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Tratamento da má oclusão de Classe II de Angle em duas fases: avaliação da efetividade e eficácia por meio do índice PAR

Two phase treatment of Angle Class II: effectiveness and efficacy evaluation using the PAR index

Resumos

OBJETIVO: Do presente estudo foi comparar o resultado do tratamento ortodôntico de pacientes portadores de má oclusão classe II, divisão 1 tratados em uma e em duas fases (tratamento precoce). METODOLOGIA: A amostra final foi constituída de forma aleatória por 72 pacientes portadores de Classe II (31 do gênero masculino e 41 do gênero feminino), tratados por seis ortodontistas da rede privada. A idade média observada foi de 11,8 (dp=2,5) e 9,58 (dp=1,6) anos para os grupos de uma (n=36) e duas fases (n=36), respectivamente. RESULTADOS: As médias dos valores cefalométricos iniciais e do valor inicial do Índice de Avaliação entre Pares ou Peer Assessment Rating (PAR) nos dois grupos foram comparados pelo teste t-Student, não havendo diferença significativa entre eles, comprovando-se sua equivalência inicial com relação à gravidade dos casos. O resultado do tratamento foi avaliado aplicando-se o PAR aos modelos de estudo iniciais e finais dos pacientes entre os grupos (p=0,647), sendo encontrada uma redução média do índice de 83% e 85% para o grupo de uma e duas fases, respectivamente. A média de duração de tratamento total foi de 43,1 meses para o grupo de duas fases e de 35 meses para o grupo de uma fase, sendo a diferença entre eles significativa (p=0,0158). CONCLUSÕES: A correlação entre o tempo de tratamento e a gravidade inicial do caso foi baixa, porém positiva, contudo, não foi encontrada relação entre o gênero do paciente e a duração da intervenção, com a qualidade final da mesma. Apesar do presente estudo não ter identificado diferenças significativas entre resultados médios, futuros trabalhos deveriam ter como objetivo identificar, com mais exatidão, quais os tipos de pacientes a serem de fato beneficiados por um tratamento precoce.

Classe II de Angle; Tratamento precoce; Ortodontia corretiva


The aim of the present study was to compare orthodontic treatment results of Class II division 1 patients treated in one or two phases (early treatment). The sample was randomly composed by 72 Class II patients (31 males and 41 female), treated by six private orthodontists. The observed mean age was 12 (sd = 2.47) and 9.62 years old (sd= 1.51), respectively for the one phase (n=36) and the two phase treatment group (n=36). The mean initial cephalometric and PAR index values for both study groups were compared using the Student t-test, with no significant difference between them, demonstrating initial severity equivalence of the cases. The final orthodontic evaluation was done by only one calibrated operator, using the PAR index (Peer Assessment Rating) on study models. Results didn't show any statistical differences among the groups (p=0.647), with mean PAR reduction rate evaluated in 83% and 85% for one and two phase group respectively. The mean treatment time was 43.1 months for the two phase and 35 months for the one phase group (statistically significant, p=0,0158). The more severe was the case, the longer they would take to be finished, but no correlation was found between the duration of intervention, patient gender with the final quality result. Although the present study failed to show significant differences between mean orthodontic results, further studies should be carried in order to identify more accurately which are the patients that would really benefit from class II early treatment.

Angle's Class II; Early treatment; Fixed appliance


ARTIGO INÉDITO

Tratamento da má oclusão de Classe II de Angle em duas fases: avaliação da efetividade e eficácia por meio do índice PAR

Two phase treatment of Angle Class II: effectiveness and efficacy evaluation using the PAR index

Anderson de Albuquerque CalheirosI; José Augusto Mendes MiguelII; Pollyana Marques MouraIII; Marco Antonio de Oliveira AlmeidaIV

IEspecialista e Mestre em Ortodontia FO/ UERJ

IIEspecialista em Ortodontia – Mestre e Doutor em Odontologia. Professor Adjunto e Coordenador do Curso de Especialização em Ortodontia da UERJ. Coordenador do Curso de Mestrado em Ortodontia FO/UERJ

