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A reabsorção radicular ortodôntica é inflamatória, os fenômenos geneticamente gerenciados, mas não é hereditariamente transmitida: sobre a identificação dos receptores P2X7 e CP-23

INSIGHT ORTODÔNTICO

A reabsorção radicular ortodôntica é inflamatória, os fenômenos geneticamente gerenciados, mas não é hereditariamente transmitida: sobre a identificação dos receptores P2X7 e CP-23

Alberto ConsolaroI; Maria Fernanda M-O. ConsolaroII

IProfessor Titular de Patologia da FOB-USP e da Pós-Graduação da FORP-USP

IIProfessora Doutora de Ortodontia e Biologia Oral da Universidade Sagrado Coração - USC

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Alberto Consolaro E-mail: consolaro@uol.com.br

A forma pela qual a inflamação pode ser desencadeada, os mecanismos pelos quais ela ocorre, as suas possíveis evoluções, enfim, cada detalhe desse maravilhoso mecanismo de defesa é transmitido pelos pais através dos genes. No entanto, a ativação desses genes está condicionada ao tipo, intensidade e frequência do agente agressor, como parte do ambiente onde o homem vive. A maior ou menor destruição tecidual observada na inflamação e o melhor ou pior reparo estão condicionados pelos agentes agressores e não dependem dos genes.

Se a força ortodôntica induzir mais ou menos estresse, inflamação, hialinização e morte celular, isso não está diretamente relacionada aos genes que comandam o processo de defesa e reparo no ligamento periodontal. Da mesma forma, se houver mais ou menos reabsorção radicular depois desses fenômenos biológicos acontecerem, ela não está na dependência dos genes, mas sim do tipo de força, da intensidade e frequência – que podem ser aumentadas, diminuídas, dissipadas ou não, dependendo da morfologia óssea local e radicular. A reabsorção radicular associada ao tratamento ortodôntico é do tipo inflamatória, ou seja, acontece associada e como consequência do processo inflamatório instalado no ligamento periodontal.

Neste artigo, procuramos estender o texto já publicado na Revista Clínica de Ortodontia9, por considerar o assunto muito importante para os ortodontistas, na medida que os termos "genética" e "hereditária" são rotineiramente atribuídos como sinônimos. Isso pode confundir mais ainda os clínicos sobre a pretensa existência da suscetibilidade e/ou predisposição individual e familiar para as reabsorções radiculares induzidas por tratamento ortodôntico, cuja falta de fundamentação metodológica é notória.

Cada palavra um diamante

A compreensão real do preciso significado dessas duas palavras é fundamental para entendermos alguns aspectos das reabsorções radiculares externas, uma ocorrência comum como consequência do tratamento ortodôntico – às vezes, inevitáveis.

Cada palavra representa uma chama que elevou o homem a se distinguir dos demais seres deste mundo. A palavra escrita permite que o próprio homem se conheça após analisar o que registrou. A palavra permite que outros participem do pensamento e sentimento de um homem, atraindo-os para o convívio social. Ela permite o pensamento coletivo e a comunicação à distância.

A falta de palavras reduz a possibilidade de expressão do pensamento criativo. Torna-se muito difícil, senão impossível, traduzir a outro uma visão de mundo, uma hipótese ou uma teoria se não houver um rico vocabulário. A tentativa de explicar com poucas e imprecisas palavras, quase sempre, resulta em comunicação equivocada e distorcida, comparando-se àquilo que verdadeiramente se queria dizer. Para um professor e cientista, a palavra representa a ferramenta essencial para se comunicar.

Cada palavra tem um sentido profundo e específico, assim como o conjunto de palavras deve ser harmônico com o pensamento expressado. A exatidão do pensamento, das hipóteses e da comunicação passa, necessariamente, pela precisão do real significado de cada palavra.

