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Peso, estatura e comprimento em crianças e adolescentes com síndrome de Down: análise comparativa de indicadores antropométricos de obesidade

Weight, height and length in children and adolescents with Down syndrome: a comparative analysis of anthropometric indicators of obesity

Resumos

A obesidade é considerada uma epidemia, que acomete também crianças e adolescentes com síndrome de Down. Contudo, como não há um parâmetro consensual para diagnosticar obesidade nessa população, o objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão crítica de artigos que estudam índices antropométricos, para avaliação do estado nutricional de crianças e adolescentes com essa síndrome. O levantamento dos artigos foi realizado nas bases de dados PubMed, MedlLine, Lilacs e SciELO, dando-se importância aos parâmetros antropométricos e sua relação com a obesidade. De 83 artigos iniciais, foram selecionados 11 para análise crítica. Nos Estados Unidos, estabeleceram uma curva de normalidade para peso e estatura de crianças e adolescentes com síndrome de Down e, quando compararam os seus valores com as curvas do National Center for Health Statistics, observaram que houve um padrão menor de crescimento em estatura. Em estudos europeus, observou-se o mesmo fato. No Brasil, Mustacchi desenvolveu índices de peso/idade e estatura/idade e observou deficit importante de estatura, quando comparou estatura/idade com as curvas do National Center for Health Statistics e com as curvas de Cronk et al. Em CONCLUSÃO:, os dados antropométricos disponíveis em curvas pôndero-estaturais são considerados relativos a uma determinada população e revelam suas características específicas, porque expressam a influência dos fatores ambientais e determinantes genéticos. Portanto, há necessidade de se definir curvas de padrão de referência para crianças e adolescentes com síndrome de Down em diferentes faixas etárias, regiões e etnias, para se diagnosticar corretamente seu estado nutricional.

Antropometria; Crescimento; Estatura; Obesidade; Peso corporal; Síndrome de Down


Obesity is considered an epidemic and also affects children and adolescents with Down syndrome. However, since a consensual parameter for diagnosing obesity in this population does not exist, the objetive of this study was to perform a critical review of the literature on anthropometric indices to assess the nutritional status of children and adolescents with this syndrome. The databases PubMed, MedLine, Lilacs and SciELO were searched focusing on the importance of anthropometric parameters and their relationship with obesity. Of the 83 articles found, 11 were selected for critical analysis. In the United States of America, weight and height curves were established specifically for children and adolescents with Down syndrome. When these curves were compared with those of the National Center for Health Statistics, they found that children and adolescents with Down syndrome grow less. The same fact was reported by European studies. In Brazil, Mustacchi developed weight-for-age and height-for-age indices for these children and compared his height-for-age curve with those of the National Center for Health Statistics and Cronk et al.'s, and found that Brazilian children with Down syndrome are significantly shorter. In conclusion, the anthropometric data in weight-for-height curves refer to a particular population and reveal their specific characteristics since they reflect the influence of environmental factors and genetic determinants. Therefore, it is necessary to define standard reference curves for children and adolescents with Down syndrome of different ages, regions and ethnicities, so that their nutritional status can be diagnosed properly.

Anthropometry; Growth; Body height; Obesity; Body weight; Down syndrome


COMUNICAÇÃO COMMUNICATION

Peso, estatura e comprimento em crianças e adolescentes com síndrome de Down: análise comparativa de indicadores antropométricos de obesidade1 1 Artigo elaborado a partir da dissertação de J.E.SAMUR-SAN MARTIN, intitulada "Frequência de obesidade e seus fatores determinantes em crianças e adolescentes com síndrome de Down atendidas em um centro de referência". Universidade Estadual de Campinas; 2010.

