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Classe II divisão 1 associada à deficiência transversal maxilar. Tratamento com disjuntor tipo Hyrax e aparelho de Herbst: relato de caso clínico

Class II division 1 associated with maxillary transverse deficiency treated by Hyrax expander and Herbst appliance: clinical case report

Resumos

A má oclusão de Classe II divisão 1 de Angle é, frequentemente, acompanhada da atresia maxilar. Esse problema transversal da maxila deve ser corrigido, sempre que possível, antes da correção anteroposterior, sendo que os aparelhos de expansão rápida são os mais utilizados para isso. Para a correção da Classe II, atualmente, os aparelhos funcionais fixos são os mais estudados e empregados, por serem aparelhos intrabucais e necessitarem de menor colaboração do paciente. O objetivo deste estudo é demonstrar a estabilidade dos resultados obtidos após seis anos de tratamento com expansor tipo Hyrax, seguido do aparelho funcional fixo de Herbst e aparelho fixo. Após uma revisão da literatura, será apresentado um caso clínico, com atresia maxilar e má oclusão de Classe II divisão 1, tratado com essa terapia. O tratamento foi realizado em um curto período de tempo, com resultados funcionais e estéticos satisfatórios e mantidos ao longo dos anos.

Má oclusão Classe II de Angle; Ortodontia; Técnica de expansão palatina


The Angle Class II division 1 malocclusion is often accompanied by maxillary transverse deficiency. When ever is possible, this maxillary transverse problem must be corrected before the anteroposterior correction. The rapid maxillary expanders is the appliance more used to correct the transverse deficiency. For the Class II malocclusion correction the fixed functional appliances are more studied and used. They are a kind of intraoral appliance that almost don't need patient's collaboration. The aim of this study is to show the results' stability after six years of the orthodontic treatment with Hyrax expander, followed by Herbst and straight wire appliances. After a literature review, a clinical case with maxillary transverse deficiency and Class II division 1 malocclusion treated with this therapy is reported. The treatment duration was very brief and the results were functionally and esthetically satisfactory with a long-term stability.

Malocclusion; Angle Class II; Orthodontics; Palatal expansion technique


ARTIGO INÉDITO

Classe II divisão 1 associada à deficiência transversal maxilar. Tratamento com disjuntor tipo Hyrax e aparelho de Herbst: relato de caso clínico

Class II division 1 associated with maxillary transverse deficiency treated by Hyrax expander and Herbst appliance: clinical case report

Camila Leite QuaglioI; Rafael Pinelli HenriquesII; José Fernando Castanha HenriquesIII; Marcos Roberto de FreitasIV

IMestre em Ortodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru - USP

IIDoutor em Ortodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru - USP

IIIProfessor titular e coordenador dos cursos de graduação e pós-graduação em nível de doutorado da Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Bauru - USP

IVProfessor titular e coordenador do curso de pós-graduação em nível de mestrado da Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Bauru - USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Camila Leite Quaglio E-mail: cquaglio@yahoo.com.br

RESUMO

A má oclusão de Classe II divisão 1 de Angle é, frequentemente, acompanhada da atresia maxilar. Esse problema transversal da maxila deve ser corrigido, sempre que possível, antes da correção anteroposterior, sendo que os aparelhos de expansão rápida são os mais utilizados para isso. Para a correção da Classe II, atualmente, os aparelhos funcionais fixos são os mais estudados e empregados, por serem aparelhos intrabucais e necessitarem de menor colaboração do paciente. O objetivo deste estudo é demonstrar a estabilidade dos resultados obtidos após seis anos de tratamento com expansor tipo Hyrax, seguido do aparelho funcional fixo de Herbst e aparelho fixo. Após uma revisão da literatura, será apresentado um caso clínico, com atresia maxilar e má oclusão de Classe II divisão 1, tratado com essa terapia. O tratamento foi realizado em um curto período de tempo, com resultados funcionais e estéticos satisfatórios e mantidos ao longo dos anos.

Palavras-chave: Má oclusão Classe II de Angle. Ortodontia. Técnica de expansão palatina.

