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Composição química e antinutrientes presentes nas amêndoas cruas e torradas de chicha (Sterculia striata A. St. Hill & Naudin)

Chemical composition and antinutrients of raw and roasted chicha almonds (Sterculia striata A. St. Hill & Naudin)

Resumos

OBJETIVO: Analisar os componentes químicos e antinutrientes antes e após torrefação da amêndoa de chichá da espécie Sterculia striata A. St. Hill & Naudin, oriunda de Corrente, Piauí. MÉTODOS: Foram realizadas análises: centesimal, perfil de ácidos graxos, antinutrientes (taninos, inibidor de tripsina, inibidor de amilase, lectina, fitatos), compostos fenólicos e atividade de peroxidase e polifenoloxidase. RESULTADOS: Os resultados da análise centesimal da amêndoa crua e torrada foram: lipídeos de 25,1% e 26,2%, carboidratos de 44,4% e 45,6%, proteína de 20,8% e 22,1%, cinzas de 3,7% e 4,0%, fibra alimentar total de 12,3% e 10,4%, respectivamente. Nas amêndoas cruas e torradas não foram encontradas lectinas, taninos, inibidores de tripsina e alfa-amilase. Verificou-se a ausência de peroxidase e polifenoloxidase e conteúdo de compostos fenólicos de 107,7mg/100g e 108,9mg/100g para amêndoas cruas e torradas, respectivamente. CONCLUSÃO: A torrefação realizada a 205°C por 11 minutos diminuiu o teor de fitatos de 10,6mg/g para 5,5mg/g. Por fim, as amêndoas de chichá, cruas e torradas, apresentam alto teor de proteínas, fibras, ácidos graxos monoinsaturados e saturados.

Antinutrientes; Composição química; Sterculia striata


OBJECTIVE: This study analyzed the chemical components and antinutrients present in raw and roasted chichá almonds from the species Sterculia striata A. St. Hill & Naudin harvested in Corrente, Piauí. METHODS: The following were determined: percent composition, fatty acid profile, antinutrients (tannins, trypsin inhibitor, amylase inhibitor, lectin, phytates), phenolic compounds and peroxidase and polyphenol oxidase activities. RESULTS: The percentage composition of the raw and lipid almonds were respectively: 25.1% and 26.2% fats, 44.4% and 45.6% carbohydrates, 20.8% and 22.1% protein, 3.7% and 4.0% ashes, and 12.3% and 10.4% total fiber. Neither raw nor roasted almonds contained lectins, tannins, trypsin inhibitors, alpha-amylase, peroxidase and polyphenol oxidase. Contents of phenolic compounds were 107.7mg/100g and 108.9mg/100 for the raw and roasted almonds, respectively. CONCLUSION: Roasting at 205°C for 11 minutes reduced phytate content from 10.6mg/g to 5.5mg/g. Raw and roasted chichá almonds have a high content of proteins, fibers and monounsaturated and saturated fatty acids.

Antinutrients; Chemical composition; Sterculia striata


ORIGINAL ORIGINAL

Composição química e antinutrientes presentes nas amêndoas cruas e torradas de chicha (Sterculia striata A. St. Hill & Naudin)1 1 Artigo elaborado a partir da dissertação de A.G.M. SILVA, intitulada: "Caracterização bioquímica de amêndoas cruas e torradas de chichá ( Sterculia Striata A. St. Hill & Naudin)". Universidade Federal de Goiás; 2009.

Chemical composition and antinutrients of raw and roasted chicha almonds (Sterculia striata A. St. Hill & Naudin)

Aline Gomes de Moura e SilvaI; Kátia Flávia FernandesII

IUniversidade Federal de Goiás, Escola de Agronomia e Engenharia de Alimentos. Goiânia, GO, Brasil

IIUniversidade Federal de Goiás, Instituto de Ciências Biológicas. Campus Samambaia, Caixa Postal 131, 74001-970, Goiânia, GO, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: K.F. FERNANDES. E-mail: <katia@icb.ufg.br>

RESUMO

OBJETIVO: Analisar os componentes químicos e antinutrientes antes e após torrefação da amêndoa de chichá da espécie Sterculia striata A. St. Hill & Naudin, oriunda de Corrente, Piauí.

MÉTODOS: Foram realizadas análises: centesimal, perfil de ácidos graxos, antinutrientes (taninos, inibidor de tripsina, inibidor de amilase, lectina, fitatos), compostos fenólicos e atividade de peroxidase e polifenoloxidase.