IIIEspecialista em Ortodontia FO/ UERJ

IVProfessor Titular de Ortodontia da FO/ UERJ. Coordenador do Curso de Mestrado FO/ UERJ. Coordenador do Curso de Especializaçao em Ortodontia FO/UERJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: José Augusto Mendes Miguel Rua Mem de Sá, n° 19/706-707 CEP: 24.220-261 - Niterói - Rio de Janeiro/RJ E-mail: j.a.miguel@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Do presente estudo foi comparar o resultado do tratamento ortodôntico de pacientes portadores de má oclusão classe II, divisão 1 tratados em uma e em duas fases (tratamento precoce).

METODOLOGIA: A amostra final foi constituída de forma aleatória por 72 pacientes portadores de Classe II (31 do gênero masculino e 41 do gênero feminino), tratados por seis ortodontistas da rede privada. A idade média observada foi de 11,8 (dp=2,5) e 9,58 (dp=1,6) anos para os grupos de uma (n=36) e duas fases (n=36), respectivamente.

RESULTADOS: As médias dos valores cefalométricos iniciais e do valor inicial do Índice de Avaliação entre Pares ou Peer Assessment Rating (PAR) nos dois grupos foram comparados pelo teste t-Student, não havendo diferença significativa entre eles, comprovando-se sua equivalência inicial com relação à gravidade dos casos. O resultado do tratamento foi avaliado aplicando-se o PAR aos modelos de estudo iniciais e finais dos pacientes entre os grupos (p=0,647), sendo encontrada uma redução média do índice de 83% e 85% para o grupo de uma e duas fases, respectivamente. A média de duração de tratamento total foi de 43,1 meses para o grupo de duas fases e de 35 meses para o grupo de uma fase, sendo a diferença entre eles significativa (p=0,0158).

CONCLUSÕES: A correlação entre o tempo de tratamento e a gravidade inicial do caso foi baixa, porém positiva, contudo, não foi encontrada relação entre o gênero do paciente e a duração da intervenção, com a qualidade final da mesma. Apesar do presente estudo não ter identificado diferenças significativas entre resultados médios, futuros trabalhos deveriam ter como objetivo identificar, com mais exatidão, quais os tipos de pacientes a serem de fato beneficiados por um tratamento precoce.

Palavras-chave: Classe II de Angle. Tratamento precoce. Ortodontia corretiva.

ABSTRACT

The aim of the present study was to compare orthodontic treatment results of Class II division 1 patients treated in one or two phases (early treatment). The sample was randomly composed by 72 Class II patients (31 males and 41 female), treated by six private orthodontists. The observed mean age was 12 (sd = 2.47) and 9.62 years old (sd= 1.51), respectively for the one phase (n=36) and the two phase treatment group (n=36). The mean initial cephalometric and PAR index values for both study groups were compared using the Student t-test, with no significant difference between them, demonstrating initial severity equivalence of the cases. The final orthodontic evaluation was done by only one calibrated operator, using the PAR index (Peer Assessment Rating) on study models. Results didn't show any statistical differences among the groups (p=0.647), with mean PAR reduction rate evaluated in 83% and 85% for one and two phase group respectively. The mean treatment time was 43.1 months for the two phase and 35 months for the one phase group (statistically significant, p=0,0158). The more severe was the case, the longer they would take to be finished, but no correlation was found between the duration of intervention, patient gender with the final quality result. Although the present study failed to show significant differences between mean orthodontic results, further studies should be carried in order to identify more accurately which are the patients that would really benefit from class II early treatment.

Key words: Angle's Class II. Early treatment. Fixed appliance.

