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Economia brasileira

RESENHAS BIBLIOGRÁFICAS

Gileno Marcelino

(FA/UnB)

ECONOMIA BRASILEIRA. José Matias Pereira. São Paulo: Editora Atlas, 2003. 160 p. ISBN 8522433755.

As reformas econômicas implementadas na América Latina, nas últimas décadas, modificaram significativamente o panorama econômico da região. Por meio de distintas mudanças estruturais, grande número de países passou de economias fechadas, controladas pelo Estado - características típicas do modelo de substituição de importações, para economias dirigidas pelo mercado. Os impactos dessas mudanças provocaram conseqüências socioeconômicas e políticas preocupantes na região e, em particular, no Brasil.

É nesse cenário que se insere o livro Economia Brasileira, de autoria de José Matias Pereira, resultante da sua tese de doutorado em Ciência Política, na área de Governo e Administração Pública, realizada na Universidade Complutense deMadrid, Espanha. É um trabalho acadêmico de fôlego, que vem contribuir decisivamente para elevar o nível do debate sobre o impacto das políticas neoliberais no Brasil nos últimos anos. O livro não possui linguagem hermética, voltada apenas para economistas ou cientistas políticos. Apresenta referências aos dados conjunturais atualizadas, tendo em vista sobretudo o ritmo das mudanças no país e das discussões a seu respeito desde então. O autor, que é professor, pesquisador e coordenador do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade de Brasília, além de ter uma carreira acadêmica bem-sucedida, possui larga experiência no setor público brasileiro, pois foi economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 1975 e 1995. Essa consistente trajetória profissional e acadêmica, ligada à economia e à ciência política, é que forneceu a obra comentada uma amplitude incomum entre as suas congêneres.

Matias Pereira divide o livro em quatro partes. Na primeira parte, que compreende os capítulos 1 e 2, ele expõe os conceitos e plano de exposição do livro, os impactos da globalização na sociedade mundial e as formas de atuação das instituições supranacionais. Na segunda parte, que compreende os capítulos 3 a 6, a perspectiva se translada para a análise dos indicadores socioeconômicos e das bases da política econômica e do programa de ajuste estrutural e de estabilização do Fundo Monetário Internacional (FMI) no Brasil, para os temas econômicos e o exame das pesquisas de opinião pública. Na terceira parte, que inclui os capítulos 7 a 9, o autor analisa a base dos acordos para promover a blindagem financeira da economia brasileira e as razões do fracasso das políticas de austeridade recomendadas pelo FMI, a adoção das políticas neoliberais e a (des)estabilização macroeconômica do Brasil pós-Plano Real, revelando a sua estreita vinculação, além de examinar as pesquisas de opinião pública no país. Na quarta parte estão contidas as conclusões. No capítulo 10 apresenta as recapitulações relevantes sobre as políticas de austeridade e a governabilidade no Brasil. Por último, no capítulo 11, onde inseri as conclusões finais, assinala os aspectos evidenciados ao longo das análises precedentes do livro, sintetizando os efeitos dos impactos socioeconômicos das políticas de austeridade, com vista a tornar explícita a relação existente entre o desenvolvimento econômico e a governabilidade no Brasil.

O livro tem como objeto de análise a relação entre os impactos socioeconômicos das políticas de austeridade, recomendadas pelo FMI (1998) para aplicação no programa de ajuste estrutural e de estabilização, o desenvolvimento econômico e a governabilidade no Brasil. Para atingir esse objetivo o autor se propôs a analisar as vantagens e desvantagens do modelo econômico implementado no Brasil pós-Plano Real, e a estudar os efeitos econômicos e sociais decorrentes da implementação do programa de ajuste estrutural e de estabilização do FMI (1999-2002) e sua prorrogação até o final de 2003, de modo a identificar a intensidade dos seus impactos socioeconômicos e os riscos para a governabilidade do país. Para analisar essa relação, ele escolheu os indicadores macroeconômicos do Brasil nos últimos anos, em particular as três variáveis clássicas de desempenho econômico: crescimento, desemprego e inflação. Também examinou dados das pesquisas de opinião pública realizadas no país entre 1989 e 2002.

Matias Pereira buscou descrever e analisar principalmente os impactos socioeconômicos que as políticas de austeridade provocaram sobre a governabilidade no Brasil. A sua análise se centrou especialmente na política de estabilização macroeconômica, no capital político acumulado pelo governo Fernando Henrique Cardoso nos primeiros quatro anos de estabilização (entre 1995 e 1998) e nos efeitos políticos (legitimidade) dos desgastes sofridos pelo governo e pelas instituições com a execução das políticas de austeridade no período de 1999 a 2002. Para tornar evidente essa relação, ele procurou operar no seu estudo as variáveis de economia e política.