RESULTADOS: Os resultados da análise centesimal da amêndoa crua e torrada foram: lipídeos de 25,1% e 26,2%, carboidratos de 44,4% e 45,6%, proteína de 20,8% e 22,1%, cinzas de 3,7% e 4,0%, fibra alimentar total de 12,3% e 10,4%, respectivamente. Nas amêndoas cruas e torradas não foram encontradas lectinas, taninos, inibidores de tripsina e alfa-amilase. Verificou-se a ausência de peroxidase e polifenoloxidase e conteúdo de compostos fenólicos de 107,7mg/100g e 108,9mg/100g para amêndoas cruas e torradas, respectivamente.

CONCLUSÃO: A torrefação realizada a 205°C por 11 minutos diminuiu o teor de fitatos de 10,6mg/g para 5,5mg/g. Por fim, as amêndoas de chichá, cruas e torradas, apresentam alto teor de proteínas, fibras, ácidos graxos monoinsaturados e saturados.

Termos de indexação: Antinutrientes. Composição química. Sterculia striata.

ABSTRACT

OBJECTIVE: This study analyzed the chemical components and antinutrients present in raw and roasted chichá almonds from the species Sterculia striata A. St. Hill & Naudin harvested in Corrente, Piauí.

METHODS: The following were determined: percent composition, fatty acid profile, antinutrients (tannins, trypsin inhibitor, amylase inhibitor, lectin, phytates), phenolic compounds and peroxidase and polyphenol oxidase activities.

RESULTS: The percentage composition of the raw and lipid almonds were respectively: 25.1% and 26.2% fats, 44.4% and 45.6% carbohydrates, 20.8% and 22.1% protein, 3.7% and 4.0% ashes, and 12.3% and 10.4% total fiber. Neither raw nor roasted almonds contained lectins, tannins, trypsin inhibitors, alpha-amylase, peroxidase and polyphenol oxidase. Contents of phenolic compounds were 107.7mg/100g and 108.9mg/100 for the raw and roasted almonds, respectively.

CONCLUSION: Roasting at 205°C for 11 minutes reduced phytate content from 10.6mg/g to 5.5mg/g. Raw and roasted chichá almonds have a high content of proteins, fibers and monounsaturated and saturated fatty acids.

Indexing terms: Antinutrients. Chemical composition. Sterculia striata.

INTRODUÇÃO

O chichá - também conhecido como xixá, amendoim-de-macaco, castanha-de-macaco, mendubi-guaçu, castanheiro-do-mato, aracha-chá, pau-rei .- pertence à família Malvaceae. É uma planta nativa do cerrado, distribuída principalmente nos estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Bahia, Piauí, Maranhão e Distrito Federal1.

A espécie Sterculia striata A. St. Hill & Naudin é uma árvore que tem de 8 a 14m de altura; suas folhas são recortadas em três a cinco lobos e caem durante a época seca2. As flores são pequenas e avermelhadas, florescem durante os meses de dezembro a março. O fruto, cerca de 100 a 180 por planta, tem coloração castanho-alaranjada e surge nas extremidades dos ramos, amadurecendo no período de junho a setembro. Ao abrir-se deixa expor o interior com as sementes afixadas que podem variar de 9 a 20 unidades por fruto1,2. As sementes de chichá são ovóides, com 2cm de comprimento, apresentam duas cascas - uma externa fina, facilmente destacável, de cor negra e outra interna de cor cinza - e uma amêndoa, que é popularmente consumida crua, cozida, torrada ou ainda na forma de paçoca doce ou salgada1.

Embora a composição dos alimentos indique seu valor nutritivo, essa informação não é suficiente do ponto de vista nutricional, já que os nutrientes não se tornam totalmente disponíveis ao organismo após a ingestão. As matérias-primas vegetais podem apresentar antinutrientes, como os inibidores de alfa amilase, taninos, lectinas, fitatos e inibidores de tripsina, que possuem ação de impedir a disponibilidade de certos nutrientes, como minerais e proteínas, mas que, por outro lado, podem apresentar alguma função benéfica, como anti-inflamatória, antioxidante e de proteção ao câncer. Pesquisas têm demonstrado que muitas vezes as condições de processamento, como a torrefação, são eficientes na redução dessas substâncias para concentrações que não apresentam toxicidade.

