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Conceitos de genética e hereditariedade aplicados à compreensão das reabsorções dentárias durante a movimentação ortodôntica

Genetics and heredity concepts applied to the comprehension of dental resorptions during orthodontic movement

Resumos

Imagine o mundo sem telefone ou sem computador e internet. Em surtos cíclicos, os novos conhecimentos mudam nosso estilo de vida e criam necessidades. Um exemplo atual desta situação encontra-se na causa de certos fenômenos e doenças: tudo se explica a partir da genética e da hereditariedade. Deve-se tomar cuidado para evitar o exagero. As conseqüências de procedimentos clínicos, os efeitos colaterais e as iatrogenias passaram a possuir atributos genéticos, quase sempre não fundamentados em estudos experimentais. Quando o novo está amplamente difundido e não profundamente conhecido se estabelece temporariamente um poder mágico de sedução e uso. Desta forma procura-se atribuir à genética e à hereditariedade como causa primária das reabsorções dentárias na prática ortodôntica 1,10,16. A genética e hereditariedade mescladas à biologia molecular constituem um dos surtos de novos conhecimentos e tecnologias pelo qual a humanidade está passando, remetendo-nos a uma renovação conceitual ou reciclagem. Apesar das novas informações, o dia-a-dia e a necessidade de sobrevivência superpõem-se e o Profissional Clínico, mesmo consciente da importância da atualização para o seu trabalho, não tem como viabilizar no tempo e no espaço, a aquisição destes novos conceitos a partir de uma literatura fragmentada e multifacetada. Neste trabalho propusemo-nos a discorrer, com clareza e simplicidade, sobre os conceitos elementares necessários à compreensão dos mecanismos da genética, da hereditariedade e da biologia molecular. Às vezes beiramos a heresia acadêmica a favor do entendimento. Para os iniciados no assunto este artigo pode parecer muito básico, mas procuramos nos dirigir ao Profissional Clínico, especialmente aos relacionados com a prática ortodôntica e ortopédica.

Reabsorções Dentárias; Genética; Hereditariedade; Movimentação Ortodôntica


Imagine the world with no telephone or without computers or the Internet. Cyclic outbreaks of new knowledge and technology change our way of life and create needs. A current example of such situation is the assumption that a certain phenomenon or disease is genetic or inherited. One must be especially careful avoiding overstatement. Situations such as the outcomes of clinical procedures, collateral and iatrogenic effects and may be thought of as genetic, but almost never based on experimental studies. When new knowledge is broadly widespread and not deeply understood it possesses a temporary magical power of seduction and use. Therefore, some have tried to implicate the primary cause of dental resorption in orthodontics to genetics and heritability11,10,16. Genetics and heritability along with molecular biology consist of the new outbreak of knowledge and technology mankind is going through, which requires renewing or recycling of concepts. Despite the availability of new information, everyday life and survival needs are overlapped and even the most conscious clinician, perfectly aware of updating in his work, has no time to acquire new concepts from fragmented or multifaceted literature. For that reason, we have proposed to ground, in a simple and clear way, the elemental concepts of genetics, heritability, and molecular biology mechanisms. We might sometimes bare academic heresy in favor of comprehension. For those familiar with the subject some information might seem too basic, however we have tried to reach the clinician specially related to the orthodontic and facial orthopedic practice.

Dental Resorption; Root Resorption; Genetics; Heritability; Orthodontic Movement; Induced tooth movement


TÓPICO ESPECIAL

Conceitos de genética e hereditariedade aplicados à compreensão das reabsorções dentárias durante a movimentação ortodôntica

Genetics and heredity concepts applied to the comprehension of dental resorptions during orthodontic movement

Alberto ConsolaroI; Renata Bianco ConsolaroII; Maria Fernanda Martins-OrtizIII; Patrícia ZambonatoFreitasIII

IProfessor Titular e Chefe do Departamento de Estomatologia da FOB-USP

IIMestranda em Patologia Bucal da FOB-USP

IIIMestres em Ortodontia e Doutorandas em Patologia Bucal pela FOB-USP

Correspondência Correspondência: Prof. Dr. Alberto Consolaro Alameda Octávio Pinheiro Brisolla, 9-75 - Vila Universitária CEP 17 012 – 901 - Bauru – SP E-mail: lberto@fob.usp.br

RESUMO

Imagine o mundo sem telefone ou sem computador e internet. Em surtos cíclicos, os novos conhecimentos mudam nosso estilo de vida e criam necessidades. Um exemplo atual desta situação encontra-se na causa de certos fenômenos e doenças: tudo se explica a partir da genética e da hereditariedade. Deve-se tomar cuidado para evitar o exagero. As conseqüências de procedimentos clínicos, os efeitos colaterais e as iatrogenias passaram a possuir atributos genéticos, quase sempre não fundamentados em estudos experimentais. Quando o novo está amplamente difundido e não profundamente conhecido se estabelece temporariamente um poder mágico de sedução e uso. Desta forma procura-se atribuir à genética e à hereditariedade como causa primária das reabsorções dentárias na prática ortodôntica 1,10,16. A genética e hereditariedade mescladas à biologia molecular constituem um dos surtos de novos conhecimentos e tecnologias pelo qual a humanidade está passando, remetendo-nos a uma renovação conceitual ou reciclagem. Apesar das novas informações, o dia-a-dia e a necessidade de sobrevivência superpõem-se e o Profissional Clínico, mesmo consciente da importância da atualização para o seu trabalho, não tem como viabilizar no tempo e no espaço, a aquisição destes novos conceitos a partir de uma literatura fragmentada e multifacetada. Neste trabalho propusemo-nos a discorrer, com clareza e simplicidade, sobre os conceitos elementares necessários à compreensão dos mecanismos da genética, da hereditariedade e da biologia molecular. Às vezes beiramos a heresia acadêmica a favor do entendimento. Para os iniciados no assunto este artigo pode parecer muito básico, mas procuramos nos dirigir ao Profissional Clínico, especialmente aos relacionados com a prática ortodôntica e ortopédica.

Palavras-chave: Reabsorções Dentárias. Genética. Hereditariedade. Movimentação Ortodôntica.

