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Fatores críticos de sucesso para a criação de um processo inovador sustentável de reciclagem: um estudo de caso

Critical success factors for the creation of an innovative sustainable recycling project: a case study

Resumos

O objetivo deste trabalho é mostrar os fatores críticos de sucesso para a criação de um processo sustentável de reciclagem que envolve a coordenação de muitos agentes econômicos e sociais. Isso é feito através de um estudo exploratório de um caso excepcional que trouxe ganhos para todos os stakeholders, em especial para a sociedade. O trabalho evidencia as barreiras encontradas, como foram superadas e extrai evidências sobre os fatores críticos de sucesso, que são os seguintes: visão estratégica e comprometimento da alta administração, estrutura de logística reversa adequada e estrutura de negócio que garante resultados econômicos e sua adequada distribuição.

inovação em processos; cadeia de fornecimento; reciclagem; logística reversa


The objective of this work is to show the critical success factors for the creation of a sustainable recycling process that involves the coordination of several economic and social agents. This was done trough an exploratory study of an exceptional case that brought gains to all the stakeholders, especially to society. This work highlights the barriers found, how they were overcome and extract evidences over which are the critical success factors, that are the following: high administration strategic vision and commitment, an adequate reverse logistics structure and a business structure that guarantees economic results and their adequate distribution.

process innovation; supply-chain; recycling; reverse logistics


ARTIGOS

Fatores críticos de sucesso para a criação de um processo inovador sustentável de reciclagem: um estudo de caso

Critical success factors for the creation of an innovative sustainable recycling project: a case study

Fabrizio GiovanniniI, * * Endereço: Av. Barretos, 572, Barueri/SP, 06458-190. E-mail: fabrizio@torcomp.com.br ; Isak KruglianskasII

IDoutorando em Administração na FEA/USP, São Paulo/SP, Brasil

IIDoutor em Administração pela FEA/USP. Professor Titular da FEA/USP, São Paulo/SP, Brasil

RESUMO

O objetivo deste trabalho é mostrar os fatores críticos de sucesso para a criação de um processo sustentável de reciclagem que envolve a coordenação de muitos agentes econômicos e sociais. Isso é feito através de um estudo exploratório de um caso excepcional que trouxe ganhos para todos os stakeholders, em especial para a sociedade. O trabalho evidencia as barreiras encontradas, como foram superadas e extrai evidências sobre os fatores críticos de sucesso, que são os seguintes: visão estratégica e comprometimento da alta administração, estrutura de logística reversa adequada e estrutura de negócio que garante resultados econômicos e sua adequada distribuição.

Palavras-chave: inovação em processos; cadeia de fornecimento; reciclagem; logística reversa.

ABSTRACT

The objective of this work is to show the critical success factors for the creation of a sustainable recycling process that involves the coordination of several economic and social agents. This was done trough an exploratory study of an exceptional case that brought gains to all the stakeholders, especially to society. This work highlights the barriers found, how they were overcome and extract evidences over which are the critical success factors, that are the following: high administration strategic vision and commitment, an adequate reverse logistics structure and a business structure that guarantees economic results and their adequate distribution.

Key words: process innovation; supply-chain; recycling; reverse logistics.

O PROBLEMA

O aumento do consumo de alimentos industrializados vem gerando grande volume de embalagens descartadas. As embalagens de Polietileno Tereftalato [PET], especificamente, representam grande volume e problema ambiental sob vários aspectos. Em 1994 foram recicladas 13.000 toneladas que representam 18,8% do consumo. Em 2005 foram recicladas 174.000 toneladas ou 47% do total consumido. Neste período o consumo de PET aumentou mais de cinco vezes. As estimativas de 2006 mostram a continuação desta tendência (Associação Brasileira do PET [ABIPET], 2006).

Há inúmeras atividades voluntárias e iniciativas sociais que se dedicam a recolher embalagens PET e que procuram apoio para seus projetos e clientes para seus produtos. São pequenas cooperativas de catadores, associações de classe, entidades filantrópicas, igrejas e outras ONGs.

