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Diferenças entre sexos nos determinantes da obesidade abdominal em adultos de 40 anos ou mais: estudo de base populacional

Gender differences in the determinants of abdominal obesity among adults aged 40 years or older: A population-based study

Resumos

Objetivo:

Verificar diferenças entre sexos na prevalência de excesso de peso abdominal e seus determinantes em adultos a partir de 40 anos de idade.

Métodos:

Estudo transversal de base populacional realizado no município de Cambé, Paraná, com 1.161 indivíduos de 40 anos de idade ou mais, residentes em todos os setores censitários urbanos. A obesidade abdominal foi definida como circunferência da cintura ≥88 cm para mulheres e ≥102 cm para homens. A análise de fatores associados foi realizada para cada sexo por meio da regressão de Poisson hierarquizada baseada em modelo teórico conceitual, com seleção de variáveis distais, intermediárias e proximais.

Resultados:

A prevalência de obesidade abdominal foi de 49,7% e aumentou com a idade para ambos os sexos. A prevalência em mulheres foi mais que o dobro da verificada em homens (RP=2,29; IC95%=1,98-2,65). Após ajuste, as variáveis que permaneceram associadas à obesidade abdominal em ambos os sexos foram: inatividade física no lazer, idade e hipertensão arterial. Classe econômica, tabagismo e diabetes associaram-se com a obesidade abdominal apenas entre as mulheres.

Conclusão:

As altas prevalências de obesidade abdominal, especialmente no sexo feminino, e a presença de alguns fatores associados distintamente em cada sexo evidenciam a necessidade de ações diferenciadas de enfrentamento.

Adultos; Distribuição por sexo; Obesidade abdominal; Prevalência


Objective:

To investigate gender differences in the prevalence of excess abdominal weight and its determinants in adults aged 40 years and over.

Methods:

Cross-sectional population-based study conducted in the city of Cambé, Paraná, Brazil, with 1,161 individuals 40 years or older living in all urban sectors. Abdominal obesity was defined as a waist circumference ≥88 cm in women and ≥102 cm in men. The analysis of associated factors was performed for each gender using the hierarchical Poisson regression based on a conceptual theoretical model, with the selection of distal, intermediate, and proximal variables.

Results:

The prevalence of abdominal obesity was 49.7%, which increased with age in both genders. Women had more than double the prevalence compared to men (PR=2.29; 95%CI=1.98-2.65). After adjustment, the following variables remained associated with abdominal obesity in both genders: physical inactivity, age, and hypertension. Socioeconomic status, smoking, and diabetes were associated with abdominal obesity only in women.

Conclusion:

The high prevalence of abdominal obesity, especially among women, and the presence of some factors found to be distinctly associated in each gender show the need for different measures to address this issue.

Adults; Gender distribution; Obesity, abdominal; Prevalence


INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos ocorreram mudanças no perfil demográfico e epidemiológico, alterações de comportamento na sociedade e impacto no padrão nutricional e de adoecimento dos indivíduos e coletividades. Essas modificações conduziram ao crescimento vertiginoso da prevalência de obesidade, especialmente nas sociedades urbanizadas e industrializadas1. Ferreira M, Sichieri R. Antropometria como métodode avaliação do estado de nutrição e saúde do adulto. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Atheneu; 2007. p.93-104.. Entre 1980 e 2013, globalmente, a prevalência de excesso de peso em adultos aumentou 27,5%, com crescimento tanto nos países desenvolvidos quanto em desenvolvimento e para ambos os sexos2. NGM Fleming T, Robinson M, Thomson B, Graetz N, Margono C, et al. Global, regional, and national prevalence of overweight and obesity in children and adults during 1980-2013: A systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet. 2013; 384(9945):766-81..

A obesidade é relacionada ao aumento da mortalidade geral e a diferentes Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT)3. Adams KF, Leitzmann MF, Ballard-Barbash R, Albanes D, Harris TB, Hollenbeck A, et al. Body mass and weight change in adults in relation to mortality risk. Am J Epidemiol. 2014; 179(2):135-44.. As pessoas obesas têm de três a quatro vezes mais chances de apresentarem fatores de risco cardiometabólicos quando comparadas às com peso normal4. Schienkiewitz A, Mensink GB, Scheidt-Nave C.Comorbidity of overweight and obesity in a nationally representative sample of German adults aged 18-79 years. BMC Public Health. 2012; 12:658., e a mortalidade por doença cardiovascular pode aumentar em até três vezes5. Mendis S, Puska P, Norrving B. Global atlas oncardiovascular disease prevention and control. Geneva: World Health Organization; 2011..

Essa situação decorre do fato de as artérias serem rodeadas por uma quantidade significativa de tecido adiposo que, em indivíduos obesos, torna-se disfuncional, com inibição dos fatores protetores e potencialização da ação pró-inflamatória6. Luft VC. Obesidade e diabetes: contribuição de processos inflamatórios e adipocitocinas, e a potencial importância de fatores nutricionais [mestrado]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2010.. O excesso de gordura na região abdominal, o qual se relaciona à deposição de tecido adiposo visceral, é considerado um fator de risco associado às DCNT7Hasselmann MH, Faerstein E, Werneck GL, Chor D, Lopes CS. Association between abdominal circumference and hypertension among women:The Pró-Saúde Study. Cad Saúde Pública. 2008;24(5):1187-91..

