Acessibilidade / Reportar erro

Biomarcadores de peroxidação lipídica na aterosclerose

Lipid peroxidation biomarkers in atherosclerosis

Resumos

A aterosclerose é caracterizada por uma resposta inflamatória crônica da parede arterial, iniciada por uma lesão do endotélio, cuja etiologia está relacionada à modificação oxidativa da lipoproteína de baixa densidade. O objetivo deste trabalho é apresentar os principais metabólitos envolvidos nos processos bioquímicos de peroxidação lipídica, discutindo as vantagens e desvantagens dos métodos empregados para a mensuração dos biomarcadores de peroxidação lipídica relacionados com a aterosclerose. A avaliação da oxidação das lipoproteínas pode ser realizada pela determinação dos produtos gerados durante a peroxidação lipídica, como os isoprostanos, hidroperóxidos lipídicos, aldeídos, fosfolípides oxidados e os produtos da oxidação do colesterol. A suscetibilidade das partículas de lipoproteína de baixa densidade à oxidação pode ser avaliada in vitro, após a indução da peroxidação lipídica por azoiniciadores radicalares lipossolúveis, hidrossolúveis, ou mais comumente, pelos íons cobre. Por outro lado, as modificações da lipoproteína de baixa densidade, pela ação das lipoxigenases e peroxidases, ou oxidação não-enzimática, resultam no aumento da carga negativa destas partículas e podem contribuir para a geração in vivo de uma subfração de lipoproteína de baixa densidade minimamente oxidada, denominada lipoproteína de baixa densidade eletronegativa (lipoproteína de baixa densidade). A determinação das concentrações desta partícula pode ser realizada em plasma por cromatografia líquida ou por imunoensaios..Diversos métodos podem ser utilizados para a avaliação dos biomarcadores de peroxidação lipídica in vivo e in vitro, porém, a definição do marcador mais adequado, depende de uma avaliação criteriosa das vantagens, desvantagens e particularidades de cada análise, levando-se em consideração os objetivos do estudo que será conduzido.

Peroxidação de lipídeos; Lipoproteínas LDL; Aterosclerose


Atherosclerosis is characterized by a chronic inflammatory response in the arterial wall triggered by endothelial injury. Its etiology is associated with the oxidative modification of low density lipoprotein. The objective of this work is to present the main metabolites involved in the biochemical process of lipid peroxidation and discuss the advantages and disadvantages of the methods used to measure the lipid peroxidation biomarkers associated with atherosclerosis. Lipoprotein oxidation can be assessed by determining the products generated during lipid peroxidation, such as isoprostanes, lipid hydroperoxides, aldehydes, oxidized phospholipids and products of cholesterol oxidation. The susceptibility of low density lipoprotein particles to oxidation can be assessed in vitro after induction of lipid peroxidation by oil-soluble or water-soluble azo initiators or more commonly by copper ions. On the other hand, low density lipoprotein modification by lipoxygenases and peroxidases or non-enzymatic oxidation increases the negative charge of these particles and may contribute to in vivo generation of a minimally oxidized low density lipoprotein subfraction called electronegative low density lipoprotein (low density lipoprotein). Plasma concentrations of these particles can be determined by liquid chromatography or immunoassays. Many methods can be used to assess lipid peroxidation biomarkers in vivo and in vitro, however determination of the most suitable biomarker depends on a minute assessment of the advantages, disadvantages and particularities of each analysis, bearing in mind the objectives of the study that will be performed.

