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Descentralização em unidades de negócio: o caso de uma empresa do setor financeiro

Resumos

O objetivo deste trabalho é apresentar e discutir o caso de uma empresa privada nacional que, recentemente, se reestruturou em unidades de negócio. Como perguntas básicas de pesquisa, buscamos entender os fatores motivadores da decisão de reestruturação, os desafios e dificuldades que a empresa vem encontrando na implementação do modelo e as características básicas do sistema de controle gerencial que vem sendo aplicado para monitorar e avaliar o desempenho das unidades de negócio. Os resultados indicam que o impacto da descentralização em unidades de negócio parece ter sido positivo para a empresa, no sentido de atender aos objetivos estratégicos de aumento da base de clientes e de melhor atendimento de suas necessidades, além da manutenção da rentabilidade da empresa a curto prazo. A alta administração da empresa sabe que ainda tem muitos desafios que superar, mas acredita que conta com a estrutura certa para consolidar suas estratégias e concorrer satisfatoriamente num mercado mais competitivo, complexo e dinâmico.

descentralização; controle gerencial; unidades de negócio


This study reports and discusses the case of a private company of the financial sector, located in Brazil, which, a few years ago, was decentralized in business units. The authors tried to understand the motivations for the decision, the challenges that followed its implementation, and the structure of the management control system adopted to monitor the performance of each division. The results indicate that the decision to decentralize helped the company to implement its strategies of increasing market share. Top management is aware that many challenges still persist but believes that the company has adopted the appropriate organizational structure to deal with the competitive and complex market of the early nineties in Brazil.

decentralization; management control; business units


ARTIGOS

Descentralização em unidades de negócio: o caso de uma empresa do setor financeiro

Lúcia Barbosa de Oliveira; Marcos Gonçalves Ávila

RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar e discutir o caso de uma empresa privada nacional que, recentemente, se reestruturou em unidades de negócio. Como perguntas básicas de pesquisa, buscamos entender os fatores motivadores da decisão de reestruturação, os desafios e dificuldades que a empresa vem encontrando na implementação do modelo e as características básicas do sistema de controle gerencial que vem sendo aplicado para monitorar e avaliar o desempenho das unidades de negócio. Os resultados indicam que o impacto da descentralização em unidades de negócio parece ter sido positivo para a empresa, no sentido de atender aos objetivos estratégicos de aumento da base de clientes e de melhor atendimento de suas necessidades, além da manutenção da rentabilidade da empresa a curto prazo. A alta administração da empresa sabe que ainda tem muitos desafios que superar, mas acredita que conta com a estrutura certa para consolidar suas estratégias e concorrer satisfatoriamente num mercado mais competitivo, complexo e dinâmico.

Palavras-chaves: descentralização; controle gerencial; unidades de negócio.

ABSTRACT

This study reports and discusses the case of a private company of the financial sector, located in Brazil, which, a few years ago, was decentralized in business units. The authors tried to understand the motivations for the decision, the challenges that followed its implementation, and the structure of the management control system adopted to monitor the performance of each division. The results indicate that the decision to decentralize helped the company to implement its strategies of increasing market share. Top management is aware that many challenges still persist but believes that the company has adopted the appropriate organizational structure to deal with the competitive and complex market of the early nineties in Brazil.

Key words: decentralization; management control; business units.

INTRODUÇÃO E PERGUNTAS DA PESQUISA

A economia brasileira vem passando por importantes transformações ao longo da década de 90. A abertura de mercado e a consolidação da inserção do país no processo de globalização ampliaram, de forma significativa, o dinamismo de nossa economia e a exposição das empresas brasileiras à concorrência externa.

Nesse contexto, as empresas brasileiras vêm sendo forçadas a se adaptar e a rever suas estratégias competitivas e seus modelos de gestão. Resultados de uma pesquisa recente com 83 grandes empresas brasileiras indicaram que quase a totalidade (96% das empresas consultadas) tem passado por transformações nos últimos cinco anos (Coopers & Lybrand Consultores, 1996). Quando questionadas sobre a condução do processo de transformação, 78% das empresas informaram que a reestruturação organizacional foi um dos focos desse processo. Adicionalmente, o suporte de uma nova estrutura organizacional foi colocado por 70% das empresas como um dos vetores que serviram de base de sustentação de seus esforços de transformação, colocado atrás apenas do envolvimento e comprometimento das pessoas, citado por 72% das empresas.

Um modelo de gestão em particular, que parece estar sendo adotado de forma crescente no Brasil, é o da descentralização administrativa em unidades de negócio (Borba, 1992; Bethlem e Romeiro, 1993; Pinto e Avila, 1997). Ao descentralizar, a expectativa é de que, entre outros benefícios, a empresa ganhe agilidade e qualidade nos seus processos decisórios, dada a proximidade do gerente local com o mercado, com os empregados e com os fornecedores.

Embora julgada importante como opção de estrutura, o modelo de unidades de negócio introduz novas e significativas complexidades na tarefa gerencial, conforme será discutido adiante. Nesse contexto de vantagens e desafios, o objetivo deste trabalho é apresentar e discutir o caso de uma empresa privada nacional que, recentemente, se reestruturou em unidades de negócio, visando principalmente a se preparar para o esperado acirramento da concorrência internacional.

Como perguntas básicas de pesquisa, buscamos entender os fatores motivadores da decisão de reestruturação, os desafios e dificuldades que a empresa vem encontrando na implementação do modelo e as características básicas do sistema de controle gerencial que vem sendo aplicado para monitorar e avaliar o desempenho das unidades de negócio.

Uma vez que o acirramento da concorrência já é uma realidade entre as empresas brasileiras dos mais variados setores de nossa economia, a análise do caso desta empresa específica pode oferecer importante contribuição, ao apontar um possível caminho que as empresas brasileiras podem seguir, para enfrentar os novos tempos de globalização e intensificação da concorrência interna e externa.