Na literatura, existem trabalhos sobre composição centesimal, minerais e perfil de aminoácidos3-5, além da caracterização química do óleo6da amêndoa de chichá crua. Este trabalho se diferencia por comparar a composição química da amêndoa crua e da torrada e ampliar o número de antinutrientes analisados.

MÉTODOS

As sementes de chichá foram colhidas de frutos maduros no ano de 2007, em propriedade rural na cidade de Corrente, região sul do Estado do Piauí, na época da safra que, nessa região, se dá entre outubro e dezembro. As sementes foram estocadas em sacos plásticos e transportadas em temperatura ambiente até Goiânia, onde foram selecionadas e armazenadas em frascos de vidro em freezer a -18ºC até sua utilização.

A identificação da espécie foi feita pelo Herbário da Universidade Federal de Goiás, utilizando ramos floridos e com exsicata depositada sob o n° 30870.

Para as análises, as sementes foram descongeladas sob refrigeração e descascadas manualmente. A torrefação das amêndoas foi realizada em forno elétrico doméstico Black & Decker. O tempo e a temperatura foram baseados na torrefação do baru (200°C por 15 minutos)7. Considerando que a torrefação diminui o teor de antinutrientes que eventualmente possam estar presentes e, ao mesmo tempo, torna a amêndoa aceitável sensorialmente, após os testes, definiu-se a temperatura de 205°C por 11 minutos. As amêndoas cruas e torradas foram trituradas em moinho analítico modelo A11 Basic e passadas em peneiras de 40 mesh para obtenção das farinhas. As análises foram realizadas em triplicata em três lotes de sementes contendo cerca de 500g de amêndoas.

Composição centesimal

Análises de umidade e cinzas foram realizadas pelo método gravimétrico, determinando-se a perda de material submetido a aquecimento a 105°C e 550°C, respectivamente, até obtenção de peso constante; para análise de proteínas foi utilizada a metodologia de micro Kjeldahl e o fator de correção de 6,258; lipídeos foram extraídos e quantificados segundo a metodologia de Bligh & Dyer9, que determina lipídeos totais (polares e apolares); carboidratos totais foram determinados pelo método fenol sulfúrico10e a fibra alimentar total, pelo método enzimático gravimétrico11; valor energético foi estimado a partir dos dados da composição centesimal, considerando-se os fatores de conversão de Atwater de 4kcal/g, 4kcal/g e 9kcal/g para proteína, carboidrato e lipídeo, respectivamente12.

Análise de antinutrientes

Foram realizadas análises de taninos pelo método de precipitação de albumina de soro bovina, com curva de calibração de solução de ácido tânico13; de inibidor de tripsina, por método colorimétrico, cuja atividade é calculada a partir de uma curva de calibração usando inibidor de tripsina de soja14, de inibidor de amilase, dosado pela ação inibitória sobre a atividade de amilase salivar e pancreática em uma solução de amido 0,5%, usando como revelador o ADNS15, de lectina, determinada pelo grau de aglutinação das células de sangue de coelho pela ação dos extratos diluídos16; do teor de fitatos, determinado por método colorimétrico baseado na reação entre íon férrico e ácido sulfossalicílico, com curva padrão construída com concentrações crescentes de ácido fítico17. Nessa metodologia, foi feita a seguinte modificação: o sobrenadante do extrato foi colocado em contato com o trocador de íons DEAE (dietilaminoetil), que foi previamente ativado com lavagens de 15mL de ácido clorídrico 0,5M, em seguida hidróxido de sódio 0,5M e água até neutralizar. Deixaram-se o extrato e o DEAE agitando lentamente por 30 minutos. Filtrou-se a vácuo, lavou-se o resíduo com 15mL de cloreto de sódio 0,1M e o filtrado foi descartado. Fez-se lavagem com cloreto de sódio 0,7M, retirando desse filtrado alíquotas de 0,2; 0,3; 0,4 e 0,5mL, para tubos de ensaio. Adicionaram-se 2,8; 2,7; 2,6 e 2,5mL de água, respectivamente. Acrescentaram-se 3mL de Reagente Wade e após 15min fez-se a leitura da absorbância a 500nm.

Perfil de ácidos graxos

A análise de perfil de ácidos graxos foi realizada na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. O óleo foi extraído das amêndoas pelo método de Bligh & Dyer9e, posteriormente, foi realizada a metilação por catálise alcalina com hidróxido de potássio segundo Murrieta et al.18. O extrato de lipídeos (0,1mL) e o hidróxido de potássio (2mL) 0,2M foram aquecidos a 55°C por 1h, resfriados em banho de gelo por 15min em seguida adicionados de 3mL de solução saturada de cloreto de sódio e 4mL de hexano. Após centrifugação por 2min a 2500rpm, retirou-se a fração superior para injeção.

