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Risco cardiovascular: marcadores antropométricos, clínicos e dietéticos em indivíduos infectados pelo vírus HIV

Cardiovascular risk: anthropometric, clinical and dietary markers in HIV-infected persons

Resumos

OBJETIVO: Descrever marcadores antropométricos, clínicos e dietéticos associados ao risco cardiovascular em indivíduos infectados pelo vírus HIV. MÉTODOS: Realizou-se um estudo transversal com 100 indivíduos, adultos, com HIV/Aids, da cidade do Rio de Janeiro. O risco cardiovascular foi estimado pelo escore de risco de Framingham. O consumo alimentar foi avaliado por meio de um recordatório de 24 horas e de uma lista de frequência de consumo de alimentos. Para comparar variáveis, foram utilizados o teste t de Student e o teste Qui-quadrado. RESULTADOS: Dentre os indivíduos avaliados, 63% eram homens, com idade média de 41,8, DP=9,6 anos, 77% faziam uso de antirretrovirais. Escore de risco de Framingham >10% foi identificado em 53% dos indivíduos. Os principais fatores de risco cardiovascular potencialmente modificáveis identificados foram: lipoproteína de alta densidade baixo (70%), hipercolesterolemia (35%), hipertensão arterial (35%), seguidos de tabagismo (23%) e glicose alta (21%). Indivíduos com escore de risco de Framingham >10% apresentavam uma tendência para consumir dietas mais ricas em colesterol (p=0,720), em sódio (p=0,898), em açúcares/doces (p=0,032) e pobres em fibras (p=0,273), associadas a um maior consumo de bebidas alcoólicas (p=0,053). A avaliação dos hábitos de vida revelou maior prevalência de tabagismo e maior nível de sedentarismo no grupo com escore de risco de Framingham >10, porém não significativos. CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo mostram que pacientes com HIV/Aids sob terapia Highly Active Antiretroviral Therapy e com mais altos escore de risco de Framingham não seguem as medidas preventivas contra doenças cardiovasculares e devem ser permanentemente encorajados a fazer escolhas alimentares saudáveis, parar de fumar e aumentar a atividade física.

Antropometria; Dieta; Doenças cardiovasculares; HIV; Prevenção primária


OBJECTIVE: This study described the anthropometric, clinical and dietary markers associated with cardiovascular risk in HIV-infected persons. METHODS: A cross-sectional study was done with 100 adults with HIV/Aids from Rio de Janeiro City. The cardiovascular risk was estimated by the Framingham risk score. Dietary intake was evaluated by a 24-hour dietary recall and a food frequency questionnaire. Variables were compared by the Student's t- and chi-square tests. RESULTS: Most of the patients were males (63%) with a mean age of 41.8 years, SD=9.6 years and 77% were taking antiretroviral drugs. The prevalence of metabolic syndrome was 52%, overweight, 47%, and 53% had a Framingham risk score >10%. The main cardiovascular risk factors potentially modifiable were: low high-density lipoprotein (70%), high cholesterol (35%), hypertension (35%), smoking (23%) and high blood glucose level (21%). Persons with Framingham risk score >10% had a tendency to consume diets high in cholesterol (p=0.720), sodium (p=0.898), sugar/sugary foods (p=0.032) and low in fiber (p=0.273), and consumed more alcoholic beverages (p=0.053). Lifestyle assessment revealed higher smoking prevalence and low levels of physical activity in the group with Framingham risk score >10, but the differences were not significant. CONCLUSION: The results of this study show that patients with HIV/Aids under the Highly Active Antiretroviral Therapy and higher Framingham risk score do not follow the recommendations for the primary prevention of cardiovascular diseases, reinforcing the need of encouraging them to make lifelong healthy food choices, stop smoking and increase their levels of physical activity.