Estudos sobre a obesidade abdominal realizados no País têm apresentado ampla variação entre as prevalências dessa condição (51,9% em Recife [PE]8. Pinho CPS, Diniz AS, Arruda IKG, Batista Filho M, Coelho PC, Sequeira LAS, et al. Prevalence of abdominal obesity and associated factors among individuals 25 to 59 years of age in Pernambuco State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2013; 29(2):313-24. , 46,3% no estado do Maranhão9. Veloso HJF, da Silva AAM. Prevalence and factorsassociated with abdominal obesity and excess weight among adults from Maranhão, Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2010; 13(3):400-12., e 28,1% em Salvador [BA]1010 . Oliveira LP, Assis AM, Silva Mda C, Santana ML, Santos NS, Pinheiro SM, et al. Factors associated with overweight and abdominal fat in adults in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2009; 25(3):570-82. ). Entretanto, o aumento da ocorrência da obesidade abdominal com o avançar da idade tem sido evidenciado de modo consistente em diferentes populações, com notórias diferenças entre os sexos. Pinho et al. 8 . Pinho CPS, Diniz AS, Arruda IKG, Batista Filho M, Coelho PC, Sequeira LAS, et al. Prevalence of abdominal obesity and associated factors among individuals 25 to 59 years of age in Pernambuco State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2013; 29(2):313-24. relataram aumento da obesidade abdominal a partir da terceira década para as mulheres e da quarta para os homens. No estudo conduzido por Veloso & Da Silva9. Veloso HJF, da Silva AAM. Prevalence and factorsassociated with abdominal obesity and excess weight among adults from Maranhão, Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2010; 13(3):400-12., a maior frequência de obesidade abdominal foi observada a partir dos 35 anos para ambos os sexos. Oliveira et al. 1010 . Oliveira LP, Assis AM, Silva Mda C, Santana ML, Santos NS, Pinheiro SM, et al. Factors associated with overweight and abdominal fat in adults in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2009; 25(3):570-82. observaram que, entre os homens, as maiores frequências de obesidade abdominal concentraram-se dos 30 aos 39 e dos 50 aos 59 anos, com pequeno decréscimo entre 40 e 49 anos. Entre as mulheres verificou-se elevação da prevalência a partir de 30 anos.

Além das diferenças nas prevalências em cada sexo, estudos apresentam discrepâncias quanto aos fatores associados com a obesidade abdominal4. Schienkiewitz A, Mensink GB, Scheidt-Nave C.Comorbidity of overweight and obesity in a nationally representative sample of German adults aged 18-79 years. BMC Public Health. 2012; 12:658. , 7Hasselmann MH, Faerstein E, Werneck GL, Chor D, Lopes CS. Association between abdominal circumference and hypertension among women:The Pró-Saúde Study. Cad Saúde Pública. 2008;24(5):1187-91.

. Pinho CPS, Diniz AS, Arruda IKG, Batista Filho M, Coelho PC, Sequeira LAS, et al. Prevalence of abdominal obesity and associated factors among individuals 25 to 59 years of age in Pernambuco State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2013; 29(2):313-24.

. Veloso HJF, da Silva AAM. Prevalence and factorsassociated with abdominal obesity and excess weight among adults from Maranhão, Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2010; 13(3):400-12.

10 . Oliveira LP, Assis AM, Silva Mda C, Santana ML, Santos NS, Pinheiro SM, et al. Factors associated with overweight and abdominal fat in adults in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2009; 25(3):570-82.
- 1111 . Linhares RS, Horta BL, Gigante DP, Dias-da-Costa JS, Olinto MTA. Distribuição de obesidade geral e abdominal em adultos de uma cidade no Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2012; 28(3):438-47.. Entre esses fatores destacam-se a escolaridade e a renda, sendo que, para as mulheres, a prevalência de obesidade abdominal aumenta quanto menores a escolaridade e a renda e, para os homens, a relação é inversa. Diferenças entre os sexos também são observadas no que se refere aos hábitos de vida e presença de outras comorbidades7Hasselmann MH, Faerstein E, Werneck GL, Chor D, Lopes CS. Association between abdominal circumference and hypertension among women:The Pró-Saúde Study. Cad Saúde Pública. 2008;24(5):1187-91. , 8. Pinho CPS, Diniz AS, Arruda IKG, Batista Filho M, Coelho PC, Sequeira LAS, et al. Prevalence of abdominal obesity and associated factors among individuals 25 to 59 years of age in Pernambuco State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2013; 29(2):313-24. , 1111 . Linhares RS, Horta BL, Gigante DP, Dias-da-Costa JS, Olinto MTA. Distribuição de obesidade geral e abdominal em adultos de uma cidade no Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2012; 28(3):438-47.. Tais distinções ultrapassam a questão biológica e envolvem as questões socioculturais que permeiam a relação de gênero e mostram que a relação de determinação da obesidade abdominal é mediada por fatores mais gerais, de natureza social, econômica e política8,11.

Assim, apesar das DCNT, bem como a obesidade abdominal, aumentarem progressivamente a partir da quarta década de vida, estudos de base populacional com pessoas nesta faixa etária ainda são escassos. Assim, o objetivo do presente estudo foi o de analisar a prevalência de obesidade abdominal em homens e mulheres a partir de 40 anos e verificar se seus determinantes são distintos entre os sexos.

