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Retenção prolongada de molares decíduos: diagnóstico, etiologia e tratamento

Prolonged retention of deciduous molars: diagnosis, aetiology and treatment

Resumos

Este estudo apresenta uma revisão de literatura e um relato de dois casos clínicos sobre retenção prolongada de molares decíduos, com o objetivo de descrever os meios de diagnóstico, a etiologia, as implicações clínicas e o tratamento desta condição. Fatores etiológicos locais, ambientais ou genéticos podem levar à retenção de molares decíduos, interferindo na seqüência normal de erupção dos pré-molares. Nos dois casos clínicos apresentados, os pacientes apresentaram um quadro de erupção dentária incompatível com a idade cronológica. A conduta terapêutica baseou-se na realização de exodontias dos elementos retidos, seguida da manutenção de espaço e controle clínico e radiográfico até a erupção dos sucessores. O diagnóstico e a intervenção precoces são de fundamental importância para evitar danos à oclusão.

Retenção prolongada; Molares decíduos; Tratamento


This paper consist of a literature review about the prolonged retention of the primary molars and two clinical case reports with the purpose of describing the the diagnosis, etiology, the clinical implication and the recommend treatment for this condition. Local, environmental or genetic etiological factors may lead to over-retention of primary molars, interfering in the normal sequence of the eruption of the premolars. In the two case reports presented the patients'dental eruption showed not to be compatible to their chronological age. The recommended treatment was based on the extraction of the retained elements followed by the space maintenance and by clinical and radiographic control until the eruption of the succedaneous teeth.The early diagnosis and intervention are very important to prevent damages to the occlusion.

Retention; Deciduous molars; Treatment


ARTIGO INÉDITO

Retenção prolongada de molares decíduos: Diagnóstico, etiologia e tratamento** Resumo de Monografia de conclusão do Curso de Especialização em Odontopediatria pela FO-UERJ.

Prolonged retention of deciduous molars: Diagnosis, aetiology and treatment

Flávia Santos TeixeiraI; Vera CamposII; Constance MitchellIII; Laura Maria Barbosa de CarvalhoV

IEspecialista em Odontopediatria pela FO-UERJ

IIMestre em Odontopediatria. Professora Assistente da Disciplina de Odontopediatria da FO-UERJ

IIIMestre em Odontopediatria pela FO-UERJ. Especialista em Ortodontia pela UFF-RJ

IVEspecialista em Odontopediatria pela FO-UERJ

Endereço para correspondência Vera Campos Bl. 28 de Setembro, 157. Disciplina de Odontopediatria Vila Isabel. Rio de Janeiro/RJ CEP: 20551-030

RESUMO

Este estudo apresenta uma revisão de literatura e um relato de dois casos clínicos sobre retenção prolongada de molares decíduos, com o objetivo de descrever os meios de diagnóstico, a etiologia, as implicações clínicas e o tratamento desta condição. Fatores etiológicos locais, ambientais ou genéticos podem levar à retenção de molares decíduos, interferindo na seqüência normal de erupção dos pré-molares. Nos dois casos clínicos apresentados, os pacientes apresentaram um quadro de erupção dentária incompatível com a idade cronológica. A conduta terapêutica baseou-se na realização de exodontias dos elementos retidos, seguida da manutenção de espaço e controle clínico e radiográfico até a erupção dos sucessores. O diagnóstico e a intervenção precoces são de fundamental importância para evitar danos à oclusão.

Palavras-chave: Retenção prolongada. Molares decíduos. Tratamento.

ABSTRACT

This paper consist of a literature review about the prolonged retention of the primary molars and two clinical case reports with the purpose of describing the the diagnosis, etiology, the clinical implication and the recommend treatment for this condition. Local, environmental or genetic etiological factors may lead to over-retention of primary molars, interfering in the normal sequence of the eruption of the premolars. In the two case reports presented the patients'dental eruption showed not to be compatible to their chronological age. The recommended treatment was based on the extraction of the retained elements followed by the space maintenance and by clinical and radiographic control until the eruption of the succedaneous teeth.The early diagnosis and intervention are very important to prevent damages to the occlusion.

Key words: Retention. Deciduous molars. Treatment.