Anthropometric; Diet; Cardiovascular diseases; HIV; Primary prevention


ORIGINAL

Risco cardiovascular: marcadores antropométricos, clínicos e dietéticos em indivíduos infectados pelo vírus HIV

Cardiovascular risk: anthropometric, clinical and dietary markers in HIV-infected persons

Luísa Helena Maia Leite; Ana Beatriz de Mattos Marinho Sampaio

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Hospital Escola São Francisco de Assis. Av. Presidente Vargas, 2863, Cidade Nova, 20210-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: L.H.M. LEITE. E-mail: <luisamaia@uol.com.br>

RESUMO

OBJETIVO: Descrever marcadores antropométricos, clínicos e dietéticos associados ao risco cardiovascular em indivíduos infectados pelo vírus HIV.

MÉTODOS: Realizou-se um estudo transversal com 100 indivíduos, adultos, com HIV/Aids, da cidade do Rio de Janeiro. O risco cardiovascular foi estimado pelo escore de risco de Framingham. O consumo alimentar foi avaliado por meio de um recordatório de 24 horas e de uma lista de frequência de consumo de alimentos. Para comparar variáveis, foram utilizados o teste t de Student e o teste Qui-quadrado.

RESULTADOS: Dentre os indivíduos avaliados, 63% eram homens, com idade média de 41,8, DP=9,6 anos, 77% faziam uso de antirretrovirais. Escore de risco de Framingham >10% foi identificado em 53% dos indivíduos. Os principais fatores de risco cardiovascular potencialmente modificáveis identificados foram: lipoproteína de alta densidade baixo (70%), hipercolesterolemia (35%), hipertensão arterial (35%), seguidos de tabagismo (23%) e glicose alta (21%). Indivíduos com escore de risco de Framingham >10% apresentavam uma tendência para consumir dietas mais ricas em colesterol (p=0,720), em sódio (p=0,898), em açúcares/doces (p=0,032) e pobres em fibras (p=0,273), associadas a um maior consumo de bebidas alcoólicas (p=0,053). A avaliação dos hábitos de vida revelou maior prevalência de tabagismo e maior nível de sedentarismo no grupo com escore de risco de Framingham >10, porém não significativos.

CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo mostram que pacientes com HIV/Aids sob terapia Highly Active Antiretroviral Therapy e com mais altos escore de risco de Framingham não seguem as medidas preventivas contra doenças cardiovasculares e devem ser permanentemente encorajados a fazer escolhas alimentares saudáveis, parar de fumar e aumentar a atividade física.

Termos de indexação: Antropometria. Dieta. Doenças cardiovasculares. HIV. Prevenção primária.

ABSTRACT

OBJECTIVE: This study described the anthropometric, clinical and dietary markers associated with cardiovascular risk in HIV-infected persons.

METHODS: A cross-sectional study was done with 100 adults with HIV/Aids from Rio de Janeiro City. The cardiovascular risk was estimated by the Framingham risk score. Dietary intake was evaluated by a 24-hour dietary recall and a food frequency questionnaire. Variables were compared by the Student's t- and chi-square tests.

RESULTS: Most of the patients were males (63%) with a mean age of 41.8 years, SD=9.6 years and 77% were taking antiretroviral drugs. The prevalence of metabolic syndrome was 52%, overweight, 47%, and 53% had a Framingham risk score >10%. The main cardiovascular risk factors potentially modifiable were: low high-density lipoprotein (70%), high cholesterol (35%), hypertension (35%), smoking (23%) and high blood glucose level (21%). Persons with Framingham risk score >10% had a tendency to consume diets high in cholesterol (p=0.720), sodium (p=0.898), sugar/sugary foods (p=0.032) and low in fiber (p=0.273), and consumed more alcoholic beverages (p=0.053). Lifestyle assessment revealed higher smoking prevalence and low levels of physical activity in the group with Framingham risk score >10, but the differences were not significant.

CONCLUSION: The results of this study show that patients with HIV/Aids under the Highly Active Antiretroviral Therapy and higher Framingham risk score do not follow the recommendations for the primary prevention of cardiovascular diseases, reinforcing the need of encouraging them to make lifelong healthy food choices, stop smoking and increase their levels of physical activity.