Lipid peroxidation; Lipoprotein, LDL; Atherosclerosis


SEÇÃO TEMÁTICA - MÉTODOS EM NUTRIÇÃO THEMATIC SECTION - METHODS IN NUTRITION

Biomarcadores de peroxidação lipídica na aterosclerose

Lipid peroxidation biomarkers in atherosclerosis

Dulcinéia Saes Parra AbdallaI; Karine Cavalcanti Maurício de SenaII

IUniversidade de São Paulo, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas. Av. Prof. Lineu Prestes 580, Cidade Universitária, 05508-900, São Paulo, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: D.S.P. ABDALLA. E-mail: <dspa@usp.br>

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Nutrição. Natal, RN, Brasil

RESUMO

A aterosclerose é caracterizada por uma resposta inflamatória crônica da parede arterial, iniciada por uma lesão do endotélio, cuja etiologia está relacionada à modificação oxidativa da lipoproteína de baixa densidade. O objetivo deste trabalho é apresentar os principais metabólitos envolvidos nos processos bioquímicos de peroxidação lipídica, discutindo as vantagens e desvantagens dos métodos empregados para a mensuração dos biomarcadores de peroxidação lipídica relacionados com a aterosclerose. A avaliação da oxidação das lipoproteínas pode ser realizada pela determinação dos produtos gerados durante a peroxidação lipídica, como os isoprostanos, hidroperóxidos lipídicos, aldeídos, fosfolípides oxidados e os produtos da oxidação do colesterol. A suscetibilidade das partículas de lipoproteína de baixa densidade à oxidação pode ser avaliada in vitro, após a indução da peroxidação lipídica por azoiniciadores radicalares lipossolúveis, hidrossolúveis, ou mais comumente, pelos íons cobre. Por outro lado, as modificações da lipoproteína de baixa densidade, pela ação das lipoxigenases e peroxidases, ou oxidação não-enzimática, resultam no aumento da carga negativa destas partículas e podem contribuir para a geração in vivo de uma subfração de lipoproteína de baixa densidade minimamente oxidada, denominada lipoproteína de baixa densidade eletronegativa (lipoproteína de baixa densidade). A determinação das concentrações desta partícula pode ser realizada em plasma por cromatografia líquida ou por imunoensaios..Diversos métodos podem ser utilizados para a avaliação dos biomarcadores de peroxidação lipídica in vivo e in vitro, porém, a definição do marcador mais adequado, depende de uma avaliação criteriosa das vantagens, desvantagens e particularidades de cada análise, levando-se em consideração os objetivos do estudo que será conduzido.

Termos de indexação: Peroxidação de lipídeos. Lipoproteínas LDL. Aterosclerose.

ABSTRACT

Atherosclerosis is characterized by a chronic inflammatory response in the arterial wall triggered by endothelial injury. Its etiology is associated with the oxidative modification of low density lipoprotein. The objective of this work is to present the main metabolites involved in the biochemical process of lipid peroxidation and discuss the advantages and disadvantages of the methods used to measure the lipid peroxidation biomarkers associated with atherosclerosis. Lipoprotein oxidation can be assessed by determining the products generated during lipid peroxidation, such as isoprostanes, lipid hydroperoxides, aldehydes, oxidized phospholipids and products of cholesterol oxidation. The susceptibility of low density lipoprotein particles to oxidation can be assessed in vitro after induction of lipid peroxidation by oil-soluble or water-soluble azo initiators or more commonly by copper ions. On the other hand, low density lipoprotein modification by lipoxygenases and peroxidases or non-enzymatic oxidation increases the negative charge of these particles and may contribute to in vivo generation of a minimally oxidized low density lipoprotein subfraction called electronegative low density lipoprotein (low density lipoprotein). Plasma concentrations of these particles can be determined by liquid chromatography or immunoassays. Many methods can be used to assess lipid peroxidation biomarkers in vivo and in vitro, however determination of the most suitable biomarker depends on a minute assessment of the advantages, disadvantages and particularities of each analysis, bearing in mind the objectives of the study that will be performed.

Indexing terms: Lipid peroxidation. Lipoprotein, LDL. Atherosclerosis.

