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Efeito do tratamento com triptofano sobre parâmetros do comportamento alimentar em ratos adultos submetidos à desnutrição neonatal

Effects of tryptophan on the eating behavior of adult rats with neonatal malnutrition

Resumos

OBJETIVO: Investigou-se os efeitos do tratamento com triptofano sobre o consumo alimentar em ratos adultos, submetidos ou não a desnutrição precoce. MÉTODOS: Sessenta e quatro ratos Wistar machos foram divididos em nutridos (n=32, caseína=17%) e desnutridos (n=32, caseína=8%), de acordo com a dieta materna empregada no período de lactação. Após o desmame, todos os ratos receberam dieta com 23% de proteína. Pesos corporais foram avaliados no sétimo, vigésimo primeiro e septuagésimo dias de vida. Aos setenta dias de idade, cada grupo nutricional foi dividido em subgrupos: Nutrido-Salina (n=16) e Nutrido-Triptofano (n=16), Desnutrido-Salina (n=16) e Desnutrido-Triptofano (n=16). Os grupos receberam diariamente 1,0mL/100g de triptofano, na dose de 50mg/kgP ou salina (0,9%NaCl), durante 14 dias. Neste período foram realizados os estudos dos parâmetros do comportamento alimentar. Posteriormente obteve-se a média do consumo alimentar relativo e a média do ganho de peso relativo. As análises estatísticas foram feitas utilizando os testes t Student e ANOVA seguido de Tukey, com p<0,05. RESULTADOS: As ninhadas de mães alimentadas com dieta hipoproteica mantiveram pesos inferiores comparados com as ninhadas nutridas (p<0,01) até os setenta dias de vida. Os ratos nutridos tratados com triptofano (M=6,88, DP=0,05) reduziram a ingestão alimentar comparados aos nutridos salina (M=7,27, DP=0,08) (p<0,01). Contudo, não houve efeito sobre o ganho de peso. Entre os desnutridos nenhuma diferença foi encontrada. CONCLUSÃO: Nesse estudo, a restrição proteica neonatal alterou a evolução ponderal em ratos. Além disso, a desnutrição precoce tornou os ratos adultos resistentes aos efeitos inibitórios do triptofano sobre a ingestão alimentar.

Comportamento alimentar; Desnutrição; Ratos; Serotonina; Triptofano


OBJECTIVE: This study investigated the effects of tryptophan on the eating behavior of adult rats submitted or not to early malnutrition. METHODS: Sixty-four male Wistar rats were divided into nourished (n=32, casein=17%) and malnourished (n=32, casein=8%) according to the diet given to the dam during lactation. After weaning, all rats were fed a diet with a protein content of 23%. The rats were weighed on day 7, day 21 and day 70 after birth. On day 70 after birth, each nutritional group was divided into 4 subgroups: nourished-saline (n=16), nourished-tryptophan (n=16), malnourished-saline (n=16) and malnourished-tryptophan (n=16). The tryptophan groups were given 1.0mL/100g of tryptophan for 14 days, at a dosage of 50mg/kgw of body weight and the saline groups were given 1.0mL/100g of 0.9% NaCl, also for 14 days. The eating behavior parameters were assessed during this period. The mean relative food intake and mean relative weight gain were then determined. The statistical analyses were done by the Student's t-test and ANOVA, followed by the Tukey test, with p<0.05. RESULTS: During the first 70 days of life, pups from protein-malnourished damns remained lighter than pups from well-nourished damns (p<0.01). Well-nourished rats treated with tryptophan (M=6.88, SD=0.05) ate less than those given saline (M=7.27, SD=0.08) (p<0.01) but weight was unaffected. No difference was found for the malnourished rats. CONCLUSION: In this study, neonatal protein restriction affected weight gain in rats. Furthermore, early malnutrition made adult rats resistant to the inhibitory effects of tryptophan on food intake.