REFERENCIAL TEÓRICO

Neste trabalho, estamos definindo uma unidade de negócio como sendo uma unidade organizacional relativamente independente, com a amplitude de um negócio, cujo gestor é responsável pelo seu desempenho e resultados.

A descentralização, além da tentativa de tornar o processo decisório mais ágil e de melhor qualidade, representa uma resposta para a falta de tempo ou mesmo desconhecimento da administração de topo, em relação aos diversos ramos em que a empresa passou a atuar. Com maior autonomia decisória, em níveis hierárquicos mais baixos, a alta gerência se libera das atividades do dia-a-dia e fica com mais tempo para atividades de caráter mais estratégico.

Finalmente, maior grau de autonomia local tem sido descrito como importante fator motivador para profissionais ambiciosos e desejosos de encontrar oportunidades de mostrar suas habilidades em cargos gerenciais e que envolvam a capacidade de tomar decisões de caráter estratégico (Vancil, 1979; Kaplan e Atkinson, 1989).

Apesar das diversas vantagens, a estruturação em unidades de negócio não pode ser vista como solução universal para as empresas que crescem e diversificam suas atividades. Conforme sugerem as idéias centrais da teoria contingencial das organizações (Burns e Stalker, 1966; Lawrence e Lorsch, 1967), Morgan (1996, p. 53) assinala que "organizações são sistemas abertos que necessitam de cuidadosa administração para satisfazer e equilibrar necessidades internas, assim como adaptar-se a circunstâncias ambientais". Nesse sentido, para diferentes condições ambientais, a teoria aponta que alguns tipos de organização serão mais capazes de sobreviver do que outros.

Drucker (1974) defende a idéia de que não existe um desenho de organização certo ou universal, e que as empresas precisam desenvolver sua estrutura organizacional em torno de suas atividades-chaves. Essas atividades-chaves são, segundo Drucker (1974), aquelas em que a empresa precisa atingir a excelência e aquelas cujo baixo desempenho ameaçaria seus resultados ou mesmo sua sobrevivência. O autor defende, portanto, que o desenho da estrutura organizacional deve partir dos objetivos e da estratégia da empresa, representando um meio para a sua consecução.

Anthony e Govindarajan (1995) apontam que a descentralização implica uma série de riscos e custos para as empresas. Em primeiro lugar, os administradores das unidades de negócio podem vir a ser estimulados a tomar decisões prejudiciais à empresa, seja concentrando-se na melhoria de sua unidade às custas de outras unidades ou da organização como um todo, seja em decorrência de sua limitada percepção a respeito daquilo que realmente é importante para a empresa.

Além disso, os autores identificam uma tendência de aumento de custos, associada ao fato de que os administradores das unidades organizacionais tenderão a realizar algumas atividades no âmbito de sua unidade, duplicando serviços que poderiam estar sendo realizados de forma centralizada. Os custos de coleta e processamento de informações quase sempre aumentam, quando a empresa promove a descentralização de seu processo decisório.

Anthony e Govindarajan (1995) apontam ainda alguns outros problemas: a possibilidade de uma ênfase excessiva no curto prazo em prejuízo da rentabilidade no longo prazo, a possibilidade de perda de controle por parte da alta administração da empresa, uma vez que relatórios de controle nunca serão tão efetivos quanto o acompanhamento direto e pessoal de suas operações e, finalmente, a possibilidade de excessiva competição entre as diversas unidades.

Os problemas, riscos e desafios descritos trazem à tona a necessidade de desenvolvimento de adequado sistema de controle gerencial. Anthony e Govindarajan (1995) definem controle gerencial como o processo pelo qual a alta administração influencia outros membros da organização a implementar a estratégia da empresa. Nesse sentido, os sistemas de controle gerencial são vistos como ferramenta para a implementação da estratégia adotada.

Ao abordar os sistemas de controle gerencial em empresas descentralizadas, Johnson e Kaplan (1991, p. 4) asseveram que "o sistema de contabilidade gerencial é o meio pelo qual a alta administração comunica as metas e objetivos da organização aos subordinados e gerentes de unidades de negócio" [e, por outro lado,] "é o canal pelo qual a informação sobre o desempenho e a eficiência na fabricação de produtos é reportada aos níveis gerenciais superiores".

Numa empresa descentralizada, portanto, os sistemas de controle têm dois papéis básicos: fornecer à alta administração informações sobre as unidades de negócio, no que diz respeito à rentabilidade e desempenho de suas operações, e influenciar o comportamento dos gerentes locais, de forma que suas decisões e ações sejam consistentes com os objetivos globais da organização.

No tocante ao sistema de informações, a alta administração precisa definir quais serão as medidas de desempenho dos gerentes e das unidades pelas quais são responsáveis. Vancil (1973) sugere que esse conjunto de medidas deve satisfazer a duas condições básicas: ser percebido como justo pelo gerente que vem sendo avaliado, e ser capaz de motivar o gerente da unidade de negócio, ao agir em benefício próprio ou de sua divisão, contribuindo, ao mesmo tempo, à consecução dos objetivos globais da organização.

DESCRIÇÃO DO CASO

O Negócio da Empresa

A empresa pesquisada atua como prestadora de serviços financeiros a pessoas físicas, mais especificamente nos ramos de crédito pessoal e financiamento do consumo, setores que vêm crescendo de forma significativa, desde a estabilização da economia, obtida a partir da introdução do Plano Real, em meados de 1994 (Banco Central do Brasil, 1997).

Com o objetivo de resguardar seus interesses, o nome verdadeiro da empresa objeto desta pesquisa exploratória será mantido em sigilo. Daqui para frente, portanto, a empresa será chamada pelo nome fictício de SABRA S/A.

