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A dimensão da insegurança alimentar

EDITORIAL

A dimensão da insegurança alimentar

No momento em que o mundo todo se mobiliza em torno do problema alimentar de seis bilhões de pessoas, a temática da insegurança alimentar torna-se central, extrapola os limites do debate acadêmico e alcança a grande mídia. De relevância incontestável, este tema vem recebendo contribuições de diferentes abordagens e ocupa, cada vez mais, o cenário das políticas públicas. É bastante positiva a crescente atenção devotada ao tema no Brasil, o que se traduziu na inclusão de um módulo para investigação da Segurança Alimentar em pesquisa nacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1, no aumento da oferta de financiamentos para pesquisas relacionadas ao tema, e, conseqüentemente, no aumento na produção científica na área.

Este fascículo especial foi planejado com os objetivos de promover o diálogo entre os diferentes segmentos que tratam do tema da insegurança alimentar, e contribuir para o avanço e o aprimoramento da pesquisa nessa área. São apresentados resultados de algumas pesquisas desenvolvidas com recursos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por meio do edital CT-Agronegócio - 2003, administrado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Foram também incluídos projetos que receberam financiamento de outras fontes, como a Organização Pan-americana de Saúde, o Ministério da Saúde e a Fundação de Apoio à Pesquisa no Estado de São Paulo.

A situação de insegurança alimentar de grupos populacionais da periferia de uma região metropolitana, descrita por Salles-Costa et al., e a de 14 municípios do interior do estado da Paraíba, abordada por Vianna e Segall-Corrêa, foi investigada com a aplicação da EBIA. Nesses distintos ambientes observam-se elevadas prevalências de insegurança alimentar, que atingiu mais de 50% das famílias, sendo a renda o principal determinante dessa condição.

A questão da insegurança alimentar, trazida para o interior da família e para os aspectos culturais e socioeconômicos envolvidos no fenômeno da alimentação em si, é tratada em diferentes cenários. Murrieta et al. comparam a dinâmica do consumo de alimentos em dois ecossistemas amazônicos, demonstrando como as condições sociais, econômicas e ambientais se inter-relacionam na modulação das condições de alimentação e dos hábitos alimentares. Panigassi et al. analisam o consumo diário de 14 grupos de alimentos, segundo a situação de insegurança alimentar das famílias, e concluem que famílias com insegurança apresentam dietas monótonas, basicamente compostas por alimentos energéticos. Outro estudo, de Menasche et al., realizado com famílias rurais com significativa produção para o autoconsumo empregou os recursos teórico-analíticos da antropologia da nutrição. Concluiu que as práticas de produção para autoconsumo estão associadas à segurança alimentar e à reprodução social.

Todos esses relatos resumem as questões mais prementes relacionadas com a insegurança alimentar, tornando evidente que a ação pública é indispensável, entretanto, a participação do coletivo é capaz de fazer a diferença. Tal constatação é reiterada por Rose que, ao resumir diversas experiências internacionais de intervenção sobre a situação de segurança alimentar, destaca que as ações comunitárias participativas constituem um recurso no aperfeiçoamento das propostas de intervenção e asseguram o respeito aos direitos humanos.

Como já foi ressaltado, este fascículo pode ser considerado um incentivo à divulgação de resultados de pesquisas nacionais em uma publicação científica de alto nível, como a Revista de Nutrição. No entanto, lacunas importantes no conhecimento dos fenômenos envolvidos na questão da segurança alimentar requerem novos estudos. Um deles é o aparente paradoxo da convivência da pobreza e da insegurança alimentar com prevalências elevadas de obesidade e distúrbios metabólicos. Este desafio envolve muitos setores da sociedade e deve ser tratado não somente pela epidemiologia, ou pela fisiopatologia e bioquímica nutricional, mas também pela dietética, pela antropologia, pela sociologia e pelas políticas públicas, que devem equacionar a questão de como promover a segurança alimentar em um contexto de alimentação saudável, evitando o desequilíbrio no consumo e o excesso de peso.

Este fascículo foi financiado por meio de Edital do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (Edital 037/2006 Projeto FAO/MDS UTF/BRA/064/BRA), que convidou as principais revistas científicas nesta área para que apresentassem propostas de publicação de um número temático sobre Segurança Alimentar. A Revista de Nutrição foi selecionada com base em critérios técnicos e financeiros.

Como editoras deste fascículo não poderíamos deixar de aproveitar essa oportunidade para demonstrar nosso reconhecimento às editoras da Revista de Nutrição, que, com profissionalismo, vêm consolidando este periódico vitorioso no cenário editorial brasileiro. Finalmente, nossos agradecimentos aos revisores, que criteriosamente colaboraram na seleção dos artigos a serem incluídos nesta edição, o que resultou em uma seleção de alto nível científico.

Rosangela Alves Pereira

Leonor Maria Pacheco Santos

Editoras convidadas

  • 1
    Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004: segurança alimentar. Rio de Janeiro; 2006.
  • 2
    Brasil. Conselho Nacional de Segurança Alimentar. Relatório Final da II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. 2004; p.17-20; Olinda, PE.
  • 3. Segall-Corrêa AM, Pérez-Escamilla R, Maranha LK, Sampaio MFA, Yuyama L, Alencar F, et al. Projeto: acompanhamento e avaliação da segurança alimentar de famílias brasileiras: validação de metodologia e de instrumento de coleta de informação. Campinas: Universidade Estadual de Campinas/Organização Pan-Americana da Saúde/Ministério da Saúde; 2004.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2009
  • Data do Fascículo
    Ago 2008
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