Acessibilidade / Reportar erro

Associação entre déficit de crescimento e retardo maturacional de crianças e adolescentes infectados

Association between stunting and developmental delay in helminth-infected children and adolescents

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a influência do déficit de crescimento sobre o retardo maturacional de crianças e adolescentes com infecção helmíntica. MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal, em que participaram 1 764 indivíduos de 7 a 17 anos de idade, de ambos os sexos, infectados por Schistosoma mansoni isoladamente ou Schistosoma mansoni associado a geohelmintos, residentes na cidade de Jequié (BA). Os participantes foram submetidos a avaliação antropométrica, dos estágios de desenvolvimento puberal e a exame parasitológico de fezes. Foram coletadas informações referentes às condições sanitárias do domicílio e socioeconômicas da família. Optou-se pela análise de regressão logística multivariada para as análises estatísticas de interesse. RESULTADOS: Os resultados deste trabalho mostraram uma prevalência de 15,4% de déficit estatural entre os integrantes do estudo. O déficit de crescimento físico associou-se ao atraso da puberdade (0R=4,01; IC95%1,01-15,8). Esta associação pode ser explicada pelo impacto negativo que a desnutrição exerce sobre a produção de hormônios associados ao crescimento e sobre a produção dos hormônios sexuais. CONCLUSÃO: Estes achados sugerem que as condições inadequadas de nutrição contribuem para o retardo maturacional. Ressalta-se assim, a importância de estratégias de intervenção que possam garantir melhores condições de vida, saúde e nutrição para o desenvolvimento adequado das potencialidades vitais.

Adolescente; Criança; Crescimento e desenvolvimento


OBJECTIVE: The objective of this study is to assess the influence of stunting on the developmental delay of helminth-infected children and adolescents. METHODS: The sample of this cross-sectional study consisted of 1,764 subjects of both sexes from the city of Jequié (Bahia, Brazil), aged 7 to 17 years, infected with helminths (either Schistosoma mansoni alone or associated with associated with geohelminths). All subjects underwent anthropometric and Tanner stage assessment, and stool testing. Data on the family's socioeconomic status and sanitary conditions of the household were also collected. The data was analyzed by multivariate logistic regression. RESULTS: The results of this study show a prevalence of stunting of 15.4% and an association between stunting and pubertal delay (0R=4.01; CI 95% 1.01-15.8). The negative impact of malnutrition on the production of both sexual and growth-related hormones may explain this association. CONCLUSION: These findings suggest that inadequate nutrition contributes to developmental delay. This shows the importance of intervention strategies that guarantee better living and health conditions and nutrition for proper development.

Adolescent; Child; Growth and development


ORIGINAL ORIGINAL

Associação entre déficit de crescimento e retardo maturacional de crianças e adolescentes infectados

Association between stunting and developmental delay in helminth-infected children and adolescents

Thaisy Cristina Honorato Santos AlvesI; Rita de Cássia Ribeiro SilvaI; Ana Marlúcia Oliveira AssisI; Maria da Conceição Monteiro da SilvaI; Mônica Leila Portela de SantanaI; Maurício Lima BarretoII; Mitermayer Galvão ReisIII; Isabel Martin ParragaIV; Ronald Edward BlantonV

IUniversidade Federal da Bahia, Escola de Nutrição. R. Araújo Pinho, 32, Campus Universitário, Canela, 40110-150, Salvador, BA, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: R.C.R. SILVA. E-mail: <rcrsilva@ufba.br>

IIUniversidade Federal da Bahia, Instituto de Saúde Coletiva. Salvador, BA, Brasil

IIIFundação Oswaldo Cruz, Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, Laboratório de Patologia e Biologia Molecular. Salvador, BA, Brasil

IVCase Western Reserve University, Department of Nutrition. Cleveland, Ohio, USA

VCase Western Reserve University, Center for International Health and Disease. Cleveland, Ohio, USA

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a influência do déficit de crescimento sobre o retardo maturacional de crianças e adolescentes com infecção helmíntica.

MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal, em que participaram 1 764 indivíduos de 7 a 17 anos de idade, de ambos os sexos, infectados por Schistosoma mansoni isoladamente ou Schistosoma mansoni associado a geohelmintos, residentes na cidade de Jequié (BA). Os participantes foram submetidos a avaliação antropométrica, dos estágios de desenvolvimento puberal e a exame parasitológico de fezes. Foram coletadas informações referentes às condições sanitárias do domicílio e socioeconômicas da família. Optou-se pela análise de regressão logística multivariada para as análises estatísticas de interesse.