Indexing terms: Anthropometric. Diet. Cardiovascular diseases. HIV. Primary prevention.

INTRODUÇÃO

Após a introdução dos antirretrovirais de alta potência ou terapia Highly Active Antiretroviral Therapy (HAART), o perfil metabólico e nutricional de indivíduos com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) modificou-se, incluindo frequentemente dislipidemia, resistência à insulina, sobrepeso, obesidade e a chamada Síndrome Metabólica (SM)1,2, mesmo em países em desenvolvimento como o Brasil3,4, o que resulta num perfil mais aterogênico e de maior risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e diabetes tipo 25.

Apesar de a etiologia das anormalidades metabólicas em pacientes infectados pelo HIV não ser totalmente conhecida, existem argumentos a favor de uma combinação de fatores: genéticos ou familiares; infecciosos, como o próprio HIV, desencadeante de alterações inflamatórias; e, ainda, farmacológicos6 e comportamentais, como hábitos alimentares, sedentarismo e tabagismo7.

Existem poucas informações disponíveis na literatura sobre a contribuição dos fatores de risco cardiovascular modificáveis, tais como padrões alimentares e hábitos de vida da população brasileira portadora do vírus HIV8,9, sobre suas relações com as anormalidades metabólicas e, sobretudo, sobre se esses indivíduos adotam as recomendações para a prevenção primária de doenças cardiovasculares e de diabetes tipo 2.

Evidências científicas mostram que as alterações metabólicas ligadas ao HIV podem melhorar após modificações dos hábitos de vida, sugerindo que alimentação e atividade física têm uma ação sobre essas alterações10,11. As recomendações para as mudanças de estilo de vida e hábitos alimentares têm sido a base das medidas de prevenção primária do risco cardiovascular, indicadas pelas sociedades científicas do Brasil12 e de outros países13,14, tanto para a população geral, como para os indivíduos infectados pelo vírus HIV.

Diante do exposto, torna-se importante explorar os fatores de risco cardiovascular potencialmente modificáveis em pessoas portadoras do vírus HIV sob terapia antirretroviral.

Os objetivos deste estudo foram descrever os marcadores antropométricos, clínicos e dietéticos associados ao risco cardiovascular em indivíduos infectados pelo vírus HIV.

MÉTODOS

Trata-se de estudo descritivo transversal, realizado entre março e setembro de 2008, por meio da aplicação de questionário em que foram registradas informações demográficas, antropométricas, clínicas, dietéticas e hábitos de vida (prática de atividades físicas diárias, tabagismo e consumo recreativo de bebida alcoólica por semana). Foi utilizada uma amostra de conveniência de 100 indivíduos infectados pelo HIV, adultos, acompanhados em um Serviço de Atenção Especializada (SAE) da cidade do Rio de Janeiro. Os indivíduos foram convidados a participar de uma entrevista realizada por profissional nutricionista. Depois da explicação detalhada dos objetivos do estudo, seus riscos, benefícios e da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, o questionário foi aplicado. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, conforme o parecer nº 08/08, de 26 de março de 2008.

Foi adotada neste estudo a definição de Síndrome Metabólica do National Education Program Cholesterol (NCEP ATP III), revisada em 200515, a qual estabelece a obrigatoriedade da presença de três ou mais dos seguintes critérios: circunferência abdominal >102cm para homens e >88cm para mulheres; triglicerídeos ³150mg/dL; HDL-col <40mg/dL para homens e <50mg/dL para mulheres; pressão arterial diastólica ³130mHg ou tratamento para Hipertensão Arterial (HAS); e pressão diastólica ³85mmHg ou tratamento para (HAS); glicose de jejum >100mg/dL ou tratamento para diabetes.

Foi computado para cada participante o escore de risco de Framingham (ERF), o qual estima o risco de eventos cardiovasculares no período de 10 anos em indivíduos com idade superior a 20 anos. Utilizou-se o sistema de cálculo online16. Para efeito de análise, consideraram-se os pontos de corte <10% (risco baixo) e >10 (risco moderado-alto).