Para o cientista, a linguagem deve ser como o bisturi afiado na mão de um excelente cirurgião4. Uma palavra mal empregada, uma definição imprecisa ou um fenômeno denominado erroneamente, mal designado, têm sido a causa de muitos atrasos no avanço de nossos conhecimentos22.

Porque pode ser interessante confundir os significados das palavras genética e hereditária

A Ortodontia, enquanto especialidade clínica e ciência, não precisa utilizar-se de subterfúgios para explicar, aceitar, justificar e assumir responsabilidades sobre as reabsorções radiculares que ocorrem, com frequência, durante e após o tratamento efetuado.

Desde que a anamnese, exame clínico e diagnóstico sejam precisos; o planejamento corretamente idealizado e o tratamento adequadamente aplicado, as reabsorções radiculares poderão ser consideradas como custo biológico do tratamento, e não como iatrogenia.

Para isso, a consulta inicial e o planejamento meticuloso – cuidadoso com a aplicação precisa dos procedimentos terapêuticos – devem ser extremamente valorizados. O tempo de atendimento do paciente deve ser maior e os honorários profissionais devidamente recompensados.

Se houvesse uma causa genética e hereditária para as reabsorções radiculares, o profissional ortodôntico poderia se ver livre de responsabilidades em relação à perda de estrutura dentária e até de alguns dentes. A causa de tais ocorrências seria atribuída ao organismo do paciente, que teria herdado uma maior predisposição ou suscetibilidade às reabsorções radiculares.

Infelizmente, todos os trabalhos metodologicamente adequados revelam que, na clínica ortodôntica, há uma relação direta entre o tipo, intensidade e frequência da força, e a morfologia radicular e óssea local, com o grau de severidade da reabsorção radicular. Em outras palavras, o profissional pode planejar seus casos para evitar ou diminuir os danos provocados pelas reabsorções radiculares durante o tratamento ortodôntico, mas, para isso, terá que investir tempo, estudo e capacidade de prognóstico em seus planejamentos.

Pelo menos em parte, isso explica por que, quando algum trabalho identifica algum gene de mediador ou receptor envolvido na dinâmica biológica das reabsorções radiculares, muitos profissionais clínicos, mesmo que não familiarizados com a linguagem molecular, ficam felizes e, de imediato, acreditam que essas descobertas fundamentam o conceito de suscetibilidade ou predisposição individual ou familiar.

O significado da palavra "genética": relacionado aos genes

O termo genéticarepresenta um adjetivo para qualquer coisa diretamente relacionada aos genes. Os genes são segmentos bioquímicos do DNA que contêm uma informação completa na forma de uma sequência específica de bases nitrogenadas. Cada um desses segmentos do filamento de DNA, ou gene, controla uma função celular e, por consequência, uma função tecidual ou de um órgão. Praticamente todas as funções orgânicas são geneticamente controladas.

Depois da água, o principal componente estrutural das células e tecidos são as proteínas. As proteínas podem ser classificadas em estruturais (quando contribuem para formar as partes das células e dos tecidos) e enzimáticas (que participam ativamente do metabolismo). Quando as proteínas têm estrutura pequena, com menor quantidade de aminoácidos, são conhecidas como peptídeos.

Não é possível imaginar qualquer função celular/corporal sem a participação das proteínas e peptídeos. A codificação, ou receita, de síntese das proteínas e peptídeos está no DNA, que transfere essa informação para o RNA mensageiro. No citoplasma, essa síntese acontece para o bom funcionamento do organismo.

A reabsorção radicular, a modelação e a remodelação óssea são fenômenos com predominante participação de peptídeos e proteínas. A matriz orgânica dos tecidos dentários e ósseo é predominantemente proteica. Ao mesmo tempo, os mediadores envolvidos na regulação celular do processo têm, em sua maior parte, natureza peptídica. Onde temos mediadores temos receptores, também em sua maior parte de natureza proteica. Todos esses componentes são sintetizados e renovados a todo instante, graças às informações repassadas pelos genes a partir de estímulos dados pelos mediadores em seus receptores de membrana celular.