INTRODUÇÃO

Erupção dentária é o processo no qual o dente migra de sua localização intra-óssea até sua posição funcional na cavidade oral12,20. A erupção normal, tanto do ponto de vista do tempo, como da posição de cada dente é um dos processos decisivos no desenvolvimento de uma dentadura bemformada e equilibrada2.

Os fatores etiológicos, sejam de origem local, ambiental ou genética, podem influenciar o processo de erupção dos dentes permanentes. A retenção prolongada dos molares decíduos exige atenção por parte do clínico geral, do odontopediatra e do ortodontista, pois ao impedir a erupção normal dos sucessores pode causar danos à oclusão do paciente.

Especial atenção deve ser dada na substituição dos caninos e molares decíduos pelos sucessores correspondentes10. É importante que a erupção deste grupo de dentes obedeça a uma seqüência que favoreça a oclusão. Na mandíbula, é desejável que a erupção dos caninos seja seguida da dos primeiros e segundos pré-molares. Na maxila a seqüência ideal de erupção é primeiro pré-molar, segundo pré-molar e canino. Por último, a erupccedil;ão dos segundos e terceiros molares permanentes, tanto na mandíbula quanto na maxila16.

A reabsorção normal ou rizólise dos caninos e molares decíduos é um pré-requisito para a erupção normal de caninos e pré-molares15. A reabsorção dos molares decíduos inicia-se na superfície inter-radicular, na extremidade apical, já que os dentes sucessores encontram-se entre ou abaixo de suas raízes5. O processo de reabsorção, uma vez iniciado, não procede de forma contínua, ou seja, é interrompido por períodos de deposição óssea na superfície reabsorvida11,15. Durante a erupção do dente permanente, o osso alveolar e as raízes dos dentes decíduos são reabsorvidos em extensão maior que a necessária para o movimento eruptivo do mesmo. Este excesso de reabsorção é reparado por nova formação de osso e cemento no período de repouso11.Apesar de os períodos de repouso serem mais longos, a reabsorção predomina e o resultado final é a esfoliação do dente decíduo. Os dentes permanentes só erupcionam quando as raízes dos decíduos forem adequadamente reabsorvidas15. Isto acontece porque a reabsorção radicular normal orienta a erupção do sucessor7. Caso a reabsorção radicular dos molares decíduos não aconteça de maneira uniforme e adequada, poderá ocorrer a retenção prolongada destes elementos, com conseqüente atraso na erupção8.

Para entender as causas que determinam a retenção prolongada dos molares decíduos, é imprescindível conhecer os fatores que influenciam o processo de reabsorção radicular4. O conhecimento sobre o processo fisiológico que resulta na reabsorção radicular dos molares decíduos ainda não é bem compreendido15,23. São vários os fatores que influenciam o processo de rizólise tais como: a intensidade da atividade colagenolítica da dentina, cemento e ligamento periodontal; o grau de vascularização, a influência do sistema nervoso; a pressão exercida pelo germe do pré-molar durante o movimento eruptivo; a atividade das glândulas endócrinas e o desenvolvimento geral do paciente4,9,15,23. A intensificação da pressão funcional pelo aumento da força e crescimento dos músculos da mastigação sobre os dentes decíduos também irá resultar na reabsorção radicular fisiológica23. Qualquer alteração destes fatores poderá levar à reabsorção radicular anormal, tendo como conseqüência a retenção prolongada dos molares decíduos19 .

A etiologia da retenção prolongada dos molares decíduos está relacionada a fatores hereditários, ambientais e locais5,9,14. As alterações de origem genética podem aparecer pré-natalmente ou não serem vistas por muitos anos após o nascimento, como por exemplo os padrões de erupção e esfoliação dentária. O padrão hereditário no crescimento craniofacial e na etiologia da má oclusão tem sido objeto de pesquisas e estudos, todavia, pouco se sabe a respeito16. Entre os fatores ambientais, as deficiências nutricionais e alterações metabólicas, como os processos febris agudos, podem diminuir o ritmo do crescimento e desenvolvimento da criança, acarretando atraso na reabsorção radicular dos molares decíduos8,9. Distúrbios endócrinos também podem causar transtornos no desenvolvimento dentário com conseqüente atraso na esfoliação dos molares decíduos8,9. O hipotireoidismo é uma das alterações endócrinas mais comumente associadas à retenção prolongada de tais elementos13,23. O tipo congênito conhecido como cretinismo é resultante da ausência ou desenvolvimento deficiente da glândula tireóide e de produção insuficiente de seu hormônio. O tipo juvenil ou adquirido resulta de uma disfunção da tireóide entre os 6 e 12 anos. Nos casos não tratados, pode ocorrer esfoliação tardia dos dentes decíduos e erupção retardada dos permanentes. A deficiência na secreção do hormônio de crescimento por hipofunção da glândula pituitária é uma condição congênita chamada de hipopituitarismo. Em casos graves, os dentes decíduos podem ficar retidos por toda a vida13.