Peso e altura foram medidos, no momento da entrevista nutricional, em uma balança antropométrica (WELMY 110CH, São Paulo, SP, Brasil), com graduações de 100g, com os indivíduos vestindo roupas leves e sem sapatos. O Índice de Massa Corporal (IMC) foi calculado considerando-se o peso em quilogramas (kg) dividido pela altura ao quadrado (m2). O IMC foi categorizado conforme as definições da Organização Mundial da Saúde (OMS): IMC <18,5kg/m2: baixo peso; IMC 18,5-24,9kg/m2: peso normal; IMC 25-29kg/m2: sobrepeso e IMC >30kg/m2: obesidade. A circunferência abdominal foi medida com o indivíduo em pé, ereto, com abdômen relaxado, mediante uso de fita inelástica, um pouco abaixo do nível da cintura natural.

O consumo alimentar foi avaliado de duas maneiras, usando-se um recordatório de 24 horas e uma lista de frequência de consumo de alimentos. O primeiro método foi usado para estimar o consumo quantitativo, tendo em vista que este pode fornecer informações mais acuradas sobre a ingestão alimentar quantitativa em comparação a outros métodos17. O questionário de frequência de consumo alimentar teve como base uma lista de frequência de consumo validada para a população brasileira por Sichieri & Everhart18, registrando-se consumo diário, semanal, mensal, nunca e quase nunca. As frequências diárias foram calculadas considerando-se nunca e quase nunca como zero. O tamanho das porções foi registrado para cada item de acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira19. Para cada item existiam duas ou mais opções (colher de sopa, colher de arroz, copo, fatia, copo de leite ou adicionado ao café e porções usuais de carnes, peixes, aves, ovos, pão e bebidas).

As informações obtidas foram processadas e analisadas utilizando-se o programa NutWin versão 1.5 (Universidade de São Paulo, São Paulo).

Para avaliar a adesão aos padrões que caracterizam uma dieta adequada para a prevenção primária de doenças cardiovasculares, selecionou-se uma lista de nutrientes e grupos de alimentos prioritários a serem avaliados, descritos a seguir: carboidratos: <60% do valor energético diário; gorduras totais: <30%; gorduras saturadas: <7% do valor energético diário; proteínas: <15% do valor energético diário; legumes/verduras: >3 porções/dia; frutas: >3 porções/dia; carnes vermelhas: até 3 porções/semana; ovos: até 2 vezes/semana; pescados: 1 vez/semana; colesterol: <200mg/dia; fibras totais: >21g/dia; açúcares e doces: <5porções/semana; bebidas alcoólicas: mulheres: 1 drink/dia; homens: 2 drinks/dia, segundo as medidas dietéticas indicadas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia12 e pela American Heart Association13. A adequação da ingestão de micronutrientes foi avaliada segundo os valores de referência: cálcio (1000mg/dia), sódio (2300mg/dia), folato (40mg/dia), vitamina C (75mg/dia), vitamina B12 (2,0mg/dia), vitamina B6 (1,1mg/dia), ferro (6mg/dia), niacina (mg/dia)20.

Os hábitos de vida foram avaliados, estimando-se o nível de atividade física diária por meio do Questionário Internacional de Atividade Física, versão curta (IPAQ)21, categorizado em três níveis: leve (<30minutos de atividade moderada por dia), moderada (de 30 minutos a 1 hora de atividade moderada por dia) e alta (>1 hora de exercícios intensos por dia). Paralelamente, registrou-se o hábito de fumar, considerando-se como tabagismo atual fumar ao menos 1 cigarro por dia. Por último, registrou-se o consumo recreativo de bebidas alcoólicas, estimando-se o número de drinks consumidos por semana.