MÉTODOS

O estudo foi realizado no município de Cambé, localizado ao Norte do estado do Paraná, com população estimada de 96.733 habitantes em 2010, dos quais 96,1% residiam na área urbana1212 . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais. Brasilia: IBGE; 2009 [acesso 2009 mar 15]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br
http://www.ibge.gov.br...
. O presente estudo é parte integrante de um projeto de pesquisa mais abrangente intitulado: "Doenças cardiovasculares no estado do Paraná: mortalidade, perfil de risco, terapia medicamentosa e complicações - VIGICARDIO". A população foi composta por adultos com idade igual ou superior a 40 anos, residentes na zona urbana de Cambé, que foram entrevistados no primeiro semestre de 2011.

Para a definição do tamanho da amostra utilizou-se o aplicativo StatCalc do programa Epi Info (Atlanta, Georgia, Estados Unidos) versão 3.5.3 com base nos dados da contagem populacional do município de Cambé de 2007, na qual foram identificados 92.888 residentes, dos quais 33,1% tinham 40 anos ou mais de idade. Considerando uma proporção esperada de 50,0%, margem de erro de 3,0% e intervalo de confiança de 95,0%, obteve-se um tamanho amostral de 1.066 indivíduos. Prevendo-se eventuais perdas e recusas, a esse número foi acrescentado 25,0%, obtendo-se um total de 1.339 sujeitos a serem selecionados entre todos os setores censitários urbanos. O número de entrevistas que deveriam ser realizadas em cada setor foi calculado proporcionalmente à quantidade de indivíduos, segundo sexo e faixa etária, com intervalos quinquenais.

O critério de inclusão foi residir na área urbana do município de Cambé e ter idade igual ou superior a 40 anos. De acordo com a sistemática adotada, no caso de residências com mais de um sujeito elegível, a definição de qual seria incluído na pesquisa foi realizada por sorteio. Foram excluídos os portadores de deficiência, distúrbio ou transtorno que impedisse a realização das medidas antropométricas ou o entendimento dos procedimentos e/ou que não contasse com um cuidador ou responsável que pudesse responder à entrevista.

A variável dependente do estudo foi a obesidade abdominal - obtida pela medida do perímetro da cintura em centímetros e classificada de acordo com o critério da organização mundial de saúde1313 . World Health Organization. Waist circumference and waist-hip ratio: Report of a WHO expert consultation, Geneva, 8-11 December 2008. Geneva: World Health Organization; 2011. (mulheres: circunferência de cintura ≥88 cm e homens: circunferência de cintura ≥102 cm). Na análise descritiva por faixa etária, optou-se pela seguinte divisão: normal (circunferência de cintura nas mulheres ≤79 cm e nos homens ≤93 cm), sobrepeso (circunferência de cintura nas mulheres ≥80 a 87 cm e nos homens ≥94 a 101, que correspondem aos valores de circunferência de cintura com risco de complicações metabólicas aumentado) e obesidade (circunferência de cintura nas mulheres ≥88 cm e nos homens ≥102 cm, os quais indicam risco de complicações metabólicas muito aumentado)1313 . World Health Organization. Waist circumference and waist-hip ratio: Report of a WHO expert consultation, Geneva, 8-11 December 2008. Geneva: World Health Organization; 2011..

As variáveis demográficas e socioeconômicas foram a idade (em anos completos e categorizada em 40 a 49, 50 a 59, 60 a 69 e 70 e mais), sexo (feminino ou masculino), situação conjugal (com companheiro ou sem companheiro), raça/cor autorreferida (branca ou não branca), escolaridade (em anos completos de estudo e categorizada em ≤3, 4 a 7 ou ≥8 anos), classe econômica (segundo dados do Critério de Classificação Econômica Brasil [CCEB] da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [Abep], o qual estima o poder de compra das pessoas e estabelece 8 classes categorizadas para análise em classes A e B, classe C, classes D e E)14 14 . Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de classificação econômica Brasil. São Paulo: Abep; 2008. [acesso 2009 mar 20]. Disponível em: http://www.abep.org/novo/Content.aspx?ContentID=301
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e situação ocupacional (se exerce trabalho remunerado ou não). As variáveis de condições de saúde foram: autopercepção do estado de saúde autorreferida (muito boa/boa, regular, ruim/muito ruim), presença ou não de hipertensão arterial, diabetes Mellitus e depressão, sendo que cada uma destas deveria ter sido diagnosticada por um médico ou outro profissional de saúde de acordo com relato do participante.

As variáveis de hábitos de vida utilizadas foram o tabagismo (fumante ou não fumante), o consumo abusivo de álcool determinado pelo número de doses de bebida alcoólica consumida em uma única ocasião nos últimos trinta dias15 15 . Brasil. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2009: Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Serie G. Estatística e Informação da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.(presente em mulheres as quais consumiram >4 doses e, em homens, >5 doses), frequência semanal de consumo de frutas, legumes e verduras (<5 dias/semana ou ≥5 dias/semana), consumo de carne com gordura (sim, ingere a gordura, ou não, retira o excesso visível/não come carne com muita gordura), o consumo de frango com pele (sim, ingere a pele, ou não, retira sempre/não come pedaços de frango), o consumo de leite integral (sim, ingere leite integral/integral e desnatado, ou não, ingere leite desnatado, semidesnatado ou não sabe)1515 . Brasil. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2009: Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Serie G. Estatística e Informação da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010., inatividade física no lazer (obtida através da questão: "Em uma semana normal (típica), o(a) senhor(a) faz algum tipo de atividade física no seu tempo livre?" - foi considerado qualquer tipo de atividade, independentemente da frequência e do tempo de duração (não=inativos, sim=ativos). Já as variáveis de utilização dos serviços de saúde utilizadas (selecionadas) foram o acesso a um plano de saúde (sim ou não) e se o participante utiliza a Unidade Básica de Saúde (sim ou não).