Weight, height and length in children and adolescents with Down syndrome: a comparative analysis of anthropometric indicators of obesity

Juan Eduardo Samur-San Martin; Roberto Teixeira Mendes; Gabriel Hessel

Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas, Departamento de Pediatria. R. Tessália Vieira de Camargo, 126, Cidade Universitária Prof. Zeferino Vaz, 13083-970, Campinas, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: J.E. SAMUR-SAN MARTIN. E-mail: <juansamur@yahoo.com.br>

RESUMO

A obesidade é considerada uma epidemia, que acomete também crianças e adolescentes com síndrome de Down. Contudo, como não há um parâmetro consensual para diagnosticar obesidade nessa população, o objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão crítica de artigos que estudam índices antropométricos, para avaliação do estado nutricional de crianças e adolescentes com essa síndrome. O levantamento dos artigos foi realizado nas bases de dados PubMed, MedlLine, Lilacs e SciELO, dando-se importância aos parâmetros antropométricos e sua relação com a obesidade. De 83 artigos iniciais, foram selecionados 11 para análise crítica. Nos Estados Unidos, estabeleceram uma curva de normalidade para peso e estatura de crianças e adolescentes com síndrome de Down e, quando compararam os seus valores com as curvas do National Center for Health Statistics, observaram que houve um padrão menor de crescimento em estatura. Em estudos europeus, observou-se o mesmo fato. No Brasil, Mustacchi desenvolveu índices de peso/idade e estatura/idade e observou deficit importante de estatura, quando comparou estatura/idade com as curvas do National Center for Health Statistics e com as curvas de Cronk et al. Em CONCLUSÃO:, os dados antropométricos disponíveis em curvas pôndero-estaturais são considerados relativos a uma determinada população e revelam suas características específicas, porque expressam a influência dos fatores ambientais e determinantes genéticos. Portanto, há necessidade de se definir curvas de padrão de referência para crianças e adolescentes com síndrome de Down em diferentes faixas etárias, regiões e etnias, para se diagnosticar corretamente seu estado nutricional.

Termos de indexação: Antropometria. Crescimento. Estatura. Obesidade. Peso corporal. Síndrome de Down.

ABSTRACT

Obesity is considered an epidemic and also affects children and adolescents with Down syndrome. However, since a consensual parameter for diagnosing obesity in this population does not exist, the objetive of this study was to perform a critical review of the literature on anthropometric indices to assess the nutritional status of children and adolescents with this syndrome. The databases PubMed, MedLine, Lilacs and SciELO were searched focusing on the importance of anthropometric parameters and their relationship with obesity. Of the 83 articles found, 11 were selected for critical analysis. In the United States of America, weight and height curves were established specifically for children and adolescents with Down syndrome. When these curves were compared with those of the National Center for Health Statistics, they found that children and adolescents with Down syndrome grow less. The same fact was reported by European studies. In Brazil, Mustacchi developed weight-for-age and height-for-age indices for these children and compared his height-for-age curve with those of the National Center for Health Statistics and Cronk et al.'s, and found that Brazilian children with Down syndrome are significantly shorter. In conclusion, the anthropometric data in weight-for-height curves refer to a particular population and reveal their specific characteristics since they reflect the influence of environmental factors and genetic determinants. Therefore, it is necessary to define standard reference curves for children and adolescents with Down syndrome of different ages, regions and ethnicities, so that their nutritional status can be diagnosed properly.

Indexing terms: Anthropometry. Growth. Body height. Obesity. Body weight. Down syndrome.

INTRODUÇÃO

A Síndrome de Down (SD) é considerada uma anomalia genética autossômica, resultante da trissomia do cromossomo 21, com uma incidência média de 1 a cada 700 nascimentos. Acomete todas as raças e grupos socioeconômicos, aumentando sua ocorrência de acordo com a idade materna e sendo o diagnóstico confirmado pelo exame do cariótipo. Os portadores dessa síndrome apresentam um dos seguintes tipos: (i) trissomia livre ou não-disjunção (95% dos casos): ocorre em todas as células, que são constituídas de 47 cromossomos, sendo o cromossomo extra procedente da mãe ou do pai; (ii) trissomia por translocação (aproximadamente 2% a 3% dos casos): o cromossomo extra está associado a outro cromossomo, geralmente o 14 ou o 21; e (iii) mosaicismo do cromossomo 21 (entre 1% e 2% dos casos): ocorre após a fertilização, nas primeiras divisões celulares, atingindo parte das células do indivíduo1-7.

Crianças com SD apresentam várias mal-formações ou problemas associados com frequências variáveis: cardiopatia, atresia do duodeno, fístula traqueosofágica, pâncreas anular, hipotireoidismo, doença celíaca, disfunções imunológicas, distúrbios de audição e visão, doenças ortopédicas (instabilidade atlanto-axial) e leucemia8,9. Além dessas enfermidades, a obesidade tem sido descrita como frequente nessa síndrome10.