ABSTRACT

Imagine the world with no telephone or without computers or the Internet. Cyclic outbreaks of new knowledge and technology change our way of life and create needs. A current example of such situation is the assumption that a certain phenomenon or disease is genetic or inherited. One must be especially careful avoiding overstatement. Situations such as the outcomes of clinical procedures, collateral and iatrogenic effects and may be thought of as genetic, but almost never based on experimental studies. When new knowledge is broadly widespread and not deeply understood it possesses a temporary magical power of seduction and use. Therefore, some have tried to implicate the primary cause of dental resorption in orthodontics to genetics and heritability11,10,16. Genetics and heritability along with molecular biology consist of the new outbreak of knowledge and technology mankind is going through, which requires renewing or recycling of concepts. Despite the availability of new information, everyday life and survival needs are overlapped and even the most conscious clinician, perfectly aware of updating in his work, has no time to acquire new concepts from fragmented or multifaceted literature. For that reason, we have proposed to ground, in a simple and clear way, the elemental concepts of genetics, heritability, and molecular biology mechanisms. We might sometimes bare academic heresy in favor of comprehension. For those familiar with the subject some information might seem too basic, however we have tried to reach the clinician specially related to the orthodontic and facial orthopedic practice.

Key words: Dental Resorption. Root Resorption. Genetics. Heritability. Orthodontic Movement. Induced tooth movement.

INTRODUÇÃO

Imagine o mundo sem papel, ou sem fotografia, ou sem os raios X, ou sem anestesia, ou sem telefone, ou sem televisão ou ainda sem computador e a Internet. Em surtos e espasmos cíclicos os novos conhecimentos e tecnologias assaltam nosso estilo de vida e criam necessidades, levando-nos à constante adaptação.

Gradativamente vamos nos familiarizando com os novos conceitos e terminologias. Não podemos fazer isto de forma súbita, o processo é contínuo e leva um certo tempo. Mas, enquanto não ficamos sólidos e conscientes das novas definições, os novidadeiros torturam nossos cérebros e explicam equivocadamente alguns fenômenos, acertos, erros, inconveniências, tudo “á luz da nova ciência”.

Um exemplo atual desta situação encontra-se na causa de certos fenômenos e doenças: tudo se explica a partir da genética e da hereditariedade. Deve-se tomar cuidado para evitar o exagero. As conseqüências de procedimentos clínicos, os efeitos colaterais e as iatrogenias passaram a apresentar atributos genéticos, quase sempre não fundamentados em estudos experimentais.

Quando o novo está amplamente difundido e não profundamente conhecido se estabelece temporariamente um poder mágico de sedução e uso. Desta forma procura-se atribuir à genética e à hereditariedade como causa primária das reabsorções dentárias na prática ortodôntica1,10,16.

A genética e a hereditariedade por si só são mescladas com a biologia molecular e constituem um dos surtos de novos conhecimentos e tecnologias pelo qual a humanidade passou ou está passando, remetendo-nos a uma renovação conceitual ou reciclagem2,12.

Apesar dos surtos e espasmos de novas informações, o dia-a-dia e a necessidade de sobrevivência superpõem-se e o Profissional Clínico, mesmo consciente da importância da atualização para o seu trabalho, não tem como viabilizar no tempo e no espaço, a aquisição destes novos conceitos a partir de uma literatura fragmentada e multifacetada.

Neste trabalho propusemo-nos a discorrer, com clareza e simplicidade, sobre os conceitos elementares necessários à compreensão dos mecanismos da genética, da hereditariedade e da biologia molecular. Às vezes beiramos a heresia acadêmica a favor do entendimento. Para os iniciados no assunto este artigo pode parecer muito básico, mas procuramos nos dirigir ao Profissional Clínico, especialmente aos relacionados com a prática ortodôntica e ortopédica. Alguns termos e definições foram listados4,5,6,13 e posteriormente alguns resgatados na discussão do assunto aplicando-os na prática ortodôntica, voltando-nos para a compreensão das reabsorções dentárias.

Figura 1 e Figura 2



O ABC CELULAR

O corpo humano é constituído por alguns conjuntos de tecidos ou órgãos denominados de sistemas como: o esquelético, imunológico, endócrino, digestivo, geniturinário, nervoso e outros. Cada um destes órgãos e tecidos constitui-se por células. No corpo todo se apresenta aproximadamente 10 trilhões de células, a grande maioria em constante proliferação, apesar do ritmo desta proliferação variar muito.

Figura 3


Cada célula exerce determinadas funções o que em geral significa produzir alguma coisa, em sua maioria proteínas na forma de componentes teciduais ou enzimas. A produção ou síntese das proteínas ocorre no citoplasma, mais especificamente no reticulo endoplasmático rugoso, onde se apresentam numerosos ribossomos; o armazenamento ou acabamento ocorre no aparelho golgiense.

Figura 4


O citoplasma representa a parte prática da fábrica celular onde os aminoácidos e outras matérias primas são aprimoradas para fazer parte das proteínas, enzimas, peptídeos, carboidratos, lipídeos, etc.

O núcleo constitui o “escritório ou gerência” da fábrica celular, onde se encontram todos os arquivos e informações necessárias para funcionar, desde as funções mais simples às mais complexas. Estes arquivos são verdadeiros armários, cheios de fichas com informações escritas, detalhadas seqüencialmente e de forma muito organizada. Tudo que é realizado ou acontece no citoplasma, está sob o comando do núcleo. Os arquivos mencionados são denominados simplesmente de cromossomos e cada ficha, ou informação nele contida pode ser denominada de gene. O material constituinte de cada um destes arquivos ou fichas é o DNA ou ácido desoxirribonucléico. Por analogia, nossos armários de nossos escritórios e salas são feitos de aço ou de madeira, os da célula são de DNA. Cada célula humana possui 23 pares de cromossomos, ou seja, no núcleo encontram-se 23 pares de armários cheios de informação para o funcionamento da célula.

Por mais incrível que pareça, todas as células ou fábricas têm os mesmos arquivos, os mesmos armários, as mesmas informações, mas se especializaram em algumas funções apenas; este processo é conhecido como diferenciação celular ou especialização. Todas as células originaram-se de uma única célula resultante da fusão do espermatozóide com o óvulo.

As enormes quantidades de energia necessárias à célula são obtidas a partir da glicose, que chega até a célula por via sanguínea e é processada em suas usinas energéticas ou mitocôndrias na forma de ATP, o combustível celular. O mundo interno da célula é fantástico e impressionante pela sua organização e detalhamento funcional.