INTRODUÇÃO

Ainda que a má oclusão de Classe II, divisão 1 de Angle seja encontrada em aproximadamente um terço da população, seu prejuízo estético talvez responda pela alta prevalência desta má oclusão entre os indivíduos que procuram a correção ortodôntica. Considerando essa grande proporção de pacientes que são tratados apresentando tal alteração da normalidade, já seria esperada a existência de consenso sobre os melhores recursos terapêuticos, e do momento ideal de atuação. No entanto, embora a literatura tenha descrito inúmeras técnicas e protocolos para tratamento dessa deformidade, podemos notar que o tema ainda é alvo de intenso debate, não só sobre a possibilidade de modificar um padrão desfavorável de crescimento, como também sobre a época de sua obtenção com maior facilidade.

Analisando as publicações, em linhas gerais, existem basicamente dois tipos de abordagens para o tratamento da má oclusão de Classe II, divisão 1 em pacientes com crescimento. O tratamento em duas fases é executado, a princípio, no paciente pré-adolescente (fase pré-puberal), tendo como principal objetivo a correção da discrepância esquelética e da relação de molar, a melhora dos trespasses horizontal e vertical, e, em alguns casos, o alinhamento de incisivos. Utilizando inicialmente aparelhos ortopédicos ou funcionais, esse tipo de tratamento é complementado em uma segunda etapa, com o paciente já na fase da dentição permanente, empregando o aparelho fixo para obter-se o aprimoramento da oclusão. O outro tipo de abordagem seria o tratamento em apenas uma fase, em que o profissional só iniciaria o procedimento corretivo na fase do surto máximo de crescimento, na qual as correções esqueléticas e dentárias seriam realizadas concomitantemente.

Para os autores que propuseram a abordagem precoce, o tratamento em duas fases poderia trazer algumas vantagens, como: modificar favoravelmente o crescimento, diminuindo conseqüentemente a duração e a complexidade da segunda fase do tratamento; possibilitar um melhor resultado final quando comparado ao tratamento em apenas uma fase; melhorar a auto-estima do paciente; diminuir a incidência de traumatismos em dentes anteriores; ser executada na pré-adolescência, fase em que uma boa colaboração seria mais facilmente obtida. Outra vantagem amplamente propalada é reduzir a necessidade de extrações dentárias, visto que, com maiores modificações esqueléticas, diminuir-se-ia a necessidade de compensação dentária4,7,12,21. Por outro lado, os defensores do tratamento da má oclusão de Classe II, divisão 1 em fase única advogam que a pouca atividade de crescimento antes da fase do surto puberal aumentaria a duração e o custo de tratamento, reduzindo, em conseqüência, o nível de cooperação dos pacientes. Argumentam, ainda, inexistir evidências científicas que sustentem a possível superioridade dos resultados finais obtidos em uma intervenção precoce9,10,19.

Idealmente, o tratamento deveria ser realizado no momento de maior efetividade e eficiência. Considerando já ter sido comprovada por diversos trabalhos a efetividade do tratamento em duas fases, ou seja, que ele promove alterações em grande parte dos indivíduos ao final da correção5,6,14,17, o foco deveria, portanto, dirigir-se para determinação de sua eficiência, comparando-se ao tratamento em uma fase. Para tal, torna-se salutar definir se a terapia iniciada precocemente representa um maior custo para o paciente, tanto sob o aspecto financeiro quanto biológico, oferecendo-se, em caso afirmativo, benefícios adicionais que justifiquem esse custo.

A partir da década de 90, a comunidade científica tem enfatizado os trabalhos elaborados com uma metodologia mais adequada, principalmente por meio de estudos clínicos aleatórios (RCTs – Radomized Clinical Trials) ou estudos retrospectivos bem controlados, com o intuito de avaliar as reais vantagens de uma abordagem em duas etapas, em contraponto aos possíveis prejuízos de se aguardar até a puberdade. Além disso, a avaliação de diferentes condutas terapêuticas deve ser imparcial, e utilizar métodos objetivos de aferição.