As amostras foram injetadas em triplicata em volume de 1,0µL em cromatógrafo a gás equipado com coluna capilar DB-23 Agilent (50% cianopropil - metilpolisiloxano), com diâmetro interno de 0,25mm, espessura do filme de 0,25µm e 60m de comprimento. A detecção foi feita com detector de ionização de chama (GC-FID Shimadzu). O fluxo da coluna foi de 1,0mL/min, com velocidade linear de 24cm/seg, gás de arraste, hélio, temperatura do detector de 280ºC, temperatura do injetor de 250ºC, temperatura do forno inicialmente de 110°C por 5 minutos, aumentando gradativamente 5°C por minuto até atingir 215°C por 24 minutos. A determinação do tempo de retenção dos ésteres metílicos de ácidos graxos foi feita por comparação aos tempos de retenção de uma mistura de padrões de ésteres metílicos (Sigma).

Os compostos fenólicos totais foram quantificados a partir do reagente de Folin-Ciocalteou, segundo o método de Zielinski & Kozlowska19com leitura a 700nm e curva de calibração com ácido tânico.

A atividade de peroxidase e polifenoloxi-dase foi determinada segundo método descrito por Halpin et al.20. Adicionaram-se pirogalol 0,013M e peróxido de hidrogênio 0,05M como substrato da peroxidase e catecol 0,013M para polifenoloxidase. A leitura da atividade foi a 420nm após um minuto de reação.

Os resultados das análises de composição centesimal, ácidos graxos e compostos fenólicos antes e após torrefação foram expressos como Média (M) e Desvio-Padrão (DP) e submetidos ao teste de t de Student com nível de significância p≤0,05.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em estudo sobre a composição química do chichá cru (Sterculia striata A. St. Hill & Naudin) proveniente do estado do Ceará, Oliveira et al.4obtiveram maior valor de umidade (11,5%) e semelhantes valores de lipídeos (25,4%) e proteínas (19,9%) (Tabela 1). A amêndoa de chichá do estado de Goiás obteve resultado semelhante à amêndoa crua deste estudo em relação aos teores de cinzas (3,8%) e fibras (10,3%) e em razão dos menores conteúdos de lipídeos (21,2%) e proteínas (19,6%) apresentou um valor energético total inferior (421,1kcal/100g).3A amêndoa de chichá do estado de Piauí assemelhou-se à amêndoa crua estudada com os valores de umidade (6,6%), carboidratos (45,1%) e cinzas (3,2%)5. A diferença entre sementes de mesma espécie, mas de diferentes regiões, é explicada pela influência que o solo, a adubação, o clima e outros fatores ambientais exercem na sua composição.

As amêndoas de chichá cruas e torradas têm com alto teor de proteína, pois apresentam mais de 20% da ingestão diária recomendada (IDR) por 100g em todos os segmentos: adultos, crianças, lactentes, gestantes e lactantes21.

Um alimento é considerado com alto teor de fibra quando contém acima de 6g/100g e como fonte quando seu teor está acima de 3g/100g21, portanto as amêndoas de chichá cruas e torradas podem ser consideradas com alto teor de fibra.

Em estudo para avaliar os efeitos da ingestão de fibras solúveis, Rocha et al.22observaram que pacientes, após três meses ingerindo 10g/dia de fibra solúvel, tiveram redução nos valores do índice de massa corporal e nos níveis de colesterol, pois essas fibras interferem no metabolismo dos lipídeos, impedindo a re-esterificação de ácidos graxos no tecido hepático e induzem à menor síntese e secreção de triglicérides. Na amêndoa de chichá, a maior proporção de fibra é do tipo insolúvel e as fibras insolúveis são parcialmente fermentadas, aceleram o trânsito intestinal e aumentam a massa fecal.

A torrefação é um tratamento térmico que pode melhorar a digestibilidade das proteínas, inativar antinutrientes, formar compostos aromáticos, causar escurecimento e evaporação de água.