Figura 5


As células são parte de uma comunidade ou tecido; cada tecido insere-se em um órgão que compõe um conjunto maior, os sistemas que compõem o organismo. Mas como se determina o momento em que cada célula deve funcionar? Quando esta deve apresentar uma atividade mais intensa? Quando deve migrar, mudando-se de lugar?

O conjunto harmonioso dos tecidos e órgãos funciona de forma sincronizada, por meio de um eficiente sistema de comunicação intercelular. As células, conforme suas necessidades, liberam produtos químicos genericamente denominados de mediadores, onde se encontram “ouvidos” bioquímicos na superfície celular ou receptores de membrana. A partir deste fenômeno os receptores transmitem uma mensagem para o núcleo, que decodifica a mensagem consultando seus arquivos, ou cromossomos e estes comandam o funcionamento celular visando cumprir a ordem ou mensagem recebida. Assim, supre-se a necessidade do conjunto celular.

Os mediadores celulares podem ser genericamente agrupados em 3 grupos: as citocinas (por exemplo: interleucinas e interferon), os fatores de crescimento (por exemplo: fator de crescimento epidérmico ou EGF, proteína osteomorfogenética ou BMP) e os produtos do ácido araquidônico (por exemplo: prostaglandinas e leucotrienes), todos produzidos e liberados pelas células com a finalidade de comunicar-se com as células vizinhas, próximas e até mesmo à distância. Todas as funções celulares são determinadas por mediadores, quer sejam interna como externamente.

Figura 6


O ABC MOLECULAR

Elemento químico: substância pura que não pode ser quebrada quimicamente e gerar componentes ainda mais simples. Na natureza temos um pouco mais de 100 destes elementos, como por exemplo, o hidrogênio, carbono, nitrogênio e oxigênio.

Átomo: menor unidade em que se apresenta um elemento químico e mesmo assim, guardando-se todas as suas propriedades.

Composto químico: termo que representa a conjunção de vários átomos para formar uma determinada substância ou material.

Molécula: são as unidades de um composto químico. Por exemplo: a água possui várias moléculas de H2O. A molécula H2O apresenta a menor quantidade possível de átomos que mantém e contém as propriedades do composto químico.

Macromolécula: os átomos e as moléculas podem ser grandes ou pequenos; isto é muito variável. Uma molécula pequena pode ser exemplificada pelos açucares, sais, aminoácidos e ácidos graxos. As moléculas muito grandes são genericamente denominadas de macromoléculas e são representadas pelas proteínas e ácidos nucléicos. Outras macromoléculas importantes para a vida são os carboidratos e os lipídeos

Proteínas: são macromoléculas constituídas por numerosas moléculas de aminoácidos. Invariavelmente o aminoácido possui um átomo de carbono ligado ao um grupo amina, um grupo hidroxila e um átomo de hidrogênio. Quando uma proteína possui apenas alguns aminoácidos pode ser chamada de peptídeo: di, tri ou polipeptídeo.

As proteínas podem ser estruturais quando compõem uma parte da célula ou tecido, ou enzimáticas quando participam do metabolismo celular e tecidual, caracterizado por numerosas e intermináveis reações químicas. Por analogia, pode-se comparar as proteínas a trabalhadores operários, pois participam ativa e diretamente da formação e manutenção das células e tecidos.

Aminoácidos: pequenas moléculas que invariavelmente possuem um átomo de carbono ligado ao grupo amina, ao grupo hidroxila e a um átomo de hidrogênio. Existem 20 tipos diferentes de aminoácidos. De forma simplista pode-se afirmar que uma proteína representa uma seqüência ou cadeia de aminoácidos.

Nucleotídeos: moléculas químicas compostas por um grupo fosfato, um açúcar e uma base nitrogenada e participam da formação de macromoléculas denominadas de ácidos nucléicos como o DNA e o RNA. Uma seqüência de nucleotídeos forma o DNA. Segmentos desta seqüência que representem uma informação completa recebem a denominação de gene.

Ácidos Nucléicos: são macromoléculas formadas por várias moléculas de nucleotídeos que possuem basicamente um grupo fosfato, um açúcar e uma base nitrogenada. Quando o ácido nucléico apresenta um açúcar desoxirribose recebe o nome de ácido desoxirribonucléico ou DNA. Quando o açúcar for do tipo ribose, teremos o ácido ribonucléico ou RNA.

Os ácidos nucléicos representam a “memória”, ou os arquivos, ou as fichas com informações armazenadas na célula, especialmente no seu núcleo. O DNA representa as máquinas dos computadores e sua memória central, apresenta-se organizado em forma de cromossomos. O RNA representa os CD-ROMs ou os disquetes com as informações ou ordens a serem lidas e obedecidas pelas estruturas das células. Os ácidos nucléicos repassam a informação e as proteínas estruturais e enzimáticas obedecem, pois já foram comparadas anteriormente no texto a trabalhadores operários. Por isto o RNA transita intensamente entre o núcleo e o citoplasma. O DNA guarda a informação no núcleo e o RNA a transporta e repassa às proteínas celulares para a execução.

O ABC GENÉTICO

DNA ou ácido desoxirribonucléico:macromolécula constituída por vários nucleotídeos, cada um formado por um grupo fosfato, um açúcar desoxirribose e uma base nitrogenada. A base nitrogenada pode ser a Citosina, a Timina, a Adenina, ou a Guanina. A informação ou memória gênica é determinada pela presença das bases nitrogenadas. O grupo fosfato e o açúcar possuem apenas funções estruturais na molécula.

Fragmentos de DNA de uma espécie podem se integrar ao DNA de outra espécie e quando isto ocorre obteve-se um DNA recombinante. Um exemplo desta situação pode ser os genes humanos incorporados em bactérias ou células animais visando à produção de proteínas com finalidades de pesquisa, terapêutica e industrial. Os produtos recebem seu nome clássico mais o adjetivo recombinante quando assim obtidos como, por exemplo, a BMP recombinante (bone morphogenetic protein).

O DNA apresenta-se na sua maior parte no interior núcleo celular, mas também está presente nos mitocôndrias na forma de um cromossomo circular com 37 genes, sendo geralmente mencionado com a sigla mtDNA ou DNA mitocondrial. A transmissão do genoma mitocondrial é realizada exclusivamente pelo óvulo, sem a participação do espermatozóide. Todos os homens e mulheres apresentam genoma mitocondrial de exclusivamente origem materna.