Os receptores interagem na superfície das células como verdadeiras fechaduras e os mediadores são as chaves que, acopladas corretamente, desencadeiam vias metabólicas que resultam em ativação de genes que irão comandar determinadas funções. Quase sempre, essa ativação é dependente da ação de mediadores na superfície da célula.

Logo, todos esses fenômenos são genéticos. Sem chances de errarmos, podemos dizer que a reabsorção óssea e dos tecidos dentários é um fenômeno geneticamente comandado, tem natureza genética. O termo genético representa um adjetivo, uma palavra que dá qualidade a um substantivo que expressa algo relacionado, de alguma forma, ao gene ou genes.

O significado da palavra "hereditária": transmissão de pais para filhos

Ainda não foram identificados todos os genes relacionados à reabsorção óssea e dentária, da mesma forma, não foram identificados todos os genes relacionados à formação óssea e dentária. De tempos em tempos, teremos a identificação de genes relacionados a esses fenômenos.

No entanto, ocorre uma certa confusão quando alguns desses trabalhos são publicados. Apesar da reabsorção óssea e radicular se caracterizar como um fenômeno codificado geneticamente – a partir das numerosas proteínas, peptídeos mediadores e receptores – não podemos afirmar simplesmente que é um fenômeno herdado ou hereditário. Especialmente se eles foram maiores ou menores frente a uma determinada situação clínica.

As funções normais de estruturação, metabolismo e defesa estão geneticamente codificadas e foram transmitidas pelos pais. Mas – quando esse metabolismo, estruturação e defesa estão defeituosos, exacerbam, falham ou acontecem de forma indesejada – não significa, necessariamente, que o mal funcionamento ou a ocorrência foram herdados ou hereditariamente transmitidos.

Na sua interação com o ambiente, vários fatores externos e estranhos ao genes do indivíduo podem induzir as células e tecidos a produzir mediadores que, nos receptores celulares, ativem os genes a desencadear a função de reabsorção e neoformação óssea ou dentária. Esses fenômenos serão genéticos, mas não herdados ou hereditários.

No caso da movimentação ortodôntica, o estresse celular e a inflamação – induzida no ligamento periodontal pela compressão das células e deformação do seu citoesqueleto e redução do fluxo sanguíneo para a região – resultam em grande acúmulo de mediadores. A morte de cementoblastos, a exposição radicular diretamente no espaço periodontal, e a hialinização da matriz extracelular – associadas ao grande acúmulo de mediadores – induzem as células clásticas e osteoblásticas a desempenhar suas funções via receptores de membrana e ativação gênica. Mas o que desencadeia todos esses fenômenos são fatores ambientais, não ligados a qualquer alteração ou mutação gênica herdada ou não dos pais.

Não podemos dizer que a reabsorção óssea e dentária, no caso da movimentação ortodôntica, tem natureza hereditária, apesar de seus fenômenos terem natureza genética, porque são feitos com informações dos genes. O fato de qualificarmos um fenômeno como genético não necessariamente lhe dá uma conotação hereditária.

A capacidade de formação dos ossos e dentes foi herdada ou transmitida pelos pais e tem natureza genética. Entretanto, as consequências estruturais e funcionais das agressões externas e da ação dos mecanismos de defesa que esses tecidos sofrem na interação com os fatores ambientais, em sua grande maioria, não foram herdadas. Entre esses fatores, como exemplo, podemos citar a reabsorção óssea e dentária durante a movimentação ortodôntica. Ou, ainda, como exemplos, temos as dilacerações radiculares, algumas fissuras palatinas, etc.

O que é genético não necessariamente é hereditário

A confusão entre os verdadeiros significados das palavras genética e hereditária ocorre, com frequência, também entre aqueles familiarizados com a biologia molecular.

Uma reflexão mais detalhada mostrará que para ser hereditária, herdada dos pais, a morfologia ou a função devem ser necessariamente genéticas. Porém, muitas coisas durante a vida decorrem da interação com o meio ambiente. Elas podem ser geneticamente geradas, mas não serão herdadas pelos filhos.