Feeding behavior; Malnutrition; Rats; Serotonin; Tryptophan


ORIGINAL ORIGINAL

Efeito do tratamento com triptofano sobre parâmetros do comportamento alimentar em ratos adultos submetidos à desnutrição neonatal

Effects of tryptophan on the eating behavior of adult rats with neonatal malnutrition

Judelita Carvalho-SantosI; Adenilda Queirós-SantosII; Graciele Lima MoraisIII; Laila Hohlenwerger Silva SantanaIII; Monique Gomes BritoIII; Rachel Chagas Silva AraújoIII; Raul Manhães-de-CastroIV; Tereza Cristina Bomfim de Jesus DeiróII; Jairza Maria Barreto-MedeirosII

IUniversidade Federal da Bahia, Escola de Nutrição, Programa de Pós-Graduação em Alimentos, Nutrição e Saúde. Av. Araújo Pinho, 32, Canela, 40110-150, Salvador, BA, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: J.C. SANTOS. E-mail: <judelitacarvalho@yahoo.com.br>

IIUniversidade Federal da Bahia, Escola de Nutrição, Departamento da Ciência da Nutrição. Salvador, BA, Brasil

IIIUniversidade Federal da Bahia, Escola de Nutrição. Salvador, BA, Brasil

IVUniversidade Federal de Pernambuco, Departamento de Nutrição, Laboratório de Fisiologia da Nutrição. Recife, PE, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Investigou-se os efeitos do tratamento com triptofano sobre o consumo alimentar em ratos adultos, submetidos ou não a desnutrição precoce.

MÉTODOS: Sessenta e quatro ratos Wistar machos foram divididos em nutridos (n=32, caseína=17%) e desnutridos (n=32, caseína=8%), de acordo com a dieta materna empregada no período de lactação. Após o desmame, todos os ratos receberam dieta com 23% de proteína. Pesos corporais foram avaliados no sétimo, vigésimo primeiro e septuagésimo dias de vida. Aos setenta dias de idade, cada grupo nutricional foi dividido em subgrupos: Nutrido-Salina (n=16) e Nutrido-Triptofano (n=16), Desnutrido-Salina (n=16) e Desnutrido-Triptofano (n=16). Os grupos receberam diariamente 1,0mL/100g de triptofano, na dose de 50mg/kgP ou salina (0,9%NaCl), durante 14 dias. Neste período foram realizados os estudos dos parâmetros do comportamento alimentar. Posteriormente obteve-se a média do consumo alimentar relativo e a média do ganho de peso relativo. As análises estatísticas foram feitas utilizando os testes t Student e ANOVA seguido de Tukey, com p<0,05.

RESULTADOS: As ninhadas de mães alimentadas com dieta hipoproteica mantiveram pesos inferiores comparados com as ninhadas nutridas (p<0,01) até os setenta dias de vida. Os ratos nutridos tratados com triptofano (M=6,88, DP=0,05) reduziram a ingestão alimentar comparados aos nutridos salina (M=7,27, DP=0,08) (p<0,01). Contudo, não houve efeito sobre o ganho de peso. Entre os desnutridos nenhuma diferença foi encontrada.

CONCLUSÃO: Nesse estudo, a restrição proteica neonatal alterou a evolução ponderal em ratos. Além disso, a desnutrição precoce tornou os ratos adultos resistentes aos efeitos inibitórios do triptofano sobre a ingestão alimentar.

Termos de indexação: Comportamento alimentar. Desnutrição. Ratos. Serotonina. Triptofano.

ABSTRACT

OBJECTIVE: This study investigated the effects of tryptophan on the eating behavior of adult rats submitted or not to early malnutrition.

METHODS: Sixty-four male Wistar rats were divided into nourished (n=32, casein=17%) and malnourished (n=32, casein=8%) according to the diet given to the dam during lactation. After weaning, all rats were fed a diet with a protein content of 23%. The rats were weighed on day 7, day 21 and day 70 after birth. On day 70 after birth, each nutritional group was divided into 4 subgroups: nourished-saline (n=16), nourished-tryptophan (n=16), malnourished-saline (n=16) and malnourished-tryptophan (n=16). The tryptophan groups were given 1.0mL/100g of tryptophan for 14 days, at a dosage of 50mg/kgw of body weight and the saline groups were given 1.0mL/100g of 0.9% NaCl, also for 14 days. The eating behavior parameters were assessed during this period. The mean relative food intake and mean relative weight gain were then determined. The statistical analyses were done by the Student's t-test and ANOVA, followed by the Tukey test, with p<0.05.