RESULTADOS: Os resultados deste trabalho mostraram uma prevalência de 15,4% de déficit estatural entre os integrantes do estudo. O déficit de crescimento físico associou-se ao atraso da puberdade (0R=4,01; IC95%1,01-15,8). Esta associação pode ser explicada pelo impacto negativo que a desnutrição exerce sobre a produção de hormônios associados ao crescimento e sobre a produção dos hormônios sexuais.

CONCLUSÃO: Estes achados sugerem que as condições inadequadas de nutrição contribuem para o retardo maturacional. Ressalta-se assim, a importância de estratégias de intervenção que possam garantir melhores condições de vida, saúde e nutrição para o desenvolvimento adequado das potencialidades vitais.

Termos de indexação: Adolescente. Criança. Crescimento e desenvolvimento.

ABSTRACT

OBJECTIVE: The objective of this study is to assess the influence of stunting on the developmental delay of helminth-infected children and adolescents.

METHODS: The sample of this cross-sectional study consisted of 1,764 subjects of both sexes from the city of Jequié (Bahia, Brazil), aged 7 to 17 years, infected with helminths (either Schistosoma mansoni alone or associated with associated with geohelminths). All subjects underwent anthropometric and Tanner stage assessment, and stool testing. Data on the family's socioeconomic status and sanitary conditions of the household were also collected. The data was analyzed by multivariate logistic regression.

RESULTS: The results of this study show a prevalence of stunting of 15.4% and an association between stunting and pubertal delay (0R=4.01; CI 95% 1.01-15.8). The negative impact of malnutrition on the production of both sexual and growth-related hormones may explain this association.

CONCLUSION: These findings suggest that inadequate nutrition contributes to developmental delay. This shows the importance of intervention strategies that guarantee better living and health conditions and nutrition for proper development.

Indexing terms: Adolescent. Child. Growth and development.

INTRODUÇÃO

Segundo estimativas mundiais, a desnutrição continua sendo um dos problemas mais importantes de saúde atingindo 800 milhões de crianças em todo o mundo1, cujas causas são creditadas às imensas desigualdades sociais e econômicas registradas em especial nos países em desenvolvimento. No Brasil, apesar do crescimento da obesidade ao longo das últimas décadas, uma parcela significativa da população não tem acesso aos padrões alimentares adequados e a desnutrição persiste como problema importante de saúde nas regiões mais pobres do Nordeste brasileiro2.

São muitos os estudos que avaliam os fatores que afetam o crescimento físico, a exemplo do baixo consumo de alimentos, das infecções parasitárias e das condições adversas de vida e de desenvolvimento de crianças em idade pré-escolar1. No entanto, existem lacunas importantes no conhecimento, quando o grupo alvo é representado por crianças escolares e adolescentes. Para muitos estudiosos, os mesmos fatores que afetam o crescimento de crianças menores de 5 anos podem constranger também o crescimento daquelas com idade escolar e adolescentes, em adição aos fatores genéticos e étnicos que passam a ser os principais determinantes do desenvolvimento e do crescimento físico do indivíduo nesse período da vida. Nesta fase da vida a prevalência do déficit de crescimento varia entre 1,9% e 16,9%; na região rural do Nordeste estes valores são mais elevados3.

A adolescência constitui o período de transição entre a infância e a vida adulta, sendo caracterizada por diversas mudanças somáticas, psicológicas e sociais4. É relatado, na literatura científica, que a puberdade - marcada pelo estirão de crescimento, aumento rápido das secreções de diversos hormônios e aparecimento dos caracteres sexuais secundários - em crianças cujo crescimento físico linear encontra-se comprometido, pode não ocorrer no tempo fisiológico esperado5. Admite-se que o atraso na instalação da puberdade esteja associado ao acúmulo insuficiente de reserva adiposa em fases anteriores da vida e à deficiência de micronutrientes - especialmente zinco, cobre e ferro - envolvidos no crescimento e desenvolvimento na infância bem como à carga de morbidade em especial decorrente da presença das parasitoses5.

