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Diferenciais socioeconômicos e comportamentais no consumo de hortaliças e frutas em mulheres residentes em município da região metropolitana de São Paulo

Socioeconomic and behavioral differences in the consumption of fruits and vegetables by women living in a municipality of São Paulo, Brazil

Resumos

OBJETIVO: Analisar o consumo de frutas, verduras e legumes em mulheres, segundo fatores sócio-demográficos, econômicos e comportamentais. MÉTODOS: A amostra foi constituída de 311 mulheres de três áreas de estudo, do município de Cotia, na área metropolitana de São Paulo, selecionadas por amostragem por conglomerado em dois estágios. O consumo de frutas, verduras e legumes foi avaliado por questionário de freqüência alimentar. Os diferenciais de consumo foram estudados por análise multivariada de regressão logística. RESULTADOS: A chance de baixo consumo de frutas foi maior nas mulheres do bairro pobre, com baixa escolaridade, donas de casa e desempregadas, com baixa renda familiar e tabagistas. Os diferenciais de consumo de verduras foram associados mais à cultura alimentar do que à pobreza: as mais jovens apresentaram chances sensivelmente maiores de baixo consumo de verduras. O tabagismo e o sedentarismo associaram-se ao baixo consumo. Os legumes foram associados tanto ao nível socioeconômico, quanto à cultura alimentar. Foram pouco consumidos pelas mulheres mais jovens e, de um modo geral, por aquelas de pouca escolaridade e baixa renda familiar. Também, o etilismo e o sedentarismo aumentaram as chances de baixo consumo desses alimentos. CONCLUSÃO: O consumo de frutas, verduras e legumes apresentou diferenciais relacionados ao nível socioeconômico, à cultura alimentar e aos hábitos comportamentais.

Consumo alimentar; Frutas; Hortaliças; Condições socioeconômicas; Inquéritos alimentares


OBJECTIVE: The objective was to analyze the consumption of fruits and vegetables by women, according to sociodemographic, economic and behavioral factors. METHODS: The sample consisted of 311 women living in three different areas of the city of Cotia, located in the metropolitan area of São Paulo city, selected by two-stage cluster sampling. Their consumption of fruits and vegetables was assessed by means of a food frequency questionnaire. Consumption differences were analyzed by multivariate logistic regression analysis. RESULTS: Unemployed women or housewives with low education level, low income and smokers living in the poor area were more likely to underconsume fruits. Consumption of leaves was more associated with eating habits than with poverty: younger women were slightly more likely to underconsume leaves. Smoking and inactivity were associated with underconsumption. Consumption of other vegetables was associated with socioeconomic levels and eating habits. Vegetables were underconsumed by younger women and by those with low education level and family income. Consumption of alcoholic beverages and inactivity also increased the likelihood of underconsuming these foods. CONCLUSION: Consumption of fruits and vegetables varied according to socioeconomic level and eating and behavior habits.

Food consumption; Fruit; Greens; Socioeconomic factors; Diet surveys


ORIGINAL ORIGINAL

Diferenciais socioeconômicos e comportamentais no consumo de hortaliças e frutas em mulheres residentes em município da região metropolitana de São Paulo

Socioeconomic and behavioral differences in the consumption of fruits and vegetables by women living in a municipality of São Paulo, Brazil

Monica Inez Elias JorgeI; Ignez Salas MartinsI; Eutália Aparecida Cândido de AraújoII

IUniversidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Departamento de Nutrição. Av. Dr. Arnaldo, 715, Cerqueira César, 01246-904, São Paulo, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: M.I.E. JORGE. E-mail: <mjorge@usp.br>

IIUniversidade de São Paulo, Escola de Enfermagem. São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Analisar o consumo de frutas, verduras e legumes em mulheres, segundo fatores sócio-demográficos, econômicos e comportamentais.

MÉTODOS: A amostra foi constituída de 311 mulheres de três áreas de estudo, do município de Cotia, na área metropolitana de São Paulo, selecionadas por amostragem por conglomerado em dois estágios. O consumo de frutas, verduras e legumes foi avaliado por questionário de freqüência alimentar. Os diferenciais de consumo foram estudados por análise multivariada de regressão logística.