RESULTS: During the first 70 days of life, pups from protein-malnourished damns remained lighter than pups from well-nourished damns (p<0.01). Well-nourished rats treated with tryptophan (M=6.88, SD=0.05) ate less than those given saline (M=7.27, SD=0.08) (p<0.01) but weight was unaffected. No difference was found for the malnourished rats.

CONCLUSION: In this study, neonatal protein restriction affected weight gain in rats. Furthermore, early malnutrition made adult rats resistant to the inhibitory effects of tryptophan on food intake.

Indexing terms: Feeding behavior. Malnutrition. Rats. Serotonin. Tryptophan.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, pesquisas no campo da neurociência nutricional têm destacado a influência que os nutrientes podem exercer sobre a atividade cerebral1,2. Entre os nutrientes, as proteínas parecem ser o componente mais importante para o desenvolvimento de funções nervosas3, pois elas fornecem aminoácidos que são precursores de neurotransmissores ou, em muitos casos, atuam como o próprio neurotransmissor3. Destaca-se, entre os aminoácidos, o Triptofano (TRP).

O TRP é um aminoácido neutro, essencial, que contribui para o crescimento normal, síntese proteica e para a síntese do neurotransmissor serotonina4,5. A serotonina ou 5-Hidroxitriptamina (5-HT) participa de uma ampla variedade de funções no Sistema Nervoso Central (SNC), tais como: sensibilidade à dor, controle do sono, humor, comportamento sexual, consumo alimentar, agressividade, percepção sensorial, aprendizagem, memória e estados psíquicos como na depressão5. Além disso, a 5-HT, enquanto fator neurotrófico, interfere no desenvolvimento somático e sensório motor6,7.

A importância da 5-HT no controle da ingestão alimentar e da saciedade é bem conhecida8,9. Segundo Halford et al.10 drogas serotoninérgicas podem reduzir o consumo alimentar e contribuir para perda de peso. Considerável redução da ingestão alimentar e consequente perda de peso foram observadas em ratos após tratamento crônico com Inibidor Seletivo da Recaptação de Serotonina (ISRS)11. Do mesmo modo, Carlini et al.8 observaram que o tratamento com fluoxetina, outro inibidor da recaptação de serotonina diminuiu a ingestão alimentar em ratos. Apesar disso, pouco se conhece sobre a influência do TRP, aminoácido precursor da serotonina, sobre a ingestão alimentar12.

Alguns nutrientes têm papel fundamental na química cerebral. Assim, deficiências nutricionais a depender do tipo, da severidade e da duração, principalmente, quando ocorridas durante o desenvolvimento do cérebro, poderão ocasionar alterações irreversíveis, mesmo após recuperação nutricional13. O período de desenvolvimento do SNC varia entre as espécies e, no homem, inicia-se no terceiro trimestre de gestação, continuando por dois a quatro anos após o nascimento14. No rato, o período crítico de desenvolvimento do cérebro corresponde às três primeiras semanas de vida pós-natal15.

Em ratos, a desnutrição proteica imposta no pré e pós-natal foi capaz de provocar alterações específicas no córtex cerebral, causando dano cerebral16. Ademais, Barreto-Medeiros et al.11 e Barreto-Medeiros et al.17 evidenciaram que desnutrição proteica neonatal alterou o efeito de ISRS sobre o comportamento agressivo e alimentar em ratos adultos, mesmo após recuperação nutricional.

Por outro lado, embora a prevalência de desnutrição em menores de quatro anos, no Brasil, apresente-se em declínio com estimativa de 4,6% (2002-2003), existem regiões e áreas rurais onde a desnutrição apresenta natureza endêmica18. Estes dados demonstram que, apesar dos esforços políticos e científicos, a desnutrição ainda se constitui um problema de saúde pública por afetar principalmente crianças em idade de pleno desenvolvimento cerebral. Nesse sentido, estudos da associação entre agressões nutricionais precoces e suas consequências tardias representam um campo da neurociência nutricional a ser explorado.

A partir das evidências dos efeitos da desnutrição sobre o desenvolvimento do cérebro e do papel dos aminoácidos sobre a química cerebral, como também da importância do sistema serotoninérgico na regulação do comportamento alimentar, este estudo propôs a investigar os efeitos do tratamento com TRP sobre o consumo alimentar em ratos adultos submetidos ou não a desnutrição neonatal.