Para a análise de fatores associados, estratificou-se a amostra por sexo e as variáveis independentes foram hierarquizadas em três níveis de determinação: distal (características demográficas e socioeconômicas), intermediário (características relacionadas aos hábitos de vida) e proximal (condições de saúde), de acordo com modelo teórico conceitual elaborado a partir da relação hierárquica1616 . Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: A hierarchical approach. Int J Epidemiol. 1997; 26(1):224-7. (temporal e causal) existente entre elas (Figura 1). O pré-teste do instrumento foi realizado em duas etapas: primeiramente com os entrevistadores e pessoas de seu convívio e, posteriormente, em estudo piloto realizado no município de Londrina (PR). A segunda etapa teve

Figura 1.
Modelo hierárquico conceitual dos fatores determinantes da obesidade abdominal.

como objetivo avaliar e adequar o formulário e seu preenchimento manual, bem como treinar os entrevistadores para a sua aplicação e para a realização das medidas antropométricas.

Formaram-se três equipes de coleta, cada uma composta por dois pesquisadores pós-graduandos e seis estudantes de graduação. Após o treinamento, os colaboradores foram conduzidos ao campo e realizaram, inicialmente, entrevistas supervisionadas pelos coordenadores de equipe. Os entrevistadores foram dispostos em duplas e receberam o manual com recomendações para a execução da coleta de dados e preenchimento do formulário.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas domiciliares e medidas antropométricas. A partir dos mapas das divisões censitárias do município numeraram-se aleatoriamente as quadras para sorteio do início da rota. Informações complementares sobre seleção e composição da amostra estão disponíveis em Souza et al. 1717 . Souza RKT, Bortoletto MSS, Loch MR, González AD, Matsuo T, Cabrera MAS, et al. Prevalência de fatores de risco cardiovascular em pessoas com 40 anos ou mais de idade, em Cambé, Paraná (2011): estudo de base populacional. Epidemiol Serv Saúde. 2013; 22(3):435-44..

A medida da circunferência de cintura foi aferida pelos entrevistadores ao final da entrevista, utilizando-se trena antropométrica (marca WISO modelo T87-WISO, São José, Santa Catarina, Brasil) flexível e inelástica a qual foi colocada no ponto médio entre o rebordo costal inferior e a crista ilíaca, como preconizado pela World Health Organization1313 . World Health Organization. Waist circumference and waist-hip ratio: Report of a WHO expert consultation, Geneva, 8-11 December 2008. Geneva: World Health Organization; 2011.. Para a aferição dessa medida os entrevistadores passaram por um processo de treinamento e padronização previamente ao trabalho de campo (teste piloto e coleta de dados).

No sentido de garantir a qualidade das informações obtidas no estudo, foram adotados os seguintes procedimentos: treinamento dos entrevistadores com ênfase na padronização da realização da entrevista e da medida antropométrica; manual de instrução para coleta de dados; teste piloto (adequação do formulário de coleta de dados); acompanhamento pela equipe coordenadora da pesquisa do perfil de perdas e recusas; checagem do preenchimento dos formulários; dupla digitação das informações, obtidas nas entrevistas e por meio das medidas antropométricas, em bancos criados no programa Epi Info (Atlanta, Georgia, Estados Unidos), versão 3.5.4, com posterior comparação dos bancos para identificação de possíveis inconsistências.

A análise estatística foi realizada em etapas. Inicialmente, a análise descritiva, para as variáveis categóricas, foi mediante a distribuição de frequências e, para variáveis contínuas, a partir da obtenção das medidas de tendência central e de dispersão. A seguir, para verificação dos fatores associados à obesidade abdominal a medida de associação empregada foi a Razão de Prevalência (RP), não ajustada e ajustada, obtidas por regressão de Poisson mediante modelo hierarquizado baseada em modelo teórico conceitual, e respectivo Intervalo de Confiança de 95% (IC95%). O nível de significância adotado foi de 5% (Qui-quadrado de Pearson para as análises bivariadas e de Wald para a ajustada). Para todas as variáveis, foi estabelecida uma categoria de referência, considerada a de menor risco para ocorrência do desfecho. Para a análise de múltiplos fatores (ajustada), foram incluídas as variáveis com valor p<0,20 no modelo bivariado.

Para análise hierarquizada, consideram-se três blocos de variáveis: 1) demográficas e socioeconômicas; 2) de hábitos de vida e, 3) de condições de saúde. No primeiro bloco foi realizado o ajuste por todas as variáveis pertencentes a este bloco. O segundo foi ajustado por variáveis do bloco anterior, com p<0,10, e por aquelas pertencentes a este bloco. No terceiro, incluíram-se as variáveis do primeiro e do segundo bloco, com p<0,10, além daquelas pertencentes a este bloco. A escolha das variáveis para compor os blocos deu-se a partir de modelo teórico conceitual. O modelo utilizado nesse estudo para analisar os fatores associados à obesidade abdominal foi definido a priori e adaptado de estudos anteriores que analisaram essa relação1818 . Castanheira M, Olinto MT, Gigante DP. Sociodemographic and lifestyle factors associated with abdominal fat distribution in adults: A populationbased survey in Southern Brazil. Cad Saúde Pública. 2003; 19(Suppl. 1):S55-65.