Outras condições congênitas de origem não hormonal também têm sido associadas à retenção prolongada dos referidos elementos dentários. A trissomia do cromossomo 21 é uma das anomalias congênitas em que ocorre seqüência anormal de erupção, e alguns dentes decíduos podem ficar retidos até os 14 ou 15 anos de idade. Outra síndrome congênita rara, a displasia cleidocraniana, também influencia o processo de erupção, sendo comum a dentadura permanente completar-se aos 15 anos de idade devido à reabsorção tardia dos dentes decíduos13.

Os fatores locais ou intrínsecos que levam à retenção prolongada dos molares decíduos são aqueles inerentes à cavidade bucal8. A infecção dos molares decíduos com polpa necrótica torna a reabsorção lenta, estendendo o tempo de permanência dos mesmos no arco dentário11,15. O mesmo acontece quando o germe permanente encontra-se em posição ectópica, podendo levar a uma reabsorção irregular e não gradativa dos antecessores4. A rigidez do periodonto e a falta de sincronia entre o processo de rizólise e rizogênese podem propiciar a retenção prolongada do dente decíduo7. Uma condição comumente associada à retenção dos molares decíduos é a anquilose dentária6,8,13,23. Embora alguns molares decíduos anquilosados esfoliem normalmente, não interferindo no desenvolvimento do sucessor, a maioria permanece retida após a época normal de permanência no arco dentário6.

Há poucas dúvidas de que o crescimento e a erupção do sucessor permanente criam um estímulo para a reabsorção do decíduo, isto é, a pressão exercida pelo dente permanente desempenha papel significativo. A primeira descrição científica de reabsorção de dentes decíduos foi dada por Linderer (apud KRONFELD, CHICAGO11), na metade do século XIX, que definiu que as raízes dos dentes decíduos são reabsorvidas pelo folículo do dente permanente11. É preciso haver um contato direto entre o dente decíduo e o germe do permanente, durante o movimento eruptivo19. Esse processo é retardado quando o germe do permanente está ausente15 Entretanto, na maioria dos casos, a reabsorção radicular dos dentes decíduos irá ocorrer mesmo na ausência do sucessor permanente, sendo, porém lenta, o que determinará a permanência dos elementos decíduos no arco dentário por um período de tempo maior que o normal15,23.

A erupção ectópica de um pré-molar significa uma mudança no seu curso normal de erupção, podendo este erupcionar fora de sua posição habitual, em qualquer posição no osso alveolar ou basal7,16. O posicionamento incorreto dos pré-molares poderá acarretar danos para a oclusão com problemas clínicos evidentes como deficiência no comprimento do arco, apinhamentos, mordida cruzada, além de propiciar o desenvolvimento de doenças periodontais ou de cárie4.

Para um diagnóstico correto da retenção prolongada dos molares decíduos, o clínico deve utilizar recursos como exames clínico e radiográfico, anamnese detalhada, modelos de estudo e fotografias1.

O exame clínico é a etapa do diagnóstico onde se deve estar atento a sinais que poderão indicar alterações no desenvolvimento dentário. É de fundamental importância contar o número de dentes no arco e verificar a seqüência de erupção, além de correlacionar a idade dentária com a idade cronológica da criança8. De acordo com Kronfeld e Bur (apud MCDONALD, AVERY13), os primeiros pré-molares superiores erupcionam por volta dos 10 ou 11 anos de idade e os inferiores aos 10 ou 12 anos. Os segundos pré-molares superiores erupcionam por volta dos 10 ou12 anos de idade, e os inferiores aos 11 ou 12 anos. Entretanto, os limites normais de esfoliação dos dentes decíduos são muito amplos e o profissional deve ter em mente a cronologia individual de erupção de cada paciente8,13,16. A cronologia de esfoliação e erupção deve ser avaliada nos quatro hemiarcos8.