As operações de financiamento administradas pela SABRA S/A englobam tanto o crédito pessoal como o crédito ao consumo. No segmento de crédito direto ao consumidor, a SABRA S/A busca parcerias com lojistas e passa a administrar os financiamentos concedidos em suas lojas. A concessão de crédito é feita por meio de dois tipos de instrumentos: o carnê de pagamento e os cartões de crédito de marcas compartilhadas, também chamados de cartões private label ou, internamente, de cartões loja. Esses cartões tinham estampada a marca corporativa do lojista e só podiam ser utilizados em suas lojas. Ainda neste segmento de crédito ao consumo, a SABRA S/A tornou-se, há alguns anos, emissora de um cartão de crédito tradicional, o cartão SABRA VISA.

Com relação ao crédito pessoal, a SABRA S/A conta com um cartão de empréstimos, concedido a pessoas físicas interessadas em obter crédito em dinheiro, sem vínculo algum com a aquisição de bens ou serviços. Este cartão é vendido apenas nas lojas da companhia. O cliente que tem seu crédito aprovado recebe o cartão em casa e, a partir daí, pode efetuar saques nas Lojas SABRA ou nos postos do Banco 24 Horas, dentro do limite de crédito concedido, sem a necessidade de se submeter a uma nova análise de crédito em cada retirada.

A Estrutura Anterior

Antes de sua reestruturação em unidades de negócio, a SABRA S/A era estruturada funcionalmente, com um presidente, um diretor superintendente, três diretores regionais, um diretor de marketing, um diretor administrativo, um diretor financeiro e um diretor de sistemas.

As diretorias regionais de vendas (Centro, Sul e Norte e Nordeste), eram responsáveis pela comercialização de todos os produtos da empresa. Subordinados aos diretores regionais estavam os gerentes das Lojas SABRA espalhadas pelo Brasil. Eles eram responsáveis por explorar os mercados de sua região, atuando tanto na prospecção de parceiros lojistas como no atendimento aos clientes pessoas físicas que procuravam as filiais na busca de empréstimos em dinheiro.

No tocante à diretoria de marketing, suas responsabilidades principais estavam associadas ao desenvolvimento de novos produtos, além da melhoria dos produtos existentes. Todas as gerências de produto estavam subordinadas a essa diretoria. Alguns projetos que ilustram tentativas na melhoria dos produtos existentes foram o reprojeto do extrato, de forma a facilitar o entendimento por parte dos usuários, a maioria de baixa renda, sobre as tarifas, juros e multas cobrados sobre a operação, e a definição do limite nos prazos de pagamento por parte dos clientes. O cliente decidia, no momento do saque, em quantas parcelas pagaria o empréstimo, dentro de um limite no número de parcelas que a empresa fixava. A definição desse limite envolvia análise de risco, rentabilidade e receptividade por parte do cliente.

Em relação a novos produtos, a empresa trabalhava, por exemplo, no desenvolvimento de parcerias para o lançamento de cartões de empréstimo, do mesmo tipo que já existe para cartões de crédito. Outros produtos em desenvolvimento eram os cartões de débito. Com estes cartões os cliente poderiam fazer compras e decidir como financiá-las (número de parcelas), no momento da compra.

Diante do esperado acirramento da concorrência, as atividades de marketing eram vistas como essenciais à sobrevivência da empresa no médio e longo prazo; no entanto o distanciamento entre as diretorias regionais, que conviviam diretamente com os clientes e, por essa razão, os conheciam mais profundamente, e a diretoria de marketing impedia a realização de um trabalho mais efetivo por parte das gerências de produto.

Como empresa que concede crédito massificado a pessoas físicas, as atividades de crédito e cobrança são extremamente importantes para o sucesso do negócio. Um dos diferenciais competitivos da SABRA S/A residia na qualidade de seus sistemas de análise de crédito. A política de crédito adotada, diferenciada para cada um dos produtos da companhia, levava a SABRA S/A a ter um dos mais baixos índices de inadimplência do mercado. A estrutura de crédito estava toda centralizada na matriz e respondia diretamente à diretoria administrativa.

A área de cobrança também estava subordinada à diretoria administrativa, mas os seus profissionais atuavam de forma relativamente independente em cada uma das regiões. Cada escritório regional (Centro, Sul e Norte e Nordeste) contava com uma estrutura de cobrança própria e adotava políticas diferenciadas de cobrança; não havia padrão de procedimentos para os três escritórios. A pouca comunicação e coordenação entre as três áreas de cobrança eram percebidas como um problema pela alta administração, visto que implicava reduzida troca de experiências e ausência de compartilhamento de esforços.

As atividades de controle gerencial financeiro eram desenvolvidas no âmbito da diretoria financeira e, conforme se discute com maior detalhe adiante, envolviam um sistema de apuração das receitas, um sistema de orçamento e um sistema de custeamento dos produtos por atividades. Toda a estrutura ficava localizada na matriz da empresa. Finalmente, a diretoria de sistemas era responsável pelos sistemas de informação e processamento de dados da SABRA S/A, cuja equipe também ficava centralizada na matriz.

Culturalmente, a SABRA S/A era muito voltada para dentro de si mesma, com reduzida tradição de foco no cliente. A cultura da empresa era marcada, ainda, por baixo grau de competitividade e motivação interna. A empresa não contava com nenhum sistema formal de avaliação de desempenho e remuneração variável, que estimulasse a competição interna e uma orientação para resultados. Apenas os funcionários vinculados às diretorias regionais de vendas (atendentes e gerentes de loja, além dos próprios diretores regionais) recebiam comissões, com base apenas no volume de vendas, mas esse sistema não era aplicado aos funcionários da matriz.

