegetables.

foods; food consumption; child; preschool; weaning; milk; human


NOTA CIENTÍFICA RESEARCH NOTE

Padrão alimentar de crianças menores de cinco anos1 1 Artigo elaborado a partir da dissertação de autoria de G. FARIAS JÚNIOR, intitulada "Consumo alimentar em crianças menores de 5 anos de idade no Estado de Pernambuco". Programa de Pós-Graduação em Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco, 2003.

Alimentary profile of under-five year old children

Gilvo de Farias Júnior; Mônica Maria Osório2 2 Correspondência para/ Correspondence to: M.M. OSÓRIO. E-mail: < mosorio@ufpe.br>.

Programa de Pós-Graduação em Nutrição, Departamento de Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco. Brasil. Av. Moraes Rego, s/n, Cidade Universitária, 50670-901, Recife, PE, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Caracterizar o padrão alimentar das crianças menores de cinco anos no Estado de Pernambuco segundo a área geográfica (região metropolitana do Recife, interior urbano e interior rural), faixa etária e sexo da criança, renda familiar per capita e escolaridade materna.

MÉTODOS: Estudo transversal de base domiciliar com uma amostra aleatória probabilística estratificada de 969 crianças menores de cinco anos. O consumo alimentar foi registrado mediante o método recordatório de 24 horas. O teste de qui-quadrado foi utilizado para verificar associação entre o consumo alimentar e as variáveis estudadas.

RESULTADOS: Os alimentos mais consumidos (30% das crianças) no Estado de Pernambuco foram: leite, açúcar, gordura, arroz, feijão e carne. Houve diferenças estatisticamente significativas no consumo da maioria dos alimentos por área geográfica, idade da criança, educação materna e renda familiar per capita. Não houve diferença significativa entre o consumo dos alimentos e o sexo da criança.

CONCLUSÃO: A alimentação das crianças menores de cinco anos do Estado de Pernambuco, apesar de algumas diferenças apresentadas nas variáveis estudadas, apresentou-se, de maneira geral, monótona e pouco diversificada, constituída basicamente por uma dieta láctea, com consumo elevado de açúcar e de gordura, e reduzido consumo de frutas e verduras.

Termos de indexação: alimentos, consumo de alimentos, pré-escolar, desmame, leite materno.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To characterize the alimentary profile of under-five year old children in the State of Pernambuco, Brazil, according to geographical area (metropolitan region of Recife, urban inland, rural inland), the child's age and sex, family income and mother's schooling.

METHODS: Cross-sectional home based study with a stratified sample of 969 under-five year old children. Food consumption was registered by a 24-hour recording method. The chi-square test was used to verify the association between food consumption and the studied variables.

RESULTS: The most consumed food items (30% of the children) in the State of Pernambuco were: milk, sugar, fat, rice, beans and meat. There were statistically significant differences between the consumption of most food items and geographical area, child's age, family income and mother's schooling. There was no significant difference between the consumption foods and the child's sex.

CONCLUSION: The food consumption by under-five year old children in the State of Pernambuco, although presenting some differences in the studied variables, was generally monotonous, with little diversification. It was basically made up of a lacteous diet, with a high intake of sugar and fats and low intake of fruits and vegetables.

Indexing terms: foods, food consumption, child, preschool, weaning, milk, human.

INTRODUÇÃO

O estado nutricional de uma população é resultante da disponibilidade dos alimentos no domicílio, das condições ambientais e das condições socioeconômicas, e pode ser influenciado pela qualidade da assistência à saúde e pelas políticas compensatórias1.

A nutrição humana é uma das áreas mais importantes do ponto de vista da saúde e do bem-estar das populações, uma vez que reporta à relação entre o homem e o alimento e aos fatores desencadeantes desse processo. Portanto, para se compreender a situação alimentar de uma população é necessária uma abordagem multi-disciplinar, uma vez que a alimentação pode ser analisada sob várias perspectivas ao mesmo tempo independentes e complementares, que revelam a importância dos fatores econômicos, sociais, nutricionais e culturais na sua determinação2.

Devido às suas características biológicas, as crianças menores de cinco anos de idade merecem atenção especial, tendo em vista que uma alimentação inadequada pode colocar em risco o seu crescimento e desenvolvimento, além de causar problemas como a anemia ferropriva, a desnutrição ou a obesidade, e outros distúrbios nutricionais1,3.