INTRODUÇÃO

A aterosclerose é um processo que está relacionado a uma resposta inflamatória crônica da parede arterial, iniciada por uma lesão do endotélio, cuja progressão é mantida pela interação entre as lipoproteínas modificadas, macró-fagos derivados de monócitos, linfócitos T e constituintes celulares normais da parede arterial. Várias hipóteses são formuladas para explicar os processos envolvidos no desenvolvimento da aterosclerose. A hipótese da resposta à injúria considera a lesão vascular o evento inicial da ateros-clerose. Em contrapartida, a teoria da resposta à retenção afirma que a interação entre as lipoproteínas e a matriz é o ponto crítico da aterosclerose, enquanto que a hipótese da modificação oxidativa ressalta a importância da oxidação das lipoproteínas de baixa densidade (LDL) como o principal fator desencadeante da doença..Embora as diferentes teorias direcionem mecanismos diversos para explicar a aterosclerose, existem pontos comuns, como por exemplo, o envolvimento da inflamação e a LDL como partícula central no processo1.

As lipoproteínas do plasma são partículas heterogêneas que variam no tamanho, na densidade, na carga elétrica e na composição lipídica e protéica. A oxidação destas partículas causa modificação da estrutura lipídica e protéica, levando à peroxidação lipídica e à oxidação de resíduos de aminoácidos das apolipoproteínas, provocando alterações nas suas propriedades físico-químicas2-4. A avaliação da oxidação das lipoproteínas pode ser realizada pela mensuração: 1) dos produtos derivados da peroxidação lipídica e da modificação oxidativa dos resíduos de aminoácidos das apolipoproteínas; 2) da oxidabilidade das lipoproteínas in vitro e 3) pela detecção direta das partículas de lipoproteínas modificadas5.

Este trabalho tem como objetivo apresentar os principais produtos envolvidos nos processos bioquímicos de peroxidação lipídica, descrevendo os mecanismos de oxidabilidade da LDL, bem como os métodos de mensuração dos biomarcadores de peroxidação lipídica relacionados com o desenvolvimento da aterosclerose.

Produtos derivados da peroxidação lipídica

Os produtos derivados da oxidação de ácidos graxos insaturados e do colesterol podem ser mensurados para a avaliação da lipoperoxidação que ocorre em tecidos, fluídos biológicos e lipoproteínas. Dentre estes produtos, os mais estudados são: isoprostanos, hidroperóxidos lipídicos, aldeídos, fosfolípides oxidados e aqueles produzidos durante os processos bioquímicos de oxidação do colesterol3-5.

Isoprostanos

Os isoprostanos são compostos formados durante a peroxidação do ácido araquidônico e de outros ácidos graxos poliinsaturados, como o linolênico, o eicosapentaenóico (EPA) e o doco-sahexaenóico (DHA). Os isoprostanos, estruturalmente semelhantes à prostaglandina F2α (PGF2α), são denominados F2-isoprostanos6, sendo o 8-iso-PGF2α (também conhecido como 8-epi-PGF2α, iPF2α-III e 15-F2t-IsoP) o composto desta classe que tem sido mais amplamente analisado em estudos clínicos. Este metabólito pode ser determinado em plasma e na urina por imunoensaios ou cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa7. Vantagem: produto específico da lipoperoxidação. Desvantagem: diversos isoprostanos são formados durante a peroxidação dos ácidos graxos poliinsaturados, limitando a avaliação da intensidade de lipoperoxidação, uma vez que é determinado apenas um dos derivados desta classe8.

Hidroperóxidos lipídicos

Os hidroperóxidos lipídicos (LOOH) são formados durante os processos bioquímicos de peroxidação dos ácidos graxos insaturados e podem ser mensurados por técnicas colorimétricas e cromatográficas. Os métodos mais específicos e sensíveis para a determinação dos LOOH são aqueles que utilizam a cromatografia líquida (HPLC) acoplada à detecção do grupo hidroperóxido por quimiluminescência, utilizando microperoxidase, ou pela absorção das duplas ligações conjugadas por absorção no ultravioleta (Figura 1)9.