A infância é um período dinâmico e um exame radiográfico pode ser de grande valia no diagnóstico precoce de problemas de desenvolvimento e crescimento21. A radiografia periapical é rica em detalhes e oferece melhor definição21. Esta radiografia é a primeira a ser utilizada quando se suspeita de possível atraso na reabsorção radicular de um dente decíduo. Entretanto, em se tratando de alterações na cronologia de erupção, a radiografia panorâmica é a ideal, pois permite comparar a cronologia de erupção entre os arcos superior e inferior e entre os quadrantes direito e esquerdo. Uma das grandes vantagens da radiografia panorâmica é a sua abrangência3,21. Em um único filme e com uma dose de radiação baixa é possível registrar toda a região dos maxilares, projetando estruturas anatômicas e suas relações normais com a face21.Também permite verificar o grau de reabsorção radicular dos dentes decíduos, assim como o estágio de calcificação dos dentes permanentes16. Na anamnese é possível colher dados que confirmem ou não as suspeitas encontradas durante o exame clínico. Diante da possibilidade de atraso na esfoliação dos molares decíduos, deve ser levada em consideração a idade em que os dentes decíduos erupcionaram e a idade em que os incisivos decíduos foram substituídos8. O padrão hereditário também é um fator importante, devendo ser questionado se houve atraso no padrão de desenvolvimento dentário dos pais e irmãos8,9. Alterações endócrinas são muito comuns, sendo importante investigar a presença de hipotireoidismo e hipopituitarismo8,9,13,23.

Os modelos de estudos têm um papel relevante no diagnóstico de tais alterações, mostrando o alinhamento dos dentes e os processos alveolares. A vista oclusal permite analisar a forma e simetria do arco dentário, o alinhamento dos dentes, a forma do palato, tamanho e forma dos dentes, as rotações dentárias, a inserção de freios, a curvatura oclusal, assim como as inclinações axiais dos dentes. Ao articular os modelos superior e inferior, é possível observar as relações oclusais e a coincidência das linhas médias16.

As fotografias intrabucais padronizadas são também dados complementares do diagnóstico. Os pais e os pacientes podem interpretar melhor as condições e as mudanças no decorrer do tratamento16. O prontuário odontológico do paciente munido de toda documentação citada, permite acompanhamento adequado das mudanças do crescimento inerentes às fases de dentadura mista e permanente.

O planejamento é fundamental na execução do tratamento e as análises cefalométrica e de discrepância podem complementar o diagnóstico7,10,16. O traçado cefalométrico é útil no diagnóstico de deformidades craniofaciais, pois revelam as relações entre as diversas partes da face e suas contribuições para a deformidade16. A análise de discrepância permite avaliar o espaço disponível para caninos e pré-molares10,16.

Ainda persistem dúvidas se o padrão de reabsorção anormal dos molares decíduos é a causa ou a conseqüência de uma via de erupção anormal dos pré-molares7. Quando um padrão anormal de reabsorção radicular de um dente decíduo é detectado, não importando ser a causa ou a conseqüência, a conduta deve ser a exodontia deste elemento e a confecção e colocação de um aparelho mantenedor de espaço7,8,13,22,23. Este aparelho deverá ser colocado, quando houver perda de dentes decíduos, desde que sejam verificadas as seguintes condições16: se o sucessor permanente estiver presente e desenvolvendo-se normalmente; se o comprimento do arco não diminuiu; se o espaço do dente que foi per-dido não diminuiu; se a intercuspidação do molar ou do canino não foi alterada pela perda; se houver uma predileção favorável da análise de discrepância.

A manutenção do perímetro do arco em crianças envolve não somente aparelhos mecânicos, mas, também, um bom conhecimento sobre os processos biológicos das mudanças na dentadura. O planejamento para a manutenção do espaço deve ser feito antes de o dente ser extraído para que não ocorra redução do espaço7. Na maioria das vezes, os arcos lingual e palatino são os aparelhos mantenedores de espaço indicados após perda múltipla de molares decíduos, porém, duas considerações importantes devem ser enfatizadas: deve ser completamente passivo, a fim de evitar movimentos indesejáveis dos dentes bases e os anéis ortodônticos devem ser cuidadosamente adaptados e cimentados13 . Após a realização das exodontias e da adaptação do mantenedor, é imprescindível o controle clínico e radiográfico periódicos, até a erupção dos sucessores no arco dentário.