19 . Gigante DP, Barros FC, Post CLA, Olinto MTA. Prevalence and risk factors of obesity in adults. Rev Saúde Pública. 1997; 31(3):236-46.
- 2020 . Olinto MTA, Costa JSDC, Kac G, Pattussi MP. Epidemiologia da obesidade abdominal em mulheres adultas residentes no sul do Brasil. Arch Latinoam Nutr. 2007; 57(4):349-56.. As análises foram feitas com auxílio do programa Statistical Package for the Social Science (SPSS Inc., Chicago, Ilinois, Estados Unidos), versão 19.0.

O projeto de pesquisa foi submetido previamente à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina, Londrina (PR), sendo a sua execução autorizada (CAAE nº 0192.0.268.000-10). As entrevistas foram realizadas somente após a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Do total de 1.339 sujeitos elegíveis foram entrevistados 1.180, sendo que 1.161 participantes (635 mulheres e 526 homens) tiveram suas medidas antropométricas realizadas. Ocorreram 178 perdas (13,3%), 93 por recusa e 66 por não terem sido encontrados após três tentativas. Para as análises que utilizaram a medida da circunferência de cintura, houve a exclusão de um caso do sexo feminino, por inconsistência de informação, e 18 por não terem autorizado a realização da medida. Não foram detectadas diferenças significativas entre as perdas e a população de base quanto ao sexo e à idade. Dos entrevistados, 73,1% viviam com companheiro, 59,7% declararam-se brancos, 52,0% pertenciam à classe econômica C, 37,7% tinham escolaridade equivalente a 8 anos ou mais de estudo e 62,0% exerciam trabalho remunerado.

Com relação aos hábitos de vida, 20,0% dos entrevistados referiram ser tabagistas, 17,5% relataram consumo abusivo de álcool, 71,4% não praticavam atividade física no lazer, 62,5% consumiam frutas, verduras e legumes menos do que cinco dias na semana, 37,1% consumiam carne com gordura, 34,4%, carne de frango com pele e 85,7%, leite integral. Não foram observadas diferenças significativas entre os sexos para as variáveis inatividade física no lazer e consumo de leite integral. Sobre a utilização dos serviços de saúde, 54,8% referiram utilizar exclusivamente o serviço público, sendo que 57,3% dos entrevistados consideraram sua saúde como boa, 42,7% referiram ter hipertensão arterial, 11,7%, diabetes Mellitus e 20,2%, depressão.

Das características antropométricas, entre as mulheres, a média de circunferência de cintura foi 94,17±13,3 cm e, entre os homens, a média foi de 95,51±1,51 cm. A prevalência de obesidade abdominal foi de 49,7%, tendo sido mais elevada entre o sexo feminino (mais que o dobro daquela observada entre os homens) (RP=2,29; IC95%=1,98-2,65). A prevalência de obesidade abdominal para cada sexo aumentou com a progressão da idade. Entre as mulheres houve incremento importante a partir dos 50 anos e, de forma mais expressiva, a partir dos 70. Já para os homens, observou-se decréscimo para a faixa etária de 50 a 59 anos e aumento a partir dos 60 anos (Tabela 1). No que diz respeito ao sobrepeso, percebeu-se relação inversamente proporcional entre circunferência de cintura e idade para o sexo feminino e, para o masculino, a prevalência esteve maior na faixa etária de 50 a 59 anos, com declínio em indivíduos com 70 anos e mais.

Na análise bruta de associação entre obesidade abdominal e características demográficas e socioeconômicas e de hábitos de vida, observou-se, no sexo feminino, maior prevalência de obesidade abdominal entre aquelas com idade mais avançada, menor escolaridade, menor classe econômica, fisicamente inativas no lazer e não fumantes. Entre os homens, a obesidade abdominal foi mais frequente para aqueles com idade mais

Tabela 1.
Prevalência de excesso de peso abdominal segundo faixa etária por sexo em adultos de 40 anos e mais. Cambé (PR), 2011.

avançada e não fumantes. A hipertensão arterial e a diabetes estiveram associadas à obesidade abdominal em ambos os sexos (Tabelas 2 e 3).

Após análise ajustada das variáveis por meio de regressão de Poisson hierarquizada, conforme modelo teórico conceitual de determinação do desfecho em estudo, as variáveis idade, classe econômica, tabagismo, inatividade física no lazer, hipertensão arterial e diabetes Mellitus mantiveram-se significativamente associadas à obesidade abdominal entre as mulheres (Tabela 2). No sexo masculino, permaneceram apenas as variáveis idade, inatividade física no lazer e hipertensão arterial (Tabela 3).

Tabela 2.
Fatores associados à obesidade abdominal em mulheres de 40 anos de idade ou mais, segundo
Tabela 3.
Fatores associados à obesidade abdominal em homens de 40 anos de idade ou mais segundo análise ajustada de múltiplos fatores pela regressão de Poisson.

DISCUSSÃO

O presente estudo analisou a prevalência de obesidade abdominal e seus determinantes segundo o sexo em uma amostra representativa de adultos com 40 anos ou mais residentes na zona urbana de um município de médio porte da região metropolitana de Londrina (PR). Verificaram-se elevadas prevalências em ambos os sexos, porém, na população feminina, foi maior que o dobro da observada na masculina, com distintos fatores associados em homens e mulheres.