A dificuldade encontrada por grande parte dos trabalhos retrospectivos, cujos critérios subjetivos utilizados pelos diferentes profissionais tornava complicada a comparação dos tratamentos ortodônticos, pode ser superada pelo uso de métodos objetivos na avaliação dos resultados. Desenvolveu-se, assim, como reflexo dessa preocupação, vários índices.

De todos os métodos, o PAR, criado na Inglaterra em 1987, talvez seja o mais difundido e adequado para a análise da qualidade do tratamento. De fato, foi desenvolvido especificamente com essa finalidade. Sua validade e reprodutibilidade já foram comprovadas em várias pesquisas, constituindo um método seguro e eficiente para comparar as diferentes abordagens de tratamento da má oclusão de Classe II, divisão 15,17.

A partir da literatura consultada e diante dos inúmeros questionamentos sobre o tratamento da má oclusão de Classe II, divisão 1 de Angle em uma e duas fases, o presente estudo tem como objetivo:

1) Comparar, através da utilização do índice PAR, os resultados dos tratamentos da má oclusão de Classe II, divisão 1 de Angle, realizados em uma e em duas fases, bem como, investigar a influência do gênero dos pacientes sobre estes resultados.

2) Determinar o tempo médio de tratamento em cada uma das abordagens terapêuticas.

3) Analisar a correlação entre gravidade inicial da maloclusão e o tempo de duração da intervenção com o grau de melhora do caso.

MATERIAL E MÉTODO

Foi selecionado um total de 89 casos clínicos consecutivos de pacientes portadores de má oclusão Classe II, divisão 1 de Angle, tratados em clínicas particulares de seis ortodontistas, com no mínimo de 10 anos de formados, provenientes de duas faculdades com a mesma filosofia de ensino. A amostra foi dividida em dois grupos: 1) grupo uma fase, cujo tratamento foi realizado em apenas uma etapa, formado por 42 indivíduos; e 2) grupo duas fases, cujo tratamento foi realizado em dois momentos distintos, contendo 47 casos. Contudo, para se obter uma maior similaridade entre eles, alguns casos foram removidos, restando no final 72 indivíduos, distribuídos igualmente entre os grupos formados sendo 31 do sexo masculino e 41 do sexo feminino. Os indivíduos foram divididos, de acordo com o seu tipo de tratamento em grupo duas fases (n=36) e grupo uma fase (n=36). A idade média observada foi de 11,8 (dp=2,5) e 9,58 (dp=1,6) anos para os grupos de uma (n=36) e duas fases (n=36), respectivamente. Para serem incluídos na amostra, os pacientes deveriam apresentar no início do tratamento: 1) má oclusão de Classe II, divisão 1 bilateral (no mínimo ½ cúspide); 2) mínimo de 6mm de sobressaliência; 3) documentação ortodôntica contendo, no mínimo, modelos de estudo em gesso iniciais e finais e telerradiografia cefalométrica em norma lateral inicial; 4) potencial de crescimento segundo a avaliação dos seus respectivos ortodontistas; e 5) ângulo SN.GoGn<440. A ficha clínica deveria conter o registro da data de início e final da intervenção ortodôntica e o plano de tratamento elaborado pelo profissional, sendo que os pacientes que não se encaixavam nesses pré-requisitos, foram automaticamente excluídos.

O padrão esquelético e dentário dos pacientes da amostra foi avaliado por meio de três medidas lineares e sete angulares, obtidas de suas telerradiografias cefalométricas iniciais (SNA, SNB, ANB, Wits, SN.GoGn, Eixo Y, 1.NA,1-NA,1.NB, 1-NB). Todas as radiografias foram traçadas a mão, utilizando-se grafite número 0,5, papel específico para traçado, transferidores, esquadros e template (Kit cefalométrico da 3M/Unitek).

Com o objetivo de se verificar o erro do método na localização dos pontos, pelo único operador envolvido, quatro telerradiografias cefalométricas escolhidas aleatoriamente foram traçadas e tiveram seus pontos marcados por 10 vezes, com intervalo mínimo de três horas entre cada marcação. A seguir, os valores da análise total foram colhidos e tratados estatisticamente. O nível de confiabilidade foi medido pelo coeficiente de correlação intraclasse (CCIC) que mostrou estar o operador calibrado para a localização dos pontos analisados, sendo encontrados valores superiores a 0,90 (95%).