Baseado na hipótese de que o adiamento do aparecimento das primeiras características sexuais secundárias possa ser influenciado pelo estado antropométrico, desenvolveu-se o presente estudo. Espera-se que estes resultados possam contribuir para o entendimento do fenômeno maturacional.

MÉTODOS

Este é um estudo de corte transversal realizado na área urbana do Município de Jequié, localizado na Região do Sudoeste baiano, a 380 km da capital do Estado. Jequié está classificado na 27ª posição dentre os municípios do Estado da Bahia, segundo o índice geral de desenvolvimento socioeconômico6. Participaram da presente investigação 1 764 crianças e adolescentes de ambos os sexos, de 7 a 17 anos de idade, no ano de 1998. Trata-se de uma amostra originária de um inquérito coprológico realizado entre aqueles matriculados na rede pública e particular de ensino fundamental do município. Dos 13 752 participantes do referido inquérito, 8 663 se apresentaram infectados, sendo 1 771 com graus leve e/ou moderado de infecção helmíntica (Schistosoma mansoni isoladamente ou Schistosoma mansoni associado a geohelmintos - Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura, ancilostomídeo). Ressalta-se que cerca de 20% dos alunos se recusaram a fazer o parasitológico, por variados motivos; o constrangimento em entregar o material (fezes) para exame foi o relatado pela grande maioria dos alunos. Das 1 771 crianças e adolescentes elegíveis para o estudo, foram excluídos portadores de traumas físicos e que estivessem mobilizados no momento das medições antropométricas ou portadores de outros agravos que impedissem a medição, resultando em um total amostral de 1 764 indivíduos.

Uma vez que o desenho original do presente estudo não foi elaborado com a finalidade de atender o objetivo do presente estudo, o número de participantes amostrado foi suficiente para avaliar a influência do déficit de crescimento na ocorrência do retardo maturacional de crianças e adolescentes, com um poder amostral (1-β) de 97,1% e com o nível de significância de 5%.

As crianças e os adolescentes foram submetidas a medidas de peso e altura. Para o peso utilizou-se balança eletrônica, com capacidade para 150kg e precisão de 100 gramas (marca Filizola). Para a obtenção da estatura foi utilizado estadiômetro portátil (Fabricante Sanny), graduado em milímetro e afixado a uma superfície plana. As medições foram realizadas em duplicata por dois antropometristas independentes, e admitiu-se variação de 0,5cm para medida de altura e 100g para medida de peso. Em caso de obtenção de valores que diferenciassem da margem de erro previamente estipulada, uma terceira medição era realizada adotando-se a média dos dois valores mais próximos. As medidas antropométricas foram coletadas na escola, de maneira padronizada, seguindo os procedimentos preconizados pelo Anthropometric Standartization Reference Manual7.

Os escores-Z do indicador altura por idade foram calculados pelo módulo de antropometria do Epi Info - Epinut (Software versão 6.0 - Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta). O padrão de crescimento desenvolvido pelo National Center Health for Statistics (NCHS) foi utilizado, neste estudo, como padrão de referência para essa faixa etária8.

Foram considerados crianças e adolescentes com déficit de altura por idade aquelas que se encontravam com índices abaixo de menos dois desvios-padrão do valor médio da população de referência do National Center for Health Statistics8.

Para a avaliação antropométrica utilizou-se ainda o Índice de Massa Corporal (IMC) ou índice de Quetelet - determinado pela razão entre o peso em quilograma (Kg) e a altura em metros ao quadrado (m2)9.

A medição da circunferência foi realizada no braço esquerdo, no ponto médio da distância entre o olecrânio e o acrômio, utilizando-se fita métrica de fibra de vidro, com espessura de 0,5cm para as medidas das pregas cutâneas tricipital e subescapular foi empregado calibrador Lange. A medição da prega tricipital foi efetuada no ponto médio entre a projeção lateral do acrômio e a extremidade do olecrânio. A aferição da prega cutânea subscapular foi realizada no local imediatamente abaixo e lateralmente inferior ao ângulo da escápula direita, em consonância com as recomendações de Lohman et al.7. Os valores observados foram registrados em ficha própria, aceitando-se variações de 0,5cm entre as duas medidas de circunferência de braço e de 1mm para as pregas cutâneas.