Sobre as características da população estudada vale ressaltar que grande parte das investigações já realizadas com adultos incluiu indivíduos a partir dos 18 ou 20 anos, enquanto que, no presente estudo, a faixa etária selecionada foi de 40 anos ou mais. Ressalta-se que esta pesquisa é parte de uma investigação mais ampla com ênfase nas doenças cardiovasculares, cujo incremento ocorre de forma mais intensa a partir da quarta década de vida. Assim, é possível que a prevalência mais elevada de obesidade abdominal e de outras comorbidades observada neste estudo esteja relacionada à idade mais elevada dos indivíduos incluídos. Existem evidências consistentes quanto à maior frequência de condições crônicas, como hipertensão arterial2121 . de Azeredo Passos VM, Assis TD, Barreto SM. Hipertensão arterial no Brasil: estimativa de prevalência a partir de estudos de base populacional. Epidemiol Serv Saúde. 2006; 15(1):35-45., diabetes2222 . Brasil. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2011: Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Série G. Estatística e Informação da Saúde . Brasília: Ministério da Saúde; 2012. e síndrome

metabólica2323 . Salaroli LB, Barbosa GC, Mill JG, Molina MC. Prevalence of metabolic syndrome in populationbased study, Vitoria, ES - Brazil. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2007; 51(7):1143-52. a partir dos 40 anos, sendo que tal aumento ocorre de forma progressiva e crescente, inclusive com simultaneidade2424 . Pereira JC, Barreto SM, Passos VMA. Perfil de risco cardiovascular e autoavaliação da saúde no Brasil: estudo de base populacional. Rev Panam Salud Pública. 2009; 25(6):491-8.. No presente estudo a obesidade abdominal associou-se à hipertensão arterial e ao diabetes Mellitus entre as mulheres, enquanto que, nos homens, associou-se apenas à hipertensão arterial.

As médias encontradas de circunferência de cintura se aproximaram das verificadas em estudo realizado em Pelotas (RS) com 3.464 indivíduos de 20 a 69 anos (média para as mulheres foi de 91,3±13,8 e para os homens de 92,8±12,1)1818 . Castanheira M, Olinto MT, Gigante DP. Sociodemographic and lifestyle factors associated with abdominal fat distribution in adults: A populationbased survey in Southern Brazil. Cad Saúde Pública. 2003; 19(Suppl. 1):S55-65.. Já em estudo conduzido em Salvador (BA) com 1.439 adultos com 20 anos ou mais (média de idade 40,32±14,13) a média observada dos valores de circunferência de cintura foi menor, sendo para o sexo feminino de 80,8±12,3 e para o masculino de 83,6±14,632525 . Barbosa PJB, Lessa I, Almeida Filho N, Magalhães LBNC, Araújo J. Critério de obesidade central em população brasileira: impacto sobre a síndrome metabólica. Arq Bras Cardiol. 2006; 87:407-14..

Quanto à maior prevalência de obesidade abdominal em mulheres, o resultado é concordante com os observados em estudos realizados com adultos em cidades do Nordeste do Brasil8. Pinho CPS, Diniz AS, Arruda IKG, Batista Filho M, Coelho PC, Sequeira LAS, et al. Prevalence of abdominal obesity and associated factors among individuals 25 to 59 years of age in Pernambuco State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2013; 29(2):313-24. , 9. Veloso HJF, da Silva AAM. Prevalence and factorsassociated with abdominal obesity and excess weight among adults from Maranhão, Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2010; 13(3):400-12.. O aumento da prevalência da obesidade abdominal com a progressão da idade é condizente com resultados descritos em outras publicações8. Pinho CPS, Diniz AS, Arruda IKG, Batista Filho M, Coelho PC, Sequeira LAS, et al. Prevalence of abdominal obesity and associated factors among individuals 25 to 59 years of age in Pernambuco State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2013; 29(2):313-24. , 1111 . Linhares RS, Horta BL, Gigante DP, Dias-da-Costa JS, Olinto MTA. Distribuição de obesidade geral e abdominal em adultos de uma cidade no Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2012; 28(3):438-47. , 1818 . Castanheira M, Olinto MT, Gigante DP. Sociodemographic and lifestyle factors associated with abdominal fat distribution in adults: A populationbased survey in Southern Brazil. Cad Saúde Pública. 2003; 19(Suppl. 1):S55-65.. Linhares et al.1111 . Linhares RS, Horta BL, Gigante DP, Dias-da-Costa JS, Olinto MTA. Distribuição de obesidade geral e abdominal em adultos de uma cidade no Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2012; 28(3):438-47., em estudo com adultos com idade a partir de 20 anos, mostraram aumento da obesidade abdominal com a progressão da idade e incremento a partir de 30 a 39 anos para as mulheres e de 40 a 49 anos para os homens.

Em relação a menor frequência de sobrepeso e maior frequência de obesidade abdominal com o avançar da idade, uma possível explicação é que na medida em que envelhecem, os indivíduos apresentam circunferência de cintura mais elevadas e passam a compor o grupo de obesos.