Aldeídos

Os aldeídos são formados pela clivagem beta da cadeia dos ácidos graxos oxidados. Diversos aldeídos reativos, como o malondialdeído (MDA), hidroxihexenal (HHE, derivado de ácidos graxos poliniinsaturados n-3) e o 4-hidroxinonenal (4-HNE, derivado dos ácidos graxos poliinsaturados n-6), podem se ligar aos resíduos de aminoácidos positivamente carregados das apolipoproteínas, principalmente da lisina, produzindo alterações de cargas na superfície das lipoproteínas. Estes compostos podem ser determinados por cromatografia líquida (HPLC) ou gasosa (CG/MS)7,10. O método colorimétrico, que utiliza como reagente o ácido tiobarbitúrico (TBA), tem sido amplamente utilizado para a detecção de MDA, um aldeído bifuncional11-13. No entanto, esta metodologia apresenta baixas especificidade e sensibilidade para a detecção deste aldeído em fluidos biológicos como o plasma, o soro e a urina, pois o TBA reage com ácidos siálicos e açúcares redutores, dentre outros compostos presentes nas amostras. Vantagem: estabilidade dos aldeídos em fluídos biológicos. Desvantagem: baixas especificidade e sensibilidade dos métodos colorimétricos utilizados (TBARS). O MDA tem alta taxa de depuração renal e deve ser determinado preferencialmente na urina10.

Fosfolípides oxidados

A oxidação de ácidos graxos poliinsaturados (AGPI) dos fosfolipídios, principalmente, na posição sn-2 da molécula do glicerol, tem sido uma das alterações estruturais das lipoproteínas associadas ao desenvolvimento de propriedades pró-aterogênicas destas partículas. A oxidação dos fosfolipídios pode originar liso-derivados como a lisofosfatidilcolina (LPC) e o ácido lisofosfático (LPA), resultantes da quebra da ligação éster da posição sn-2, ou produtos mais complexos, como 1-palmitoil-2(5-oxovaleroil)-sn-glicerol-3-fosfo-rilcol ina (POVPC), 1-palmitoil-2-glutaroil-sn-glicerol-3-fosforilcolina (PGPC) e 1-palmitoil- 2-(5,6-epoxyprostano E2)-sn-glicerol-3-fosfo-rilcolina (PEIPC), que são fosfolípides oxidados derivados da 1-palmitoil-2-araquidonil-sn-glicerol-3-fosforilcolina. Os fosfolípides oxidados estão presentes nas diversas lipoproteínas plasmáticas, em especial na lipoproteína (a) (Lp(a))14. Estes produtos de oxidação dos fosfolípides podem ser determinados no plasma, desde que sejam aten-didos requisitos importantes para o preparo das amostras15 e, posteriormente, caracterizados por meio de cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massa (LC/MS) ou por imunoensaios com anticorpos monoclonais murinos, que reconhecem estes lípides oxidados como determinantes antigênicos. Vantagem: estes fosfofolípides oxidados são produtos específicos dos processos bioquímicos de lipoperoxidação e podem ser determinados por imunoensaios. Desvantagens: alguns imunoensaios requerem o isolamento prévio das lipoproteínas do plasma antes da análise14.

Produtos de oxidação do colesterol

O colesterol é um lipídeo insaturado, suscetível à oxidação na presença de luz, oxigênio, temperaturas elevadas, atividade de água, radiações, radicais livres, íons metálicos, agentes sensibilizantes, pH, entre outros fatores. Os produtos de oxidação do colesterol, ou óxidos de colesterol constituem um grupo de esteróis com estrutura similar à molécula de colesterol, contendo grupos cetona, hidroxila ou epóxido em um dos anéis ou na cadeia lateral (Figura 2). Estes compostos podem ser formados por meio de reações enzimáticas, ou via oxidação mediada por radicais livres16.