ABSTRACT

The Angle Class II division 1 malocclusion is often accompanied by maxillary transverse deficiency. When ever is possible, this maxillary transverse problem must be corrected before the anteroposterior correction. The rapid maxillary expanders is the appliance more used to correct the transverse deficiency. For the Class II malocclusion correction the fixed functional appliances are more studied and used. They are a kind of intraoral appliance that almost don't need patient's collaboration. The aim of this study is to show the results' stability after six years of the orthodontic treatment with Hyrax expander, followed by Herbst and straight wire appliances. After a literature review, a clinical case with maxillary transverse deficiency and Class II division 1 malocclusion treated with this therapy is reported. The treatment duration was very brief and the results were functionally and esthetically satisfactory with a long-term stability.

Keywords: Malocclusion. Angle Class II. Orthodontics. Palatal expansion technique.

INTRODUÇÃO

É função da Ortodontia harmonizar a relação entre os dentes, ossos e tecidos moles, propiciando ao paciente uma função mastigatória equilibrada e estética adequada. Para tanto, o ortodontista precisa ter um profundo conhecimento do desenvolvimento e crescimento craniofacial, das más oclusões e das terapias ortodônticas existentes.

Em diversos casos na prática ortodôntica, as alterações maxilomandibulares nos sentidos transversal, vertical e anteroposterior não se apresentam separadamente, mas coexistem em um mesmo paciente. Por vezes, não é possível o tratamento dessas más oclusões ao mesmo tempo. Após diagnosticá-las, o ortodontista precisa dividir em etapas a correção dessas discrepâncias23.

Uma das más oclusões mais estudadas é a Classe II de Angle, sendo que muitas vezes essa má oclusão é acompanhada pela atresia maxilar. Nesses casos, depois do diagnóstico, o tratamento deve ser iniciado pela correção da relação transversal (atresia maxilar) e seguido pela correção da má oclusão de Classe II23.

Um dos preceitos da Ortodontia contemporânea é diminuir a necessidade de colaboração do paciente, desenvolvendo aparelhos que atuem de maneira mais eficiente na correção ortodôntica/ortopédica, com um menor desconforto e melhor custo/benefício28.

Para a seleção do aparelho mais adequado ao tratamento ortodôntico em questão, é preciso avaliar, principalmente, o potencial de crescimento do paciente e seu possível grau de cooperação durante o tratamento. Assim, com a correta escolha dos dispositivos para a correção ortodôntica, o tratamento é desenvolvido de maneira mais eficiente.

Para a correção de problemas esqueléticos transversais, como a atresia maxilar, é necessária a utilização de um aparelho fixo que tenha força suficiente para agir nas bases ósseas, aumentando o espaço intrabucal. Os aparelhos indicados para essa função são os disjuntores maxilares. Um dos disjuntores mais conhecidos e utilizados na clínica ortodôntica – por sua fácil confecção, higienização e resultados satisfatórios – é o disjuntor tipo Hyrax3.

Um dos aparelhos intrabucais desenvolvidos que tem sua eficiência na correção de problemas anteroposteriores – como a Classe II – comprovada na literatura é o aparelho de Herbst20. Esse aparelho é um dispositivo funcional fixo com um mecanismo telescópico bilateral. Ele exige ancoragens interarcos na manutenção constante da mandíbula avançada, sem a necessidade da colaboração direta do paciente em sua utilização. Com o passar dos anos, muitos aprimoramentos foram feitos no aparelho de Herbst com o intuito de melhorar os resultados: diminuir as intercorrências com o aparelho, melhorar o conforto para o paciente e diminuir o custo, entre outros objetivos.

REVISÃO DE LITERATURA

O interesse pela alteração do crescimento craniofacial e pelo reposicionamento das bases ósseas tem contribuído com muitos estudos, desde meados do século XIX12.

A má oclusão de Classe II, embora não seja a alteração oclusal mais frequente na população, é a que mais incentiva os pacientes a procurar tratamento ortodôntico. Por esse motivo, também há vários estudos nessa área, tanto no que diz respeito à sua etiologia e as suas características, quanto aos tipos de aparelhos para sua correção12.