Adotou-se o indicador da soma das espessuras das pregas cutâneas tricipital e subescapular para avaliar as reservas de gordura dos escolares. As medidas da prega cutânea fornecem um indicador da estimativa do depósito subcutâneo de gordura, possibilitando estimar a gordura total do corpo. As reservas teciduais de proteína corporal foram avaliadas por meio da área do músculo do braço (AMB). Este indicador foi calculado por meio das medidas da circunferência do braço e espessura da prega cutânea tricipital, com base na equação preconizada por Frisancho10.

A idade, em anos, foi anotada com base no registro de nascimento.

Estadiamento da maturação sexual: a avaliação do estadiamento da maturação sexual foi realizada pelas características das mamas e dos pêlos púbicos nas meninas, e dos genitais e pêlos púbicos nos meninos. As mamas femininas e os genitais masculinos foram avaliados quanto ao tamanho, à forma e às características; e os pêlos púbicos, por suas características, quantidade e distribuição. Com base na combinação dos componentes do estadiamento, o que indica proximidade e finalização do período mais intenso do estirão puberal para altura, os adolescentes foram agrupados segundo os estágios de Tanner4. A identificação desses eventos foi feita por auto-retratação, a partir de gravuras apresentadas ao escolar.

Na presente análise, considerou-se o conceito de que o retardo da maturação sexual se caracteriza pela ausência de características sexuais secundárias por volta dos 13 anos entre as meninas e dos 14 anos entre os meninos4.

Parasitológico de fezes: a identificação de Schistosoma mansoni e geohelmintos foi realizada por meio da técnica quantitativa de Kato- Katz et al.11.

Indicadores das condições sanitárias do domicilio e socioeconômica da família: utilizaram-se dados acerca das características do domicílio (condições de posse do domicílio, tipo de construção, material predominante de piso, material predominante na cobertura e na parede do domicílio, número de habitantes por dormitórios etc.) e de saneamento básico (abastecimento de água, coleta de lixo, esgotamento sanitário) para a construção de um índice adaptado do modelo proposto por Issler & Giugliani12. A cada situação, atribuiu-se uma pontuação, tendo a mais favorável recebido o valor 0 e a mais desfavorável, a pontuação 1. O somatório desses valores caracteriza o indicador das condições sanitárias do domicílio, classificado em dois estratos: adequado (escore<4) e inadequado (escore>4). Foram coletados, ainda, dados sobre escolaridade do chefe e a renda familiar.

Inicialmente procedeu-se à realização de análise descritiva, utilizando-se da distribuição de freqüência. O teste t de Student foi utilizado para comparação de médias. Para avaliar a associação entre as variáveis de exposição e o desfecho utilizou-se da análise de regressão logística multivariada. O estágio maturacional constituiu a variável dependente, e o indicador altura por idade a variável independente principal. As co-variáveis foram representadas por aquelas do contexto socioeconômico e ambiental da família, pelas infecções helmínticas e pelo sexo do sujeito. A magnitude da associação entre déficit de crescimento e a ocorrência do retardo maturacional foi expressa em razão de chances (OR) e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%). Nas análises estatísticas adotaram-se os testes bicaudais e um nível de significância de 5%. Os dados foram analisados com o pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences - SPSS/PC+ (versão 10,0).

O protocolo do estudo foi submetido à Comissão de Ética da Fundação Osvaldo Cruz, que apreciou e emitiu parecer favorável sobre a pertinência ética (processo nº 0012/96). Após a informação detalhada dos riscos e os procedimentos a que seus filhos seriam submetidos na pesquisa, aqueles que concordaram com sua participação, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os não alfabetizados o fizeram por meio da impressão digital, atendendo assim, o que determina a Resolução Nº 196/98. A concordância manifestada por meio da assinatura do TCLE foi condição para a participação no estudo. As crianças e os adolescentes que apresentaram qualquer problema de saúde, dentre os investigados, foram encaminhados ao serviço de saúde, para receber a assistência médica pertinente.

RESULTADOS

Características demográficas e socioeconômicas: observa-se, a partir da análise da Tabela 1, pequena predominância de indivíduos do sexo masculino (54,3%), e daqueles com idade entre 10 e 13 anos (56,9%). Verificou-se ainda que 43,1% dos chefes de família não sabiam ler e/ou escrever. Cerca de 1/3 das famílias recebiam menos que um salário-mínimo (38,5%). Além disso, 56,5% dos integrantes do projeto viviam em condições sanitárias de moradia inadequadas.