A autoxidação do colesterol envolve uma série de reações radicalares, formando mais de 60 diferentes produtos da oxidação. Vários óxidos de colesterol têm sido detectados em quantidades apreciáveis nos tecidos e fluídos biológicos de humanos, incluindo plasma, lipoproteínas aterogênicas e placas ateroscleróticas17. Os óxidos de colesterol podem apresentar efeitos locais importantes na parede arterial, atuando como fator de regulação da homeostase dos lipídios celulares e, possivelmente, na maturação das lesões ateroscleróticas18. Os métodos disponíveis para a detecção dos óxidos de colesterol são a cromatografia gasosa com detecção por ionização de chama (CG/FID) ou a espectrometria de massa (CG/MS) e HPLC19-21. Vantagem: produtos específicos da oxidação não enzimática do colesterol que podem ser detectados em fluidos biológicos. Desvantagem: as amostras biológicas não devem ser armazenadas por período superior a 2 meses19.

Oxidabilidade da LDL

As partículas de LDL têm densidade entre 1.019 ~ 1.063g/mL, com diâmetro médio de 22nm, contendo na parte central cerca de 170 moléculas de triglicérides e 1600 moléculas de ésteres de colesterol. A superfície da LDL é formada por uma monocamada constituída por cerca de 700 moléculas de fosfolipídios (principalmente fosfatidilcolina e esfingomielina), 600 moléculas de colesterol não-esterificado e uma única molécula de ApoB-100, que é composta por 4536 resíduos de aminoácidos. A suscetibilidade das partículas de LDL à oxidação pode ser avaliada in vitro, após a indução da peroxidação lipídica por azoiniciadores radicalares lipossolúveis (AMVN), hidrossolúveis (AAPH), ou, mais comumente, pelos íons cobre. O cobre (CuSO4) é amplamente utilizado e inicia as etapas de peroxidação lipídica por meio da redução dos hidroperóxidos lipídicos pré-formados nos ácidos graxos presentes na lipoproteína, gerando radical alcoxila (LO·)2,22.

A oxidabilidade da LDL in vitro (cinética da oxidação in vitro da LDL) (Figura 3) ocorre em três etapas, a saber: i) iniciação, na qual ocorre a formação dos radicais de carbono ou alcoxila, denominada de fase de indução (lag phase), ii) fase de propagação, na qual os radicais alcoxila e peroxila (LOO·) incialmente formados interagem com outras moléculas de ácido graxos polinsaturados oxidando-as e iii) terminação, etapa em que ocorre a reação entre radiciais LO· e LOO· formando produtos não-radicalares, finalizando o processo de lipoperoxidação. Na fase de indução ocorre o consumo dos antioxidantes lipossolúveis e o tempo de indução (lag time) é, portanto, dependente da concentração destes antioxidantes nas partículas de LDL. Na fase seguinte, a propagação das reações em cadeia da lipoperoxidação é proporcional à quantidade de ácidos graxos insaturados da LDL. A velocidade de propagação (log rate) é proporcional ao teor de ácidos graxos poliinsaturados presentes na partícula2.


O processo de oxidação da LDL in vitro é realizado pela medida do tempo de indução (lag time) e da velocidade de propagação (log rate) da peroxidação dos ácidos graxos (Figura 3), monitorado espectrofotometricamente, por intermédio da absorção das duplas ligações conjugadas dos ácidos graxos oxidados na região ultravioleta (l=235hm) (dienos conjugados). Vantagem: é um método de fácil execução e fornece informação indireta sobre a suscetibilidade à oxidação das partículas de LDL isoladas do plasma23. Desvantagens: requer o isolamento prévio da LDL do plasma por meio da técnica de ultracentrifugação e não reflete a extensão da oxidação da LDL que ocorre in vivo.

LDL minimamente oxidada ou LDL eletronegativa (LDL-)

As modificações da LDL via oxidação não enzimática (aldeídos, cobre, peroxinitrito) ou via lipoxigenases e peroxidases aumentam a carga negativa das partículas de LDL e podem contribuir para a geração in vivo de uma subfração de LDL eletronegativa, denominada LDL (-). Devido às diferenças de carga, a LDL plasmática pode ser separada por cromatografia de troca iônica em duas frações. A subfração de LDL nativa (nLDL) representa ~ 70%-99% da LDL total. A outra fração é denominada LDL(-) e representa a subfração da LDL minimamente modificada ou oxidada que apresenta aumento da eletronegatividade24.