O Processo de Reestruturação e a Nova Estrutura

O processo de reestruturação da SABRA S/A teve início no primeiro trimestre de 1996 e envolveu, em primeiro lugar, a total reformulação da estratégia da empresa. Essa nova estratégia seria, por sua vez, apoiada por nova estrutura organizacional e pela introdução paulatina de nova cultura, mais competitiva e mais voltada para o cliente.

A estabilização da economia havia tornado os negócios de crédito pessoal e de financiamento do consumo extremamente atraentes. Some-se a esse fator a recente desregulamentação do setor financeiro, que veio a facilitar a entrada de instituições financeiras no país. Nesse sentido, uma avaliação do ambiente externo apontava para a ameaça de entrada de fortes concorrentes estrangeiros no mercado, onde a empresa operava. Até então, a concorrência se limitava a pequenas financeiras independentes e às financeiras dos grandes bancos de varejo, que não tinham a mesma agilidade da SABRA S/A na concessão de crédito. Nas operações de crédito pessoal, por exemplo, um cliente que entrasse numa loja SABRA poderia sair com dinheiro na mão em apenas 30 ou 40 minutos.

A esperada entrada da concorrência estrangeira, que chegaria ao país supostamente disposta a conquistar com rapidez a sua fatia do mercado e com estrutura de custos eficiente, foi o principal motivador da criação da nova estratégia competitiva da SABRA S/A. A estratégia tinha por objetivo atacar duas frentes importantes e complementares: uma agressiva estratégia de crescimento, calcada na ampliação da base de clientes, e o desenvolvimento de uma cultura voltada para o cliente. O foco no cliente era importante, porque permitiria à empresa conhecer e atender melhor suas necessidades para, finalmente, desenvolver táticas visando à sua fidelização.

A lógica por trás dessa estratégia de crescimento agressiva, visando a ampliar de forma significativa a base de clientes da empresa, estava na percepção de que seria mais difícil para a concorrência roubar um cliente do que conquistar um cliente não atendido. A alta administração da SABRA S/A acreditava na importância de marcar presença e conquistar espaço na mente dos consumidores, antecipando-se à entrada da concorrência externa.

Nesse sentido, a empresa decidiu desenvolver todo um trabalho de redefinição de sua imagem corporativa, incluindo a mudança de sua logomarca. Além disso, ela optou por investir pesadamente em propaganda institucional, buscando mostrar-se ao mercado e divulgar sua nova imagem. A campanha institucional desenvolvida procurou colocá-la como amiga do cliente, pronta para ajudá-lo em situações de necessidade.

A estratégia de ampliação da base de clientes precisava, no entanto, ser complementada por outra, que visasse a conquistar a fidelidade do cliente, estratégia que seria alcançada num prazo mais longo. Para isso a SABRA S/A precisaria desenvolver mecanismos para conhecer melhor o perfil de seus clientes e melhorar a qualidade dos serviços prestados. Essa estratégia, porém, exigiria significativa mudança cultural, visto que toda a empresa era muito voltada para dentro de si mesma. Pouco se conhecia sobre os clientes, seu perfil, suas necessidades e, portanto, o que seria necessário para conquistar a sua fidelidade.

Definida a estratégia competitiva da companhia, a alta administração passou a questionar o tipo de estrutura que melhor poderia dar suporte a essa nova estratégia. Nesse processo, a necessidade de ampliar o foco no cliente e de aumentar a motivação dos colaboradores internos foi determinante para a nova estrutura que seria implementada na empresa, com a criação de unidades de negócio e descentralização do processo de tomada de decisão.

Buscando adequar a estrutura da empresa à sua nova estratégia, a alta administração decidiu subdividir a empresa, que antes contava com uma estrutura de vendas única, em duas unidades organizacionais de vendas, segundo o critério de tipo de cliente. Uma unidade ficaria responsável por atender os clientes pessoas físicas, oferecendo-lhes cartões de crédito (SABRA VISA) e de empréstimo (SABRA VIP); a outra atenderia o segmento lojista, oferecendo dois tipos de instrumento de financiamento ao consumidor final, o carnê e o cartão loja.

Além disso, com o objetivo de ampliar a motivação e os centros de iniciativa dentro da companhia, decidiu-se a transformação dessas novas unidades organizacionais em unidades de negócio, implicando delegação de autonomia decisória aos seus gestores. Segundo a alta administração, essa transformação permitiria, ainda, melhor apuração dos resultados de cada uma das unidades e facilitaria a introdução de nova política de remuneração variável baseada em resultados. Tanto a maior autonomia quanto a nova política de remuneração tinham por objetivo estimular a motivação dos escalões inferiores da organização.

A nova estrutura da SABRA S/A passou a ser composta pelas unidades de negócio lojista (UNL) e consumidor (UNICON) e por outras quatro diretorias executivas de apoio, conforme apresenta o organograma seguinte.

A Unidade de Negócio Consumidor

A unidade de negócio consumidor (UNICON) engloba os negócios, em que o contato da SABRA S/A se dá diretamente com o cliente final. A UNICON ficou, portanto, responsável pelos produtos vendidos diretamente a pessoas físicas, ou seja, o cartão SABRA VIP e o cartão SABRA VISA. O primeiro era um cartão de empréstimo para saques em dinheiro, e o segundo um cartão basicamente de compras.

A UNICON foi dividida em três diretorias: diretoria de administração de vendas, diretoria de desenvolvimento de negócios e diretoria de produtos e serviços de marketing.

A diretoria de administração de vendas, subdividida em quatro gerências regionais de vendas, ficou responsável pela comercialização dos produtos da unidade na rede de lojas SABRA S/A. Em relação à estrutura anterior, isto representou significativa mudança. Além da criação de uma quarta região (o Estado de São Paulo ganhou sua própria regional, separando-se da regional Centro), os administradores das regionais (antes diretores, agora gerentes) ficaram responsáveis apenas pela venda dos produtos da unidade consumidor, permitindo maior foco. Antes, os diretores regionais tinham responsabilidade sobre todos os produtos da companhia.