MÉTODOS

Foram utilizados 64 ratos, albinos, machos da linhagem Wistar, oriundos da colônia do Laboratório de Nutrição Experimental da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Os ratos permaneceram sob condições controladas em temperatura de Média - M=22, Desvio-Padrão - DP=2ºC e ciclo claro/escuro de 12/12 horas (claro de 7h às 19h e escuro de 19h às 7h). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia, parecer 02/07 e segue as normas do Colégio Brasileiro de Experimentação com Animais (COBEA).

A fase experimental deste estudo foi dividida em três etapas. A primeira corresponde aos primeiros 21 dias de vida da prole. Considerou-se o período de até 24 horas após o parto para ajustar a ninhada em seis animais19, preferencialmente machos. A prole foi dividida em dois grupos (Figura 1) de acordo com alimentação materna (Tabela 1): Nutrido (N) (n=32; caseína 17%) e Desnutrido (D) (n=32; caseína 8%). Durante essa etapa os ratos foram mantidos em caixas de polipropileno identificadas e o peso foi aferido em dias alternados, em balança eletrônica com capacidade para 4kg (Marte, modelo S-2000), a oferta de ração e água para as ratas nutrizes foi ad libitum.


A segunda etapa compreende o período após o desmame (22º dia de vida) até a idade adulta. Nessa etapa, os ratos de ambos os grupos passaram a ser alimentados com a dieta labina21 e água ad libitum. A monitorização do peso foi realizada semanalmente.

A terceira etapa iniciou-se entre o septuagésimo e o octogésimo dias de idade, com a finalidade de observar os efeitos tardios da desnutrição imposta no período de lactação. Os grupos anteriormente constituídos foram randomizados em subgrupos: Nutridos-Salina (NS), Nutridos-Tiptofano (NT), Desnutridos-Salina (DS) e Desnutridos-Triptofano (DT) (Figura 1). O tratamento constituiu-se de uma aplicação intraperitonial (i.p.) diária de 1,0mL/100g de peso corporal, durante 14 dias, de solução salina 0,9% NaCl ou triptofano diluído em solução salina e mantido sob refrigeração, na dose de 50mg/Kg22. Para a administração das soluções foi utilizada seringa descartável de 2mL com agulha de insulina e a aplicação se deu nos quadrantes inferiores abdominais. Durante esse período os animais foram mantidos em gaiolas metabólicas de aço inoxidável, individualizadas, dotada de comedouro e bebedouro. Diariamente foi controlada a oferta de ração em 40g/dia pesada em balança eletrônica, com variação de até +0,5g. O peso dos animais foi aferido diariamente, com intervalos regulares de 24 horas, assim como pesados o rejeito sujo e limpo, e as fezes. Posteriormente, o peso corporal e a ingestão alimentar foram relacionados ao peso corporal do animal, obtendo-se o peso corporal relativo e a ingestão alimentar relativa.

A partir desses dados foram calculados:

-Percentual de Alteração de Peso (PAP): obtido através da seguinte fórmula:

-PAP = [(PD/PI) X 100]: 100, em que PI é o PCA no início do tratamento e PD é o PCA em um dia qualquer durante o tratamento.

-Peso Corporal Absoluto (PCA): corresponde ao peso corporal (em gramas) de cada animal, obtido diariamente.

-Ingestão Alimentar Relativa (IAR): obtido através da seguinte fórmula:

IAR = (IAA / PCA) x 100, em que IAA é a ingestão alimentar absoluta e PCA é o peso corporal absoluto tomado 24 horas após a QO (quota oferecida de ração em gramas).

Para comparar a evolução ponderal entre os grupos nutridos e desnutridos foi utilizado o teste t Student. Utilizou-se a análise de variância (ANOVA), seguida do teste de Tukey, para analisar o consumo alimentar e o ganho ponderal durante o período de tratamento com triptofano. Em todos os casos, o nível de significância adotado no estudo foi de 5% (p<0,05).

RESULTADOS

Uma desaceleração no ganho ponderal de ratos neonatos desnutridos foi observada a partir do sétimo dia de vida, comparados com os nutridos (p<0,01). Após desmame, essa diferença se manteve até atingir idade para o tratamento com triptofano (Tabela 2).