Foram obtidas pelas consultas aos prontuários médicos dos pacientes, no dia da entrevista, as informações sobre variáveis demográficas (sexo e faixa etária) e clínicas (tempo de diagnóstico de infecção pelo vírus HIV, uso de antirretrovirais, tempo de uso de antirretrovirais e contagem de linfócitos T-CD4 (células/mm3), assim como carga viral (cópias/mm3), pressão arterial (mmHg), dados bioquímicos (colesterol total (mg/dL), triglicerídeos (mg/dL) e glicemia de jejum (mg/dL) e HDL (mg/dL).

As informações obtidas foram armazenadas em um banco de dados e analisadas com auxílio do programa SPSS versão 11.0. Foi considerado como significativo p<0,05. Os dados foram expressos como Média (M), Desvio-Padrão (DP) e frequências. Para comparar variáveis numéricas utilizou-se o teste t de Student e análise de variância ANOVA one-way. Para comparar variáveis categóricas utilizou-se o teste Qui-quadrado.

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 100 pacientes adultos, acompanhados em um SAE de um hospital-escola do Rio de Janeiro. A maioria era do sexo masculino (63%), com idade média de 41,78, DP=9,86 anos (22-65), tempo médio de diagnóstico da infecção pelo vírus HIV de 6,0, DP=3,38 anos e contagem de linfócitos T-CD4 de 525,34, DP=270,39 cels/mm3. Dentre eles, 77% faziam uso de antirretrovirais. As características demográficas e clínicas são resumidas na Tabela 1.

Dentre os participantes, 20% tinham história familiar de doenças cardiovasculares e 35% apresentavam hipertensão arterial. Setenta por cento apresentavam HDL baixo e 35% tinham hipercolesterolemia. Dos indivíduos avaliados, 52% tinham três ou mais critérios de diagnóstico de Síndrome Metabólica e 47% apresentavam IMC>25kg/m2.

A estimativa média do escore de risco de Framingham (ERF) foi de 6,54, DP=6,0 (risco baixo). Entretanto, 53% dos indivíduos encontravam-se classificados na faixa de risco cardiovascular >10% (moderado-alto).

Os pacientes classificados na categoria de ERF>10 apresentaram maiores níveis de pressão arterial sistólica (p<0,001) e diastólica (p=0,016), bem como maiores níveis de triglicerídeos (p=0,029) e de glicose em jejum (p=0,029) (Tabela 2).

A análise dos padrões alimentares mostrou, de maneira geral, níveis energéticos médios de 2151,74, DP=693 (1.084-5.700) kcal/dia. As médias de contribuição energética mostraram-se próximas dos limites aceitáveis, com 52,91, DP=7,90% (22-74) para carboidratos, e 28,29, DP=7,0 % (14-55) para gorduras totais. Por outro lado, as dietas apresentavam níveis médios de colesterol de 220,97, DP=154,66mg/dia. Dentre alguns micronutrientes, foi evidenciado um consumo médio de cálcio de 595,55, DP=298,94mg/dia e sódio de 3.890,23, DP=1.761,92mg/dia.

Quando as características das dietas e dos hábitos de vida foram comparadas segundo as faixas do escore de risco de Framingham (ERF; <10%: baixo risco cardiovascular; >10%: médio-alto risco cardiovascular), observou-se que os indivíduos classificados nas faixas de maior risco cardiovascular consumiam dietas com teores médios de colesterol acima de 200mg/dia (M=215,72, DP=114,89 vs. M=226, 89, DP=191,01mg/dia; p=0,720) e pobres em fibras (<21g/dia; M=20,57, DP=9,35 vs. M=22,96, DP=12,29g/dia; p=0,273). Não foram observadas diferenças significativas, entre os dois grupos estudados, relativas ao consumo dos micronutrientes, evidenciando-se, porém, consumo mais baixo de cálcio (M=505,32 DP=254,98 vs M=620,70, DP=334,10; p=0,054) e de alto teor de sódio (M=3.866,13, DP=1.611,35 vs M=3.911,60, DP=1.900,62; p=0,898) no grupo com ERF>10.