A LDL (-) é encontrada predominantemente nas frações mais densas da LDL e apresenta maior conteúdo de hidroperóxidos lipídicos, óxidos de colesterol, lisofosfatidilcolina, dienos conjugados, aldeídos e ácidos graxos não-esterificados em comparação à LDL nativa, além da diminuição dos antioxidantes lipossolúveis. A superfície da LDL (-) é significativamente mais polar do que a n-LDL e apresenta alteração da camada lipídica e da estrutura secundária da apolipoproteina B-100 (ApoB)24. Diferente da LDL oxidada in vitro, a LDL (-) não apresenta fragmentação da ApoB e outras alterações decorrentes de uma oxidação excessiva, observações que originaram o termo LDL minimamente modificada (LDLmm)25.

Diversos estudos demonstram o aumento da proporção da LDL (-) no plasma de indivíduos com elevado risco cardiovascular, como os portadores de diabetes mellitus (DM), hipercolesterolemia familiar ou hipertrigliceridemia, além daqueles em hemodiálise ou com doença coronariana estabelecida24, portadores de aterosclerose coronariana independentemente da fase aguda ou crônica26. Estes dados indicam que a LDL (-) pode ser considerada um importante biomarcador para as doenças cardiovasculares27,28.

A determinação da LDL (-) pode ser realizada por cromatografia líquida (HPLC) de troca aniônica ou ELISA (enzyme linked immunosorbent assay)29. Os métodos cromatográficos são mais demorados e têm custo mais elevado em relação aos enzimaimunoensaios. Anticorpos monoclonais (MAb) são poderosas ferramentas na identificação de estruturas específicas na heterogeneidade de partículas de LDL modificada e têm sido utilizados para a investigação da LDL oxidada (Quadro 1). Os tipos de imunoensaios mais utilizados para a detecção de lipoproteínas minimamente oxidadas presentes no plasma estão representados na Figura 4. Vantagens: os imunoensaios são reprodutíveis, de execução fácil e rápida e podem ser automatizados, o que facilita a utilização para a análise de grande número de amostras. Existem kits de ELISA para a detecção de LDL oxidada comercialmente disponíveis11. Desvantagens: a diversidade dos anticorpos monoclonais e dos tipos de imunoensaios utilizados torna difícil a comparação dos resultados entre os diferentes ensaios.



CONCLUSÃO

A aterosclerose é uma doença que envolve mecanismos complexos, dentre os quais, destacam-se a relação dos produtos gerados durante os processos de peroxidação lipídica com as alterações nas partículas de LDL. A determinação destes biomarcadores pode ser realizada em fluidos biológicos e lipoproteínas, utilizando-se técnicas cromatográficas ou enzimoimunoensaios. Considerando-se as diversas etapas que envolvem a peroxidação lipídica, a compartimentalização dos lípides nas membranas e as lipoproteínas, bem como a diversidade de produtos que podem ser formados neste processo, recomenda-se a utilização de um conjunto de biomarcadores, dependendo do tipo e objetivo do estudo que será conduzido.

COLABORADORES

D. S. P. ABDALLA foi responsável pelo delineamento do artigo, pela definição do enfoque da pesquisa bibliográfica, pela discussão e pela redação do artigo. K. C. M. DE SENA participou do delineamento do artigo, da pesquisa bibliográfica, da discussão e da redação do artigo.