Para o autor, a convicção do governo brasileiro na condução da política econômica, orientada preferencialmente para a obtenção da estabilização no período de 1995 a 2002, estava baseada na lógica do pensamento neoliberal, que sugeria que o desenvolvimento econômico viria depois, naturalmente, gerado pelo mercado. Essa política preocupou-se, em primeiro lugar, com o equilíbrio orçamentário e a estabilidade financeira. Nela não foram levadas em consideração as especificidades da população brasileira e o fluxo de informação e tecnologia para estabelecer a política mais adequada ao país. A aplicação dessa política orçamentária restritiva por longo tempo teve duplo impacto, pois ainda que o seu efeito sobre o déficit financeiro tenha sido imediato, simultaneamente ocorreu uma gradual piora dos serviços públicos. Esta deterioração, conforme alerta Matias Pereira, é difícil de quantificar. Os sistemas de informação e os mecanismos de alerta da administração pública não possuem indicadores confiáveis, capazes de detectar quando se está chegando a situações não suportáveis pela sociedade. Um agravamento gradual e persistente pode chegar a ser irreversível se não existem mecanismos de reação que atuem antes que esse processo se complete, especialmente nas áreas de proteção social, saúde pública, agricultura, educação e infra-estrutura.

O autor, com bastante zelo acadêmico, procurou representar os fenômenos reais que permitissem explicar, de um lado, os efeitos dos impactos socioeconômicos da política de austeridade implementada no Brasil e o crescente descontentamento da população com os dirigentes e as instituições e, de outro, os encadeamentos de causas e efeitos que se comprovem entre esses fenômenos. A análise realizada foi baseada em dados numéricos, fundamentalmente indicadores macroeconômicos divulgados após 1990 e nas pesquisas de opinião pública realizadas no Brasil de 1989 a 2002. A perspectiva da análise foi direcionada para a busca da relação entre Economia e Política e, de maneira especial, para as questões que envolvem política econômica e governabilidade. Tanto o marco conceitual como a metodologia utilizada pelo autor na pesquisa se situam principalmente dentro da ciência da Administração. A fundamentação teórica do livro foi baseada em estudos empíricos realizados por autores como Lipset, Tomassini, Linz, Diamond, Przeworski, Fernando Limongi, Celso Furtado, Stiglitz, Amartya Sen, entre outros. A partir das idéias desses autores, Matias Pereira partiu do pressuposto que a governabilidade de um país depende especialmente de três variáveis: o fortalecimento da sociedade civil e a evolução da cultura política; a orientação e o comportamento da economia; e a integração de setores cada vez mais amplos da sociedade ao sistema produtivo.

A análise dos dados macroeconômicos e dos indicadores sociais, bem como das pesquisas de opinião, revela um país com grande potencial econômico, que aspira à prosperidade e à consolidação da democracia; porém possui um perfil de país injusto e desigual, com elevado contingente da população vivendo em condições bastante desfavoráveis. Fica evidenciado na obra que os elevados níveis de pobreza são resultado da intolerável desigualdade na distribuição da renda e nas oportunidades de inclusão social.

Sustenta Matias Pereira que a priorização na estabilização, desconsiderando a necessidade de promover o crescimento econômico e a implementação de políticas públicas ativas de distribuição de renda para reduzir a pobreza, foi a principal característica da política econômica de cunho neoliberal do governo brasileiro implementada nos últimos anos. Os resultados dessas análises indicam que essa política econômica, com base no consenso de Washington, especialmente as políticas de liberação cambial, comercial, financeira e produtiva, contribuíram para o agravamento da vulnerabilidade externa e a geração de instabilidade e de crise econômica no país.

Os esforços do autor permitiram que ele esboçasse as seguintes conclusões:

. as políticas de austeridade, que criaram um peso explosivo da dívida pública, no período de 1995 a 2002, submeteram o país a uma capitulação diante do FMI e de outros credores internos e externos de seu direito de escolher a sua própria política econômica;

. constatou-se a incapacidade dessa política econômica para promover um nível adequado de crescimento real da renda per capita, uma melhor distribuição da renda e a redução dos níveis de pobreza de uma parcela significativa do povo brasileiro, no período de 1995 a 2002;

. as principais iniciativas governamentais na condução dos acordos firmados pelo Brasil com o FMI, não levaram em consideração os princípios básicos das instituições representativas, induzindo a que decisões discricionárias adotadas pelos gestores da política econômica prevalecessem na seleção das escolhas coletivas. Os acordos com o FMI, especialmente o que abrangeu o período de 2002 a 2003, que exigiu dos candidatos à presidência da República um endosso prévio dele, atrelou o futuro governo às prioridades da política econômica implementada pelo governo federal no período de 1995 a 2002;

. a forma de inserção do país no processo de globalização econômica mediante a adoção de políticas de austeridade, especialmente políticas de liberalização cambial, comercial, financeira e produtiva, contribuiu para o agravamento da vulnerabilidade externa e criou uma trajetória de instabilidade e de crise no país.

Ao fim da leitura, mesmo quando eventualmente discordamos em alguns pontos do autor, temos a agradável convicção que o Brasil é um país viável e que pode superar as suas dificuldades socioeconômicas, mesmo com condições internacionais adversas. Isso torna a obra de Matias Pereira uma leitura obrigatória para os interessados no tema - alunos, pesquisadores e profissionais das áreas de ciências sociais, e, em particular, para os integrantes do novo governo. Em síntese, o livro nos faz refletir sobre a importância da retomada do processo de desenvolvimento para a consolidação da democracia no Brasil. Para que isso ocorra, conforme deixa claro Matias Pereira, o governo Luiz Inácio Lula da Silva terá que reorientar a política econômica do país.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Mar 2009
  • Data do Fascículo
    Set 2003
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