RNA ou ácido ribonucléico:macromolécula constituída por vários nucleotídeos, cada um formado por um grupo fosfato, um açúcar ribose e uma base nitrogenada. A base nitrogenada pode ser a Citosina, ou Uracila, ou Adenina, ou Guanina. A Timina é exclusiva do DNA e a Uracila do RNA.

Os ácidos nucléicos por si só não apresentam a capacidade de iniciar um processo de síntese protéica. Requer-se um sinal externo ou interno, uma mensagem como, por exemplo, um mediador interagindo com um receptor na superfície da célula, atuaria como um verdadeiro ouvido ou gatilho bioquímico.

Uma vez detectado o sinal, um dos arquivos do DNA, também referido como informação ou gene, é copiado pelo RNA como um disquete ou CD-ROM, recebendo o nome de RNA mensageiro. Para isto ocorrer, a fita dupla de DNA deve se abrir e o RNA mensageiro maduro levará a informação recebida para o citoplasma. No ribossomo, o RNA mensageiro se acopla e quando a mensagem é repassada, a proteína estará sendo formada com a participação ativa do RNA ribossômico. Algumas moléculas de RNA no citoplasma, previamente codificados, transportam os aminoácidos corretos para os ribossomos, contribuindo e muito para a síntese final sendo denominado de RNA transportador.

Cromossomo: representa uma cadeia dupla de DNA enrolada em proteínas nucleares denominadas de histonas e associadas também a outras proteínas. As células apresentam 23 pares diferentes de cromossomos; todo o DNA de nossas células quando estirado percorreria um trajeto 50.000 vezes igual a distância entre a Lua e a Terra. Para economizar espaço, a natureza enrolou-os em forma de cromossomos, verdadeiros novelos de DNA.

Quando a fita ou filamento duplo de DNA está ativo ou se duplicando, ou sendo copiado, a molécula apresenta a forma linear, mas quando isto não está acontecendo o DNA e as proteínas se organizam e assumem uma forma de X e em um cromossomo especial a forma de Y. Os cromossomos na forma de X geralmente possuem dois braços superiores menores identificados pela letra “p” derivada do francês “petit” e dois braços inferiores maiores identificados por “q”, a letra seqüencial ao p no alfabeto.

Por analogia, podemos dizer que os cromossomos são os armários ou os computadores onde estão guardados as informações ou os arquivos denominados de genes.

Gene: representa uma seqüência de nucleotídeos no DNA contendo uma informação completa, ou um arquivo completo, capaz de fazer a célula sintetizar algo ou realizar uma determinada função15. Este segmento de DNA, seqüência de nucleotídeos ou arquivo pode ser maior ou menor, ou seja, há genes pequenos e grandes. Um gene pode regular parte de uma estrutura e outro gene a outra parte desta mesma estrutura, ou seja, os genes podem atuar em um mesmo processo.

Os genes estão seqüencialmente localizados no DNA, ou melhor, compõem o DNA e juntamente com as proteínas nucleares formam os cromossomos. Em cada um dos pares de cromossomo temos genes diferentes. O lugar onde o gene se encontra na molécula do DNA também é referido como lócus gênico.

A nomenclatura do lócus gênico, ou endereço do gene é importante e segue as seguintes regras convencionadas internacionalmente: 1º a letra D de DNA; 2º a designação do número ou letra do cromossomo; 3º grau de complexidade da seqüência do DNA no local: S= simples, Z= altamente repetida e F= seqüências semelhantes entre genes; e 4º a ordem de descrição do gene. Desta forma, um exemplo seria: D7S122 ou gene no cromossomo 7, de seqüência simples e descrito pela 122ª vez.

Genoma: conjunto de genes de uma célula, indivíduo ou espécie. Uma célula gameta possui uma cópia do genoma, pois apresenta 23 cromossomos, enquanto que as células somáticas normais possuem duas cópias do genoma, pois seus núcleos apresentam 23 pares de cromossomos.

O Projeto Genoma Humano visa obter a identificação e a localização de todos os genes humanos com a finalidade de desvendar a etiopatogenia das doenças, propiciar diagnósticos precoces, sintetizar produtos com finalidade terapêutica, corrigir alterações genéticas e cromossomais em futuros portadores de anomalias e tumores e conhecer a evolução da espécie, abrindo novas perspectivas de uma vida melhor para o homem.

Genético: adjetivo utilizado para qualificar o que é relacionado aos genes. Os genes são informações que controlam diretamente a grande maioria das funções celulares. Um exemplo, a difusão de substâncias pela membrana entrando ou saindo da célula decorre de gradientes de concentração de alguns elementos químicos e não dos genes. Por outro lado, a síntese dos componentes da membrana e o metabolismo que consome as substâncias são geneticamente regulados. Logo, pode-se afirmar que os genes indiretamente controlam a difusão de substâncias pela membrana celular. Mas ao se referir ao fenômeno da permeabilidade da membrana celular não se afirma que o mesmo é genético ou possui natureza genética.

Um exemplo clínico:o tamanho da maxila pode ser definido geneticamente, mas o seu crescimento e o tamanho final pode ser influenciado pela relação com os demais ossos, com os dentes, hábitos e vícios, enfim fatores ambientais. Logo, não podemos afirmar categoricamente que uma maxila pequena decorre de fatores apenas genéticos ou apresente natureza hereditária. Da mesma forma, ocorre com o tamanho e o formato das raízes dentárias. Reserva-se o termo genético para uma relação direta de efeito do gene sobre determinado fenômeno ou estrutura.

Outro exemplo: a criança nasceu com os pezinhos tortos, pois o feto permaneceu, por algumas semanas, mal posicionado. A alteração ocorreu por fatores físicos, sem qualquer conotação genética.

A produção de dentina, esmalte, cemento ou de osso depende da síntese de proteínas que compõem estes tecidos e isto é geneticamente determinado. Há genes específicos para a produção destas proteínas teciduais, logo a produção destes tecidos é de natureza genética.

Hereditariedade: fenômeno pelo qual os genes e as características dos pais são transmitidos aos filhos. Esta transmissão gênica ocorre com a fusão dos gametas logo após a fecundação. Os gametas são representados pelo óvulo e pelo espermatozóide. Durante a fusão, os 23 cromossomos do pai e 23 da mãe passam a fazer parte do núcleo de uma célula humana. Os 10 trilhões de células que possuímos no corpo humano derivaram de uma única célula e apresentam exatamente o mesmo conteúdo cromossômico e genético.