Recebido em: 28/3/2008

Versão final reapresentada em: 6/6/2008

Aprovado em: 29/9/2008

  • 1. Stocker R, Keaney JF. Role of oxidative modifications in atherosclerosis. Physiol Rev. 2004; 84(4): 1381-478.
  • 2. Hevonoja T, Pentikainen MO, Hyvonen MT, Kovanen PT, Ala-Korpela M. Structure of low density lipoprotein (LDL) particles: basis for understanding molecular changes in modified LDL. Biochim Biophys Acta. 2000; 1488(3): 189-210.
  • 3. Chang YH, Adballa DS, Sevanian A. Characterization of cholesterol oxidation products formed by oxidative modification of low density lipoprotein. Free Radic Biol Med. 1997; 23(2): 202-14.
  • 4. Esterbauer H, Gebicki J, Puhl H, Jürgens G. The role of lipid peroxidation and antioxidants in oxidative modification of LDL. Free Radical Biol Med. 1992; 13(4):341-90.
  • 5. Lima ES, Abdalla DSP. Peroxidação lipídica: mecanismos e avaliação em amostras biológicas. Rev Bras Ciênc Farm. 2001; 37(3):293-303.
  • 6. Montuschi P, Barnes P, Roberts LJ. Insights into oxidative stress: the isoprostanes. Curr Med Chem. 2007; 14(6):703-17.
  • 7. Polidori MC, Praticó D, Parente B, Mariani E, Cecchetti R, Yao Y, et al. Elevated lipid peroxidation biomarkers and low antioxidant status in atherosclerotic patients with increased carotid or iliofemoral intima media thickness. J Investig Med. 2007; 55(4):163-7
  • 8. Schwedhelm E, Böger RH. Application of gas chromatography-mass spectrometry for analysis of isoprostanes: their role in cardiovascular disease. Clin Chem Lab Med. 2003; 41(12):1552-61.
  • 9. Miyazawa T, Fujimoto K, Suzuki T, Yasuda K. Determination of phospholipid hidroperoxides using luminol chemiluminescense: high-performance liquid chromatography. Methods Enzymol. 1994; 233(1):324-32.
  • 10. Moore K, Roberts LJ. Measurement of lipid peroxidation. Free Radic Res. 1998; 28(6):659-71.
  • 11. Holvoet P, Perez G, Zhao Z, Brouwers E, Bernar H, Collen D. Malondialdehyde-modified low density lipoprotein in patients with atherosclerotic disease. J Clin Invest. 1995; 95(6):2611-9.
  • 12. Kotur-Stevuljevic J, Memon L, Stefanovic A, Spasic S, Spasojevic-Kalimanovska V, Bogavac-Stanojevic N, et al. Correlation of oxidative stress parameters and inflammatory markers in coronary artery disease patients. Clin Biochem. 2007; 40(3-4): 181-7.
  • 13. Dursun B, Dursun E, Suleymanlar G, Ozben B, Capraz I, Apaydin A, et al. Carotid artery intima-media thickness correlates with oxidative stress in chronic haemodialysis patients with accelerated atherosclerosis. Nephrol Dial Transplant. 2008. [Epub ahead of print]
  • 14. Tsimikas S. Percutaneous Coronary intervention results in acute increases in oxidized phospholipids and lipoprotein(a). Circulation. 2004; 109(25): 3164-70.
  • 15. Nakamura K, Kishimoto T, Ohkawa R, Okubo S, Tozuka M, Yokota H, et al. Suppression of lysophosphatidic acid and lysophosphatidylcholine formation in the plasma in vitro: proposal of a plasma sample preparation method for laboratory testing of these lipids. Anal Biochem. 2007; 367(1): 20-7.
  • 16. van Reyk DM, Brown AJ, Hult'en LM, Dean RT, Jessup W. Oxysterols in biological systems: sources, metabolism and pathophysiological relevance. Redox Rep. 2006; 11(6):255-62.
  • 17. Brown AJ, Jessup W. Oxysterols and atherosclerosis. Atherosclerosis. 1999; 142(1):1-28.
  • 18. Olkkonen VM, Lehto M. Oxysterols and oxysterol binding proteins: role in lipid metabolism and atherosclerosis. Ann Med. 2004; 36(8):562-72.