Além disso, esses indivíduos apresentavam consumo recreativo de bebidas alcoólicas superior ao grupo de mais baixo risco cardiovascular (M=8,48 DP=7,9 vs M=4,13 DP=3,37 drinks/se-mana; p=0,053), eram menos ativos e fumavam mais, porém essas diferenças não foram signifi-cativas, conforme mostra a (Tabela 3).

Os percentuais de inadequação dietética para a prevenção primária de doenças cardiovasculares foram mais elevados no consumo de colesterol (56% dos indivíduos) e de fibras (50%). Entre os micronutrientes, o maior percentual de inadequação foi observado para sódio (82%), seguido de vitamina C (72%), folato (70%) e cálcio (57%). Para os grupos de alimentos evidenciou-se o não atendimento das recomendações para consumir pescados 1-2 vezes por semana em 59% dos indivíduos; legumes e verduras (>3porções/dia) em 66% e açúcares/doces (<5 porções/semana) em 51% dos entrevistados (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Existem poucas informações disponíveis na literatura sobre a contribuição de fatores de risco cardiovascular modificáveis, entre indivíduos infectados pelo vírus HIV tratados no Brasil. A escassez de dados não tem permitido avaliar a adequação às recomendações propostas para a prevenção primária de doenças cardiovasculares12,13. Este estudo se propôs a explorar os fatores de risco cardiovascular potencialmente modificáveis em indivíduos com HIV/Aids sob terapia antirretroviral, tratados em um hospital-escola do Rio de Janeiro.

Neste estudo, os indivíduos apresentavam em sua maioria um perfil cardiometabólico desfavorável. É reconhecido que as alterações metabólicas mais frequentes entre os pacientes com HIV sob tratamento antirretroviral são a dislipidemia seguida de alterações do metabolismo de carboidratos e a resistência à insulina22.

Dentre os fatores de risco cardiovascular, são considerados cruciais a idade, o tabagismo, o diabetes tratado ou não, a hipertensão arterial e o excesso de colesterol ou HDL baixo. De outro lado, o tabagismo, a dislipidemia, a hipertensão arterial, o diabetes tipo 2 e o HDL baixo são reconhecidos como fatores potencialmente modificáveis23.

A ligação entre hipercolesterolemia e doenças cardiovasculares é particularmente bem estabelecida, em especial para as doenças coronarianas. A elevação do colesterol total e do LDL está associada a um aumento do risco cardiovascular de maneira linear. Por outro lado, a relação entre triglicerídeos elevados e risco cardiovascular é dependente do efeito de outros fatores que frequentemente acompanham a hipertrigliceridemia, tais como obesidade, diabetes, colesterol alto, HDL baixo e hipertensão arterial24.

Neste estudo, os principais fatores que contribuíram para o aumento do risco cardiovascular entre os indivíduos avaliados foram a hiper-colesterolemia e a hipertensão arterial, seguidas do tabagismo e da hiperglicemia. Tais dados estão em concordância com Bergersen et al.25, ressalvando-se porém que os autores encontraram em seu estudo uma maior prevalência de tabagismo.

No que se refere aos padrões alimentares e hábitos de vida do grupo estudado, a contribuição energética oriunda de carboidratos, gorduras totais e gordura saturada era próxima da faixa aceitável, identificando-se no entanto um consumo de colesterol acima do valor recomendado. Além disso, as dietas apresentavam altos teores de sódio e eram pobres em fibras e cálcio, bem como somente a minoria dos indivíduos praticavam atividades físicas regulares ao menos 30 minutos por dia.

Padrão alimentar similar foi identificado em outro estudo brasileiro9, assim como em trabalhos realizados nos Estados Unidos26 e Canadá27. Os autores também observaram que a dieta de indivíduos portadores do vírus HIV, de forma geral, era rica em gorduras e colesterol, e pobre em fibras, aliada a uma baixa ingestão de vegetais, frutas e laticínios.

Observou-se neste estudo que os indivíduos com maior risco de desenvolver eventos cardiovasculares (ERF>10%) mantinham as mesmas inadequações dietéticas identificadas nos grupos de baixo risco, fato agravado por um maior consumo recreativo de bebidas alcoólicas, menor nível de atividade física e maior prevalência de tabagismo.