Muitos genes são recebidos dos pais pelos filhos, mas não se tornam ativos durante a vida, podendo ser repassados para futuras gerações quando podem ou não manifestar determinadas características peculiares e diferentes dos pais, mas encontrados em gerações anteriores.

Hereditário: adjetivo utilizado para qualificar as características gênicas e fenotípicas de um indivíduo e transmitidas dos pais para os filhos. Esta transmissão ocorre por meio dos gametas, durante a fusão do óvulo com o espermatozóide. Como exemplo podemos mencionar a cor dos olhos, o tipo de cabelo, a forma e o número dos dentes.

Um exemplo importante pode reforçar alguns conceitos. Durante a vida intrauterina o embrião ou o feto pode ser submetido à ação de carências nutricionais, medicamentos, álcool e radiações provocando mudanças em alguns genes, deletando-os ou impedindo sua manifestação plena nos órgãos e tecidos em formação. A criança nasce com defeitos, mas os seus gametas estão íntegros e seus filhos não recebem nenhum gene defeituoso e seus tecidos e órgãos serão normais. Esta alteração na criança possui natureza genética, mas não hereditária.

O termo hereditário possui obrigatoriamente relação com transmissão gênica dos pais para os filhos; às vezes certos genes não se manifestam fenotipicamente, mas estão presentes no DNA e podem determinar fenótipos em outras gerações.

A anodontia parcial do incisivo permanente lateral superior decorre de uma alteração genética, geralmente transmitida hereditariamente. Esta característica é transmitida durante a fusão dos gametas no momento da fecundação.

Congênito: este termo equivocadamente, e com freqüência, é utilizado como sinônimo de hereditário e genético. Congênito é um adjetivo aplicado a uma morfologia, fenômeno ou doença que apareceu ou se manifestou no momento do nascimento; literalmente significa “nascido com”.

Muitas alterações não são genéticas e nem hereditárias, como por exemplo, os pezinhos tortos nos recém nascidos em geral decorrem da falta de espaço intrauterino ou mal posicionamento do feto. Eles ocorreram por fatores ambientais intrauterinos e apareceram ou foram detectados no momento do nascimento, logo são congênitos.

Algumas alterações genéticas e ou hereditárias podem aparecer no momento do nascimento e por isso podem ser também chamadas de congênitas, mas muitas alterações genéticas e ou hereditárias, manifestam-se mais tardiamente e não no momento do nascimento.

Mutação: corresponde a um erro na seqüência das bases nitrogenadas C, T, G e A do DNA durante a mitose; pode ser um único erro em uma única base nitrogenada. Em média pode-se afirmar que um ser humano possui 10 trilhões de células em constante proliferação. São milhões de divisões celulares a cada momento. A cada divisão celular, a fita dupla de DNA de cada cromossomo se abre e cada uma é copiada de forma complementar. Em outras palavras, cada uma das 3 milhões de bases nitrogenadas C, T, G e A específicas e seqüencialmente organizadas são copiadas a cada mitose celular humana. A possibilidade de erro existe e cada erro corrigido por um sistema de reparo do DNA, um conjunto de eventos que corrige ou leva a célula defeituosa à morte, um verdadeiro sistema de controle de qualidade, mas que pode falhar7.

Uma única base trocada implica em uma mudança na informação que o gene será repassada no funcionamento da célula. Se o gene controlasse a produção de colágeno, por exemplo, e a célula sobrevivesse com o erro, isto incorreria na produção de colágeno defeituoso ou ausente. Ou ainda, a partir desta única célula, um clone defeituoso terá início em um determinado local, podendo caracterizar a geração de um tumor benigno ou maligno. Isto ocorre quando a célula não foi reparada, assumiu uma característica mutante e não foi destruída pelo sistema de controle de nosso organismo.

Ao longo da vida, muitas mutações ocorrem nas células do organismo, mas em geral não são transmitidas, pois não afetam os gametas. O envelhecimento pode ser atribuído a um grande número de mutações acumuladas no tempo. Em caso de mutações nos gametas estas assumem caráter hereditário.

O ABC HEREDITÁRIO

Alelos: os cromossomos estão organizados aos pares (23) e cada unidade do par é referida por cromossomo homólogo; cada par apresenta os mesmos genes nos mesmos loci (em latim loci corresponde ao plural de lócus ou lugar) e na mesma ordem seqüencial. Em outras palavras, para cada característica ou função em nossas células apresentam-se dois genes ou pares de genes, cada um em uma das unidades dos pares de cromossomos homólogos. Grosseiramente um cromossomo homólogo seria a cópia do outro.

Cada um destes dois genes, responsáveis pela mesma característica ou função, fixados no mesmo local e ordem nos cromossomos homólogos, é denominado de alelo.

Exemplificando: se em um determinado par de cromossomos homólogos o gene do cromossomo originário do pai pode ser identificado como A1 e no gene do cromossomo originário da mãe também pode ser identificado como A1, ambos são iguais na seqüência das bases, no local e na ordem cromossômica. Neste caso os alelos são iguais e o indivíduo classificado como homozigoto para este gene. Caso no mesmo lócus, os genes nos cromossomos homólogos não sejam idênticos, sendo que em um dos cromossomos herdou o gene do pai B1 e no outro herdou o gene B2 da mãe pode-se afirmar que o indivíduo é heterozigoto.

Genótipo e Fenótipo:indivíduos homozigotos possuem os mesmos alelos nos cromossomos homólogos, logo o seu genótipo e fenótipo são iguais. Os indivíduos heterozigotos possuem um alelo que vai gerar uma função ou característica e um outro que não se manifesta, mas está presente; neste caso o indivíduo apresenta um genótipo diferente do seu fenótipo.

O termo genótipo representa o conjunto de todos os genes de um indivíduo, ou seja, de todos os alelos, com ou sem manifestação fenotípica. No genótipo estão inclusos genes e alelos sem manifestação clínica, morfológica ou funcional.

O termo fenótipo designa o conjunto de todas as características morfológicas, clínicas, bioquímicas, etc, determinadas pelos genes e alelos de manifestação ativa. Muitos genes não interferem no fenótipo, pois não geraram ou determinam funções ou manifestações morfológicas.

O que faz um gene alelo predominar sobre o outro se relaciona diretamente também com a interação com os fatores ambientais. Pode-se afirmar que o fenótipo de um indivíduo é igual a soma do seu genótipo com os fatores ambientais.