RESULTADOS: A chance de baixo consumo de frutas foi maior nas mulheres do bairro pobre, com baixa escolaridade, donas de casa e desempregadas, com baixa renda familiar e tabagistas. Os diferenciais de consumo de verduras foram associados mais à cultura alimentar do que à pobreza: as mais jovens apresentaram chances sensivelmente maiores de baixo consumo de verduras. O tabagismo e o sedentarismo associaram-se ao baixo consumo. Os legumes foram associados tanto ao nível socioeconômico, quanto à cultura alimentar. Foram pouco consumidos pelas mulheres mais jovens e, de um modo geral, por aquelas de pouca escolaridade e baixa renda familiar. Também, o etilismo e o sedentarismo aumentaram as chances de baixo consumo desses alimentos.

CONCLUSÃO: O consumo de frutas, verduras e legumes apresentou diferenciais relacionados ao nível socioeconômico, à cultura alimentar e aos hábitos comportamentais.

Termos de indexação: Consumo alimentar. Frutas. Hortaliças. Condições socioeconômicas. Inquéritos alimentares.

ABSTRACT

OBJECTIVE: The objective was to analyze the consumption of fruits and vegetables by women, according to sociodemographic, economic and behavioral factors.

METHODS: The sample consisted of 311 women living in three different areas of the city of Cotia, located in the metropolitan area of São Paulo city, selected by two-stage cluster sampling. Their consumption of fruits and vegetables was assessed by means of a food frequency questionnaire. Consumption differences were analyzed by multivariate logistic regression analysis.

RESULTS: Unemployed women or housewives with low education level, low income and smokers living in the poor area were more likely to underconsume fruits. Consumption of leaves was more associated with eating habits than with poverty: younger women were slightly more likely to underconsume leaves. Smoking and inactivity were associated with underconsumption. Consumption of other vegetables was associated with socioeconomic levels and eating habits. Vegetables were underconsumed by younger women and by those with low education level and family income. Consumption of alcoholic beverages and inactivity also increased the likelihood of underconsuming these foods.

CONCLUSION: Consumption of fruits and vegetables varied according to socioeconomic level and eating and behavior habits.

Indexing terms: Food consumption. Fruit. Greens. Socioeconomic factors. Diet surveys.

INTRODUÇÃO

Estudos demonstram que o hábito alimentar pode ser importante fator de risco para uma série de doenças não transmissíveis. Dietas ricas em hortaliças e frutas têm sido recomendadas, por sua baixa densidade energética, no tratamento e na prevenção da obesidade, das dislipidemias, do diabetes melito, entre outras1.

A perda de peso tem sido apontada como o fator principal para normalização de uma série de marcadores bioquímicos de doenças cardiovasculares2.

Entretanto, pesquisas mais recentes sugerem que o efeito da ingestão de frutas e hortaliças no controle das doenças cardiovasculares e de outras morbidades é mais complexo. A interação entre os íons cálcio e magnésio desempenha papel importante na dinâmica arterial (vasoconstrição) e no desenvolvimento da aterosclerose. A razão cálcio/sódio, potássio e magnésio tem efeito na diminuição da hipertensão, provavelmente, mediado pelos hormônios reguladores dos minerais vasoativos. A perda de peso per se explicaria apenas em parte esses processos2. Outros achados também colocaram em evidência a importância das frutas e hortaliças na alimentação, como fontes de minerais, vitaminas, fibras alimentares, antioxidantes e fitoquímicos, que protegem o organismo contra o envelhecimento precoce, a aterosclerose e alguns tipos de câncer3-9. Mais recentemente, Stephen et al.10 mostraram o papel protetor das frutas e hortaliças contra o tromboembolismo venoso, em estudo prospectivo com duração de 12 anos, em amostra de, aproximadamente, 15 mil pessoas.

Trabalho desenvolvido por Jorge11, analisando as interrelações entre dieta, obesidade, hipertensão e estresse psicológico em mulheres de um município da região metropolitana de São Paulo, sugere que há um efeito protetor da dieta equilibrada, rica em frutas e hortaliças, frente ao estresse psicossocial. Entretanto, pouco se conhece sobre a distribuição do consumo desses alimentos nos grupamentos sociais existentes na população-alvo desse estudo.