Em outro estudo, Salyer et al.28 avaliaram os hábitos de vida de indivíduos com HIV/Aids e também identificaram alto nível de fatores de risco cardiovascular modificáveis, tais como sedentarismo e tabagismo.

O grau de não adesão a medidas dietéticas protetoras contra doenças cardiovasculares indicadas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia12 e pela American Heart Association13 foi maior para sódio, seguido de folato, vitamina C, colesterol, cálcio e fibras dietéticas. Quanto ao consumo por grupos de alimentos, a ingestão de pescados, vegetais e grupo de açúcares foram aqueles com maiores inadequações.

A importância de fatores nutricionais na prevenção de doenças cardiovasculares é bem estabelecida12,13. Os mecanismos de ação mais conhecidos são o seu impacto sobre os níveis de colesterol, essencialmente as gorduras saturadas, e de maneira menos importante o conteúdo de colesterol dos alimentos e, ainda, a ocorrência de sobrepeso/obesidade e, por consequência, o diabetes tipo 2. De forma similar, a hipertensão arterial é dependente de fatores nutricionais, como o consumo excessivo de sódio, sendo igualmente influenciada pelo consumo de álcool e pelo excesso de peso24.

Medidas dietéticas indicadas para a prevenção de doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2 privilegiam as dietas pobres em gorduras, carboidratos simples e sódio, e ricas em fibras, como um padrão alimentar com potencial para reduzir o peso corporal, a obesidade abdominal e atenuar as anormalidades metabólicas. Essa dieta deve também ser associada a mudanças do estilo de vida, tanto para a população geral29, como para indivíduos infectados pelo vírus HIV14. Atualmente também tem sido destacada a importância do cálcio dietético, como tendo um papel promissor na atenuação de anormalidades metabólicas associadas à síndrome metabólica, relacionada sobretudo à obesidade abdominal e à hipertensão arterial30.

As limitações deste estudo estão relacionadas com os métodos de avaliação do consumo alimentar, quais sejam: um único recordatório de 24 horas e um questionário de frequência de consumo de alimentos, que podem não ter sido adequados para a identificação de diferenças mais expressivas entre os grupos; e o uso de uma amostra pequena, que pode não refletir o conjunto de indivíduos infectados pelo vírus HIV tratados na unidade. No entanto, os dados aqui obtidos têm sua importância e podem ser usados como referência para o planejamento de intervenções clínicas e nutricionais em pacientes sob terapia HAART.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo apontam que a maioria dos indivíduos estudados apresenta um perfil cardiometabólico desfavorável. Os principais fatores que contribuíram para o aumento do risco cardiovascular foram HDL baixo, hipercolesterolemia e hipertensão arterial, seguidos de tabagismo e hiperglicemia. Os indivíduos com maiores ERF (>10%) apresentavam também importantes inadequações dietéticas, associadas a maior prevalência de tabagismo, menor nível de atividade física e maior consumo recreativo de bebidas alcoólicas. Apesar das limitações deste estudo, os resultados obtidos podem servir como base para o planejamento de intervenções de educação em saúde, apoiadas na motivação dos pacientes para adesão às medidas de prevenção primária de doenças cardiovasculares, tais como hábitos alimentares protetores, prática de atividades físicas regulares e eliminação do tabagismo.

COLABORADORES

L.H.M. LEITE foi responsável pelo desenho do estudo, pelas entrevistas, pelas análise e discussão dos resultados e pela redação do manuscrito. A.B.M.M. SAMPAIO contribuiu para o desenho do estudo, análise, discussão e redação do manuscrito. Todos os autores participaram da elaboração da versão final do manuscrito.

Recebido em: 2/2/2009

Versão final reapresentada em: 26/5/2010

Aprovado em: 5/7/2010

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2011
  • Data do Fascículo
    Fev 2011

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2009
  • Revisado
    26 Maio 2011
  • Aceito
    05 Jul 2010
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