Dois exemplos são clássicos para esta situação: a fissura labiopalatal e a diabete melito. Os genes destas doenças podem apresentar-se no genótipo do indivíduo durante a sua formação intrauterina ou ao longo da vida respectivamente, mas a manifestação clínica das alterações ocorre quando houver interação com certos fatores ambientais.

Genes Dominantes e Recessivos:os genes alelos podem ser iguais ou diferentes, ou melhor, homozigotos ou heterozigotos. Quando os alelos são diferentes, o alelo cuja característica fenotípica o indivíduo assumiu é denominado de alelo dominante. Quando um alelo requer para a sua manifestação que os alelos sejam iguais em ambos cromossomos homólogos, pode-se identificá-lo como alelo recessivo. Quando os alelos são diferentes e mesmo assim as características resultantes no fenótipo corresponderem a ambos, verificamos neste caso alelos denominados de co-dominantes.

CLASSIFICAÇÃO DAS SITUAÇÕES CLÍNICAS E DOENÇAS HUMANAS COM BASE NOS PRINCÍPIOS DA GENÉTICA

As doenças por carência nutricional e as doenças infecciosas são propiciadas pelas péssimas condições de vida. Elas existem em função da falta de dignidade dos que mais possuem para dividir e não o fazem, perpetuando situações. Colocam em cheque se a verdadeira racionalidade da natureza humana fundamenta-se nos princípios da fraternidade e da solidariedade ou simplesmente no instinto de sobreviver, sem se importar com o próximo, um comportamento típico dos animais.

Em sociedades em que as doenças carenciais e infecciosas são eliminadas, os problemas de saúde se fundamentam cada vez mais na genética, especialmente na compreensão da ação combinada dos genes com os fatores ambientais, ora predominando uma ou outra situação.

Nas mais diversas especialidades médicas e odontológicas, as implicações dos conhecimentos genéticos indicam que nenhum profissional clínico com pret ensões de exercer sua atividade com consciência e responsabilidade pode estar à parte desta verdadeira revolução de conhecimentos, que a genética propiciou nas duas últimas décadas2,12.

As doenças podem classificar-se considerando os princípios da genética em:

Doenças ou situações monogênicas ou mendelianas: são produzidas por alteração em um único par de genes podendo afetar apenas um dos alelos nos casos dos indivíduos homozigotos ou os dois alelos no caso dos heterozigotos. A causa para isto é uma mutação em um gene específico. Estas doenças ou situações apresentam um padrão claro de transmissão de uma geração para outra e demonstrável nos heredogramas. A hemofilia, talassemia e anemia falciforme são exemplos de doenças monogênicas.

Quando os genes alterados apresentam-se nos cromossomos não sexuais, as doenças monogênicas são classificadas como autossômicas e quando estão no cromossomo X são referidas como doenças monogênicas ligadas ao cromossomo X.

As doenças monogênicas também são classificadas como dominantes ou recessivas. Quando dominantes a sua manifestação ocorre em indivíduos heterozigotos, mesmo quando apenas um dos alelos está afetado. Neste caso, quando um indivíduo heterozigoto possui um alelo modificado, ao ter um filho com uma pessoa normal, este terá 50% de chance de apresentar a alteração.

Quando recessivas, requer-se que ambos os alelos sejam modificados para se manifestarem clinicamente no fenótipo. Neste caso requer-se que dois heterozigotos normais com alelos modificados recessivos transmitam-nos ao filho e sua chance de apresentar esta condição em seu genótipo e fenótipo é de 25%. Estas doenças são raras, pois a probabilidade de casamentos entre heterozigotos normais com os alelos modificados recessivos é pequena e por isso estas doenças ocorrem mais em casamentos consangüíneos.

Figura 7


O padrão de herança de situações ou doenças monogênicas ou mendelianas pode facilmente ser indicado por heredogramas classicamente estabelecidos por meio de um levantamento cuidadoso da história familiar do paciente e com os dados detalhados sobre os pais, avós, irmãos, tios e primos.

A manifestação clínica de um gene autossômico dominante nem sempre ocorre e neste caso afirma-se que o gene não teve penetrância, mas pode transmitir o gene para sua prole. Ainda, o gene pode nos vários irmãos manifestar-se de forma variada clinicamente em função da intensidade das modificações determinadas e esta característica apresentada por certos genes é referida como expressividade variável.

Doenças ou situações multifatoriais: requerem para sua manifestação a interação de genes e de fatores ambientais quando não necessariamente de um erro genético específico. Entre os fatores ambientais encontra-se o cigarro, álcool, drogas, dieta e estresse emocional; estes mesmos fatores, por exemplo, estão relacionados com a etiopatogenia das fissuras labiopalatinas. Outros exemplos são a epilepsia, a diabete melito, as doenças coronarianas, a asma brônquica e a esquizofrenia. Os fatores ambientais atuam paralelamente aos genéticos3.

Doenças cromossômicas: ocorrem por defeitos nos cromossomos; em partes do cromossomo, em um dos braços, ou em cromossomos inteiros defeituosos, ausentes ou triplicados. Nestes casos, muitos genes estão ausentes, defeituosos ou em número equivocado e o quadro clínico é grave, quando compatível com a vida, pois na maioria dos casos esta compatibilidade não existe. São as referidas doenças e síndromes por defeitos no número ou na estrutura cromossômica, sem uma conotação genética específica propriamente dita. A trissomia 21 ou síndrome de Down é um exemplo clássico.

Doenças genéticas das células somáticas: são caracterizadas pela modificação genética em células somáticas de indivíduos normais ao nascimento. As células somáticas são todas as células do organismo com exceção dos gametas. Radiações, vírus, substâncias químicas podem mudar o genoma de células somáticas gerando neoplasias malignas, envelhecimento precoce ou defeito funcionais bioquímicos. Estas doenças não têm como ser transmitidas aos filhos, pois os gametas não se encontram alterados. Entretanto, não deixam de apresentar natureza genética, embora não sejam hereditárias.