O único indivíduo envolvido na obtenção das medidas aplicou o índice PAR a 30 modelos iniciais de pacientes escolhidos aleatoriamente da Clínica de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas medidas foram então comparadas com as medidas–padrão obtidas por um outro examinador que já havia sido previamente calibrado na Universidade de Manchester (Inglaterra), local onde o índice foi criado. Os resultados-padrão foram comparados estatisticamente com os julgamentos do operador pela análise do coeficiente de correlação intraclasse (CCIC), sendo encontrado o valor de 0,9715 (95%). Dessa forma, ficou demonstrada a calibragem adequada, o que diminui os riscos de erro do método (interoperador). Para determinar se havia o risco de erro intraoperador, o mesmo grupo de casos foi reavaliado após o período de sete dias, sendo o grau de concordância adequado (CCIC=0,9777).

A régua desenhada especificamente para o uso do índice (Orthocare Limited, Inglaterra) foi utilizada com o objetivo de tornar fácil e rápida a obtenção das medidas. Nela, todas as características a serem registradas estão dispostas de forma bastante resumida, permitindo um acesso rápido às informações e a realização da análise de um par de modelos em aproximadamente três minutos (Fig. 1).


O grau de melhora foi avaliado utilizando-se o seguinte método: os valores iniciais e finais do índice foram colhidos e a diferença encontrada entre eles, equivalente ao grau de melhora da má oclusão, foi registrada. Essa diferença (redução) foi medida em porcentagem, que reflete de forma sensível a mudança ocorrida, e em pontos, que também é bastante importante, pois uma redução de 80% pode ser observada tanto em um caso que teve seu PAR diminuído de 40 para 10, quanto em um caso no qual a diminuição foi de 15 para 3 pontos. No primeiro, entretanto, a melhora foi muito mais significativa com uma redução de mais de 30 pontos, contra uma redução de apenas 12 pontos no segundo caso.

Os valores dos componentes do índice foram obtidos por meio de sua aplicação aos modelos iniciais e finais dos casos tratados e anotados em uma ficha contendo o nome do paciente, a data inicial e final do tratamento e o tipo a que foi submetido.

A homogeneidade dos grupos foi verificada levando-se em consideração a gravidade inicial da má oclusão, através da comparação entre as medidas cefalométricas iniciais e o valor Inicial do índice PAR, e o gênero dos pacientes (Tab. 1). As medidas cefalométricas, o PAR e o tempo de tratamento foram tratados como variáveis quantitativas e comparadas através do teste t-Student ao nível de significância de 0,05 (a=0,05); enquanto que o gênero do paciente, classificado como variável qualitativa, foi comparado através do teste Qui-quadrado de Pearson (a=0,05).

RESULTADOS

A comparação entre as medidas cefalométricas iniciais e valor inicial do índice PAR dos dois grupos estudados estão dispostos na tabela 2. O valor médio de redução do índice PAR foi calculado para cada grupo e está demonstrado na tabela 3. Os resultados foram comparados utilizando o teste de Mann-Whitney para a redução em pontos, e o teste t-Student para a redução em porcentagem, não sendo verificada diferença estatisticamente significativa em nenhum das situações (p=0,683 e p=0,647, respectivamente). Também não foi encontrada diferença significativa quando as médias do valor final do índice PAR dos dois grupos foram comparadas (p=0,927).

Os casos foram categorizados em três patamares diferentes de acordo com seu grau de melhora (diminuição do índice PAR). Os dados dos dois grupos foram comparados pelo teste Qui-quadrado de Pearson, não sendo verificada diferença significativa entre eles (p=0,397). Os resultados estão dispostos na tabela 4.