Pesquisas realizadas no Estado de Pernambuco mostraram que apesar do declínio da desnutrição, a anemia4 e a hipovitaminose A5 apresentaram prevalências da ordem de 40,9% e 18,8%, respectivamente. Dessa maneira, ressalta-se a importância da realização de estudos atualizados sobre o padrão alimentar dessa população a fim de se ter uma dimensão mais exata do consumo alimentar como fator condicionante do seu estado nutricional em suas especificidades. Os últimos dados de consumo abrangendo todas as regiões brasileiras, coletados mediante inquérito alimentar, datam de 1974/1975, quando da realização do Estudo Nacional de Despesa Familiar, que trabalhou com a família como unidade de análise, não se obtendo dados específicos do consumo alimentar das crianças6. Em Pernambuco, o último estudo de consumo alimentar em menores de seis anos foi realizado em 19747 no município de Ferreiros. A falta de informações atualizadas provenientes de inquéritos alimentares populacionais constituise uma omissão que dificulta a análise da problemática nutricional existente no Brasil e em seus estados.

O propósito do presente trabalho é caracterizar o consumo alimentar das crianças menores de cinco anos no Estado de Pernambuco, segundo a área geográfica (região metropolitana do Recife, interior urbano e interior rural), faixa etária e sexo da criança, renda familiar per capita e escolaridade materna.

MÉTODOS

Este estudo utilizou o banco de dados da II Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição: saúde, nutrição, alimentação e condições socioeconômicas no Estado de Pernambuco (II PESN/1997)8, na qual, mediante visitas domiciliares, foram coletados dados socioeconômicos, de saúde, nutrição e alimentação das crianças, durante o período de fevereiro a maio de 1997.

O estudo foi do tipo transversal e a seleção da amostra representativa para o Estado de Pernambuco se processou em três estágios, considerando sucessivamente: município, setor censitário e domicílio. No primeiro estágio, a fim de viabilizar a logística do trabalho de campo, foram sorteados 18 municípios, cerca de 10% do total existente no Estado de Pernambuco (178), através da amostragem aleatória proporcional ao tamanho da população, ou seja, os municípios com maior população tiveram maior probabilidade de serem sorteados, refletindo a distribuição populacional do Estado. Esses municípios já haviam sido sorteados anteriormente na Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição (PESN/1992)9 e foram os mesmos utilizados nessa II PESN/19978, visando à comparação dos resultados. Definiu-se, previamente, que seriam investigadas 46 crianças em cada setor censitário, seguindo o critério de pesquisas de campo com amostra por conglomerado em que se considera cada setor censitário um conglomerado, não atingindo o número máximo de 50 unidades amostrais. Em função dessa prévia definição, no segundo estágio, uma amostra sistemática foi realizada para sorteio de 45 setores censitários (do total de 2.655) desses municípios, de modo a alcançar 2.070 crianças previstas na amostra. Finalmente, em cada um dos setores sorteados foi tomado como marco inicial o ponto extremo do setor voltado para o nascente e, a partir daí, foram identificadas, consecutivamente, as unidades domiciliares em que residiam crianças menores de cinco anos, até atingir a amostra desejada. A amostra total resultou em 2.078 crianças, das quais, por meio de sorteio sistemático, foram selecionadas 992 (cerca de 50,0% do total), assegurando representatividade para a realização do inquérito de consumo alimentar. Essa subamostra foi suficiente para estimar o consumo dos alimentos mais consumidos por no mínimo 20,0% da população com 95,0% de confiança e erro máximo de 2,5%. Dos questionários obtidos, 23 foram excluídos devido a inconsistências no preenchimento, finalizando o estudo com 969 inquéritos de consumo alimentar.

O inquérito de consumo alimentar foi realizado através do método recordatório de 24 horas, comumente utilizado em estudo do tipo transversal para estimar a ingestão alimentar da população, sendo de fácil aplicabilidade e de baixo custo, principalmente quando se trabalha com grande número de indivíduos10,11. Em sociedades em desenvolvimento, a variabilidade diária no consumo de alimentos não chega a ser significante por causa da alimentação pouco diversificada, e a utilização desse método não interfere na ingestão habitual dos indivíduos. Além disso, a sua precisão aumenta quando se utiliza um número elevado de indivíduos, como no caso deste estudo11,12.

A coleta dos dado foi realizada de segunda a sexta-feira por pesquisadores previamente treinados. A mãe ou pessoa responsável pela alimentação da criança foi entrevistada em relação ao que a criança comeu "desde a meia-noite de anteontem até a meia-noite de ontem", obtendo-se o horário das refeições, os alimentos, marcas comerciais dos alimentos industrializados e preparações consumidas pelas crianças, mensuradas em medidas caseiras.