O objetivo deste estudo foi descrever os meios de diagnósticos e ilustrar as causas, implicações clínicas e tratamento da retenção prolongada de molares decíduos.

RELATO DE CASOS

Caso clínico 1

A paciente R. R. R. S., 12 anos de idade, gênero feminino, apresentou-se à clínica de Odontopediatria da FO-UERJ com queixa de dor dentária generalizada, que se manifestava principalmente no período da manhã, diminuindo no decorrer do dia. No exame clínico, constatou-se um quadro de erupção dentária incompatível com a idade cronológica, estando presentes os elementos dentários 11, 12, 53, 54, 55, 16, 21, 22, 63, 64, 65, 26, 31, 32, 73, 74, 75, 36, 41, 42, 83, 84, 85 e 46. A paciente apresentava relação molar Classe I de Angle e arcos parabólicos (Fig.1 e 2). Não houve relato de comprometimento sistêmico de relevância, deficiências nutricionais ou anomalias congênitas. Foi solicitado um parecer ao endocrinologista sobre a função tireoidiana, não sendo encontrada qualquer alteração digna de nota. Segundo relato da mãe, houve atraso na erupção dos dentes permanentes do pai e da irmã da paciente.


Foram solicitados exames radiográficos intra e extrabucais. O exame radiográfico panorâmico revelou a retenção prolongada dos elementos 73 e 83, não havendo nenhuma evidência de reabsorção radicular dos mesmos, assim como dos elementos 74, 75, 84 e 85, estando os sucessores nos estágios 8 e 9 de Nolla. No arco superior, os elementos 14 e 24 se encontravam no estágio 9 de Nolla e seus antecessores sem nenhuma reabsorção radicular. Os elementos 13 e 23 encontravam-se no estágio 9 de Nolla e em posição desfavorável no que diz respeito ao trajeto de erupção (Fig. 3).


A análise cefalométrica revelou um ANB de 5º (Steiner), um Ângulo Facial de 89º e um Ângulo de Convexidade de 11º (Downs).Os incisivos inferiores estavam ligeiramente projetados, com um ângulo IMPA = 94º (Tweed) e 1: NB = 34º (Steiner). Os incisivos superiores estavam bem posicionados com o ângulo 1: NA = 26º. Tendência de crescimento proporcional: Eixo y = 63º (Downs); FMA = 29º (Tweed); Gogn-SN = 38º (Fig. 4, 5).



Após a confecção dos modelos foi realizada a análise de discrepância dos arcos (tabela de Moyers), tendo como resultado discrepâncias negativas nos arcos inferior (-2,8 mm) e superior (- 3,5 mm).

Como tratamento, foi indicado um aparelho mantenedor de espaço fixo do tipo arco transpalatino, seguido das exodontias dos elementos 53, 63, 64 e 54. No arco inferior, foi cimentado um arco lingual, seguido das exodontias programadas dos elementos 83, 73, 74, 84, 75 e 85 (Fig. 6, 7). Após dezesseis meses de tratamento e erupção dos elementos 13, 14, 15, 24 e 25, o arco transpalatino foi removido. O aparelho inferior foi removido após erupção dos elementos 33, 34, 35, 43, 44 e 45, totalizando doze meses de uso. Devido a uma possível falta de espaço para a erupção do elemento 23, a paciente foi encaminhada para tratamento ortodôntico corretivo (Fig. 8, 9, 10).





Caso clínico 2

O paciente G. A. B., 12 anos de idade, gênero masculino, apresentou-se à Clínica de Odontopediatria da FO-UERJ com um quadro de erupção no arco inferior incompatível com a idade cronológica. Através do exame clínico, suspeitou-se da retenção prolongada dos elementos dentários 72, 73 e 83, devido à total ausência de mobilidade dos mesmos. O elemento 32 apresentava-se em linguo-versão devido à falta de espaço provocada pela permanência do elemento 72. No arco superior, encontrouse uma situação compatível com a normalidade, estando presentes os elementos decíduos 53, 63 e 65. O paciente possuía relação molar de Classe I de Angle, com overjet de 4 mm, arco superior parabólico e o arco inferior elíptico, sem desvio da linha média. Apresentava restos radiculares dos elementos 55 e 64 (Fig. 11, 12).