Na amostra total, o gênero dos pacientes não pareceu exercer influência sobre a quantidade de melhora do caso (p=0,243). O teste t-Student não acusou diferença no grau de redução do índice PAR, entre os casos de meninos e meninas (Tab. 5).

A duração de tratamento total foi de 43,1 meses (dp=11,6) para o grupo de duas fases e de 35 meses (dp=16,1) para o grupo de uma fase, sendo a diferença entre eles significativa (p=0,0158). Quando se comparou apenas a duração do uso da aparelhagem fixa em ambos os grupos, verificou-se diferença significativa (p=0,001), tendo o grupo duas fases levado menos tempo para tratar (média=26,3 meses; dp=11,7), do que o grupo uma fase (média=35 meses; dp=16,1).

A relação entre a gravidade inicial do caso (PAR inicial) com a duração de tratamento foi verificada pelo teste de Spearman. A correlação encontrada entre as duas variáveis apesar de positiva, foi considerada fraca (r=0,245 e p=0,037). Os resultados estão sob a forma de gráfico na figura 2.


DISCUSSÃO

Há décadas, pesquisas são desenvolvidas e inúmeros artigos são publicados com o objetivo de se determinar a superioridade, ou não, do tratamento em duas fases, no que se refere à melhora da aparência, à correção dentoalveolar e esquelética, à estabilidade dos resultados, à influência psicológica e ao custo final da intervenção. Até a década de 80, a grande maioria dessas pesquisas era retrospectiva e apresentava sérias limitações metodológicas como, ausência de inclusão de grupo controle, métodos estatísticos inadequados e, principalmente, deficiência no tamanho e seleção da amostra. Diante dessas falhas, inúmeros pesquisadores sugeriram que a determinação da eficácia do tratamento em duas fases poderia ser obtida por pesquisas a longo prazo, chamadas de prospectivas. Esse tipo de trabalho teria a seu favor o uso de metodologias para controlar e/ou eliminar os vieses de várias fontes, a estreita relação entre investigadores clínicos e bioestatísticos no que se refere ao planejamento e realização dos testes e, finalmente, a utilização de protocolos que determinassem, previamente, tudo que viria a ser realizado no estudo.

Diante da limitação de tempo e recursos financeiros necessários para o desenvolvimento de um estudo prospectivo, esse trabalho foi desenvolvido de forma retrospectiva, procurando-se controlar algumas variáveis com objetivo de minimizar as deficiências desse tipo de abordagem. Assim, um único indivíduo foi responsável pela seleção da amostra e todos os casos foram obtidos de maneira aleatória e consecutiva, procurando-se, dessa forma, evitar qualquer tendência na escolha dos casos. Todos os tratamentos seguiram uma conduta homogênea, já que os profissionais envolvidos tiveram uma formação similar, pois eram oriundos de duas diferentes faculdades que seguem uma mesma filosofia de ensino.

A similaridade inicial dos grupos a serem comparados, no que se refere ao padrão cefalométrico e à gravidade do caso, foi de grande importância, uma vez que esses fatores poderiam mascarar os reais efeitos do tratamento. Os casos portadores de medidas iniciais muito discrepantes foram sendo excluídos, de forma consecutiva, até que os grupos se tornassem estatisticamente similares. Na verdade, a exclusão desses casos funcionou como a seleção prévia normalmente executada em uma pesquisa prospectiva em que se procura a equivalência dos grupos amostrais pela inclusão de casos inicialmente semelhantes.

O índice PAR utilizado para análise do grau de melhora do caso foi escolhido por ser um método objetivo de medida de má oclusão e resultado de tratamento. Sua validade e reprodutibilidade já foram comprovadas17, sendo indiscutível sua aceitação na comunidade cientifica8,16,18.