O custo inevitável associado à opção de se ampliar o foco no cliente foi uma duplicação dessa estrutura de administração de vendas também na unidade lojista, levando a um inevitável incremento dos custos de mão-de-obra da empresa, entre outros. Conforme veremos com maior detalhe adiante, na unidade de negócio lojista, os próprios regionais têm status de diretor, não havendo a figura de um diretor de administração de vendas.

A diretoria de desenvolvimento de negócios foi criada para viabilizar a estratégia de rápida ampliação da base de clientes da empresa. Sua missão é criar novas formas de venda dos produtos da unidade. O diretor executivo entendeu que a venda de produtos apenas nas lojas SABRA S/A seria insuficiente para que a UNICON alcançasse as metas de crescimento negociadas no âmbito do conselho de administração.

Nesse sentido, foram criadas gerências que seriam responsáveis pela venda por telefone (Telemarketing) e pela criação e desenvolvimento de novos pontos de venda (Canais Alternativos). Entre os canais alternativos de venda criados destacamos os quiosques em estações do metrô e trem e em shopping centers e, ainda, as chamadas estações móveis de crédito, que nada mais são do que carros vans com uma equipe de vendas que passa os dias em diferentes locais de grande circulação de clientes alvos da SABRA S/A. Finalmente, a gerência de novos negócios, também sob supervisão dessa diretoria, ficou responsável pelo desenvolvimento de parcerias para a colocação massificada de cartões SABRA VIP e/ou SABRA VISA.

A diretoria de produtos e serviços de marketing foi criada com a missão de prestar serviços visando não apenas a viabilizar como a alavancar as vendas das duas outras diretorias da UNICON. Esta diretoria é composta pelas gerências de produto (SABRA VIP e SABRA VISA), responsáveis por desenvolver os produtos e mantê-los adequados às necessidades e demandas dos clientes, e pelas gerências de marketing direto e merchandising, endomarketing, propaganda e comunicação e pesquisa de mercado.

A Unidade de Negócio Lojista

A unidade de negócio lojista (UNL) engloba os dois grupos de produtos - cartões loja e carnês de pagamento - onde existe um comerciante entre a empresa e o cliente final. O cartão loja é um produto desenvolvido em parceria com comerciantes interessados não apenas em criar um novo instrumento para pagamento, mas também em estimular a fidelidade de sua base de clientes. Com o objetivo de atender às necessidades específicas de cada lojista, as características desses cartões são negociadas caso a caso - taxas de juros, prazos de financiamento (número de parcelas) e as características (features) do produto: programas de milhagem, concessão de limites de crédito para saques em dinheiro etc. Essa flexibilidade, no entanto, dificulta a administração interna desses cartões.

O carnê de pagamento é desenvolvido em parceria com lojistas que vendem produtos normalmente de maior valor unitário (eletroeletrônicos, móveis, passagens aéreas e pacotes turísticos, automóveis), em que a fidelização do cliente não seria obtida com a criação de um cartão exclusivo, visto que a freqüência de compra nesse tipo de lojista é mais baixa. Para esses lojistas, o mais importante é a facilidade e agilidade na concessão do crédito e o preço cobrado (taxas de juros), fatores que poderiam representar vantagem ou desvantagem competitiva em relação à concorrência.

A estrutura da unidade de negócio lojista foi desenvolvida de forma que permita a exploração dos mercados lojistas das diversas regiões do país e o gerenciamento dos contratos fechados pelas equipes de vendas. Enquanto a exploração de mercados fica a cargo das quatro diretorias regionais, que contam com equipes de vendas alocadas nas Lojas SABRA de suas respectivas regiões, a diretoria de produtos responde pelo gerenciamento dos contratos e pelo apoio técnico às equipes de vendas na negociação dos termos contratuais e características (features) dos produtos.

Para desempenhar suas funções, a diretoria de produtos da unidade lojista conta com quatro gerentes de cartões loja, divididos por ramo de atividade do lojista cliente, e um único gerente para o produto carnês SABRA que, além de administrar os contratos fechados, cuida da operacionalização dos contratos de financiamento e negocia com a área de crédito as políticas de concessão de crédito.

Na estrutura da unidade lojista, há ainda a diretoria de marketing que, dividida em duas gerências, dá apoio tanto à diretoria de produtos como às diretorias regionais de vendas. A gerência de marketing direto atua muito próxima às gerências de produto e é responsável pelo desenvolvimento do material promocional dos produtos, incluindo o design dos cartões loja. A gerência de promoções e eventos trabalha em parceria com as equipes de vendas na preparação da participação da empresa em feiras e eventos locais: feiras de informática, de utilidades domésticas etc.; a SABRA entra para financiar as compras dos visitantes do evento em questão.

Cabe aqui destacar que há diferença básica entre as duas unidades de negócio, associada à estruturação de suas áreas de vendas. Na UNL, ela está estruturada em diretorias, enquanto na UNICON ela é composta por gerências que se reportam a um diretor. Nesse sentido, a unidade lojista é mais descentralizada, o que parece ser explicado pelo tipo de produto comercializado por cada uma das unidades. No caso do negócio lojista, que pressupõe a prospecção e desenvolvimento de parcerias com lojistas, tanto para o produto private label, como para os carnês SABRA, é não só importante como necessário dar mais autonomia ao pessoal das regionais. No caso da unidade consumidor, é mais importante manter a consistência do atendimento nas Lojas SABRA. Para tanto, a boa comunicação com a matriz é fator determinante, o que parece explicar a opção por uma maior centralização.