O fenótipo de um indivíduo dificilmente será cópia fiel do que determinou o conjunto de seus genes, ou genótipo. Os fatores ambientais podem, e com frequência o fazem, modificar as ordens e comandos genéticos originalmente programados.

Como exemplo, temos o câncer de pele. Ele é mais comum em brancos submetidos aos efeitos deletérios dos raios ultravioletas solares. Os raios ultravioletas B alteram geneticamente o DNA dos queratinócitos e as células perdem o controle da proliferação, dando origem ao carcinoma. A alteração genética, a mutação gênica provocada, não será transmitida aos filhos, apesar de podermos afirmar que o câncer de pele foi decorrente de uma alteração genética, mas não é hereditário.

Os genes e a reabsorção óssea e dentária radicular ortodôntica

A descoberta de cada gene que comanda a síntese de cada um dos vários mediadores envolvidos na reabsorção óssea e dentária radicular durante a movimentação ortodôntica abre novas perspectivas para controlarmos esses fenômenos com medicamentos e procedimentos. Assim aconteceu com os genes que controlam a produção de interleucina-1, RANKL e outros8,10,11,12.

Da mesma forma, com a identificação de cada receptor de membrana acionado pelos mediadores durante a reabsorção óssea e dentária radicular durante a movimentação ortodôntica, vislumbra-se o dia em que o homem – com instrumentos medicamentosos ou mesmo com procedimentos preventivos – possa interferir nesse processo, de acordo com a conveniência clínica.

Recentemente, foram identificados receptores e marcadores específicos de cementoblastos1,2,3,19,20, bem como a presença do receptor P2X7 (purinergic receptor P2X, ligand-gated ion channel, 7 [Homo sapiens]) nas áreas do ligamento periodontal submetidas a estresse por forças ortodônticas26-30.

Marcadores específicos de cementoblastos

As células progenitoras de osteoblastos e cementoblastos expressam receptores de membrana do tipo STRO-1, CD146 e CD44 a partir de sua diferenciação5,14,15,18-21,23,25,31.

Existem dificuldades em marcar os cementoblastos e suas células progenitoras, pois essas células tendem a ter menos receptores em sua superfície. Alguns marcadores têm sido identificados como provavelmente específicos para os cementoblastos1,2,13,16,17,24. Entre esses marcadores de cementoblastos, destacam-se a Cementum Protein-23 ou CP-231,2,3,19,20. Essa proteína parece ser um regulador importante do metabolismo do cemento e do ligamento periodontal.

Por sua vez, a Cementum Attachment Protein, ou CAP, representa outra proteína de membrana, ou receptor, considerada um marcador de cementoblastos. Entretanto, essa proteína parece ser a mesma CP-23 ou, então, sua precursora bioquímica1,2,3.

Essas proteínas são codificadas por genes e sua identificação ajudará a entendermos melhor a síntese do cemento, os mecanismos de organização e o funcionamento dos cementoblastos como protetores da integridade radicular durante a movimentação ortodôntica.

Receptor P2X7, movimentação ortodôntica e as reabsorções radiculares

O receptor P2X7 é uma proteína observada em grande número de células do corpo, em especial nas cerebrais e na maioria das células da medula óssea – como os leucócitos polimorfonucleares, monócitos e macrófagos, e linfócitos B. No cérebro, parece ter importante papel no reparo após a inflamação, infarto ou ataque imunológico.

Nas células imunorreativas, o receptor P2X7 aparece em áreas de penumbra próximas à necrose induzida por obstrução das artérias cerebrais médias, sugerindo que sua expressão na superfície celular seja estimulada por células microgliais ativadas6. Esse receptor parece estar sempre presente em áreas vizinhas à necrose ou sofrimento celular, como eventualmente ocorre no ligamento periodontal comprimido pelas forças ortodônticas.