Os resultados encontrados sugerem que uma excelente oclusão foi obtida nos dois grupos pesquisados, uma vez que a média dos valores do PAR final foi de 4,64 e 4,44, para o grupo de uma e duas fases, respectivamente, sendo que 25 pacientes (69,4%) do grupo uma fase alcançou um PAR final igual ou inferior a 5, enquanto que no grupo duas fases esse número foi de 23 pacientes (63,8%). Esses achados estão de acordo com o verificado por Tulloch, Phillips e Proffit19, que avaliando o tratamento da má oclusão de classe II, encontraram um valor final do índice PAR igual ou inferior a 5 em mais de 60% da amostra estudada.

Não foi possível estabelecer relação entre o gênero dos pacientes e os resultados dos tratamentos, sendo a média de redução, em porcentagem, encontrada de 86 e 82% para meninos e meninas, respectivamente. King et al.11, em seu trabalho, observaram uma tendência dos meninos em apresentar um valor final do índice maior do que as meninas, fato atribuído provavelmente, a maior colaboração obtida no gênero feminino.

Quando foi considerado o tempo de tratamento apenas da fase fixa, a diferença entre os grupos foi significativa, tendo o grupo de duas fases levado menos tempo com o aparelho fixo (26,5 meses), do que os casos tratados em apenas uma fase (35 meses). O contrário porém foi observado com relação tempo total do tratamento (aparelho fixo + modificação de crescimento), ou seja, o grupo duas fases demorou mais tempo para ser finalizado (43,1 meses) que o de uma fase (35 meses), resultados estão de acordo com outros estudos disponíveis na literatura2,19,20. Os achados induzem ao seguinte questionamento: a execução de uma primeira fase, mesmo sendo realizada com uso de aparelhagem mais simples e visitas mais espaçadas, é justificada pela redução do tempo com aparelhagem fixa? Considerando-se a existência de uma relação direta e significativa entre a duração do uso do aparelho fixo e da redução do trespasse horizontal, com o aparecimento de reabsorção radicular externa em pacientes jovens, talvez, o uso de aparelhos funcionais, em uma primeira fase, com conseqüente redução da sobressaliência e diminuição da duração da segunda fase, possa oferecer vantagens sobre a terapia única, especialmente em casos mais severos. Contudo, os dados disponíveis na literatura não são conclusivos e futuros trabalhos deveriam investigar melhor essa relação.

Verificou-se uma relação positiva, porém fraca, entre gravidade inicial e duração da intervenção (r=0,245; p=0,037), sugerindo que apesar de alguns casos mais graves terem demorado mais tempo para tratar, isso não foi uma regra. Na literatura essa questão é contraditória, pois existem trabalhos que mostraram resultados semelhantes19, enquanto outros identificaram uma relação mais significativa entre essas variáveis3.

Os resultados provenientes de pesquisa científica são, em sua maioria, expressos em médias; contudo, é importante lembrar que não se trata médias, e sim, pacientes. As mudanças ocorridas são conseqüentes não só da terapia empregada, como também de fatores sobre os quais temos pouco controle, mesmo em estudos bem conduzidos. Baseado na quantidade de redução do PAR observou-se que, apesar da maioria dos casos tratados terem alcançado uma melhora significativa, a resposta ao tratamento foi bastante variável. Esse mesmo padrão também foi observado por Tulloch, Phillips e Proffit19, em sua pesquisa sobre o tratamento da Classe II. Provavelmente, essas respostas discrepantes resultem do padrão de crescimento do paciente, e não apenas da falta de colaboração ou ineficiência da terapia, crença corroborada por Moyers et al.13 Este dividiu pacientes portadores de má oclusão de Classe II em diferentes grupos de acordo com seu padrão esquelético, acreditando que cada um teria maior ou menor tendência de responder satisfatoriamente ao tratamento. Assim, mais estudos deveriam ser realizados no sentido de fornecer dados aos ortodontistas, para que eles possam identificar, de acordo com o padrão de crescimento, qual paciente é mais ou menos susceptível a responder bem a determinado tipo de terapia, tornando dessa forma, o tratamento mais efetivo.