Diante disso, o objetivo deste trabalho é identificar o consumo de frutas, legumes e verduras em mulheres de três áreas de estudo do município de Cotia e sua relação com fatores sócio-demográficos, econômicos e comportamentais.

MÉTODOS

A pesquisa foi realizada no Município de Cotia, região metropolitana de São Paulo. Com base nas áreas de estudo definidas anteriormente12, e nos contatos com as lideranças locais foram selecionados cinco bairros que constituíram três áreas de estudo: 1 - Parque São George, 2 - Parque Alexandre/Jardim Cláudio, 3 - Jardim Cotia/Jardim Coimbra, todos ao longo da Rodovia Raposo Tavares.

A delimitação desses recortes geográficos teve duas finalidades: facilitar o entrosamento da equipe com as associações e serviços locais de saúde e definir populações homogêneas de acordo com critérios socioeconômicos.

A primeira área é constituída pelo Parque São George, no quilômetro 20, o mais próximo de São Paulo. Por estar ao lado da Granja Viana, um condomínio de casas de alto padrão, congrega uma população de classe média, funcionários públicos, microempresários e trabalhadores do setor serviços. Devido às características do bairro - tipo de residência, equipamentos urbanos (luz, água tratada, esgoto e asfalto) e às formas de ocupação dos residentes, esta área foi definida como de nível médio.

Os bairros Parque Alexandre e Jardim Cláudio constituem a segunda área e estão situados nos quilômetros 22 e 24, respectivamente. Os moradores são operários, em geral, das fábricas nos próprios bairros, empregadas domésticas, donas de casa, além de um grande contingente de desempregados.

De acordo com os critérios supracitados esta área de estudo foi definida como de nível pobre.

A terceira área de estudo é composta pelo Jardim Cotia e pelo Jardim Coimbra, bairros muito próximos um do outro, nos quilômetros 25 e 26 da Rodovia. Os moradores são, em geral, operários de indústrias da região, trabalhadores não qualificados do setor serviços e donas de casa. Foi definida como de nível muito pobre.

A população estudada foi uma amostra representativa das mulheres entre 20 e 60 anos residentes nas áreas de estudo. Os critérios para inclusão foram: idade mínima de 20 anos e máxima de 60 anos completados até a data da entrevista; residentes no município de Cotia; aceitação em participar da pesquisa. O único critério de exclusão foi a idade. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública, sob o protocolo nº 645/02.

Planejamento e plano amostral

O Setor de Cadastros e Impostos da Prefeitura Municipal de Cotia forneceu uma relação dos domicílios e endereços dos cinco bairros considerados para a seleção da amostra.

Foi desenvolvida uma amostragem por conglomerados em dois estágios. No primeiro estágio foram selecionados conglomerados (domicílios) por amostragem aleatória simples sem reposição. No segundo estágio sorteou-se um indivíduo de cada conglomerado (mulher), também por amostragem aleatória simples.

O tamanho da amostra estimado foi de 324 mulheres. Devido a perdas, a amostra final foi constituída de 311 mulheres.

Inquérito alimentar

A dieta foi avaliada utilizando-se um questionário de freqüência de consumo de alimentos (QFA). As participantes foram solicitadas a responder, para cada item do QFA, com que freqüência consumiam cada alimento, no último ano, de acordo com nove categorias: nunca ou menos de uma vez por mês; uma a três vezes/mês; uma vez por semana; duas a quatro vezes por semana; cinco a seis vezes por semana; uma vez por dia; duas a três vezes por dia; quatro a cinco vezes por dia; seis ou mais vezes por dia.

As freqüências de consumo de cada alimento foram resumidas, então, em um único valor, constituindo os escores alimentares que, assim, permitiram comparar grupos de indivíduos e identificar diferentes padrões de consumo. Neste trabalho, os escores alimentares foram construídos de acordo com metodologia empregada por Araújo13.