  • 19. Sevanian A, Seraglia R, Traldi P, Rossato P, Ursini F, Hodis H. Analysis of plasma cholesterol oxidation products using gas and high performance liquid chromatography/mass spectrometry. Free Rad Biol Med. 1994; 17(5):397-409.
  • 20. Hojo K, Hakamata H, Ito A, Kotani A, Furukawa C, Hosokawa YY, et al. Determination of total cholesterol in serum by high-performance liquid chromatography with electrochemical detection. J Chromatogr A. 2007; 1166(1-2):135-41.
  • 21. Menéndez-Carreño M, García-Herreros C, Astiasarán I, Ansorena D. Validation of a gas chromatography-mass spectrometry method for the analysis of sterol oxidation products in serum. J Chromatogr B Analyt Technol Biomed Life Sci. 2008. [Epub ahead of print.
  • 22. Sevanian A, Bittolo-Bon G, Cazzolato G, Hodis H, Hwang J, Zamburlini A, et al. LDL- is a lipid hydroperoxide-enriched circulating lipoprotein. J Lipid Res. 1997; 38(3):419-28.
  • 23. Hodis HN, Kramsch DM, Avogaro P, Bittolo-Bon G, Cazzolato G, Hwang J, et al. Biochemical and cytotoxic characteristics of an in vivo circulating oxidized low density lipoprotein (LDL-). J Lipid Res. 1994; 35(4):669-77.
  • 24. Sanchez-Quesada JL, Benítez S, Ordonez-Llanos J. Electronegative low-density lipoprotein. Curr Opin Lipidol. 2004; 15(3):329-35.
  • 25. Berliner JA, Territo MC, Sevanian A, Ramin S, Kim JA, Bamshad B, et al. Minimally modified low density lipoprotein stimulates monocyte endothelial interactions. J Clin Invest. 1990; 85(4): 1260-6.
  • 26. Oliveira JA, Sevanian A, Rodrigues RJ, Apolinário E, Abdalla DSP. Minimally modified electronegative LDL and its autoantibodies in acute and chronic coronary syndromes. Clin Biochem. 2006; 39(7): 708-14.
  • 27. Fraley AE, Tsimikas S. Clinical applications of circulating oxidized low-density lipoprotein biomarkers in cardiovascular disease. Curr Opin Lipidol. 2006; 17(5):502-9.
  • 28. Toshima S, Hasegawa A, Kurabayashi M, Itabe H, Takano T, Sugano J, et al. Circulating oxidized low density lipoprotein levels: a biochemical risk marker for coronary heart disease. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2000; 20(10):2243-7.
  • 29. Virella G, Derrick MB, Pate V, Chassereau C, Thorpe SR, Lopes-Virella MF. Development of capture assays for different modifications of human low-density lipoprotein. Clin Diagn Lab Immunol. 2005; 12(1):68-75.
  • 30. Itabe H, Takeshima E, Iwasaki H, Kimura J, Yoshida Y, Imanaka T. A monoclonal antibody against oxidized lipoprotein recognizes foam cells in atherosclerotic lesions. J Biol Chem. 1994; 269(21): 15274-9.
  • 31. Palinski W, Hörkkö S, Miller E, Steinbrecher UP, Powell HC, Curtiss LK, et al. Cloning of monoclonal autoantibodies to epitopes of oxidized lipoproteins from apolipoprotein E-deficient mice. J Clin Invest. 1996; 98(3):800-14.
  • 32. Damasceno NR, Sevanian A, Apolinario E, Oliveira JM, Fernandes I, Abdalla DS. Detection of electronegative low density lipoprotein (LDL") in plasma and atherosclerotic lesions by monoclonal antibody-based immunoassays. Clin Biochem. 2006; 39(1):28-38.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2009
  • Data do Fascículo
    Dez 2008

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2008
  • Revisado
    06 Jun 2008
  • Aceito
    29 Set 2008
Pontifícia Universidade Católica de Campinas Núcleo de Editoração SBI - Campus II , Av. John Boyd Dunlop, s/n. - Prédio de Odontologia, 13059-900 Campinas - SP Brasil, Tel./Fax: +55 19 3343-6875 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: sbi.submissionrn@puc-campinas.edu.br