A obesidade é vista atualmente como uma epidemia mundial, que acomete todas as faixas etárias, sendo reconhecida como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS)11 descreve a obesidade como uma doença crônica que se caracteriza pelo excesso do tecido adiposo no organismo, e cuja ocorrência facilita o aparecimento de diferentes alterações: dislipidemias, afecções pulmonares, diabetes Mellitus, alguns tipos de câncer, problemas renais, doença da vesícula biliar, problemas nas articulações, músculos, hipertensão arterial e alterações endócrinas12-16.

Mendonça & Pereira17 apontam que, no passado, diversos pesquisadores atribuíram o elevado índice de prevalência de obesidade e sobre-peso em indivíduos com SD ao uso confuso das classificações de Índice de Massa Corporal (IMC). Contudo, como esses indivíduos apresentam composição corporal diferente da população sem a síndrome, não poderiam ser empregados os mesmos valores convencionais de classificação de estado nutricional.

Tendo em vista que a SD é a anomalia cromossômica mais comum entre os neonatos, que a expectativa de sobrevida tem aumentado e que o tratamento de cardiopatias congênitas tem tido avanço, torna-se fundamental a prevenção da obesidade nessa população para diminuir os riscos de diabetes Mellitus tipo 2, doenças cardiovasculares e outras comorbidades. Contudo, como não há um parâmetro consensual para diagnosticar obesidade nessa população, o objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão crítica de artigos que estudam índices antropométricos para avaliação do estado nutricional de crianças e adolescentes com a síndrome.

MÉTODOS

O levantamento dos artigos foi realizado nas bases de dados PubMed, MedlLine, Lilacs e SciELO. A busca foi realizada por meio da combinação das seguintes palavras-chave: síndrome de Down, trissomia 21, antropometria, crescimento, IMC, obesidade, peso, estatura, comprimento, crianças e adolescentes, sendo os termos digitados nos idiomas inglês, português e espanhol. Adicionalmente, foram pesquisadas teses brasileiras que tinham como tema as curvas de crescimento na SD e que não haviam sido publicadas durante o período desta revisão. A pesquisa foi realizada de março de 2008 a julho de 2009, investigando publicações do período 1995-2009. Foram inicialmente incluídos 83 artigos, os quais foram submetidos a análise crítica para verificar a coerência do tema com o objetivo desta revisão. Após ser estipulada uma amostra mínima de 100 casos para inclusão do artigo na pesquisa, foram selecionados 11 trabalhos. A seguir, foram incluídos mais dois trabalhos, de Cronk et al.18 e de Piro et al.19, por terem sido muito citados dentre os artigos selecionados e por apresentarem, respectivamente, uma curva americana de crescimento de crianças e adolescentes com SD de 0 a 18 anos e uma curva italiana com casuística expressiva. Dentre as teses pesquisadas, obteve-se o número de 2, sendo selecionada apenas uma, que apresentou uma curva brasileira de peso e estatura.

REFERÊNCIAS ANTROPOMÉTRICAS NA SÍNDROME DE DOWN

As crianças com SD apresentam um deficit no crescimento que pode iniciar-se no período pré-natal. Após o nascimento, a velocidade de crescimento sofre uma redução de 20% do 3º ao 36º mês de vida para ambos os sexos; de 5% dos 3 aos 10 anos para meninas, e de 10% dos 3 aos 12 anos para meninos. Na faixa etária dos 10 aos 17 anos, para o sexo masculino e feminino, a velocidade de crescimento se reduz para 50% e 27%, respectivamente. Tal redução no crescimento linear resulta na baixa estatura que demanda menor ingestão calórica e também pode interferir no cálculo do IMC para o diagnóstico de obesidade 6,18,20.

Os estudos apresentados a seguir trazem o panorama da tentativa de estabelecer padrões de crescimento da criança e do adolescente com SD, e análise crítica dos indicadores de diagnóstico de obesidade e sobrepeso nessa população.