Durante a anamnese, a mãe relatou não haver qualquer alteração sistêmica de relevância, deficiências nutricionais ou anomalias congênitas. Foi investigada a possibilidade de disfunção tireoidiana, mas os exames clínico e laboratorial não confirmaram essa hipótese. De acordo com relatos, a mãe e a avó materna do paciente também apresentaram atraso na erupção dos dentes permanentes.

A radiografia panorâmica revelou que os elementos 33, 34, 35, 43, 44 e 45 possuíam praticamente 2/3 de raiz formada, não havendo reabsorção das raízes dos elementos predecessores (Fig.13).


A análise cefalométrica registrou um ANB = 0º (Steiner), Ângulo Facial = 84º e Ângulo de Convexidade = 0º (Downs). Os incisivos superiores apresentavam-se levemente projetados, com o ângulo 1: NA = 32º (Steiner), porém no padrão de normalidade, uma vez que o paciente se encontrava na "Fase do Patinho Feio". Os incisivos inferiores apresentavam-se bem posicionados 1-NB = 6 mm (Steiner). At endência de crescimento era proporcional: Eixoy = 63º (Downs), GoGn-SN = 37º (Steiner), FMA = 30º (Tweed) (Fig. 14, 15).



No estudo dos modelos de gesso dos arcos dentários, a análise de discrepância, segundo Tanaka e Jonhson, revelou-se positiva nos arcos inferior e superior, +3,0 mm e +4,0 mm respectivamente.

Foi indicada a colocação de um arco lingual, seguida das exodontias programadas dos elementos 72, 73, 74, 74, 75 e 85. No arco superior, foi indicada a colocação de um arco de Nance para manter a relação molar de Classe I já existente. Os elementos 63 e 65 esfoliaram naturalmente, sendo necessária apenas a exodontia do 53 (Fig. 16, 17). Dezoito meses após o início do tratamento no arco inferior os elementos 34, 35, 44 e 45 já se encontravam erupcionados, e o arco lingual pôde, então, ser removido. O arco transpalatino foi removido após 10 meses de uso do aparelho, permanecendo o paciente sob controle até a erupção dos caninos, sendo posteriormente, encaminhado para tratamento ortodôntico corretivo (Fig. 18).



DISCUSSÃO

Durante a fase da dentadura mista, os dentes decíduos são substituídos pelos dentes permanentes. Este é um período dinâmico, cujas transformações exibem remodelações como o aparecimento das curvas de Spee e de Wilson e modificações na Articulação Têmporo Mandibular (ATM)10. A esfoliação de um dente decíduo, a erupção do permanente e o estabelecimento da oclusão ocorrem de forma seqüenciada, sendo acompanhados pelo crescimento e maturação das estruturas craniofaciais adjacentes e do sistema neuromuscular7. A seqüência normal de erupção dos dentes permanentes proporciona a porcentagem mais alta de oclusões normais. Porém uma alteração nessa seqüência pode permitir deslocamentos de dentes, resultando em diminuição de espaço7, 16.

A reabsorção radicular e esfoliação dos dentes decíduos são influenciadas por fatores locais, ambientais e hereditários5,9,14. Existe pouco conhecimento sobre a forma de como a herança genética influi no desenvolvimento da oclusão. Entretanto, é consenso geral que a hereditariedade tem uma função principal na etiologia das anomalias dentofacias16 . Uma alteração nestes fatores pode levar à reabsorção radicular anormal, o que resultará na retenção prolongada dos mesmos17 .

O reconhecimento de condições predisponentes à má oclusão em crianças é responsabilidade do clínico geral e do odontopediatra, que devem estar atentos na época da troca dos caninos e molares decíduos por caninos permanentes e pré-molares10. A retenção prolongada dos molares decíduos altera a via normal de erupção dos pré-molares, resultando na impactação, erupção ectópica7, reabsorção radicular de dentes adjacentes, formação cística, desenvolvimento de cárie e doença periodontal4,16. Tal condição pode ser diagnosticada precocemente, desde que a seqüência de erupção dos sucessores seja acompanhada periodicamente, através de exames clínico e radiográfico1,7.