Maturação sexual, composição corporal e crescimento físico: com base na avaliação dos estágios de maturação sexual dos integrantes do estudo, verificou-se que 54,3%, 45,0% e 0,7% dos indivíduos encontravam-se, respectivamente, nos estágios pré-púbere, púbere e pós-pubere de desenvolvimento maturacional. Os dados revelaram ainda que 5,1% das meninas aos 13 anos e 15,7% dos meninos aos 14 anos, se encontravam no estágio I de desenvolvimento puberal (Tabela 2). Constataram-se ainda valores médios de idade significantemente mais elevados entre os meninos em todos os estágios de desenvolvimento puberal (Estágio I; p<0,001, Estágio II; p<0,001, Estágio III; p<0,001, Estágio IV; p=0,021 e Estágio V; p=0,049) (Tabela 3).

A distribuição dos valores médios dos indicadores de composição corporal e de crescimento físico, nos diversos estágios de maturação, segundo sexo, está apresentada na Tabela 4. Devido ao pequeno número dos participantes da pesquisa em estágio pós-puberal, caracterizado pelo estágio V de maturação sexual, optou-se por agregá-lo ao estágio IV para processamento das análises de dados. Observou-se que os valores médios do indicador das reservas de gordura, avaliado pela soma das pregas cutâneas, foram significantemente mais elevados entre as meninas, quando comparados com aqueles identificados entre os meninos ao longo dos estágios I (15,71 versus - vs 13,21; p<0,001), II (20,15 vs 15,40; p<0,001), III (24,74 vs 15,53; p<0,001) e IV (30,70 vs 15,99, p<0,001) de maturação sexual.

Verificaram-se também valores do indicador das reservas de proteína, avaliado pela área muscular do braço, significantemente mais elevados entre os meninos, quando comparados com aqueles observados entre as meninas ao longo dos estágios I (19,31 vs 20,78; p<0,001), II (24,04 vs 26,31; p<0,001), III (28,11 vs 34,14; p<0,001) e IV (31,29 vs 38,70; p<0,001) de maturação sexual. Os valores da soma das pregas cutâneas, entre as meninas, e da área muscular do braço, entre os meninos, se duplicaram, respectivamente, ao longo das fases de desenvolvimento puberal; com significância estatística para ambos os sexos (15,71 vs 30,70; p<0,001 e 20,78 vs 38,70; p<0,001), segundo se observa na Tabela 4.

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre os valores de índice de massa corporal, segundo o sexo, para nenhum dos estágios maturacionais (Tabela 4).

Observaram-se ainda, valores do indicador altura por idade, marcador de avaliação do crescimento linear, significantemente mais elevados entre as meninas, quando comparados com aqueles observados entre os meninos em todos os estágios maturacionais, exceto no estágio III (-0,82 vs -0,99; p=0,15) (Tabela 4).

Influência do déficit de crescimento no retardo da maturação sexual: na Tabela 5, apresentam-se os resultados da análise de regressão logística multivariada, processada para avaliar a influência do déficit de crescimento sobre o retardo da maturação sexual. Devido ao pequeno número de integrantes da pesquisa do sexo feminino com atraso puberal, optou-se por agregá-lo àqueles do sexo masculino em uma única análise. Verificou-se que os indivíduos desnutridos apresentavam 4,01 vezes mais chances de retardo maturacional do que aqueles eutróficos, após o ajustamento do modelo pelas variáveis condições sanitárias do domicílio, renda familiar, escolaridade do chefe, infecção helmíntica e sexo dos indivíduos (OR=4,01; IC:95% 1,01 - 15,8).

DISCUSSÃO

Os resultados deste trabalho mostraram uma prevalência de 15,4% de déficit estatural entre as crianças e os adolescentes estudados, resultado compatível com estudos realizados em outras regiões do Nordeste como atestam Laurentino et al.3. Constatou-se que os integrantes da pesquisa com mesma idade apresentaram diferentes estágios de desenvolvimento puberal. Na literatura pesquisada esta é uma situação que reflete as particularidades individuais comumente verificadas no processo maturacional, em decorrência dos fatores hereditários e/ou ambientais13. No presente estudo constatou-se que o início do período pubertário das meninas ocorreu por volta de 1 ano mais cedo do que o dos meninos (11,66 DP= 1,63meninas vs 12,31 DP=1,49meninos). Diferenças estas que se perpetuaram ao longo dos estágios maturacionais subseqüentes (Tabela 3). Esses dados corroboram o que é relatado na literatura em que se tem evidenciado, de modo geral, que a maturação sexual se inicia um ano mais cedo, no sexo feminino, quando comparada ao masculino5.