Entre diversos estudos, foi observado que a má oclusão de Classe II é resultante da deficiência da relação anteroposterior das bases ósseas, podendo ser dentária ou esquelética. Quando o componente esquelético está presente, essa má oclusão pode caracterizar-se pela presença de prognatismo maxilar, de retrognatismo mandibular ou a combinação de ambos os fatores15. McNamara15 observou que essa combinação de componentes dentários e esqueléticos tem prevalência na retrusão mandibular com a maxila bem posicionada, direcionando as pesquisas no desenvolvimento de aparelhos para protrusão mandibular8,18. Devido a essa complexidade na correção da má oclusão de Classe II, existem vários tipos de aparelhos: aparelhos que distalizam dentes posterossuperiores (AEB, Jones Jig, Pendulum)1,5,14; aparelhos com a função de restringir o deslocamento maxilar para anterior, liberando o crescimento mandibular ("Splint" maxilar modificado, Ativador com AEB)13,24; ou terapias que avançam a mandíbula para o desenvolvimento do seu potencial (Bionator, Fränkel, Jasper Jumper, APM, Herbst)7,8,19,22.

Por outro lado, é comum a má oclusão de Classe II divisão 1 vir acompanhada de atresia do arco superior, sendo essa, em muitos casos, estabelecida precocemente e sem autocorreção4. Essa alteração transversal, geralmente, apresenta: mordida cruzada posterior, funcional ou verdadeira; apinhamento dentário severo e palato profundo e de formato triangular6. Essa alteração maxilar tem etiologia diversa e seu tratamento precoce é imprescindível para restabelecer o desenvolvimento facial e oclusal do paciente23. Durante o exame clínico, o ortodontista pode perceber essa atresia: pela mordida cruzada posterior em MIH (Máxima Intercuspidação Habitual) e/ou RC (Relação Cêntrica); pelo formato do palato e/ou pela mordida cruzada posterior percebida no exame funcional – quando o paciente avança a mandíbula propositalmente para simular a correção da Classe II, os dentes posteriores se cruzam. Nessa posição, o perfil do paciente também é avaliado, ajudando o ortodontista no diagnóstico e plano de tratamento.

Os disjuntores maxilares são aparelhos ortopédico/ortodônticos que visam abrir a sutura palatina mediana, alargando a maxila no sentido transversal. Esse processo acontece devido à localização do parafuso expansor paralelamente à sutura e ao modo de ativação do aparelho. A ativação é rápida e visa acumular uma quantidade de força significativa para romper a resistência oferecida pela referida sutura e pelas suturas próximas, como a pterigopalatina, frontomaxilar, nasomaxilar e zigomatomaxilar10. A disjunção maxilar tem um limite de idade para sua realização, haja vista a consolidação da sutura palatina mediana ao final do crescimento. Quanto mais precoce esse tratamento for, maior a bioelasticidade óssea e intensa atividade celular, que é caracterizada pela menor resistência à expansão2, pela menor sintomatologia dolorosa e pelo baixo risco de fenestrações das raízes e reabsorções9. Após a consolidação da sutura, a disjunção maxilar é conseguida por meio da expansão cirurgicamente assistida.

DISJUNTOR TIPO HYRAX

A disjunção maxilar é um método eficiente, que apresenta estabilidade pós-tratamento, para correção da deficiência transversal da maxila25. Esse método foi demonstrado por Angell, em 1860 (apud BRAMANTE4, 2000), com um aparelho construído em ouro, tendo um parafuso disposto transversalmente à abóbada palatina. Ao longo dos anos, modificações foram realizadas para melhorar seu desempenho e diminuir o custo e os possíveis efeitos colaterais. Um dos estudiosos mais conceituados nessa área é Andrew Haas, que desenvolveu um disjuntor conhecido por Disjuntor de Haas, em 196111. Esse aparelho tem ancoragem dentomucossuportada, sendo constituído por bandas e um corpo de resina acrílica adaptado ao palato.

O disjuntor tipo Hyrax foi introduzido por Biederman3, anos mais tarde, com algumas modificações. Esse aparelho é dentossuportado e construído com fios rígidos. O parafuso expansor é disposto o mais próximo possível do palato, para que a força se aproxime do centro de resistência da maxila, e fixado por bandas. O disjuntor tipo Hyrax facilita a higienização, não ocorrendo irritação tecidual devido à interposição de alimentos entre o palato e o acrílico, como pode ocorrer com o aparelho de Haas3. A ausência do acrílico também impossibilita a compressão dos vasos do palato, o que ocasionaria a necrose tecidual, devido à força que o disjuntor maxilar exerce27.

