EDITORIAL
Artigos, artigos e mais artigos
Várias vezes por mês alguém me consulta a respeito de como escrever um artigo científico. São estudantes de pós-graduação, colegas de várias especialidades ou outras áreas. As dúvidas variam, cobrem campos diversos - do relato de caso à metanálise - e raramente se repetem. Nesses momentos, me lembro sempre de um dos maiores nomes da Odontologia do século 20, Robert Gorlin, famoso por ter emprestado seu nome a várias síndromes e sinais clínicos. Ele comentou, em um artigo em que relatava mais uma síndrome que descobrira, a sua dificuldade em escrever um artigo1. Escrever o quintucentésimo artigo, dizia ele, foi tão doloroso quanto escrever o primeiro e revisões repetidas eram rotina.
O seu tormento realça que o assunto é complexo e também vasto: há livros inteiros dedicados ao tema. Entretanto, alguns princípios gerais norteiam a prática da boa redação de um artigo.
Um importante fundamento é que a pesquisa seja totalmente delineada antes de serem coletados os primeiros dados, sejam eles variáveis clínicas ou artigos de uma revisão bibliográfica. O investimento em planejamento assegura que não se perderá tempo no transcorrer do trabalho, e permite que o pesquisador estruture suas idéias sobre o tema desde o início, facilitando a redação do artigo.
O segundo ponto é que há uma estrutura para os artigos científicos que precisa ser obedecida - as revistas disponibilizam aos autores instruções a esse respeito. Ela pode ter particularidades em algumas áreas do conhecimento. Os relatos de caso em Ortodontia diferem estruturalmente daqueles na área de Dentística. Entretanto, o modelo de referência para os artigos de pesquisa - comumente denominado IMReD (sigla derivada de Introdução, Material e Métodos, Resultados e Discussão) - é quase universal e foi formulado após décadas de evolução na preparação de artigos. A adesão a esse arquétipo ocasiona a reprodutibilidade da pesquisa e fluidez, além da agradabilibilidade no texto.
A importância deste último ponto, o texto, é muitas vezes subestimada pelos autores. Talvez exista a tendência de acreditar que a qualidade da informação técnica suplanta eventuais deficiências no vernáculo. Entretanto, é inevitável que revisores e editores, ao se depararem com um texto repleto de erros, perguntem a si mesmos: se o autor não teve o cuidado de redigir adequadamente o trabalho, será que ele foi cuidadoso com o ensaio, com a coleta de dados, com a análise estatística? Essa questão sublinha a relevância da cuidadosa revisão da língua que, idealmente, deve ser feita por um profissional da área.
Ao final desses passos, revisões, não re-revisões, ou melhor, re-re-revisões são fundamentais. O último dos quatro preceitos de Descartes2 sobre os quais se ergueu a ciência moderna foi "fazer em tudo enumerações tão completas e revisões tão gerais que eu tenha certeza de nada omitir". Vários autores de artigos muito citados já me relataram que algo em torno de dez profundas revisões é uma atitude normal.
O cômputo de todo esse conjunto de esforços é gratificante e se justifica. Isso pode ser testemunhado pela leitura dos artigos contidos nesse número.
O artigo destacado na capa propõe um inovativo sistema de forças para diminuir algumas resultantes indesejáveis na mecânica ortodôntica tradicional e é seguido por uma análise dos fatores que motivam os pacientes adultos a buscarem tratamento ortodôntico.
Um interessante trabalho de revisão trata da liberação de íons por biomateriais metálicos e mostra que devemos estar atentos a mais questões do que talvez estejamos.
Voltou à ordem do dia a forma do arco dentário inferior, devido às propostas de tratamento com expansão desse arco por diferentes sistemas de braquetes e arcos. Uma revisão da literatura apresenta o estado do conhecimento sobre o assunto.
Uma seqüência de artigos versa sobre resultados de diferentes tratamentos e é acompanhada pela apresentação de um novo conceito, em relação à cárie dentária, que pode alterar futuras práticas clínicas.
Boa leitura,
Jorge Faber
Editor
-
1GORLIN, R. J. Syndromes, syndromes and more syndromes. J. Dent. Res., Alexandria, v. 75, no. 2, p. 732-35, 1996.
-
2DESCARTES, R. Discurso do Método 1 ed. São Paulo: Paulus. 2003. 168 p.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Mar 2008 -
Data do Fascículo
Dez 2007