Esse receptor, P2X7, foi identificado há muitos anos, utilizando-se marcadores comercialmente disponíveis para detectá-lo, nas células portadoras em cortes teciduais, pelas técnicas da imunocitoquímica e imunofluorescência. Em uma rápida busca na internet pela palavra "P2X7 receptor", são recuperadas aproximadamente 26.300 citações, em poucos segundos. Na base de dados PubMed, a busca pela palavra "P2X7" revela, imediatamente, 677 artigos científicos.

Em editorial26, David L. Turpin, editor-in-chief do Am. J. Orthod. Dentofacial Orthop., relata que o Council on Scientific Affairs, ou Conselho de Casos Científicos, anunciou uma seleção dos melhores estudos clínicos e de ciências básicas submetidos pelos programas de pós-graduação em Ortodontia dos Estados Unidos e do Canadá, cujas apresentações aconteceriam entre 1 e 5 de maio de 2009, em Boston, durante a 109ª Sessão Anual da Associação Americana de Ortodontistas.

O Prêmio Milo Hellman de Pesquisa em Ortodontia foi para o brasileiro Rodrigo F. Viecilli, da Universidade Indiana/Universidade Purdue Indianápolis, por seu trabalho de PhD intitulado Orthodontic mechanotransduction and the role of the P2X7 receptor30.

Para o editor, muito embora muitos investigadores tenham sugerido a associação entre fatores genéticos e a reabsorção radicular, o ambiente mecânico tem sido inadequadamente controlado ou desconsiderado durante a aplicação de uma força conhecida. Esse estudo, segundo ele, "controlou o ambiente mecânico ao selecionar cortes teciduais baseados em estresse conseguido por meio do computador, e demonstrou que as influências da genética na reabsorção radicular externa podem ser independentes de fatores anatômicos e mecânicos. Em termos clínicos, hipoteticamente, pacientes com a mesma morfologia radicular e tratados identicamente, do ponto de vista mecânico, podem ter respostas diferentes em consequência de diferenças genéticas."

No editorial, se afirma que "o receptor P2X7 tem um importância crucial na biologia óssea e na inflamação. Sua principal função está na promoção do metabolismo de tecidos necrosados por um forma segura da fase aguda de uma resposta inflamatória normal."

Por uma análise no modelo de elementos finitos, no computador27-30, a mecânica ortodôntica em ratos foi escalonada para produzir níveis diferentes de estresses humanos típicos. Reabsorção externa radicular, modelação e remodelação óssea foram analisadas com marcadores fluorescentes.

Nos resultados do trabalho relatado, a relação entre as magnitudes diferentes de estresse e reabsorção radicular e formação óssea era direta. A hialinização e a reabsorção radicular e óssea eram diferentes entre os dois tipos de ratos: os que tinham o receptor P2X7 e os ratos em que o mesmo estava ausente, pois o seu gene foi intencionalmente removido (knock-out mice). A conclusão do trabalho afirma que o receptor P2X7 pode ter uma importância significativa na mecanotransdução durante a aplicação da força ortodôntica.

Podemos, assim, interpretar os resultados oferecidos pelo trabalho citado:

1) Se, ao redor das áreas hialinizadas onde as células do ligamento periodontal morreram, inclusive os cementoblastos, existe uma área de penumbra com células em sofrimento e um processo de inflamação e reparo acontecendo, nos parece lógico, extrapolando resultados de outras regiões do corpo, esperar que haverá células marcadas com o receptor P2X7 na região.

2) Se esse receptor parece ser essencial para a inflamação, reparo e na biologia óssea, em ratos sem o receptor P2X7 a reorganização da região periodontal será atrasada. Assim, as partes da raiz sem cementoblastos expostas por mais tempo ao meio periodontal sofrerão mais reabsorções radiculares do que os animais em que esse receptor está presente.