Em 2004, Tulloch, Proffit e Phillips20 apresentaram os resultados finais do seu estudo clínico sobre o tratamento da má oclusão de Classe II severa (overjet > 7mm) em pré- adolescentes (duas fases) e adolescentes (uma fase). Após a segunda fase de tratamento com aparelho fixo, para as crianças previamente tratadas e para o grupo controle, a abordagem iniciada na pré – adolescência, entretanto, apresentou pequena efetividade sobre os resultados do tratamento subseqüente, no que diz respeito às mudanças esqueléticas, alinhamento, oclusão, duração ou complexidade do tratamento. As diferenças criadas pela primeira fase do tratamento desapareceram após o tratamento dos dois grupos com aparelhagem fixa na adolescência. Isso sugere que o tratamento em duas fases iniciado antes da adolescência, na dentição mista, parece não ser mais efetivo clinicamente que o tratamento em uma única fase iniciado na adolescência.

Alguns questionamentos sobre o tratamento em uma e duas fases, no entanto, ainda não foram totalmente esclarecidos. Com base nos dados encontrados e na literatura disponível, pode-se afirmar ser o tratamento em duas fases tão efetivo, porém menos eficiente, quanto o tratamento em uma fase. Conclusão que, obviamente, não contra-indica esse tipo de terapia para todos. Alguns pacientes provavelmente se beneficiariam com esse tipo de intervenção: 1) indivíduos com problemas sociais decorrentes da má oclusão, bem como aqueles que, por algum motivo, estão mais propensos a sofrer traumas; 2) pacientes com a maturação esquelética na frente da dentária, pois, ao se aguardar a erupção dos permanentes, o surto de crescimento poderia ser perdido; 3) paciente portadores de uma má oclusão muito grave, mesmo não se tendo encontrado relação entre gravidade inicial e resultado do tratamento, pois seria problemático comunicar-lhes e aos pais que a única conduta possível seria a de aguardar a época propícia à cirurgia. Talvez o mais sensato seja tratá-lo, deixando claro ser uma tentativa sem garantias de sucesso; 4) indivíduos com face curta, por provavelmente, apresentarem trauma na mucosa palatina causada pela sobremordida e de um modo geral responderem bem ao tratamento15.

Muitas limitações foram encontradas durante a elaboração desse trabalho. Apesar de ter um número suficiente de casos para que a análise estatística fosse aplicada, o número de pacientes ficou longe de um número ideal para possibilitar amostras detalhadas e que apresentassem uma maior uniformidade quanto ao tipo de aparelho utilizado na primeira fase. O grande empecilho à obtenção de um maior número de pacientes foram as falhas encontradas nos registros dos casos.

CONCLUSÃO

Com base nos resultados obtidos, pôde-se concluir que:

1) O grau de redução do índice PAR observado foi bastante alto, evidenciando eficácia no tratamento, tanto para o grupo de uma, quanto para o de duas fases, com redução média, em porcentagem, de 83% e 85%, respectivamente, embora, não se tenha verificado diferenças significativas (p=0,647) quando os resultados provenientes dos dois grupos foram comparados, nem mesmo quando o gênero do paciente foi considerado (p=0,243).

2) Apesar da menor duração da fase do tratamento com aparelhagem fixa, para os casos do grupo em duas fases (26,5 meses contra 35 meses para o grupo de uma fase, p=0,001), o tempo total da terapia foi significativamente maior (p=0,015) para esse grupo (43,1 meses contra 35 meses para o grupo de uma fase).

3) A relação entre a gravidade inicial do caso (PAR inicial) com a duração do tratamento foi verificada, apesar de positiva, foi considerada fraca (r=0,245 e p=0,037).

Enviado em: fevereiro de 2005

Revisado e aceito: janeiro de 2007

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    José Augusto Mendes Miguel
    Rua Mem de Sá, n° 19/706-707
    CEP: 24.220-261 - Niterói - Rio de Janeiro/RJ
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Aceito
      Jan 2007
    • Recebido
      Fev 2005
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