Enquanto o aparelho dentomucossuportado divide sua força entre os dentes e o palato, o aparelho tipo Hyrax, dentossuportado, a distribui nos dentes de suporte, procurando compensar a falta do acrílico com a proximidade dos fios e parafuso expansor ao palato. Essas diferenças foram estudas na literatura com o intuito de descobrir qual aparelho é mais efetivo e tem menos efeitos colaterais. A maioria desses estudos não mostram diferenças estatisticamente significativas nos resultados4,28.

A expansão rápida da maxila por meio de um disjuntor maxilar propicia uma maior separação da sutura palatina mediana na região anterior e menor na posterior. Os processos palatinos movimentam-se para baixo, resultando em um reposicionamento da base dentária superior sobre a inferior. Clinicamente, essa separação pode ser observada pelo aparecimento de um diastema entre os incisivos centrais superiores, caracterizado pela divergência apical e convergência coronária desses dentes. Esse diastema diminui, ou fecha totalmente, após alguns meses, devido ao reposicionamento coroa/raiz4,11.

HERBST

Em 1905, Emil Herbst apresentou, no Congresso Internacional de Odontologia de Berlim, um dispositivo fixo para o tratamento da Classe II que não requeria a colaboração do paciente19. Esse aparelho mantinha a mandíbula continuamente em uma posição de protrusão, estando em repouso ou em função (fala, mastigação, deglutição), por meio de um artifício de "bite jumping" (salto de mordida, avanço mandibular) proporcionado por um mecanismo telescópico bilateral. Esse mecanismo era representado por um tubo telescópico unido a um pistão, os quais se estendiam da região do primeiro pré-molar inferior até o primeiro molar superior, mantendo a mandíbula nessa constante protrusão. Esse autor também pregava que o crescimento mandibular poderia ser estimulado por essa terapia ortodôntica – o que aumentaria a estabilidade do tratamento –, porém não apresentou nenhuma pesquisa consistente em relação a esse incremento ósseo na cabeça da mandíbula. Talvez pela falta de comprovação da estabilidade pós-tratamento, o aparelho tenha sido esquecido por alguns anos19.

Após 74 anos, Pancherz reintroduziu o Aparelho de Herbst, apresentando dez casos tratados e comparando-os com outros dez casos controle. O resultado revelou ser possível a correção da má oclusão de Classe II com esse dispositivo em um período de seis meses19.

Pancherz também estudou o crescimento mandibular, mencionado por Emil Herbst, comparando o efeito do aparelho em três grupos distintos de maturação somática (pré-pico, durante o pico e pós-pico puberal). O crescimento sagital da cabeça da mandíbula foi mais pronunciado durante o pico de crescimento, a mesialização dos molares foi igual em todos os grupos e a protrusão dos incisivos foi maior no pós-pico puberal. Com esses achados, Pancherz pôde concluir que, para o maior sucesso do tratamento, a terapia com o aparelho de Herbst deveria ser iniciada próximo ao pico de crescimento puberal, para que se aproveitasse a resposta do crescimento da cabeça da mandíbula21.

Deve-se salientar que o avanço mandibular produzido pelo aparelho de Herbst promove um maior estímulo no crescimento mandibular durante o período utilizado, resultando na aceleração do potencial de crescimento programado geneticamente para o paciente. Entretanto, com a remoção do aparelho há uma desaceleração nas taxas de crescimento; ou seja, o crescimento mandibular se desenvolve quase por completo durante o período de tratamento29.

Desde Pancherz, vários estudos foram feitos para melhorar o desempenho do aparelho e diminuir seus efeitos colaterais17. Dentre as diversas modificações, em 1994, Mayes (apud MORO et al.17, 2000) introduziu o aparelho de Herbst com "cantilever" (CBJ - Cantilever Bite-Jumper). Esse aparelho é confeccionado com coroas nos primeiros molares permanentes (superiores e inferiores) e apresenta um "cantilever" soldado às coroas dos molares inferiores – se estendendo anteriormente até a área dos pré-molares e caninos – para o posicionamento do pivô do arco inferior. As coroas facilitam a adaptação e a retenção. Já o "cantilever" adaptado aos primeiros molares inferiores propicia o tratamento precoce (final da dentadura mista), não existindo partes removíveis que dependam da colaboração do paciente17.