A perda de água provocada pela torrefação da amêndoa concentrou o teor relativo dos demais constituintes e consequentemente aumentou o valor energético. Apenas o teor de carboidratos não apresentou diferença significativa após a torrefação. Dentre os carboidratos, a sacarose é o que sofre maior degradação. Durante a torrefação ocorre sua desidratação e hidrólise. Os açúcares redutores são desidratados, polimerizados e parcialmente degradados a compostos orgânicos voláteis, água e gás carbônico. O amido pode ser parcialmente degradado, liberando água e dióxido de carbono, e outra porção do amido pode ser caramelizada ou até mesmo carbonizada, dependendo do grau de torrefação. A celulose, hemicelulose e lignina não são significativamente afetadas pelas altas temperaturas, segundo Sivetz & Foote23.

Antinutrientes

Em relação aos antinutrientes, a amêndoa crua não apresentou inibidor de amilase salivar e pancreática nem inibidor de tripsina; os taninos e as lectinas não foram detectados. Esses resultados são similares aos de Oliveira et al.4, que não detectaram presença de lectina e inibidor de tripsina.

O ácido fítico é considerado um antinutricional em virtude da sua capacidade de se ligar a proteínas, amido, minerais (cálcio, fósforo, ferro, zinco) e impedir a digestão desses nutrientes. Porém, vários fatores influenciam a capacidade de complexação dos fitatos, como o tipo de proteína da dieta, número de íons fosfato, concentração dos minerais e do próprio fitato, pH do meio, presença de fitase, taninos, fibras e ácido ascórbico24.

O teor de fitato para a amêndoa crua foi de 10,6mg/g, considerado elevado se comparado ao encontrado em alimentos como castanha de caju, castanha-do-pará, macadâmia, pistache, amêndoa e noz, que tem concentração de 1,5mg/g a 3,5 mg/g25.

As amêndoas de chichá após torrefação a 205°C por 11 minutos tiveram o conteúdo de fitato reduzido de 10,6mg/g para 5,5mg/g. Do mesmo modo, Togashi7, ao processar amêndoas de baru, torrando-as a 200°C por 15 minutos, observou redução do teor de fitato de 1,6mg/g para 0,6mg/g. A diminuição durante tratamento térmico é explicada por Hossain & Becker26pela hidrólise causada pelo calor e formação de complexos insolúveis.

Segundo Siqueira et al.27, um balanço adequado no alimento entre mineral e fitato garante que o mineral seja absorvido e que o fitato atue como hipoglicemiante, anticancerígeno e antioxidante. Em alimentos com reduzido teor de minerais, deve-se realizar técnicas de preparo que sejam capazes de reduzir o teor de fitatos.

Ácidos Graxos

A amêndoa de chichá é fonte de ácidos graxos monoinsaturados e saturados (Tabela 2). O principal ácido graxo saturado é o ácido palmítico, que obteve um teor menor que o encontrado em óleo de dendê (36,8%)28.

O principal ácido graxo insaturado é o ácido oleico, como é observado na amêndoa torrada, na qual foi possível quantificar separadamente o ácido oleico e o vacênico. Seu teor foi maior que o do óleo de girassol (25,15%) e de amendoim (16,7%) e foi inferior ao azeite de oliva (74%)28. Os monoinsaturados, como o oleico, auxiliam na redução do colesterol total e da lipoproteína de baixa densidade (Low Density Lipoprotein - LDL) sem reduzir da lipoproteína de alta densidade (High Density Lipoprotein - HDL)29.

Na amêndoa de chichá estão presentes os ácidos graxos essenciais: linoleico e linolênico. Martin et al.30relatam que as recomendações de vários autores e órgãos de saúde em diferentes países convergem para o intervalo de 4:1 a 5:1 (ômega 6 : ômega 3). Para a amêndoa de chichá foi encontrada uma relação inferior de aproximadamente 2:1.

A mesma espécie de chichá foi estudada por Chaves et al.6, que obtiveram valores similares para o ácido palmitoleico (2,6%). Assim como este estudo, para a amêndoa crua, não registraram picos separados, computando juntos os valores de ácido oleico e vacênico (35,9%). Em relação ao linolênico, obtiveram valor inferior (0,3%), entretanto o teor de linoleico foi três vezes superior (12,0%). A variação da composição em ácidos graxos de uma mesma espécie pode ser decorrente de várias razões, como diferentes fases de maturação das sementes, diferenças entre as populações, no equipamento utilizado para quantificação e épocas diferentes de coleta.

Pelo método empregado, não foi possível identificar todos os ácidos graxos, mas, de acordo com Aued-Pimentel et al.31, que estudaram a mesma espécie de chichá oriunda do estado do Piauí, tem-se a presença de grupos ciclopropênicos: ácido malválico e esteárico. Comparando-se o cromatograma (Figura 1) com o apresentado por Aued-Pimentel, os picos não identificados - 10 e 12 - podem ser, respectivamente, o ácido malválico e o ácido esteárico.