A NOVA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL: MOTIVADORES E DESAFIOS

Entre os fatores contingenciais que mais tiveram impacto sobre a decisão por um novo desenho de estrutura organizacional, destacamos a perspectiva de redução de margens de lucro, em função da queda das taxas de juros da economia, e a esperada entrada de novos concorrentes no mercado, podendo implicar perda de fatia de mercado (market share) e novas reduções de juros e margens de lucro.

Em primeiro lugar, a perspectiva de entrada de concorrentes estrangeiros implicou a necessidade de tornar a organização mais atenta e focada no conhecimento e atendimento das necessidades de seus clientes. O acirramento da concorrência, além de tornar o setor mais competitivo, tende também a ampliar o dinamismo e complexidade do ambiente, exigindo mais agilidade e proximidade do mercado. De acordo com Burns e Stalker (1966) e Lawrence e Lorsch (1967), uma organização que convive num ambiente hostil, dinâmico e complexo tende a ser mais bem sucedida, se contar com estrutura mais flexível e menos hierarquizada, como se observa no caso da estrutura baseada em unidades de negócio.

A SABRA S/A efetivamente conseguiu ampliar a sua base de clientes e este crescimento deve-se, em grande medida, à criação dos canais alternativos de venda, no caso da unidade de negócio consumidor, e ao foco, no âmbito das lojas, dado a cada um dos negócios da empresa - atendimento ao cliente na loja, para a venda dos cartões SABRA VIP e SABRA VISA, e a prospecção de lojistas da região, para a comercialização dos produtos carnês SABRA e cartão loja. A título de exemplo, o volume de empréstimos pessoais - saques em dinheiro de clientes do cartão SABRA VIP - subiu de R$ 20,6 milhões na média de janeiro a setembro de 1996, para uma média de R$ 35,1 milhões no mesmo período do ano de 1997, representando um crescimento de mais de 70%. O crescimento da base de clientes SABRA VIP acompanhou essa expansão do volume de empréstimos.

No tocante ao ambiente interno da empresa, a alta administração da SABRA S/A identificou a necessidade de tornar o processo decisório da companhia mais ágil e flexível, em face da nova estratégia competitiva. Adicionalmente, a empresa havia identificado um problema associado à baixa motivação de seus colaboradores e esperava, com a descentralização, contribuir para sua solução. Nesse sentido, por um lado, a descentralização implicou aumento da autonomia de diretores e gerentes, o que tende a aumentar sua motivação.

Por outro lado, a descentralização facilitou a implementação do novo sistema de remuneração variável com base em resultados, à medida que permitiu uma mensuração mais exata da rentabilidade de cada produto e, portanto, de cada uma das unidades de negócio. A criação de um sistema de remuneração com base em resultados, interpretados como distorcidos ou pouco claros pelos subordinados que estarão sendo avaliados, pode ter efeitos perversos sobre suas ações e sua motivação. Conforme escrevem Kaplan e Norton (1992), aquilo que a alta administração opta por medir se transforma no foco das ações de gerentes e diretores; quando a medida de resultado apresenta distorções, o sistema de remuneração pode levar à desmotivação desses gestores.

Nesse sentido, a introdução do novo sistema de remuneração era vista pela alta administração como fundamental para estimular o foco em resultados. De acordo com a opinião dos diretores executivos, baseada em suas próprias percepções, quanto ao desempenho de seus colaboradores, o novo sistema de remuneração de fato ampliou a motivação dos funcionários da SABRA S/A, às custas, no entanto, de maior competitividade interna.

A expectativa de queda das taxas de juros da economia e de menor liberdade na definição de preços, em função do acirramento da concorrência, são fatores que levam ao estreitamento de margens de lucro, implicando a necessidade de controle de custos mais efetivo e do acompanhamento da rentabilidade de cada produto individualmente. Nesse sentido, a decisão da alta administração da SABRA S/A pela criação das unidades de negócio separadas por cliente e por produto - cada unidade cuidava de apenas dois produtos - veio a facilitar a mensuração do resultado de cada um dos negócios da companhia.

O aumento dos custos indiretos decorrente da duplicação de atividades no âmbito das unidades de negócio foi, segundo o presidente da empresa, um dos principais problemas associados à descentralização em unidades de negócio. Entre as atividades que foram duplicadas, destaca-se toda a estrutura de vendas que atua nas Lojas SABRA. Se na estrutura funcional anterior a empresa contava com um único gestor por região (diretorias e gerências regionais), com a descentralização cada unidade de negócio passou a contar com seu próprio gestor que, por sua vez, montou equipe própria, originando aumento do quadro de pessoal e, portanto, de custos.

Além disso, também foram duplicadas as atividades de controle financeiro. Além da gerência de controle financeiro corporativo, que já existia e continuou existindo, cada um dos diretores executivos das unidades de negócio optou pela criação de sua própria área de controle financeiro, com o objetivo de acompanhar mais de perto os custos e a rentabilidade dos negócios sob sua gestão.

Além do problema do incremento de custos, o presidente citou o aumento da competição entre as unidades de negócio e a conseqüente dificuldade de coordenação de suas atividades como importantes desafios que precisam ser enfrentados, dado que tendem a prejudicar o resultado global da companhia. A alta administração da empresa acredita que uma modificação no atual sistema de remuneração, através da atribuição de um peso maior ao resultado global da empresa no cálculo da remuneração variável dos gestores, pode contribuir para a solução desse problema.

Com relação à consistência entre a responsabilidade delegada ao gestor das unidades de negócio e sua autonomia, considerada por Vancil (1979) como importante fator para o sucesso desse modelo estrutural, acreditamos que ela exista no caso da SABRA S/A, mas com algumas limitações. Nesse aspecto, é importante registrar que algum grau de ambigüidade é inerente à estruturação em unidades de negócio (Vancil, 1979). Num ambiente descentralizado, a responsabilidade delegada ao gestor da unidade de negócio é sempre superior à sua autoridade, dado que existem recursos fora de seu controle, seja porque são compartilhados com outras unidades, seja porque são controlados em nível corporativo.