Os dados foram digitados em dupla entrada e processados mediante a utilização dos softwares Virtual Nutri, versão 1.0 de 1996, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo e Epi Info, versão 6.04, de 1994 do Centers of Disease Control and Prevention. Os alimentos registrados no inquérito recordatório de 24 horas foram listados e cada um foi computado uma única vez para a mesma criança. Para cada alimento foi atribuído um código e analisado o percentual de crianças que o consumia no Estado de Pernambuco e por área geográfica, sexo e idade da criança, renda familiar per capita e escolaridade materna. Para verificar diferenças significativas do consumo dos alimentos e tendências lineares entre as categorias de prevalências estudadas, utilizaram-se os testes de qui-quadrado e qui-quadrado para tendência, com níveis de significância de 5% (p<0,05) e 1% (p<0,01).

Em função do tamanho da subamostra, foram considerados apenas os alimentos consumidos por 20% ou mais das crianças que compuseram a amostra, totalizando 12 alimentos. O leite materno e os alimentos à base de cereal (alimentos industrializados utilizados na alimentação infantil) foram inseridos nesta análise por constituírem alimentos característicos do consumo dos menores de dois anos de idade, totalizando, então, 14 alimentos.

RESULTADOS

Foram consumidos 24 alimentos por mais de 10,0% das crianças do Estado de Pernambuco, 12 alimentos consumidos por mais de 20,0% das crianças e apenas 6 por mais de 30,0% delas (Figura 1). Desses, destacam-se o leite de vaca e o açúcar como sendo os alimentos consumidos por maior número de crianças, com percentuais de 86,8% e 84,2%, respectivamente. O terceiro alimento mais ingerido foi a gordura (sob a forma de óleos vegetais, margarina, manteiga, banha, toucinho, entre outros), diferenciando-se do açúcar em mais de 30 pontos percentuais (52,4%), seguido pelo arroz (50,1%), feijão (41,6%) e carne (36%).


Ao analisar o consumo por área geográfica, renda familiar per capita e educação materna, salienta-se que apesar de o consumo de alguns alimentos apresentarem diferenças estatisticamente significativas nessas categorias, tais diferenças podem ser devidas aos grandes tamanhos amostrais, uma vez que os percentuais de consumo dos alimentos, de maneira geral, apresentam-se próximos, sem que tenham importância substancial no que se refere ao padrão alimentar da população. No entanto, com relação ao consumo de alimentos por faixa etária da criança, o significado estatístico torna-se relevante.

Analisando-se o consumo por área geográfica (Figura 2), verifica-se que alimentos como açúcar, feijão e milho foram mais freqüentes no interior rural, apresentando significância estatística; o feijão e o milho apresentaram percentuais bem mais elevados em relação às outras áreas geográficas. Por outro lado, o consumo de gordura, carne, banana, biscoito, amido de milho, pão, batata-inglesa e alimentos à base de cereal foi menos freqüente nessa área, também com diferenças estatisticamente significativas. No interior urbano, apenas o leite de vaca e o arroz foram consumidos por maior percentual de crianças, embora a diferença fora estatisticamente significante apenas para o primeiro desses alimentos.


Em relação às faixas etárias, verifica-se (Figura 3) que para as crianças menores de seis meses de idade, os alimentos mais consumidos foram: leite de vaca (69,3%), leite materno (60,0%), açúcar (52,9%), amido de milho (30,0%) e alimentos à base de cereal (15,7%). A partir dos seis meses de idade, alguns alimentos, como leite de vaca, amido de milho, alimentos à base de cereal e leite materno, apresentaram percentuais decrescentes com a elevação da idade. Comportamento inverso ocorreu com o consumo de gordura, arroz, feijão, carne, biscoito, pão, milho e batata-inglesa, que apresentaram os percentuais mais baixos nos menores de seis meses, elevando-se a partir das faixas etárias subseqüentes. As diferenças do consumo de alimentos entre as faixas etárias foram estatisticamente significativas.


O consumo dos referidos alimentos em relação ao sexo das crianças não apresentou diferenças significativas.

Em relação à renda familiar per capita, agrupada em quartis (Figura 4), o consumo de gordura, carne, banana, biscoito, batata-inglesa e de alimentos à base de cereal se mostrou positivamente associado à renda, e as diferenças foram significativas. Os alimentos à base de cereal foram consumidos por 40,1% das crianças pertencentes ao quarto quartil de renda. O consumo de açúcar, amido de milho e milho mostrou-se inversamente associado à renda, também com diferenças estatisticamente significativas. Embora os percentuais referentes ao feijão e ao arroz também se apresentassem inversamente relacionados à renda, as diferenças não foram significativas. O leite materno foi consumido por 12,5% das crianças do primeiro quartil, mantendo-se com percentuais entre 17,0% e 21,0% nos demais quartis, enquanto o leite de vaca apresentou elevado percentual (mais de 80,0%) na dieta das crianças nos diferentes quartis de renda.