Portanto, o aparelho de Herbst é indicado para casos com Classe II divisão 1 quando o problema principal é o retrognatismo mandibular, com dentes anteriores sem grande apinhamento ou após o alinhamento com o aparelho ortodôntico fixo e, de preferência, com incisivos inferiores lingualizados16.

CASO CLÍNICO

O paciente G.A.C.F., de 12 anos e 8 meses de idade, leucoderma e do gênero masculino, apresentava, no início do tratamento, perfil mole ortognático e falta de vedamento labial (Fig. 1, 2).


Na vista lateral, o paciente apresentava má oclusão de Classe II divisão 1 do lado direito com severidade de ¾ e ½ Classe II do lado esquerdo. O primeiro molar superior esquerdo ocluía topo a topo com seu correspondente inferior, e o canino superior decíduo do mesmo lado apresentava-se cruzado (Fig. 3, 4).


Na vista oclusal do arco superior, observava-se atresia maxilar suave com formato triangular do palato, favorecendo o apinhamento anterossuperior (Fig. 5).


Cefalometricamente, observou-se uma pequena retrusão mandibular e maxilar, com vestibularização dos incisivos superiores e inferiores. O padrão de crescimento do paciente era favorável e o perfil ósseo convexo (Fig. 6).


Durante o exame funcional, com o avançar da mandíbula do paciente, o perfil se apresentava agradável e o paciente conseguia um vedamento labial passivo.

Durante o exame facial com avanço mandibular, é importante também observar-se a nova oclusão no sentido transversal. No caso desse paciente, ao avançar a mandíbula ocorria cruzamento de mordida na região posterior.

Diante do diagnóstico, o plano de tratamento escolhido foi a expansão rápida da maxila (Hyrax) – devido ao formato do palato e ao cruzamento da mordida ao se avançar a mandíbula – seguida da correção da Classe II divisão 1 com aparelho funcional para avanço mandibular (aparelho de Herbst). Os motivos para a escolha do aparelho de Herbst foram: retrognatismo mandibular com melhora do perfil e oclusão do paciente no exame funcional; apinhamento anterossuperior moderado (com melhora após a expansão maxilar); e suspeita, após a entrevista com o paciente e os pais, de que se teria pouca colaboração do mesmo. Outro fator relevante para a escolha desse aparelho de avanço mandibular foi o período de crescimento ativo em que o paciente se encontrava. Ele ainda apresentava a maioria dos caninos decíduos e, segundo estudos sobre a relação entre o crescimento puberal e o desenvolvimento dentário, o paciente estava próximo do pico de crescimento26,30.

Tratamento

O aparelho escolhido para a expansão rápida da maxila foi o disjuntor tipo Hyrax. Esse aparelho foi ativado ¼ de volta no período matutino e outro ¼ no período noturno, durante 10 dias, estabelecendo expansão de, aproximadamente, 5mm (Fig. 7). Após esse período de ativação, houve 90 dias de contenção com o mesmo aparelho, com controle assistido, e o tratamento ativo prosseguiu com a correção da alteração anteroposterior.


Após conversa com os pais sobre o grau de responsabilidade do filho, foi optado pelo avanço mandibular com aparelho fixo. O aparelho de escolha para essa terapia foi o Herbst com "cantilever", por ser efetivo, confortável e o paciente estar no final da dentadura mista. Essa terapia teve duração de 12 meses. O avanço mandibular foi de 6mm, o suficiente para manter os dentes anteriores em topo a topo. Depois de seis meses a Classe II já havia sido corrigida, mas mesmo assim optou-se por manter o aparelho por mais seis meses como contenção (Fig. 8, 9, 10).