REQUISITO PRINCIPAL PARA A REABSORÇÃO DENTÁRIA: ELIMINAÇÃO DOS CEMENTOBLASTOS

Para a ocorrência da reabsorção dentária radicular externa são necessários alguns requisitos básicos listados a seguir:

• Os cementoblastos devem ser eliminados da superfície da raiz dentária;

• Para que a raiz dentária seja exposta a outras células, os cementoblastos são removidos por ação direta ou local em forma de algum agente físico como forças, instrumentação cirúrgica, calor, ou algum agente biológico, como toxinas e enzimas bacterianas, ou algum agente químico, como clareadores dentários em certas situações especiais;

• Os clastos, osteoblastos e macrófagos juntamente com os inúmeros mediadores das reabsorções ósseas apenas atuam na superfície da raiz se houver eliminação dos cementoblastos, mesmo que os clastos estejam próximos ou em grande quantidade;

• Os cementoblastos são surdos aos mediadores da reabsorção óssea ou dentária, não recebendo assim suas ordens ou mensagens; eles não apresentam receptores de superfície. Algo precisa eliminar os cementoblastos do local física, biológica ou quimicamente;

• Se faltar ou diminuir um ou outro mediador da reabsorção óssea ocorre uma compensação, pois os demais mediadores são numerosos em quantidade e variedade, não existe apenas um mediador da reabsorção, mesmo que seja um dos vários tipos de interleucinas.

• Não se conhece nenhuma doença em que o paciente apresente receptores aos mediadores da reabsorção dentária e óssea, quer seja adquirida, ou geneticamente determinada.

• Não existe nenhuma doença sistêmica em que se tenha estabelecido ou cuja característica principal seja a eliminação dos cementoblastos das raízes dentárias, logo não é possível atribuir a influência de fatores sistêmicos às reabsorções, pois para isto seria necessária a remoção, de alguma forma, dos cementoblastos da raiz dentária.

OS CONCEITOS ABORDADOS E SUAS IMPLICAÇÕES NA ETIOPATOGENIA DAS REABSORÇÕES DENTÁRIAS NA PRÁTICA CLÍNICA ORTODÔNTICA

Há uma quantidade muito grande de fatores ambientais envolvidos na etiopatogenia das reabsorções dentárias durante a movimentação ortodôntica como: tipo de má oclusão, tipo e extensão do movimento dentário induzido, forma e cumprimento da raiz, intensidade e distribuição da força, densidade e altura do osso alveolar, tipo de mecânica aplicada, história dentária anterior como bruxismo, traumatismo dentário prévio, lesões periapicais, doença periodontal, onicofagia e outros vícios.

Para resgatarmos alguma possibilidade da reabsorção dentária em tratamentos ortodônticos ter uma origem genética têm-se que eliminar todas estas variáveis citadas anteriormente e intimamente relacionadas com as suas causas. Deve-se ressaltar que não podemos nos fundamentar em opiniões, teorias, experiências pessoais empiricamente analisadas e relatadas ou em dogmas classicamente estabelecidos.

Uma observação muito importante foi feita por Farah6: “Na prática, a determinação de que uma doença é de origem genética ou tem, pelo menos, uma forte influência dos genes é muito mais complicada do que pode parecer. O fato de uma doença manifestar-se em vários membros de uma mesma família não é prova suficiente de que ela é genética. Pode ser que esta família esteja exposta aos mesmos fatores desfavoráveis do ambiente, como agentes infecciosos ou maus hábitos alimentares”. Podemos acrescentar que quando irmãos têm reabsorções dentárias parecidas em sua morfologia e severidade isto pode estar relacionado à forma e tamanho das raízes, tipo de má oclusão, técnica ortodôntica realizada, morfologia facial, etc. Mas, de imediato, e equivocadamente, procura-se atribuir estas reabsorções a fatores genéticos ou a predisposição individual, expressões muito vagas em um contexto verdadeiramente científico.

Se debruçarmos em cada conceito genético, não conseguiremos encontrar uma explicação para a chamada “predisposição individual” ou “predisposição familiar” ou “fator predisponente individual” para as reabsorções dentárias em tratamento ortodôntico.

Não há estudos com grupo controle ou metodologia adequada que permita, por menor que seja, a suspeita de uma possibilidade genética para os casos de reabsorção dentária, e mais especificamente ainda, às induzidas pelo movimento ortodôntico. Alguns poucos estudos procuraram abordar a relação entre genética, hereditariedade e reabsorções dentárias em movimentação ortodôntica, mas os próprios autores reconhecem as grandes limitações de sua amostra e metodologia utilizada1,10,16.

Deve-se ressaltar que todos mediadores sintetizados e liberados nas áreas de reabsorção dentária, as células que executam a reabsorção, as enzimas liberadas, enfim todo o fenômeno é determinado por genes que comandam a função celular, mas a ocorrência do fenômeno não é desencadeada por um gene específico voltado para as reabsorções dentárias. Praticamente todas as funções celulares e teciduais do organismo são geneticamente determinadas. E, uma vez resgatados os conceitos anteriormente relacionados neste artigo, o fato de ser genético, não necessariamente confere uma conotação hereditária ao fenômeno da reabsorção dentária durante a movimentação ortodôntica. Muito menos ainda dá uma conotação de predisposição individual ou genética. A natureza genética de uma doença ou situação não necessariamente lhe confere automaticamente a característica de hereditariedade.

Para aproximarmos um pouco mais as reabsorções dentárias da genética podemos relacionar a forma da raiz dentária, a forma da crista óssea e a morfologia dos maxilares a uma melhor distribuição de forças durante a movimentação ortodôntica.

Os dentes com raízes triangulares tendem concentrar as forças no terço apical e lesar mais freqüentemente a camada de cementoblastos, que protegem a estrutura dentária da reabsorção. O mesmo ocorre em dentes com cristas ósseas alveolares retangulares, pois apresentam menor deflexão e aumentam assim a intensidade da força sobre o ligamento periodontal8. A forma da raiz dentária e da crista óssea alveolar é fortemente influenciada, mas não exclusivamente determinada, pela hereditariedade, pois também sofre influência de fatores ambientais. Esta relação pode ser estabelecida dentro dos seus limites naturais14. Na formação dos indivíduos, os fatores ambientais são muito importantes e devem ser relevados nos estudos genéticos3.

A forma e o tamanho da raiz e da crista óssea alveolar podem ser determinados radiograficamente em películas periapicais. Se o paciente apresenta morfologias compatíveis com uma maior previsibilidade de reabsorção dentária durante a movimentação ortodôntica, ainda assim não se pode afirmar que o mesmo apresenta uma predisposição individual ou predisposição genética, pois o termo “pré” indica tendência já estabelecida, codificada e recebida previamente. O paciente com estas características morfológicas não possui genes, ou células, ou moléculas, programadas em seu DNA para desencadear o fenômeno tecidual da reabsorção radicular.