Ainda no que tange ao evento pubertário, verificou-se, no presente estudo, que os jovens de ambos os sexos experimentaram ganho de peso corporal durante todo o processo maturacional (Tabela 4). Entre os meninos, o ganho ponderal se deveu principalmente ao aumento duplicado de massa magra (músculos, ossos, órgãos e água extra celular). Entre as meninas, o ganho ponderal decorreu do aumento de gordura, chegando a ser o dobro em relação aos meninos no final do período maturacional (30,70meninas vs. 15,99meninos; p<0,001). Trata-se de uma diferença característica do dimorfismo sexual, que faz com que os corpos do homem e da mulher tomem suas formas respectivas14.

Neste estudo constatou-se a nítida influência do déficit de crescimento linear no retardo maturacional (0R=4,01; IC95% 1,01 - 15,8) da população estudada. Tal resultado se manteve após ajuste estatístico de outros fatores envolvidos na associação de interesse (condições sanitárias do domicílio, renda família, escolaridade do chefe, infecção helmíntica e sexo). Na atualidade, o conhecimento acumulado indica que a desnutrição age negativamente sobre o potencial genético do crescimento das crianças e dos adolescentes, impedindo-os de atingir o pleno crescimento somático e a maturação sexual de maneira harmônica com a idade, possivelmente pelo impacto negativo que a desnutrição exerce sobre a produção hormonal associado ao crescimento15.

A literatura tem relato de que os indivíduos portadores de atraso puberal apresentam-se pequenos e mais imaturos, quando comparados com outros de idade semelhante4. Tratam-se de crianças que, apesar do tamanho normal por ocasião do nascimento, têm um processo de maturação lento desde a infância e que, ao chegarem na adolescência, permanecem com corpo infantil e ausência de caracteres sexuais secundários: a aceleração do crescimento não ocorre na época esperada, a estatura e o peso permanecem abaixo do percentil 2,5 ou 3,04. Contudo, mesmo com o artifício do retardo maturacional, a recuperação do crescimento durante a infância tardia e a adolescência parece ser mínima em populações que continuam a residir no mesmo ambiente no qual se iniciou o déficit de crescimento na primeira infância16.

Um aspecto importante a ser considerado neste estudo são as condições de vida das crianças e dos adolescentes investigados. Nesse sentido, deve ser ressaltado que, 56,5% dos escolares investigados vivem em ambiente domiciliar precário, 1/3 das famílias contam com menos de 1 salário-mínimo para a sobrevivência dos seus membros e 43,0% dos chefes de família são analfabetos. Esses fatores podem, assim, atuar conjunta ou isoladamente para constranger o potencial do crescimento e o desenvolvimento plenos.

É importante salientar que a principal limitação desta investigação está no fato de se tratar de um estudo transversal, o que afeta a interpretação dos resultados, na medida em que nesse tipo de estudo não é possível estabelecer relações causais, por não haver evidência de uma seqüência temporal entre a exposição ao fator e o subseqüente desenvolvimento da doença. Assim, o desenho adotado permite apenas observar associações entre os eventos estudados, não sendo possível demonstrar uma relação de causa e efeito entre esses eventos.

No presente estudo foi utilizada a técnica de auto-avaliação para identificação dos estágios de desenvolvimento puberal, o que poderia implicar em uma limitação, por erros de classificação. Contudo, a auto-avaliação já foi validada em estudos com adolescentes brasileiros, os quais mostraram uma boa correlação (r=0,80) entre a auto-avaliação e aquela realizada por profissional especializado17,18.

Em conclusão, verificou-se a influência do déficit de crescimento na ocorrência do retardo maturacional entre os integrantes do estudo. No Brasil, são escassas as investigações que se debruçam sobre a influência dos fatores nutricionais, em especial os antropométricos, na ocorrência da maturação sexual. Pretende-se com os resultados deste estudo, fomentar o debate sobre o tema. Ressalta-se ainda a importância de estratégias de intervenção que possam garantir melhores condições de vida, saúde e nutrição para que todos tenham oportunidades de desenvolver suas potencialidades vitais.