Assim a associação entre obesidade abdominal e faixas etárias em ambos os sexos era esperada e está de acordo com resultados de outros estudos8. Pinho CPS, Diniz AS, Arruda IKG, Batista Filho M, Coelho PC, Sequeira LAS, et al. Prevalence of abdominal obesity and associated factors among individuals 25 to 59 years of age in Pernambuco State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2013; 29(2):313-24. , 1111 . Linhares RS, Horta BL, Gigante DP, Dias-da-Costa JS, Olinto MTA. Distribuição de obesidade geral e abdominal em adultos de uma cidade no Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2012; 28(3):438-47. , 1818 . Castanheira M, Olinto MT, Gigante DP. Sociodemographic and lifestyle factors associated with abdominal fat distribution in adults: A populationbased survey in Southern Brazil. Cad Saúde Pública. 2003; 19(Suppl. 1):S55-65.. Tal fato explica-se pelo acúmulo de gordura corporal com o avançar da idade, caracterizando-se como um processo comum ao envelhecimento e relacionado com a adoção de comportamentos sedentários, a ingestão de alimentos hipercalóricos sendo, também, inerente aos aspectos fisiológicos, como a redução do metabolismo e as alterações hormonais que podem contribuir para o aumento dos níveis de adiposidade corporal2626 . França AP, Aldrighi JM, Marucci MFN. Fatores associados à obesidade global e à obesidade abdominal em mulheres na pós-menopausa. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2008; 8(1):65-73..

Relativamente às mulheres, além do aumento do peso corporal, a menopausa tem sido associada ao acúmulo de gordura abdominal. Em decorrência da cessação da função ovariana há uma redução do metabolismo, da quantidade de massa magra e do gasto energético no exercício, além de um maior acúmulo de gordura no tecido adiposo. Em conjunto, essas condições contribuem para o maior risco de obesidade e de doença cardiovascular2626 . França AP, Aldrighi JM, Marucci MFN. Fatores associados à obesidade global e à obesidade abdominal em mulheres na pós-menopausa. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2008; 8(1):65-73..

No presente estudo, além da idade, a inatividade física e hipertensão arterial também se associaram à obesidade abdominal em ambos os sexos. Outros fatores como a classe econômica, o tabagismo e o diabetes Mellitus associaram-se à obesidade abdominal apenas em mulheres. Fatores relacionados ao processo de envelhecimento, como hipertensão arterial e diabetes Mellitus, associados à obesidade abdominal, também foram verificados em diferentes estudos7Hasselmann MH, Faerstein E, Werneck GL, Chor D, Lopes CS. Association between abdominal circumference and hypertension among women:The Pró-Saúde Study. Cad Saúde Pública. 2008;24(5):1187-91. , 2727 . Holanda LG, Martins MC, Souza Filho MD, Carvalho CM, Assis RC, Leal LM, et al. Overweight and abdominal fat in adult population of Teresina, PI. Rev Assoc Med Bras. 2011; 57(1):50-5.. Apesar da plausibilidade biológica da relação entre hipertensão/diabetes e obesidade como variável independente, a construção do modelo conceitual para análise hierarquizada no presente estudo considerou obesidade abdominal como variável dependente, uma vez que a redução de peso, entre outras mudanças relacionadas ao estilo de vida, é considerada medida terapêutica inicial. No presente estudo, as mulheres com hipertensão arterial e diabetes Mellitus apresentaram prevalência de obesidade abdominal 32 e 29% maiores, respectivamente. Entre os homens com hipertensão arterial a prevalência de obesidade abdominal foi 97% maior em relação aos sem hipertensão arterial.

Sobre o hábito de fumar, que se apresentou associado de forma inversa à presença de obesidade abdominal em mulheres (RP=0,73; IC95%=0,59-0,91), com maiores prevalências entre as não fumantes, o resultado se assemelha aos descrito por outros autores1818 . Castanheira M, Olinto MT, Gigante DP. Sociodemographic and lifestyle factors associated with abdominal fat distribution in adults: A populationbased survey in Southern Brazil. Cad Saúde Pública. 2003; 19(Suppl. 1):S55-65. , 2727 . Holanda LG, Martins MC, Souza Filho MD, Carvalho CM, Assis RC, Leal LM, et al. Overweight and abdominal fat in adult population of Teresina, PI. Rev Assoc Med Bras. 2011; 57(1):50-5.. Uma explicação para tal fato está no efeito da nicotina na ação de determinados neurotransmissores relacionados ao controle do apetite e da saciedade no hipotálamo2828 . Chatkin R, Chatkin JM. Smoking and changes in body weight: Can physiopathology and genetics explain this association? J Bras Pneumol. 2007; 33(6):712-9.. Apesar dos mecanismos subjacentes a essa relação não estarem bem estabelecidos, a maioria dos estudos mostra que a cessação do tabagismo parece resultar em ganho ponderal, seja pelo aumento da ingestão calórica ou pela diminuição da taxa metabólica basal2929 . Filozof C, Fernandez Pinilla MC, Fernandez-Cruz A. Smoking cessation and weight gain. Obes Rev. 2004; 5(2):95-103.. Contudo, tais dados devem ser analisados com cautela, pois não há evidência conclusiva quanto à associação entre o tabagismo e a facilitação da perda ou manutenção de peso corporal. Estudo de coorte, realizado com base nos dados do Framingham Offspring Study, concluiu que o fato de parar de fumar esteve associado ao menor risco cardiovascular, e que o ganho de peso observado pela cessação não modificou essa relação3030 . Clair C, Rigotti NA, Porneala B, Fox CS, D'Agostino RB, Pencina MJ, et al. Association of smoking cessation and weight change with cardiovascular disease among adults with and without diabetes. JAMA. 2013; 309(10):1014-21..