A relação entre o consumo de alimentos e a escolaridade materna mostrou comportamento semelhante ao observado para a renda, com exceção do leite de vaca, que dessa vez apresentou diferença significativa, e da banana, que não apresentou diferença significativa entre as categorias estudadas (Figura 5). Também chama a atenção o elevado percentual de crianças filhas de mães com nove ou mais anos de estudo que consumiram alimentos à base de cereal (46,1%), enquanto que as que consumiram leite materno foram em menor percentual no mesmo nível de escolaridade (13,3%).


DISCUSSÃO

O padrão alimentar das crianças menores de cinco anos do Estado de Pernambuco foi estabelecido por um total de 24 alimentos, consumidos por mais de 10% delas. Apenas quatro alimentos foram consumidos por mais de 50% das crianças. Comparando-se esse último resultado - verificado também em dados da II Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição8 - ao consumo das famílias13, dez alimentos foram consumidos por mais de 50% delas. Esses resultados refletem a distribuição intrafamiliar dos alimentos. As crianças e os adultos têm posições diferentes na família, assim como distinta é a alimentação que se supõe ser mais apropriada para cada um deles. A maior disponibilidade de certos alimentos na família não implica necessariamente uma maior ingestão dos mesmos pelas crianças. O leite de vaca, por sua vez, constitui um alimento próprio da dieta habitual das crianças.

Os resultados deste estudo demonstram uma alimentação pouco diversificada para a criança, baseada principalmente no consumo de leite de vaca. Embora o leite de vaca seja fonte de cálcio, nutriente fundamental para a formação dos ossos e dentes, é um alimento de custo elevado e sua inserção precoce na alimentação das crianças parece ser uma característica cultural. A população tem o hábito de oferecer o leite de vaca muito cedo e tê-lo como um dos alimentos mais importantes para a saúde da criança. Além disso, a própria diversificação de fórmulas lácteas da indústria alimentícia disponibiliza amplamente esses produtos no comércio, favorecendo a iniciativa da mãe, orientada por vizinha ou parente, ou pelo profissional de saúde14,15.

Quanto aos demais alimentos, o feijão e o arroz, básicos na alimentação brasileira, apresentaram baixos percentuais de consumo (41,6% e 50,1%, respectivamente). Entre as frutas e verduras, apenas a banana e a batata-inglesa foram consumidas por mais de 20,0% das crianças. Esses alimentos são de baixo custo e, portanto, mais acessíveis à população. Nas últimas décadas, ocorreu um declínio no consumo de frutas e um aumento da contribuição energética proveniente dos açúcares nas Regiões Norte e Nordeste16. Consumido largamente pela família13, o açúcar parece ter sido inserido habitualmente na alimentação da criança.

Independentemente da área geográfica, o leite, o açúcar, a gordura e o arroz foram os alimentos mais consumidos. Entretanto, verifica-se que nos espaços geográficos, outros fatores como a cultura, a renda, a disponibilidade e o acesso aos alimentos podem influenciar o consumo. Na região metropolitana do Recife, onze alimentos fazem parte da alimentação de mais de 30% das crianças, demonstrando uma maior diversidade de alimentos quando se compara essa região com o interior urbano e rural, com apenas sete e seis alimentos, respectivamente. Esses dados demonstram a monotonia do consumo alimentar em áreas rurais em contraponto a uma alimentação um pouco mais diversificada nas áreas urbanas.

Nas crianças menores de seis meses, foi observada uma alimentação de transição à base de leite de vaca, açúcar e cereais, principalmente o amido de milho, utilizado para o preparo de mingaus e papas. O consumo de leite de vaca ultrapassou o consumo de leite materno. Além da prática do desmame precoce, que está em desacordo com a meta de aleitamento exclusivo até os seis meses de idade preconizada pela Organização Mundial de Saúde17, verifica-se uma alimentação à base de alimentos utilizados na preparação de mingaus, em detrimento de uma alimentação balanceada. Esses resultados condizem com outros estudos sobre o padrão alimentar de lactentes15,18. Nas demais faixas etárias, gradativamente, esses alimentos se tornam menos freqüentes à medida que outros são incorporados à alimentação das crianças, observando-se um rearranjo em direção ao consumo alimentar da família.