Ainda é incerto o efeito dos ácidos graxos ciclopropenoídicos em humanos. Pesquisas relatam que o ácido estercúlico é um inibidor da enzima estearoil-coenzima A dessaturase (∆9-dessaturase), que converte o ácido esteárico em ácido oleico, podendo alterar a permeabilidade da membrana celular e inibir a reprodução. Esse ácido é suspeito de ser carcinogênico ou cocarcinogênico em experimentos realizados com ratos e peixes. No entanto, existem estudos que demonstram efeito antitumoral com relação ao câncer de mama. Os efeitos desse ácido são dependentes da dose ingerida e da estrutura química: forma livre ou forma éster6,31,32. São necessários mais estudos para verificar as concentrações tóxicas e se outras substâncias podem potencializar suas atividades.

Peroxidase e polifenoloxidase

As enzimas polifenoloxidase e peroxidase são importantes nos alimentos do ponto de vista nutricional, de coloração e flavor. A polifenoloxidase é uma enzima que ocasiona a oxidação de compostos fenólicos com formação de melaninas, pigmento responsável pelo escurecimento de frutas, certos vegetais e bebidas; já a peroxidase também causa oxidação de compostos fenólicos, mas na presença de peróxido de hidrogênio, além de descolorir carotenóides e antocianinas33. Não foram encontradas as enzimas peroxidase e polifenoloxidase no extrato da amêndoa de chichá crua, portanto, provavelmente, não apresentará alteração relacionada ao escurecimento enzimático durante um eventual processamento.

Compostos fenólicos

Os compostos fenólicos - encontrados em hortaliças, frutas, cereais, chás, café, cacau, vinho - contribuem para a defesa da planta contra micro-organismos e insetos e para a pigmentação, textura, sabor amargo e adstringente dos frutos33(Tabela 3).

O teor de fenólicos é inferior aos valores das castanhas portuguesas, que variaram de 1580mg/100g a 2269mg/100g34. Acima de 1g/100g, o teor de fenólicos é considerado elevado e prejudicial à digestibilidade de proteínas35.

Em estudo com café torrado a 200°C por seis, oito e dez minutos, Nascimento36relata que, de acordo com o grau de torrefação, houve diminuição do teor de fenóis totais. Na amêndoa de chichá, o teor de compostos fenólicos não foi alterado em virtude do processamento térmico, pois não há diferença significativa entre os valores de fenólicos das amêndoas cruas e torradas.

Os fenólicos totais englobam ácidos fenólicos, flavonóides, taninos, fenóis simples, cumarinas, ligninas, tocoferóis, dentre outros. A importância da determinação do teor de fenólicos está relacionada às propriedades benéficas, como ação vasodilatadora, antimicrobiana, anti-inflamatória e antioxidante, que está associada à prevenção de doenças cardiovasculares, envelhecimento, câncer e também à conservação de alimentos lipídicos. A presença desses compostos, no entanto, pode ocasionar escurecimento dos alimentos, afetar a disponibilidade de minerais, como o ferro, e interferir na digestibilidade de proteínas e outros nutrientes ao se unir a enzimas digestivas. Cada fenólico, entretanto, revela diferente atividade biológica37.

CONCLUSÃO

- A amêndoa de chichá da espécie Sterculia striata A. St. Hill & Naudin coletada na cidade de Corrente, no estado do Piauí, apresenta alto teor de proteína e fibra.

- Não foram encontrados inibidores de tripsina, inibidores de amilase salivar e pancreática, lectinas e taninos.

- Foi determinado teor de fitato, que reduziu após torrefação das amêndoas.

- O perfil de ácidos graxos indica ser boa fonte de monoinsaturados, principalmente ácido oleico.

- As amêndoas são pouco suscetíveis ao escurecimento enzimático.

COLABORADORES

A.G.M. SILVA executou o experimento e elaborou o artigo. K.F. FERNANDES orientou o planejamento do experimento, na supervisionou a etapa dos antinutricionais e auxiliou na interpretação dos dados.

Recebido em: 27/10/2009

Versão final reapresentada em: 20/10/2010

Aprovado em: 3/11/2010

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      27 Out 2009
    • Aceito
      03 Nov 2010
    • Revisado
      20 Out 2010
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