Durante o período de contenção com o Herbst, os caninos superiores decíduos esfoliaram, dando lugar aos caninos permanentes. Devido ao maior diâmetro dos caninos permanentes – com relação aos decíduos –, para a acomodação desses dentes, houve uma piora no apinhamento anterossuperior. Além do apinhamento dos dentes anterossuperiores, esses dentes se apresentavam com uma inclinação excessiva para vestibular, que tenderia a aumentar durante o alinhamento e nivelamento com o aparelho fixo. Por esses motivos, antes de iniciar o alinhamento e nivelamento dos dentes, optou-se por mais uma disjunção maxilar com o mesmo protocolo da terapia anterior. Observou-se também que o formato do palato, principalmente na região anterior, era propício para essa nova expansão.

O tempo de tratamento com aparelho fixo Straight wire, para alinhamento e nivelamento dos dentes, foi de um ano e três meses (Fig. 11, 12, 13). Foram usados fios redondos de níquel-titânio e fio retangular de aço para confecção dos torques ideais. Durante essa fase, o paciente usou elástico de Classe II noturno para manter a relação anteroposterior obtida com o Herbst.


Como contenção, o paciente usou aparelho móvel superior, tipo Hawley, e contenção fixa 3x3 inferior. Após cinco meses de uso, o paciente foi reavaliado a pedido dos pais, pois, devido a uma queda, abriu-se um diastema entre os incisivos centrais superiores. De qualquer forma, o uso da contenção superior foi questionado, uma vez que o paciente apresentava diastema entre os incisivos centrais superiores, no início do tratamento, demonstrando pequena colaboração ao longo do tratamento ortodôntico.

Para não haver a possibilidade de abertura maior do diastema, foi instalada uma contenção fixa superior de canino a canino.

Resultados

Ao final do tratamento, obteve-se uma melhora no perfil do paciente, com vedamento labial passivo, melhora da oclusão e alterações cefalométricas favoráveis (Fig. 14 - 18).


A expansão maxilar com o aparelho de Hyrax melhorou o formato do arco superior e o palato ficou mais arredondado, favorecendo o alinhamento dos dentes.

O avanço mandibular provocado pelo aparelho de Herbst favoreceu o destravamento da oclusão em Classe II, e a relação normal dos molares foi atingida – uma vez que, sem essa terapia, essa má oclusão não se autocorrigiria com o crescimento.

As alterações esqueléticas anteroposteriores foram resultantes do somatório da terapia com o aparelho de Herbst e do potencial de crescimento do paciente.

As alterações dentárias anteroposteriores restabeleceram a oclusão normal. Os incisivos superiores e inferiores ficaram em posição agradável com relação ao perfil do paciente, mesmo esse estando fora dos padrões cefalométricos (Tab. 1).

A oclusão estabelecida após o tratamento, assim como as medidas cefalométricas, se manteve adequada após cinco anos e oito meses de controle, o que comprovou a eficiência das terapias escolhidas na época ideal de tratamento (Fig. 19 - 24).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com a literatura sobre o assunto e a análise do caso apresentado, pode-se verificar que:

- o diagnóstico preciso e o conhecimento sobre o crescimento e o desenvolvimento craniofacial, assim como sobre os diversos aparelhos existentes, fazem a diferença no resultado do tratamento;

- o tratamento ortodôntico deve ser iniciado, sempre que possível, pela correção do problema transversal, seguida pela terapia de restabelecimento da relação anteroposterior normal, para não se agravar o problema transversal;

- os aparelhos para expansão rápida da maxila, como o aparelho de Hyrax, são aparelhos muito efetivos para a correção de problemas transversais durante o crescimento;

- os aparelhos funcionais de protrusão mandibular são indicados, principalmente, para pacientes com crescimento ativo e com retrognatismo mandibular. O exame funcional é outro fator que contribui para a escolha de aparelhos para o avanço mandibular. Ao pedir ao paciente que avance a mandíbula, se houver uma melhora do perfil e da oclusão e facilidade para o vedamento labial passivo, esses aparelhos são bem indicados;

- o aparelho de Herbst é efetivo para a correção da Classe II, principalmente em pacientes pouco colaboradores e com padrão de crescimento favorável, podendo ser usado no final da dentadura mista, pois os dentes de suporte do Herbst com "cantilever" são os primeiros molares permanentes.

Enviado em: abril de 2009

Revisado e aceito: agosto de 2009

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  • Endereço para correspondência:

    Camila Leite Quaglio
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Out 2009

    Histórico

    • Aceito
      Ago 2009
    • Recebido
      Abr 2009
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