Inquérito socioeconômico, demográfico e de hábitos comportamentais

As informações sobre idade, renda, escolaridade, inserção no mercado de trabalho e hábitos comportamentais - etilismo, tabagismo e sedentarismo - foram obtidas com o auxílio de questionário. Informações sobre o tabagismo foram obtidas por pergunta direta, se fumava ou não fumava. Para o etilismo foi utilizado o formulário Cut Down, Annoyed, Guilty and Eye-opener14 (CAGE) de detecção precoce do alcoolis-mo. O perfil de atividade física foi levantado por meio do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ)15.

Definição das variáveis:

Os escores de freqüência de consumo de frutas, verduras e legumes foram divididos em quartis. Tomou-se como ponto de corte o percentil 25.

A idade foi categorizada em grupos etários definidos por décadas (anos): 20 a <30; 30 a <40; 40 a <50 e 50 a 60. As três áreas de estudo foram classificadas de acordo com as características dos bairros em nível médio, pobre e muito pobre.

A inserção no mercado de trabalho foi categorizada como empregada; desempregada e dona de casa e a escolaridade em fundamental incompleto; fundamental completo; médio e superior. As faixas de renda foram definidas em salários-mínimos (SM): <1SM; 1 a <5SM; 5 a <10 SM; 10 a <20 SM e >20 SM.

Para o tabagismo e o etilismo foram utilizadas as categorias sim e não e para atividade física, sedentário, ativo e muito ativo.

Quanto aos métodos estatísticos empregados, usou-se a análise de regressão múltipla em que a variável dependente foi o consumo de frutas, verduras e legumes, com ponto de corte no percentil menor ou igual ao percentil 25. As variáveis independentes, de caráter socioeconômico e demográfico, foram as seguintes: idade, características do bairro, inserção no mercado de trabalho, escolaridade e renda familiar. As variáveis de caráter comportamental foram: tabagismo, etilismo e sedentarismo.

A população da amostra foi padronizada em relação à população do município de Cotia de 2004, pelo método direto.

RESULTADOS

A distribuição da amostra foi equilibrada nas áreas de estudo com 101 mulheres (32,5%) na de nível médio, 106 (34,1%) na pobre e 104 (33,4%) na muito pobre.

Quanto às características sócio-demográficas, o nível de escolaridade da maior parte das mulheres foi o fundamental incompleto (46,0%), seguido do nível médio completo (25,1%). Existiu um equilíbrio entre a proporção de mulheres economicamente ativas e as donas de casa, cerca de 40%.

A renda familiar da maioria está entre 2 e 5 salários-mínimos (44,0%), seguida da faixa de 5 a 10 (23,8%).

Em relação aos hábitos comportamentais, observou-se que a maioria não é tabagista (80%) e não tem hábito de consumir bebida alcoólica (73%). A atividade física da quase totalidade foi classificada como ativa (67%). O percentual de sedentarismo foi 11%.

Os fatores associados ao baixo consumo de frutas estão apresentados na Tabela 1. Em relação à idade, tomando-se como base a faixa etária mais velha, constata-se que as mulheres entre 30 e 50 anos apresentam as menores chances de baixo consumo. Entre as mais jovens e as mais idosas não existe diferença significante.

Os maiores diferenciais, entretanto, estão associados às condições socioeconômicas, como a inserção no mercado de trabalho, escolaridade, renda familiar e característica da área de estudo.

Comparadas às que trabalham fora do lar, as donas de casa apresentam 38% mais chance de baixo consumo de frutas e para as desempregadas a chance é triplicada. As analfabetas ou com ensino fundamental incompleto têm chance oito vezes maior de um baixo consumo de frutas, quando comparadas àquelas que possuem nível superior. Tomando-se como base a renda familiar menor que 1 salário-mínimo, as proporções de baixo consumo diminuem gradativamente com o aumento dos rendimentos.

Na área muito pobre o baixo consumo é significativamente maior do que na área média ou na pobre. Entre os hábitos comportamentais, apenas o tabagismo aumenta a chance de baixo consumo.