Durante a terceira etapa do estudo, a ingestão alimentar relativa dos grupos NT (M=6,87, DP=0,0455; p<0,01) e DS (M=6,98, DP=0,0652; p<0,05) reduziu quando comparada ao grupo NS (M=7,26, DP=0,0795) (Figura 2). Nenhum efeito sobre a ingestão alimentar foi observado quando comparados os grupos DS e DT (DS=M=6,98, DP=0,0652; DT=M=6,97, DP=0,0697; p>0,05).


Ainda na terceira etapa (Figura 3), o percentual de alteração de peso relativo entre os grupos NS e NT (NS=M=3,20, DP=0,468; NT=M=2,40, DP=0,44), NS e DS (NS=M=3,20, DP=0,468; DS=M=2,60, DP=0,449) e DS e DT (DS=M=2,60, DP=0,449; DT=M=1,96, DP=0,431) não apresentou diferenças (p=0,312).


DISCUSSÃO

Inúmeros estudos envolvendo a neurociência nutricional têm procurado dar destaque e pesquisar as formas de alterar a química cerebral com os nutrientes4,23. Nesse sentido, acredita-se que exista uma grande relação entre inadequação alimentar, desequilíbrio na neurotransmissão e alterações neurológicas importantes. Neste estudo, destaca-se o aminoácido neutro triptofano que é o substrato para a síntese de serotonina, importante neurotransmissor modulador do comportamento alimentar. Os resultados evidenciaram que o tratamento com triptofano reduziu o consumo alimentar em ratos adultos nutridos, mas não em desnutridos. Assim, a desnutrição neonatal parece ter acarretado alterações funcionais do sistema serotoninérgico mesmo após período de recuperação nutricional.

Neste trabalho, a desnutrição proteica imposta às ratas durante o período de aleitamento causou alteração ponderal persistente nos filhotes. Estes efeitos parecem estar positivamente relacionados às alterações na composição do leite materno, observadas em ratas submetidas à restrição nutricional24. Resultados semelhantes foram encontrados por Passos et al.25, em 2001. Esses pesquisadores observaram que proles de ratas submetidas à desnutrição proteica ou energética durante a lactação apresentavam alterações permanentes na evolução ponderal.

Outro aspecto importante a se considerar é que, nesse estudo, a desnutrição precoce reduziu o consumo alimentar dos ratos na vida adulta. Assim, o menor ganho de peso, apresentado pelos ratos após o desmame, pode ser consequência de uma alteração permanente na ingestão alimentar. Corroborando essa hipótese, Passos et al.25 observaram redução no consumo alimentar em ratos, até o quinquagésimo sétimo dia de vida, que tinham sido submetidos à restrição proteica durante o período de aleitamento.

É provável que a oferta de dieta nutricionalmente adequada, a partir do desmame, não tenha sido suficiente para recuperar eventuais alterações originadas no período do desenvolvimento do Sistema Nervoso. Segundo Passos et al.25, a quantidade de proteína ingerida no início da vida pode estar associada à alteração permanente no controle hipotalâmico da seleção de nutrientes.

Foi também demonstrado, nesse trabalho, que ratos nutridos tratados com triptofano (50mg/kg/dia), por 14 dias, apresentaram redução da ingestão alimentar, quando comparados aos ratos tratados com solução salina do mesmo grupo nutricional. Contudo, nenhuma diferença foi observada sobre o ganho de peso. O efeito do triptofano sobre a ingestão alimentar pode ser uma consequência do aumento da serotonina no cérebro, devido a uma maior disponibilidade plasmática do seu precursor, o aminoácido triptofano4,23. Confirmando essa hipótese, estudos têm mostrado que tratamento com triptofano é capaz de provocar alterações significantes no sistema serotoninérgico12,26.

O efeito hipofágico do triptofano, aqui observado, confirma achados de alteração na ingestão induzida por outros agentes serotoninérgicos1,8. É bem conhecido que serotonina, drogas que estimulem sua liberação ou bloqueiem sua recaptação, triptofano e alguns agonistas serotoninérgicos produzem rápida e substancial anorexia10. Em ratos adultos, administração crônica com citalopram, um Inibidor Seletivo da Recaptação de Serotonina, reduziu a ingestão alimentar e ganho de peso11. Do mesmo modo, ratos tratados com fluoxetina, outro ISRS, apresentaram redução do consumo alimentar8. Assim, é bem provável que a hipofagia, observada neste estudo, seja uma consequência da ação do triptofano sobre o sistema serotoninérgico.