Na América do Norte

Nos Estados Unidos, no ano de 1978, Cronk20 realizou um estudo com 90 crianças com SD, do nascimento até os 3 anos de idade, em que avaliou o comprimento e o peso. Verificou que, ao nascer, tanto no comprimento como no peso houve um deficit de 0,5 Desvio-Padrão (DP) da média em relação ao grupo-controle. Com 3 anos de idade, o deficit do comprimento foi de 2DP da média, e o deficit de peso de 1,5DP da média em relação ao grupo controle. Observou também que a velocidade do crescimento, calculada em intervalos de 6 meses, foi deficiente em todos os intervalos, principalmente entre 6 e 24 meses. Dessa forma, 30% das crianças apresentavam excesso de peso em relação ao comprimento aos 3 anos de idade.

No ano de 1988, Cronk et al.18 aplicaram um estudo transversal para delinear os índices de peso, estatura e crescimento em 730 crianças e adolescentes americanos de 1 até 18 anos com SD, que posteriormente foram adotados pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC) e pelo National Health Nutrition Examination Survey (NHANES). Foram elaboradas tabelas de Percentil (P) de peso/idade, estatura/idade e do perímetro cefálico por idade, possibilitando assim diagnosticar o seu estado nutricional. As amostras provieram de 5 clínicas e de dados obtidos em prontuários, com base em 4 650 observações. Por meio das avaliações, concluiu-se que as crianças com SD apresentavam semelhança com as crianças sem a síndrome, na evolução do ganho de peso desde a infância até a adolescência. Porém, durante o período de desenvolvimento, as crianças com SD demonstraram redução na velocidade do crescimento em comparação às demais, acreditando-se ser esta a fundamentação para justificar o aparecimento do sobrepeso e/ou da obesidade. Comparando-se a média da altura das crianças com SD com os dados das tabelas publicadas pelo National Center for Health Statistics (NCHS) para crianças sem a síndrome, constatou-se uma diferença estatisticamente significativa na média da altura em todas as faixas etárias em ambos os sexos. Os índices de altura das meninas com SD estavam entre 1,5-2,5DP abaixo da média até os 12 anos, e inferiores a 3DP abaixo da média entre 12 e 17 anos. Nos meninos, os valores de altura se situaram entre 2-3DP abaixo da média até 13 anos, e entre 2-4DP abaixo da média após essa idade. Posteriormente, essas tabelas foram muito utilizadas como referência por pesquisadores de vários países e constantemente citadas na literatura especializada.

No entanto, Styles et al.21 fizeram uma crítica ao estudo realizado pela equipe de Cronk11, enfatizando que a amostra da pesquisa não representava a população de crianças americanas com SD, porque não excluíra importantes doenças, como as da tiroide e cardiopatias, assim como a idade gestacional, além de não ter sido elaborada uma tabela com a relação peso/estatura.

Na Europa

Por muito tempo, na Inglaterra assim como em outros países da Europa, as tabelas de corte elaboradas por Cronk et al.18 foram utilizadas como modelo padrão de referência para se avaliar o peso/idade, estatura/idade e crescimento de crianças e adolescentes com SD. No entanto, quando os dados das avaliações europeias são comparados com as curvas americanas, os resultados demonstram diferenças, o que propicia muitas controvérsias, pois, como acontece na população em geral, a altura e/ou o peso das crianças e adolescentes com SD varia de país para país. Um exemplo é o índice de altura de crianças com SD holandesas em relação às americanas e italianas, que demonstrou ser mais elevado - sendo as holandesas mais altas do que as crianças americanas e muito mais altas do que as italianas19.

Dessa forma, em 2002, Styles et al.21 realizaram um estudo na Inglaterra, República da Irlanda, Irlanda do Norte e Escócia, no qual avaliaram 1 089 crianças e adolescentes com SD - 597 do sexo masculino e 492 do sexo feminino, desde o nascimento até os 18 anos de idade - totalizando 5 913 observações. Houve a exclusão dos prematuros e dos portadores de cardiopatia. Estabeleceram-se novos padrões de referência em Percentis (Ps), assim como novas curvas de peso/idade, estatura/idade, IMC e perímetro cefálico para a idade dessa população, sendo as curvas apresentadas em 9 divisões de Ps: 0,4; 2; 9; 25; 50; 75; 91; 98; 99,6. Constatou-se tendência para o sobrepeso, iniciada na infância até os 14 anos de idade, além de ter sido verificado que 30% das crianças com 10 anos de idade apresentaram IMC acima do P91 e 20% superior ao P98 em relação à população geral.