A Tabela 2 mostra que o baixo consumo de verduras está fortemente associado à idade, pois a partir das faixas etárias abaixo dos 50 anos, há um aumento gradativo, sendo que as mulheres entre 20 e 30 anos apresentam o triplo de chance de baixo consumo de verduras (Odds Ratio - OR=3,11; p<0,0001), quando comparadas às mais velhas.

Os bairros pobres apresentam maior proporção de mulheres com baixo consumo, sendo a OR=1,46 (p<0,0001), para o pobre e OR=1,63 (p<0,0001), para o muito pobre. Entretanto, o comportamento da renda familiar e da escolaridade mostra efeito contrário: as mulheres de menor escolaridade apresentam menor chance de baixo consumo. Apenas as categorias de 2 a 5 e de 10 a 20 salários-mínimos apresentaram diferenciais significantes em relação ao mais baixo salário (1 SM), tomado como base.

Em relação aos hábitos comportamentais, o tabagismo (OR=1,49; p<0,0001) e o sedentarismo (OR=1,56; <0,0001) aumentaram as chances de baixo consumo de verduras.

A chance de baixo consumo de legumes, em função das variáveis socioeconômicas e comportamentais, está apresentada na Tabela 3.

A idade foi fortemente associada ao baixo consumo: a proporção foi maior entre as mulheres entre 30 e 50, triplicando para as mais jovens, quando comparadas às mais velhas.

Entre os fatores socioeconômicos, houve associação significante entre renda familiar e escolaridade e as chances de baixo consumo de legumes. As mulheres com ensino fundamental completo (OR=1,36; p<0,0001) e fundamental incompleto (OR=1,99; p<0,0001) apresentam maior chance de baixo consumo, comparadas às de maior escolaridade. Em relação à renda familiar, há decréscimo progressivo de baixo consumo com o aumento da faixa salarial da família. Não houve diferenciais significativos em relação à inserção no mercado de trabalho e às características do bairro.

Entre os fatores comportamentais, o etilismo (OR=0,46; p=0,000) e o sedentarismo (OR=0,78; p<0,0001) diminuem a chance de baixo consumo.

DISCUSSÃO

As frutas, as verduras e os legumes, sempre analisados como um único grupo de alimentos, fornecedores de minerais e vitaminas, apresentam diferenciais de consumo, determinados pelo nível socioeconômico e por fatores relacionados ao estilo de vida.

As chances de baixo consumo de frutas foram associadas à pouca escolaridade, à baixa renda familiar e à não inserção no mercado de trabalho As desempregadas foram as mais afetadas pela menor contribuição das frutas na sua alimentação. Também as características do local de moradia foram significantemente associadas ao consumo de frutas, pois a maior proporção de baixo consumo foi encontrada na área de estudo caracterizada como muito pobre.

Ao contrário do que acontece com as frutas, o consumo de verduras parece ser determinado pela cultura alimentar do grupo, sendo fortemente associado à idade. As mulheres entre 30 e 50 anos apresentaram quase o dobro de chance de baixo consumo e as mais jovens (20 a 30 anos) o triplo.

Entre os indicadores socioeconômicos, verifica-se que as mulheres de baixa escolaridade apresentaram menor proporção de baixo consumo. Quanto à renda familiar as associações foram irregulares. As menores chances de baixo consumo de frutas, verduras e legumes, foram significantes para níveis intermediários de renda (1-5 SM e 10-20 SM). O nível superior de renda não apresentou diferença significante em relação ao inferior.

Quanto à característica da área de estudo, a maior proporção de baixo consumo de verduras na pobre e na muito pobre deve-se, provavelmente, ao maior contingente de moradores jovens, devido à proximidade delas com o centro de Cotia e os locais de trabalho. Por outro lado, a associação significante encontrada entre baixo consumo e variáveis comportamentais (tabagismo e etilismo), pode ser decorrente de atitudes culturais que envolvem os hábitos alimentares e o consumo de tabaco e bebida alcoólica.

Um estudo que analisou o comportamento alimentar de adolescentes de baixa renda encontrou diferenças no uso dos processos de mudança no consumo de frutas, de verduras e de legumes, evidenciando que esses grupos de alimentos devem ser analisados sob diferentes abordagens em atividades educativas que promovam mudanças no comportamento alimentar16.