No caso da SABRA S/A, a autonomia dos gestores das unidades de negócio lojista e consumidor fica prejudicada por uma série de fatores, incluindo a obrigatoriedade de contratação interna dos serviços de análise de crédito e, ainda, pela baixa influência que exercem sobre as atividades de cobrança, tanto as executadas internamente como aquelas realizadas pelas empresas de assessoria de cobrança, ambas controladas pela diretoria de cobrança. Apesar de os índices de inadimplência entrarem no cálculo da rentabilidade dos produtos da companhia e, portanto, do desempenho econômico das unidades de negócio, a alta administração, na avaliação do desempenho administrativo dos gestores das unidades, leva em consideração o fato de que eles não têm autonomia sobre os processo de crédito e de cobrança e, por essa razão, desconsidera os valores correspondentes à perda de crédito.

O SISTEMA DE CONTROLE GERENCIAL

O sistema formal de controle gerencial da SABRA S/A inclui um sistema de apuração das receitas, um sistema de orçamento, um sistema de custeamento de produtos, e um sistema de avaliação de resultados de cada unidade de negócios.

O sistema de apuração das receitas dos produtos da companhia é muito bem estruturado e cumpre com seus objetivos, porquanto fornece os subsídios necessários às análises de rentabilidade realizadas pela alta administração e pelas áreas de controle financeiro das unidades de negócio. No caso da SABRA S/A, o sistema de apuração de receitas fornece informações sobre as receitas obtidas com cada um dos produtos em cada um dos canais de venda da companhia - Lojas SABRA e os novos canais alternativos.

Com relação ao sistema de orçamento da SABRA S/A, cabe destacar que ele cobre apenas o lado das despesas. Cada gerente é convocado, pouco antes do início de cada ano, a orçar suas despesas para cada mês do ano seguinte. Além das despesas estimadas pelos gerentes, existem despesas alocadas a cada centro de responsabilidade (custos corporativos e depreciação/amortização de ativos).

A definição de metas de receita e sua apuração não fazem parte do orçamento basicamente porque o orçamento de despesas é responsabilidade delegada aos gerentes da empresa, enquanto as metas de venda (ou orçamento de receitas) são negociadas entre a diretoria executiva das unidades de negócio e a alta administração, composta pelo presidente da empresa e o conselho de administração.

O orçamento de despesas da SABRA S/A conta com muito pouca credibilidade entre os gerentes e diretores. O orçamento define uma estimativa básica dos gastos da empresa para o ano seguinte, mas pouca atenção é dada a informações relativas a variações entre os valores orçados e os valores efetivamente ocorridos. Além disso, a metodologia de cálculo das contas cujos valores eram apurados internamente pelo sistema, sobretudo a metodologia relativa às alocações de custos, é amplamente criticada pelos gerentes. As principais críticas são de que os valores alocados às diversas gerências são arbitrários e fora do controle do gerente. A própria alta administração reconhecia a existência de falhas, o que contribuía ainda mais para o descrédito em que caiu o sistema de orçamento.

A literatura destaca o orçamento como importante ferramenta de planejamento e controle de curto prazo, à medida que pode ser usado para "influenciar o desempenho do gerente antes do fato e para avaliar seu desempenho após o fato" (Anthony e Govindarajan, 1995, p. 371). Nesse sentido, o objetivo básico do sistema de orçamento da SABRA S/A seria dar aos gestores um guia sobre como administrar seus gastos e fornecer à alta administração informações sobre o comportamento dessas despesas em relação ao originalmente previsto.

O sistema, entretanto, não parece estar cumprindo nenhum desses dois objetivos. Em primeiro lugar, a baixa credibilidade do sistema, em função de cálculos e alocações confusas na visão dos gerentes e do próprio comportamento da alta administração em relação a ele, faz com que os gerentes praticamente desconsiderem o orçamento em suas decisões a respeito de gastos não orçados. Nesse sentido, o orçamento da SABRA S/A não cumpre a função de orientar e influenciar o comportamento dos gerentes: a empresa tem vivenciado significativo descontrole de gastos. Adicionalmente, os erros de alocação fazem com que as despesas apuradas pelo sistema de orçamento não sejam consideradas na avaliação do desempenho das gerências, nem das unidades de negócio, conforme será visto adiante.

O sistema de custeamento de produtos foi desenvolvido por uma consultoria externa, e está fundamentado na metodologia do custeio baseado em atividades. O objetivo é permitir aos gestores - alta administração e gestores das unidades de negócio - que avaliem a rentabilidade de cada um dos produtos da companhia. O sistema está ainda em testes, e a SABRA S/A reconhece a existência de imperfeições metodológicas, associadas principalmente à dificuldade de se mensurar o custo unitário de certos recursos consumidos na execução das atividades. A despeito dessas imperfeições, os custos calculados pelo sistema são utilizados no cálculo da rentabilidade das operações com o cartão SABRA VISA e com cada um dos lojistas parceiros nos carnês de pagamento e cartões loja, permitindo a identificação dos lojistas mais rentáveis e dos menos rentáveis.

No caso do cartão SABRA VIP, nenhum custo calculado pelo sistema de custeamento é incluído no cálculo da rentabilidade do produto. As entrevistas realizadas indicaram duas razões para essa exclusão. Em primeiro lugar, os custos de operação das Lojas SABRA (custos indiretos aos produtos) não fazem parte do sistema de custeio e representam uma parcela significativa dos custos com este produto. Logo, os custos calculados pelo sistema não representam, de forma adequada, o custo total do produto. Em segundo lugar, o cartão SABRA VIP é produto de alta rentabilidade - o spread de taxa de juros dos empréstimos pessoais são muito superiores ao spread dos outros produtos de financiamento comercializados pela companhia; uma avaliação mais precisa de custos não se faz necessária, neste momento, segundo a percepção da administração da empresa, dado que é indiscutível que o produto deve continuar compondo o portfolio da empresa. No entanto, a esperada queda das taxas de juros para essa modalidade de financiamento implicará a necessidade de melhor acompanhamento dos gastos associados à operação do cartão SABRAVIP. Além disso, um sistema que permita a identificação dos custos de cada um dos processos e atividades pode ser utilizado no sentido de chamar a atenção da alta administração para eventuais gastos excessivos ou ineficiências.