3) Nos animais em que o receptor P2X7 estiver presente, as reabsorções radiculares tenderão a seguir um padrão normal, menor, pois serão mais rapidamente reparadas e a camada cementoblástica reconstituída em menor espaço de tempo.

4) Esse resultado pode vir a ser equivocamente interpretado como se o receptor P2X7 oferecesse uma proteção contra a reabsorção radicular na movimentação ortodôntica. Na realidade, ele faz parte do contexto de inflamação e reparação dos tecidos, onde exerce papel importante na comunicação intercelular.

Por que estamos abordando esse assunto?

Quando algum gene, de algum mediador ou receptor de membrana envolvido na reabsorção óssea ou dentária radicular, é descrito ou estudado no ligamento periodontal durante a movimentação ortodôntica, algumas pessoas afirmam:

... estão vendo, a reabsorção radicular do tratamento ortodôntico é genética, isto é, ela é hereditária, não depende dos procedimentos mecânicos... !

Isso significa que os emissores de tal argumento não conhecem a diferença do significado destas duas palavras: genética e hereditária.

Mais, significa que, na reabsorção radicular, devemos conhecer o papel dos genes na síntese dos mediadores e das proteínas de membrana que atuam como receptores antes de emitirmos opiniões sobre o assunto.

A compreensão dos mecanismos de funcionamento das células e tecidos envolvidos na reabsorção óssea e dentária permite entender claramente que os mecanismos e fenômenos podem ser genéticos, mas não hereditários.

Em 2004, publicamos alguns trabalhos7,8,10,11,12 sobre a genética, hereditariedade, suscetibilidade e predisposição individual nas reabsorções de natureza ortodôntica, para contribuir na análise de trabalhos publicados que abordam o assunto.

Uma forma de se ter ideias de trabalhos relacionando genes com reabsorção radicular de natureza ortodôntica

Alguns genes têm sua estrutura bem definida e conhecida na literatura, e estão disponíveis nos bancos de informações sobre o genoma humano. Alguns laboratórios têm como linhas de pesquisa identificar mutações e influências de um determinado gene. Dessa forma, um determinado grupo de pesquisas tem vários trabalhos com um determinado gene, revelando os fenômenos das mais variadas naturezas em que estaria envolvido direta e indiretamente.

Eventualmente, nesses grupos de pesquisa ou laboratórios, pode-se ter um insight ou, ainda, pode ser questionado se determinado gene conhecido e muito estudado poderia estar relacionado com as reabsorções dentárias durante o tratamento ortodôntico. Mesmo que seja um gene muito estudado e conhecido, realiza-se um trabalho identificando, estudando e determinando mutações desse gene nos pacientes submetidos a tratamentos ortodônticos, para procurar correlacionar com o grau de ocorrência e o grau de reabsorção radicular durante o tratamento ortodôntico.

Essa explicação de como são geralmente concebidos os trabalhos sobre o tema é oportuna para estimular a compreensão de que os trabalhos ligando genes com as reabsorções radiculares durante o tratamento ortodônticonão partem do seguinte insight: vamos identificar no genoma humano o gene da reabsorção dentária!

O pressuposto, em geral, é: se temos a tecnologia e metodologia para identificar e estudar determinado gene humano nas pessoas, que tal procurarmos relacioná-lo com as reabsorções radiculares, estudando-o em pacientes submetidos a tratamentos ortodônticos!

Consideração final

A cada descoberta de genes de mediadores e receptores envolvidos direta ou indiretamente na reabsorção óssea e dentária radicular:

1) compreenderemos melhor o porquê e como elas acontecem;

2) abrem-se perspectivas para controlá-las com o uso de medicamentos e procedimentos preventivos;

3) reforça-se que a reabsorção radicular na movimentação ortodôntica decorre dos procedimentos mecânicos sobre os tecidos, pois esses induzem estresse e inflamação, cujos mediadores ativam os mecanismos genéticos para que ela ocorra, sem que isso caracterize o processo como hereditário.

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  • Endereço para correspondência:

    Alberto Consolaro
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009
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