COLABORADORES

T.C.H.S. ALVES analisou e interpretou os dados. R.C.R. SILVA, A.M.O. ASSIS, I.M. PARRAGA e R.E BLANTON realizaram a coleta, a análise e a interpretação dos dados. M.L. BARRETO participou da concepção, da coleta de dados, da análise e da interpretação dos dados; M.L.P. SANTANA participou da coleta e da interpretação dos dados. M.C.M. SILVA interpretou os dados. M.G. REIS coletou os dados.

Recebido em: 8/8/2007

Versão final reapresentada em: 22/10/2008

Aprovado em: 9/3/2009

  • 1. World Health Organization. Management of the child with a serious infection or severe malnutrition. Geneva: WHO; 2000.
  • 2. Batista Filho M, Rissin A. Nutritional transition in Brazil: geographic and temporal trends. Cad Saúde Pública. 2003; 19(Suppl 1):S181-91.
  • 3. Laurentino GE, Arruda IK, Raposo MC, Batista Filho M. Height deficit in school aged children: a multivariate analysis of possible risk factors, Pernambuco-1997. Arch Latinoam Nutr. 2005; 55(2):144-53.
  • 4. Chipkevitch E. Puberdade & adolescência: aspectos biológicos, clínicos e psicossociais. São Paulo; 1995.
  • 5. Leenstra T, Petersen LT, Kariuki SK, Oloo AJ, Kager PA, ter Kuile FO. Prevalence and severity of malnutrition and age at menarche; cross-sectional studies in adolescent schoolgirls in Western Kenya. Eur J Clin Nutr. 2005; 59(1):41-8.
  • 6. Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. O perfil financeiro dos municípios baianos: 1993-1997. Salvador: SEI; 2001.
  • 7. Lohman T. Anthropometric standardization reference manual. Illinois: Human Kinetics Pub; 1998.
  • 8. Hamill PV, Drizd TA, Johnson CL, Reed RB, Roche AF. NCHS growth curves for children birth-18 years. United States. Vital Health Stat 11. 1977; (165): i-iv, 1-74.
  • 9. Must A, Dallal GE, Dietz WH. Reference data for obesity: 85th and 95th percentiles of body mass index (wt/ht2) and triceps skinfold thickness. Am J Clin Nutr. 1991; 53(4):839-46.
  • 10. Frisancho AR. New norms of upper limb fat and muscle areas for assessment of nutritional status. Am J Clin Nutr. 1981; 34(11):2540-5.
  • 11. Katz N, Chaves A, Pellegrino J. A simple device for quantitative stool thick-smear technique in Schistosomiasis mansoni. Rev Inst Med Trop São Paulo. 1972; 14(6):397-400.
  • 12. Issler RM, Giugliani ER. Identification of the groups most vulnerable to infant malnutrition through the measuring of poverty level. J Pediatr (Rio Janeiro). 1997; 73(2):101-5.
  • 13. Wronka I, Pawlinska-Chmara R. Menarcheal age and socio-economic factors in Poland. Ann Hum Biol. 2005; 32(5):630-8.
  • 14. Duarte MDE F. Physical maturation: a review with special reference to Brazilian children. Cad Saúde Pública. 1993; 9(Suppl 1):71-84.
  • 15. Kletter GB, Kelch RP. Clinical review 60: Effects of gonadotropin-releasing hormone analog therapy on adult stature in precocious puberty. J Clin Endocrinol Metab. 1994; 79(2):331-4.
  • 16. Steckel RH. Growth depression and recovery: the remarkable case of American slaves. Ann Hum Biol. 1987; 14(2):111-32.
  • 17. Matsudo SM, Matsudo VKR. Validade da auto-avaliação da maturação sexual. Rev Bras Ciênc Mov. 1991; 5(2):18-35.
  • 18. Saito MI. Maturação sexual: auto-avaliação do adolescente. Pediatria. 1984; 6(3):111-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009

Histórico

  • Aceito
    09 Mar 2009
  • Recebido
    08 Ago 2007
  • Revisado
    22 Out 2008
Pontifícia Universidade Católica de Campinas Núcleo de Editoração SBI - Campus II , Av. John Boyd Dunlop, s/n. - Prédio de Odontologia, 13059-900 Campinas - SP Brasil, Tel./Fax: +55 19 3343-6875 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: sbi.submissionrn@puc-campinas.edu.br