Na Espanha, em 1998, a Fundação Catalã de Síndrome de Down (FCSD) elaborou as primeiras tabelas de crescimento para crianças e adolescentes espanholas com SD. Essas referências de altura e peso foram substituídas por uma nova versão em 2004, com utilização metodológica e estatística mais adequada e apropriada, que assegurou maior precisão nas novas curvas. Esse estudo, realizado por Pastor et al.22, abrangeu 1 718 crianças de ambos os sexos, desde seu nascimento até os 15 anos. Os resultados passaram a ser utilizadas como novos parâmetros para estimar e avaliar o crescimento de crianças e adolescentes espanhóis com a síndrome - tendo como curvas os Ps: 3, 10, 25, 50, 75, 90 e 97; e como parâmetros: peso, idade, peso/idade, estatura/idade e perímetro cefálico/idade. Essas curvas vêm sendo empregadas tanto na Espanha como em alguns países latino-americanos, sendo mais adequadas para o diagnóstico de sobrepeso e obesidade. A propósito, os estudos de Pinheiro et al.23 em 116 crianças com SD no Chile observaram que, empregando a curva NCHS, obteve-se 0,9% de sobrepeso; empregando a curva de Cronk et al.18 obteve-se 1,7%; e empregando a curva da FCSD, obteve-se 17,2% de sobrepeso.

Na Suécia, em 2002, Myrelid et al.24 realizaram um estudo de antropometria com 354 crianças e jovens com SD, de 0 a 18 anos de idade. A pesquisa se baseou em 4 832 avaliações de prontuários das unidades pediátricas, excluindo-se os pacientes que utilizavam hormônios de crescimento. Os dados antropométricos foram comparados com as curvas americanas de Cronk et al.18 para a SD. A média final de estatura para ambos os sexos foi de 2,5DP abaixo da média da curva padrão; o IMC observado aos 18 anos foi >25kg/m2 em 31% no sexo masculino e 36% no sexo feminino. Em relação à comparação com os americanos, observou-se que as crianças com SD do sexo masculino eram maiores do que as americanas do mesmo sexo. Por outro lado, houve pequena diferença em relação à estatura no sexo feminino. No tocante à média de peso, notou-se que os suecos eram menos pesados que os americanos. Os pesquisadores atribuíram essas alterações à diferença no tamanho das amostras analisadas, assim como à diferença étnica. Foram estabelecidas tabelas específicas para as crianças e jovens com SD, por meio da criação de curvas para o acompanhamento de peso, estatura, comprimento, perímetro cefálico, idade e IMC, como também gráficos de estatura/idade, peso/idade, IMC/idade e perímetro cefálico/idade.

Outros estudos podem ser destacados na Europa com a SD: 1) Na Sicília (Itália, 1990), Piro et al.19 elaboraram curvas de crescimento, peso/idade, estatura/idade, comprimento/estatura e perímetro cefálico de crianças com SD de 0 a 14 anos nos anos de 1977 a 1988. Excluíram aquelas que apresentaram morbidades associadas, entre as quais cardiopatias, doença celíaca, hipotireoidismo e diabetes. O objetivo do trabalho foi desenvolver uma curva de crescimento normal para essas crianças, a fim de diagnosticar doenças que poderiam comprometer o crescimento. Quando comparados os resultados com as curvas para crianças sem a síndrome, observou-se deficit no crescimento; 2) Na Holanda, Cremers et al.25 realizaram um estudo com 295 crianças e adolescentes com SD, de ambos os sexos, do nascimento até os 20 anos de idade, num total de 2 045 avaliações. Forram excluídos os portadores de doenças associadas, como doença celíaca, hipotireoidismo e doença congênita do coração. A pesquisa foi publicada em 1996 e criou indicadores de peso, estatura e peso/estatura por idade e sexo. Observou-se que essas crianças eram maiores do que as americanas com SD (P50 = P75), porém menores 2DP do que as crianças holandesas sem a síndrome.

Na América do Sul

Na Argentina, Altamirano et al.26 avaliaram crianças do nascimento até 1 ano de vida, nos anos de 1996 a 1998. No estudo obteve-se a curva peso/idade, comprimento/idade e perímetro cefálico. Quanto ao crescimento das crianças, observou-se que ele foi adequado, quando comparado com as curvas americanas para a SD.