A reabsorção radicular na movimentação ortodôntica ocorre em função da atuação das forças sobre o ligamento periodontal, eliminando os cementoblastos da superfície radicular, em maior ou menor extensão. A morfologia referida detectada permite sim estabelecer uma previsibilidade de que reabsorções radiculares podem ocorrer no paciente portador. O conceito de previsibilidade alarga os horizontes do tratamento ortodôntico em relação às reabsorções radiculares quanto ao controle, prognóstico e segurança na abordagem do paciente durante o planejamento do tratamento.

Alguns dados dos trabalhos analisados se revelaram extremamente frágeis e resumidamente pode-se destacar 3 deles: a) o gene seria responsável, pois se relacionaria à síntese de um dos vários mediadores que atuam nos fenômenos da reabsorção óssea a partir de seu polimorfismo, b) a distribuição em grupos estabelecidos por meio de diagnósticos de reabsorção dentária em radiografias panorâmicas e telerradiografias em norma lateral (cefalométricas); c) o limite de 2mm de perda apical em apenas um dente, os demais foram desprezados, pois estatisticamente revelaram-se insignificantes nos resultados.

Em uma situação hipotética, vamos desconsiderar todos os equívocos e limitações, a maior parte apontada pelos próprios autores dos artigos analisados; ainda assim os resultados seriam frágeis demais para as afirmações encontradas nos títulos dos trabalhos e em suas conclusões.

Recentemente duas revistas prestigiosas dedicadas à ciência apresentaram artigos revisando o papel do DNA no controle das funções e das características de nosso organismo. Em novembro de 2003 a revista francesa Sciences et Avenir publicou um dossiê realizado por Jean-Baptiste, Rate11 intitulado “O declínio do império do DNA” no qual revisaram a existência de DNA silencioso, de RNA interferidor no processo de transmissão genética, de proteínas inibidoras e da influência do DNA mitocondrial. Todos estes fatores modificam e estão relacionados à transmissão genética e hereditária, não apenas como uma função exclusiva do DNA nuclear. São nominados como fatores epigenéticos. Na Scientific American, em dezembro de 2003, no artigo de Gibbs9 “O genoma oculto, além do DNA” abordou também estes aspectos, valorizando e demonstrando que a afirmação de que determinada característica é genética e hereditária requer cuidados e metodologias minuciosas, checadas e interpretadas à luz dos conhecimentos gerais e atuais.

Figura 8


Figura 9


CONSIDERAÇÃO FINAL

A partir destas observações, podemos afirmar: como é bom sabermos que na espécie humana não há populações ou indivíduos predispostos genética ou hereditariamente às reabsorções dentárias, pois foi em função desta propriedade que a Ortodontia pôde se estabelecer de forma ampla e irrestrita entre nós, como uma ciência tão segura.

A respeito da relação que se procura estabelecer quanto à natureza hereditária das reabsorções dentárias em Ortodontia? Voltemos à estaca zero, ou seja, não há qualquer evidência minimamente criteriosa de que esta possibilidade exista. Todas as evidências clínicas e experimentais demonstram que as reabsorções relacionam-se com fatores ambientais locais.

  • 1
    Al-QAWASMI, R. A. et al. Genetic predisposition to external apical root resorption. Am J Orthod Dentofacial Orthop, St. Louis, v.123, no. 3, p. 242-252, Mar. 2003.
  • 2
    BELL, J. I. The double helix in clinical practice. Nature, London, v. 421, no. 6921, p. 414-416, Jan. 2003
  • 3
    CHAKRAVARTI, A.; LITTLE, P. Nature, nurture and human disease. Nature, London, v. 421, no. 6921, p. 412-414, Jan. 2003.
  • 4
    FARAH, S. B. Da célula ao DNA. In:_______. DNA segredos e mistérios. São Paulo: Sarvier, 2000. cap. 1, p. 1-36.
  • 5
    FARAH, S. B. Decifrando o genoma humano. In:_______. DNA segredos e mistérios. São Paulo: Sarvier, 2000. cap. 4, p. 69-101.
  • 6
    FARAH, S. B. DNA No diagnóstico das doenças humanas. In:_______. DNA segredos e mistérios. São Paulo: Sarvier, 2000. cap. 5, p. 103-140.
  • 7
    FRIEDBERG, E. C. DNA damage and repair. Nature, London,                v. 421, no. 6921, p. 436-440, Jan. 2003.
  • 8
    FURQUIM, L. Z. Perfil endocrinológico de pacientes ortodônticos com e sem reabsorções dentárias. Bauru, 2001. Tese (Doutorado) - Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo.
  • 9
    GIBBS, W. W. O genoma oculto, além do DNA. Sci Am, New York, v. 289, no. 6, 78-85, Dec. 2003.
  • 10
    HARRIS, E. F.; KINERET, S. E.; TOLLEY, E. A. A heritable component for external apical root resorption in patients treated orthodontically. Am J Orthod Dentofacial Orthop, St. Louis, v.111, p. 301-309, 1997.
  • 11
    JEAN-BAPTISTE, P.; RATEL, H. Le déclin de l´empire ADN. Sci Avenir, Paris, n. 681, p. 56-62, nov. 2003.
  • 12
    KEMP, M. The Mona Lisa of modern science. Nature, London, v. 421, no. 6921, p. 416-420, Jan. 2003.
  • 13
    KLUG, W. S.; CUMMINGS, M. R. Concepts of genetics. 5th ed. Upper Saddle River: Prentice Hall, c1997.
  • 14
    KOVACS, I. Contribution to the ontogenetic morphology of roots of human teeth. J Dent Res, Chicago, v. 46, p. 865-74, 1967.
  • 15
    McCARTY, M. Discovering genes are made DNA. Nature, London, v. 421, no. 6921, p. 406, Jan. 2003
  • 16
    NEWMAN, W. G. Possible etiologic factor in external root resorption. Am J Orthod, St. Louis, v. 67, p. 522-539, 1975.
  • Correspondência:
    Prof. Dr. Alberto Consolaro
    Alameda Octávio Pinheiro Brisolla, 9-75 - Vila Universitária
    CEP 17 012 – 901 - Bauru – SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Maio 2004
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