Nos casos clínicos relatados, constatou-se clinicamente nos dois pacientes um quadro de erupção dentária não condizente com a idade cronológica dos mesmos. A paciente do caso 1, aos 12 anos de idade apresentava os elementos 73, 74, 83, 84, 54 e 64 sem qualquer sinal de mobilidade. O paciente do caso 2 também apresentava os elementos 72, 73,74,83 e 84 bastante firmes no arco.A anamnese possibilitou a suspeita da existência de um fator etiológico que justificasse a retenção prolongada dos molares decíduos. Não foram relatados pelos responsáveis dos pacientes quaisquer comprometimentos sistêmicos de relevância, deficiências nutricionais ou mesmo a presença de anomalias congênitas. Foi solicitado aos pacientes um parecer ao endocrinologista a fim de averiguar a existência de alterações como o hipotireoidismo e hipopituitarismo, porém a suspeita de tais alterações não foi confirmada. Tal procedimento está de acordo com a afirmativa de Graber8, ao sugerir que diante de atraso na cronologia de erupção, o profissional deve apurar a ocorrência de uma possível alteração endócrina. No caso clínico 1, a mãe relatou atraso na cronologia de erupção do pai e irmã da paciente. No segundo caso clínico, foi detectado um atraso na cronologia de erupção da mãe e avó materna. Os dados levam à conclusão de que nos dois casos, a hereditariedade seja o fator etiológico responsável pela retenção prolongada de tais elementos dentários. Esta hipótese baseia-se nas declarações de Moyers16 sobre a influência da hereditariedade nos padrões de erupção e esfoliação dentárias. O diagnóstico de retenção prolongada foi confirmado através do exame radiográfico panorâmico, cuja abrangência possibilita descobrir alterações de erupção ou de desenvolvimento3,21. A radiografia revelou estágio avançado de desenvolvimento dos sucessores, de acordo com a classificação de Nolla18, com um atraso significativo na reabsorção radicular dos antecessores. Análises cefalométrica e de discrepância foram utilizadas no planejamento dos casos clínicos descritos. O paciente do caso 1 apresentava discrepância superior e inferior negativas, porém menores que 4,0 mm e o paciente do caso 2 apresentava discrepância positiva, não havendo, portanto, problemas de espaço para a erupção dos pré-molares. Estas análises foram realizadas seguindo as recomendações de Moyers16 para um planejamento adequado.

Como conduta terapêutica desta condição, indica-se a exodontia dos elementos retidos, favorecendo o processo de erupção dos sucessores, seguida da colocação de um aparelho mantenedor de espaço7,8,13,23. O tratamento só deve ser iniciado após cuidadoso estudo e planejamento do caso, lembrando que o aparelho deve ser colocado antes da realização das exodontias para que não ocorra redução do espaço no arco dentário. Com base nos relatos de Silling, Keller e Feingold24, foram realizadas exodontias programadas. A escolha dos aparelhos mantenedores de espaço baseou-se nas indicações de Mc'Donald e Avery13 ao afirmarem ser os arcos lingual e transpalatino os preferidos nos casos de perda bilateral de dentes decíduos. Após a adaptação dos aparelhos mantenedores de espaço e a realização das exodontias, os pacientes foram monitorados clínica e radiograficamente até a erupção dos dentes sucessores e, posteriormente, encaminhados para tratamento ortodôntico corretivo.

CONCLUSÕES

Com base na literatura consultada e nos casos clínicos relatados, pôde-se concluir que:

1) O diagnóstico e a intervenção precoce em casos de retenção prolongada dos molares decíduos são de fundamental importância para minimizar ou até mesmo evitar danos à oclusão.

2) A retenção prolongada dos molares decíduos é causada por fatores locais, ambientais e hereditários, podendo levar ao desenvolvimento de más oclusões, à medida em que altera a seqüência normal de erupção dos dentes permanentes.

3) O tratamento adequado exige a exodontia dos elementos retidos, seguida da manutenção do espaço, além de controle periódico até a erupção dos pré-molares.

Endereço para correspondência

Revisado e aceito: Dezembro de 2003

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  • Vera Campos
    Bl. 28 de Setembro, 157. Disciplina de Odontopediatria
    Vila Isabel. Rio de Janeiro/RJ
    CEP: 20551-030
  • *
    Resumo de Monografia de conclusão do Curso de Especialização em Odontopediatria pela FO-UERJ.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      Dez 2003
    • Recebido
      Nov 2003
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