A ausência de diferença no ganho ponderal entre os animais nutridos foi inesperada, pois o grupo tratado com triptofano apresentou uma ingestão alimentar significativamente menor. Além disso, esses ratos apresentaram uma nítida tendência à perda ponderal. É possível que o tempo de tratamento não tenha sido suficiente para revelar diferenças entre os grupos.

Em relação ao efeito do triptofano sobre a ingestão alimentar e ganho ponderal em ratos adultos, submetidos à desnutrição neonatal, nenhuma diferença foi observada. A desnutrição durante o aleitamento interferiu no efeito do triptofano sobre a ingestão alimentar em ratos adultos. Essa alteração pode estar relacionada à agressão nutricional. Em ratos, os primeiros neurônios serotoninérgicos aparecem entre o décimo segundo e o décimo quarto dia de gestação27, mas a densidade final e a localização definitiva dos terminais serotoninérgicos são estabelecidas durante a maturação pós-natal do sistema nervoso central28. Ademais, há evidências de que a desnutrição pré-natal tem importante relação com a má formação de circuitos neuronais através de modificação dos padrões de organização cerebral29. Todavia, Bedi29 destaca que alteração de sinapse nervosa parece ser mais importante do que pequenas mudanças no quantitativo de células em várias regiões cerebrais. Feoli et al.30 destacam a importância da desnutrição proteica pré e pós-natal sobre mudanças no desenvolvimento cerebral. Assim, os agravos nutricionais ocorridos na vida fetal ou no período neonatal parecem influenciar, de modo persistente, tanto os processos de crescimento e desenvolvimento quanto as funções fisiológicas de modulação da serotonina no cérebro.

Esses resultados fortalecem as evidencias de que a desnutrição neonatal interfere na responsividade dos animais à manipulação do sistema serotoninérgico. Neste sentido, Barreto-Medeiros et al.17 observaram hiporresponsividade ao tratamento com fluoxetina sobre o comportamento agressivo em ratos adultos submetidos à desnutrição precoce. Por outro lado, também em ratos adultos, foi observado que a desnutrição neonatal alterou a anorexia induzida por outro ISRS11.

Desse modo, a falta de resposta dos ratos desnutridos ao tratamento crônico com triptofano, sobre a ingestão alimentar e à curva ponderal, pode ser uma consequência do efeito da desnutrição imposta durante o período de rápido desenvolvimento cerebral. Parece que a oferta de uma dieta nutricionalmente equilibrada, a partir do desmame, não foi suficiente para reverter alterações oriundas da desnutrição proteica imposta no início da vida.

CONCLUSÃO

Nesse estudo, a desnutrição proteica ocorrida no período de rápido desenvolvimento cerebral alterou de forma persistente o padrão de crescimento ponderal de ratos até idade adulta. Além disso, a desnutrição neonatal parece modificar o padrão de consumo de ração em ratos adultos.

O estudo demonstrou que os ratos nutridos responderam ao tratamento crônico com triptofano, na quantidade e forma administrada, com redução da ingestão alimentar. Entretanto não houve impacto sobre a evolução ponderal.

Por outro lado, a desnutrição neonatal interferiu no efeito do triptofano sobre a ingestão alimentar e peso corporal de ratos adultos, mesmo após recuperação nutricional.

AGRADECIMENTO

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia por ter contribuído para a realização deste estudo.

COLABORADORES

J.C. SANTOS participou do planejamento, da execução e da supervisão do projeto de pesquisa, bem como da redação do artigo. J.M.B. MEDEIROS, participou de todas as etapas do planejamento a elaboração do artigo. R.M. MANHÃES-DE-CASTRO e A. QUEIRÓS-SANTOS participaram da redação do artigo. T.C.B.J. DEIRÓ participou da redação do estudo. G.L. MORAIS, L.H.S. SANTANA, M.G. BRITO e R.C.S. ARAÚJO parti-ciparam da coleta e da análise dos dados, bem como da discussão dos resultados.

Recebido em: 5/3/2008

Versão final reapresentada em: 13/7/2009

Aprovado em: 4/5/2010

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 2010

Histórico

  • Revisado
    13 Jul 2009
  • Recebido
    05 Mar 2008
  • Aceito
    04 Maio 2010
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