Elevadas prevalências de obesidade abdominal entre os indivíduos insuficientemente ativos, tanto homens quanto mulheres, podem ser consideradas como um resultado esperado, pois a relação inversa entre gordura corporal e prática de atividade física tem sido evidenciada de modo consistente3131 . Pitanga FJ, Lessa I. Anthropometric indexes of obesity as an instrument of screening for high coronary risk in adults in the city of Salvador-Bahia. Arq Bras Cardiol. 2005; 85(1):26-31. , assim como a importância da adoção de um estilo de vida ativo para a promoção da saúde e qualidade de vida.

Em relação à classe econômica, após análise ajustada, a associação manteve-se apenas para as mulheres. Resultados semelhantes sobre a relação entre o nível econômico e a obesidade abdominal foram descritos em investigações conduzidas no Sul do Brasil1111 . Linhares RS, Horta BL, Gigante DP, Dias-da-Costa JS, Olinto MTA. Distribuição de obesidade geral e abdominal em adultos de uma cidade no Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2012; 28(3):438-47. , 3232 . Gonzalez DA, Nazmi A, Victora CG. Growth from birth to adulthood and abdominal obesity in a Brazilian birth cohort. Int J Obes. 2010; 34(1):195-202. e são concordantes com resultados apresentados na revisão sistemática realizada por McLaren3333 . McLaren L. Socioeconomic status and obesity. Epidemiol Rev. 2007; 29:29-48., tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento. A maior prevalência de obesidade abdominal em mulheres de estratos socioeconômicos inferiores pode estar relacionada ao fato de pertencerem ao grupo etário de idade mais elevada. Nesse sentido, mulheres de 40 a 59 anos que atuam no mercado de trabalho possivelmente têm maior poder de compra que aquelas com 60 anos ou mais cuja renda predominante é, em geral, composta por benefícios previdenciários.

Assim, é provável que a adoção de hábitos que favoreçam a redução da obesidade, como condutas alimentares mais saudáveis e a prática de atividade física, não tenha sido viável para os segmentos populacionais de menor poder aquisitivo. Faz-se necessário ampliar e aprofundar o olhar sobre o modo pelo qual essas relações têm se estabelecido, no sentido de possibilitar planejamento adequado para o enfrentamento da obesidade agindo intersetorialmente e diminuindo as iniquidades em saúde. Deste modo, é imprescindível que seja considerado, para o aprimoramento das medidas de promoção de saúde, o grupo etário que se pretende atingir, uma vez que há necessidades e expectativas particulares a cada etapa do ciclo de vida.

Algumas considerações metodológicas devem ser feitas, como a não associação da obesidade abdominal com algumas variáveis que pode ter decorrido da influência de erros de medidas, bem como pela escolha da faixa etária da população investigada. O corte etário aqui utilizado não é comumente observado em outros estudos que avaliam a obesidade abdominal. Normalmente, as faixas etárias são mais amplas, a partir de 18 ou 20 anos de idade, ou restrita aos idosos de 60 anos ou mais. Esse fato limitou a comparação das informações obtidas na presente investigação com as de outros estudos.

Outro ponto relaciona-se com os critérios utilizados para definição da obesidade abdominal. Alguns autores questionam a utilização de tais critérios para a população brasileira e argumentam que pode ocorrer subestimação da obesidade abdominal em homens2525 . Barbosa PJB, Lessa I, Almeida Filho N, Magalhães LBNC, Araújo J. Critério de obesidade central em população brasileira: impacto sobre a síndrome metabólica. Arq Bras Cardiol. 2006; 87:407-14. , 2929 . Filozof C, Fernandez Pinilla MC, Fernandez-Cruz A. Smoking cessation and weight gain. Obes Rev. 2004; 5(2):95-103.. No entanto, atualmente, os parâmetros utilizados no presente estudo são os mais bem aceitos internacionalmente1313 . World Health Organization. Waist circumference and waist-hip ratio: Report of a WHO expert consultation, Geneva, 8-11 December 2008. Geneva: World Health Organization; 2011..

Em contrapartida, o presente estudo destaca-se pelo fato de ser de base populacional, com baixo percentual de perdas e amostra representativa da população. É provável que os dados obtidos representem a realidade dos adultos de 40 anos ou mais do município estudado e se aproximem aos de outras localidades do País com características semelhantes.

CONCLUSÃO

Sob a perspectiva do modelo hierárquico conceitual do presente trabalho, observou-se maior prevalência de obesidade abdominal em homens e mulheres com 60 anos ou mais, que não praticam atividade física e que referiram hipertensão arterial. Acrescenta-se ainda que pertencer ao estrato socioeconômico mais baixo, não ser fumante e referir diabetes Mellitus foram fatores determinantes da maior prevalência de obesidade abdominal apenas entre mulheres.

Esse perfil assinala a importância da realização do acompanhamento do estado nutricional dos adultos, incluindo como ação rotineira a avaliação de medidas antropométricas e a definição de condutas terapêuticas que considerem tanto a obesidade abdominal quanto as comorbidades no contexto macrossocial. Ademais, reafirma a importância de políticas públicas de promoção à saúde que visem o processo de envelhecimento saudável e que considerem a obesidade também como questão de gênero e definida socialmente.

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  • Artigo baseado na dissertação de DGB SIQUEIRA, intitulada "Prevalência de obesidade e fatores associados em adultos de 40 anos e mais: estudo de base populacional". Universidade Estadual de Londrina; 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2015

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2015
  • Revisado
    23 Jun 2015
  • Aceito
    08 Jul 2015
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