No Brasil, como os parâmetros americanos não condiziam com a realidade da população brasileira, o pesquisador/médico Mustacchi6, num estudo longitudinal de 1980 até 2000, avaliou o perímetro cefálico, peso e estatura de 174 crianças caucasianas com SD, de um dia de vida até os 8 anos, residentes na região urbana de São Paulo, e elaborou índices de peso/idade, estatura/idade e perímetro cefálico/idade. O autor relatou a inexistência de padrões de referência de peso, estatura e perímetro cefálico no país, relacionados à SD. A partir dos dados obtidos, o pesquisador efe-tuou a comparação com os valores de referência do NCHS para crianças, do nascimento até os 8 anos de idade (Tabelas 1 e 2).

Quando fez a comparação dos seus dados de peso e estatura com os valores obtidos por Cronk et al.18, Mustacchi6 observou variação entre as faixas etárias e entre os sexos (Tabelas 3 e 4).

Lopes et al.27 avaliaram 138 crianças e adolescentes com SD, em um estudo de desenho transversal, obtendo índice Peso/Idade (P/I), Estatura/Idade (E/I) e classificando os resultados a partir de três distribuições: americana18, espanhola22 e da OMS. Os autores avaliaram a concordância dos indicadores da sua casuística com essas curvas. Houve pouca concordância entre os indicadores de desnutrição P/I < P5 (%) e obesidade P/I >P95 (%). Só houve boa concordância no indicador E/I para os adolescentes (p<0,01).

No Chile, em 2003, Pinheiro et al.23 realizaram um estudo para tentar determinar quais das curvas, as americanas ou as espanholas, poderiam ser mais apropriadas para a população chilena com SD. Avaliaram 116 crianças de 3 meses até 18 anos, de ambos os sexos, tendo como indicadores peso/idade, estatura/idade e IMC para a idade. Observaram que a curva espanhola da FCSD foi a mais apropriada para discriminar deficits e excessos, por ser estabelecida para a população latina.

No Oriente Médio

Na Arábia Saudita, destaca-se o estudo realizado por Al-Husain28, com 785 crianças com SD, que estabeleceu curvas de peso, comprimento/estatura e perímetro cefálico para crianças de 0 a 5 anos de idade. Quando comparadas com crianças da mesma idade sem a síndrome, as crianças com SD apresentaram prevalência de obesidade e deficit de crescimento, índices atribuídos às dificuldades motoras, problemas de mastigação (devido à hipotonia facial) e excesso na alimentação. O pesquisador destacou que o deficit de peso era mais frequente em crianças menores de 2 anos com SD, havendo preponderância para o sobrepeso depois dos 3 anos.

A Tabela 5 apresenta um resumo dos principais estudos em diferentes países.

CONSIDERAÇÃO FINAL

Os dados antropométricos disponíveis em curvas pôndero-estaturais são considerados relativos a uma determinada população e revelam suas características específicas, pois expressam os seus determinantes genéticos e a influência dos fatores ambientais.

Há necessidade de se definirem curvas de referência para crianças e adolescentes com SD para identificar desvios do seu próprio padrão de crescimento.

Para as crianças brasileiras com SD, há necessidade de elaboração de curvas de referência em diferentes faixas etárias e em diferentes regiões, atentando-se ainda a sua variação étnica.

COLABORADORES

Todos os autores participaram de todas as fases do artigo. J.E. Samur San Martin contribuiu no planejamento, revisão, bibliográfica, discussão dos artigos, redação do artigo e revisão da versão final. R.T. Mendes participou do planejamento, discussão dos artigos e revisão da versão final. G. Hessel participou do planejamento, discussão dos artigos e revisão da versão final.

Recebido em: 29/6/2010

Versão final reapresentada em: 13/10/2010

Aprovado em: 3/11/2010

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    Artigo elaborado a partir da dissertação de J.E.SAMUR-SAN MARTIN, intitulada "Frequência de obesidade e seus fatores determinantes em crianças e adolescentes com síndrome de Down atendidas em um centro de referência". Universidade Estadual de Campinas; 2010.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      29 Jun 2010
    • Aceito
      03 Nov 2010
    • Revisado
      13 Out 2010
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