O abandono do aleitamento materno e a prática de uma dieta de desmame inadequada têm mostrado um quadro de consumo qualitativamente inapropriado, com riscos de acarretar graves problemas nutricionais nas faixas etárias posteriores19,20. Essa dieta pode melhorar o estado nutricional da criança em termos de indicadores antropométricos, uma vez que com uma dieta energética e protéica, a criança atinge índices de peso e altura satisfatórios para a idade. Por outro lado, pode levar ao comprometimento dos indicadores bioquímicos, principalmente pela predisposição às carências nutricionais, como, por exemplo, a anemia e a hipovitaminose A, ou aos excessos de nutrientes específicos, como a diabetes e as hiperlipidemias4,5,21.

Geralmente condições de renda satisfatórias estão atreladas a maiores oportunidades de melhora no nível de instrução e de acesso às informações, favorecendo uma escolha adequada de alimentos e, conseqüentemente, o balanceamento da alimentação. Há uma associação direta e significativa entre o nível socioeconômico e o nível de conhecimento alimentar e nutricional das mães22. Alguns autores afirmam que a elevação da renda estimula a aquisição de frutas e de produtos industrializados23,24. Neste estudo, pode-se observar que, independentemente da faixa de renda, existem alimentos que são básicos. Alguns são mantidos no cardápio da criança, seja por hábito, facilidade ao seu acesso ou pelo baixo custo, como o açúcar, o amido de milho e milho, enquanto o leite e a carne, embora de custo mais elevado, são mantidos devido ao hábito cultural e também pela posição nobre que ocupam entre os outros alimentos, considerados como excelentes fontes protéicas25.

Apesar dos conhecimentos adquiridos com o aumento da escolaridade materna, essa última não demonstrou influência direta nos percentuais dos alimentos mais consumidos no Estado, sugerindo, mais uma vez, que o hábito alimentar pode ter sido o fator predominante. Os hábitos alimentares, preferências e recusas por determinados alimentos estão fortemente condicionados ao aprendizado e às experiências vividas nos primeiros cinco anos de vida. Em geral, é nessa idade que a criança adquire a maioria dos hábitos e práticas alimentares de sua comunidade26. Nesse sentido, as mães têm papel fundamental na educação alimentar de seus filhos. Além disso, é constatado que uma baixa escolaridade materna duplica o risco de desnutrição na criança27,28.

No presente trabalho, era de se esperar que com a progressão da renda e da escolaridade materna, mais alimentos fossem incorporados na alimentação das crianças. Porém, não ocorreram diferenças na seleção e variedade dos alimentos, o que torna o consumo de alimentos praticamente semelhante em relação a essas variáveis. Provavelmente a melhoria da prática alimentar das crianças menores de cinco anos esteja mais atrelada à educação alimentar e a mudanças nos hábitos alimentares do que propriamente às condições financeiras da família ou à escolaridade materna29. Nesse contexto, os profissionais de saúde têm papel relevante na orientação e apoio à prática do aleitamento materno, de uma alimentação de transição adequada aos menores de um ano de idade e, de maneira geral, de alimentação saudável para as crianças menores de cinco anos.

CONCLUSÃO

Em síntese, este estudo demonstrou que a alimentação das crianças menores de cinco anos no Estado de Pernambuco é monótona e pouco diversificada, tendo como base uma dieta láctea, com consumo elevado de açúcar e de gordura, e reduzido consumo de frutas e verduras. Há de se considerar que a melhoria nos indicadores de mortalidade e do estado nutricional significa, entre outras medidas, a prática de uma alimentação saudável. Daí a necessidade de se entender o caráter preventivo dos estudos de consumo alimentar uma vez que permite elaborar estratégias para provocar mudanças em hábitos alimentares errôneos. Portanto, as informações obtidas neste estudo possibilitam embasar políticas que visem atender aos propósitos explícitos da segurança alimentar em nível familiar, um dos itens prioritários das políticas e programas de saúde, nutrição e alimentação da década atual.

Recebido para publicação em 27 de julho de 2004 e aceito em 12 de abril de 2005.

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  • 1
    Artigo elaborado a partir da dissertação de autoria de G. FARIAS JÚNIOR, intitulada "Consumo alimentar em crianças menores de 5 anos de idade no Estado de Pernambuco". Programa de Pós-Graduação em Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco, 2003.
  • 2
    Correspondência para/
    Correspondence to: M.M. OSÓRIO.
    E-mail: <
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      12 Abr 2005
    • Recebido
      27 Jul 2004
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