Finalmente, no tocante ao sistema de avaliação de resultados das unidades de negócio, a empresa conta com procedimentos diferenciados para cada unidade de negócio. A unidade de negócio consumidor tem sua rentabilidade medida por duas informações: resultado bruto obtido com o produto SABRA VIP (isto é, somente receitas), com o resultado líquido obtido com o produto SABRA VISA (receitas menos custos apurados pelo sistema de custeio do produto). Não existe portanto um único número que reflita o desempenho global financeiro da unidade. No caso da unidade lojista, a rentabilidade é medida pela soma da receita obtida com cada um dos lojistas parceiros nos produtos carnês SABRA e cartões loja.

Não existe na empresa um sistema formal de medidas não financeiras para avaliar as unidades de negócio. A alta administração da empresa avalia cada unidade com base em variáveis discutidas e negociadas semestral e especificamente com cada um dos dois gerentes. A avaliação dos diversos gerentes e níveis hierárquicos inferiores, em cada unidade de negócio, também é baseada em metas semestrais quantitativas e qualitativas, negociadas por cada funcionário com seu superior direto. Geralmente, quanto mais alto o nível hierárquico, maior o número de metas quantitativas em relação às metas qualitativas.

O sistema de recompensas ou ganho variável baseado em resultados, é instrumento relativamente novo para a empresa, especialmente no que tange à sua adoção em todos os níveis hierárquicos da empresa. No caso dos diretores e diretores executivos (gestores das unidades de negócio), a remuneração variável muda em função do resultado semestral da empresa como um todo, além da avaliação de metas quantitativas e qualitativas sobre as quais o diretor exerce controle direto, e que são negociadas no início de cada semestre. A remuneração final de cada diretor, portanto, varia em função de seu nível salarial e desempenho pessoal e do lucro total da empresa.

Para gerentes e demais colaboradores da empresa, terminado o semestre, cada funcionário se auto-avalia e é avaliado por seu superior direto. Ambos devem chegar a uma única avaliação final, que é então submetida ao superior seguinte. A recompensa é definida em número de salários mensais e pode variar de zero a três salários por semestre, dependendo da avaliação obtida.

Na própria percepção da administração da empresa, a forma mais adequada de apuração do desempenho financeiro e não financeiro das unidades de negócio ainda não foi alcançada. Visto que os sistemas de controle gerencial têm a função de influenciar o comportamento dos membros da organização (Simons, 1995; Anthony e Govindarajan, 1995), a alta administração da SABRA S/A parece ainda estar testando a eficácia das medidas utilizadas nesse sentido, para então desenvolver um sistema formal de avaliação.

Um fator que tem significativa influência no desempenho financeiro de cada unidade de negócio se refere à política para fixação do preço de transferência para os serviços transacionados entre as unidades e prestados pela administração central, que são significativos. A alta administração tem permitido que os preços sejam fixados por negociação entre as unidades de negócio, dado que não existem preços de mercado disponíveis para boa parte desses serviços.

CONCLUSÕES

No caso da SABRA S/A, a congruência de objetivos entre a gerência local e a gerência corporativa, parece estar sendo obtida mais pelos mecanismos informais do que pelos sistemas de controle gerencial formais, que apuram as receitas e custos da companhia. Em primeiro lugar, cabe destacar que esta informalidade não é necessariamente negativa para a empresa, visto que o alcance de congruência de objetivos envolve fatores motivacionais, que nem sempre podem ser formalizados no âmbito de um sistema fechado (Vancil, 1979). Além disso, a empresa ainda não encerrou o processo de redefinição de seus sistemas de controle gerencial, de forma que os compatibilize com sua nova estrutura organizacional.

Entre os problemas enfrentados pela SABRA S/A em relação ao redesenho de seus sistemas de controle, destacamos a dificuldade de identificação de custos, separados por produto e por unidade de negócio. Este é um problema ainda em fase de equacionamento na empresa. Além disso, a SABRA S/A conta com um sistema de orçamento que se tornou inadequado à sua nova estrutura.

Em termos globais, o impacto da descentralização em unidades de negócio parece ter sido positivo para a empresa; os objetivos estratégicos de aumento da base de clientes e de melhor atendimento de suas necessidades, além da manutenção da rentabilidade da empresa a curto prazo, estão sendo alcançados. A alta administração da empresa afirma que ainda existem muitos desafios por superar, mas que acredita contar com a estrutura certa para consolidar suas estratégias e competir satisfatoriamente num mercado mais competitivo, complexo e dinâmico.

Lúcia Barbosa de Oliveira, é Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Doutoranda na Graduate School of Business Administration, University of Colorado, USA. Sua área de interesse em pesquisa é comportamento do consumidor.

Endereço: 4810 Meredith Way, 204, Boulder, 80303, Colorado, USA. E-mail: lucia.oliveira@colorado.edu

Marcos Gonçalves Ávila, é Ph.D. em Administração pela New York University, USA. Professor Adjunto do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Suas áreas de interesse em pesquisa são sistemas de controle gerencial, processos de descentralização organizacional, julgamento e tomada de decisão.

Endereço: Rua Alberto de Campos, 101/apt. 903, 22471-020, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: marcos@coppead.ufrj.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Abr 2009
  • Data do Fascículo
    Abr 1999
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