A chance de baixo consumo de legumes está fortemente associada à menor idade das mulheres. Entretanto, além desse aspecto da cultura alimentar, parece que o baixo nível socioeconômico é determinante da menor presença de legumes na dieta das mais pobres: as mulheres de maior escolaridade e renda familiar contam mais com esse grupo de alimentos na dieta.

Dados da World Health Survey reforçam as evidências de uma cultura alimentar com pouca presença de frutas e hortaliças na dieta brasileira, com apenas 13% de adequação, e maior tendência para o baixo consumo entre indivíduos mais jovens. Esses achados, segundo os autores, também foram encontrados na Pesquisa do Orçamento Familiar (2002/2003), que mostra o consumo médio de frutas e verduras na população brasileira muito abaixo das recomendações17. Esse quadro torna-se mais grave, quando se analisa o consumo desses alimentos em famílias em situação de insegurança alimentar, cujo consumo diário de frutas, legumes e verduras é significantemente menor do que nas famílias em segurança alimentar18.

O baixo consumo de frutas e vegetais mostrou-se generalizado nas 14 regiões geográficas do planeta, abrangendo Europa, Mediterrâneo Oriental, África, América, Ásia e Pacífico Ocidental, estudadas em amplo projeto desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde. Tomando-se como referência 600g de fruta e/ou verduras/dia, a média de consumo na totalidade das regiões esteve abaixo dessa recomendação. Por outro lado, o consumo diminuiu com a idade e foi menor nas regiões menos desenvolvidas19.

Em outro estudo prospectivo, que investigou o tamanho das porções e a freqüência, observaram-se diferenciais de consumo de frutas e de hortaliças por sexo e idade, em 269 homens e mulheres participantes do European Prospective Investigation into Câncer and Nutrition20.

Trabalhos que analisam hábitos alimentares, por meio da identificação de padrões de consumo, demonstram que muitos desses padrões não incluem frutas, verduras e legumes. Em geral, prevalecem padrões altamente energéticos, compostos por refeições rápidas, ricas em gorduras e açúcares simples11,21.

Nesse cenário, há que compreender melhor a distância existente entre o risco estabelecido pela comunidade científica e o risco reconhecido pela população em geral, no que diz respeito ao consumo de frutas, legumes e verduras, e a manutenção ou promoção de uma alimentação saudável, especialmente na elaboração de políticas públicas em alimentação e nutrição22.

Os achados do presente trabalho indicam que o consumo de frutas, legumes e verduras, quando analisado de modo detalhado e não como um único grupo de alimentos, pode revelar fatores sociais, econômicos e de estilo de vida, associados à presença desses alimentos na alimentação.

Os resultados encontrados neste estudo podem fornecer subsídios para a elaboração de programas educativos de incentivo ao consumo de frutas, legumes e verduras, levando em consideração as características sociais, econômicas, demográficas e comportamentais de uma dada comunidade.

COLABORADORES

M.I.E. JORGE foi responsável pela coleta dos dados de consumo alimentar, incluindo a aplicação do questionário de freqüência de alimentos, e de outros inventários. Colaborou no levantamento bibliográfico atualizado, na elaboração e na revisão deste artigo. I.S. MARTINS colaborou na coleta e análise dos dados de consumo alimentar e dos dados sociodemográficos. Responsável pelo levantamento bibliográfico atualizado sobre o tema, pela elaboração e pela revisão deste artigo. E.A. CÂNDIDO DE ARAÚJO foi responsável pelo planejamento amostral do trabalho, pelo tratamento estatístico e pela análise dos dados de consumo alimentar e sociodemográficos. Colaborou na elaboração e na revisão deste artigo.

Recebido em: 27/6/2007

Versão final reapresentada em: 26/3/2008

Aprovado em: 16/7/2008

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2009
  • Data do Fascículo
    Dez 2008

Histórico

  • Revisado
    26 Mar 2008
  • Recebido
    27 Jun 2007
  • Aceito
    16 Jul 2008
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