Entretanto, o problema da reciclagem de PET, como de qualquer outro material, deve ser cuidadosamente avaliado para não gerar mais impactos ambientais ao invés de reduzí-los. Apesar de difícil quantificação, é preciso levar em consideração os balanços energéticos e de recursos (água, veículos, equipamentos, pessoas) necessários para a cadeia de reciclagem. É um problema de logística reversa que envolve aspectos sociais e ambientais, como se verá adiante. Essa cadeia deve ser planejada e organizada para mitigar os impactos negativos e gerar impactos positivos no ambiente.

Uma das formas para atingir esse objetivo - criando assim um processo de reciclagem duradouro, estável e que melhore continuamente - é a de estruturá-lo em torno de incentivos econômicos bem direcionados. Muita atenção deve ser dada ao perigo do uso indiscriminado dos bens comuns como espaços públicos, ar, cursos d'água etc.

Apesar de ser difícil conceber que uma única organização encampe toda uma cadeia de reciclagem, do começo ao fim, as empresas podem ser importantes atores nesse cenário, em especial no Brasil, onde ainda há muitas carências sociais. As multinacionais podem trazer valores de nações mais sensíveis à degradação ambiental, além de disporem de mais recursos tecnológicos, humanos e materiais. Empresas menores podem contribuir com o espírito empreendedor engajado e com suas características de flexibilidade e agilidade.

Entretanto, mesmo com o crescimento do movimento pela responsabilidade social das empresas, há ainda inúmeras dificuldades para se estruturar uma cadeia de logística reversa para a reciclagem de materiais de baixo valor e originários de pós-consumo. Este texto, por meio do estudo de um caso de sucesso, se propõe a colaborar na busca de soluções para as dificuldades enfrentadas pelas empresas para viabilizar este tipo de estrutura.

No começo da década de 2000 a BASF, multinacional da indústria química, enfrentava o problema de obter matéria-prima reciclada para viabilizar novo processo de produção. A partir de uma necessidade corporativa, com intuito de ser mais competitiva no mercado, a BASF desenvolveu novo processo de obtenção de resina para a produção de tintas pela reciclagem de garrafas PET. Esse projeto obteve sucesso empresarial e reconhecimento público, reduzindo custos industriais, motivando funcionários, reduzindo impactos ambientais e contribuindo para ações sociais.

Este caso foi escolhido, pois a empresa enfrentou e superou problemas que seus concorrentes não conseguiram superar. Tratava-se de um processo tecnicamente conhecido há algum tempo, até mesmo pelos concorrentes, mas que não conseguia ser implementado por uma série de dificuldades típicas de inúmeros projetos inovadores de reciclagem e que envolvem o relacionamento das empresas, fornecedores pouco qualificados e parcelas carentes da população.

A pergunta a que este texto procura responder é a de como e por que uma equipe de grande empresa conseguiu superar as barreiras para viabilizar um projeto inovador, envolvendo a criação de uma cadeia de reciclagem com grandes benefícios econômicos, sociais e ambientais.

A relevância desse trabalho está ligada principalmente à importância da inovação e das questões socioambientais para o desenvolvimento sustentável das empresas. Verificar como e por que a BASF alcançou resultados positivos tem importância não só para as empresas e seus gestores, mas também para a sociedade em geral.

Espera-se oferecer aos administradores informações, idéias e inspiração, para que possam empreender esforços no mesmo sentido do caso exposto e também disponibilizar para os pesquisadores elementos com que possam expandir e aprofundar suas investigações.

ABORDAGEM METODOLÓGICA

Este texto se baseia em estudo de caso único, exploratório (ou descritivo). O caso foi escolhido propositadamente por representar um caso de resultados excepcionais e que vem confirmando ao longo do tempo este sucesso. A escolha consciente de casos excepcionais é procedimento adequado para o estudo de caso, em função da oportunidade de se entender dinâmicas específicas, mas que podem trazer importantes lições para situações similares (Yin, 1994, p. 39).

A unidade de análise é a cadeia de fornecimento que tem como elo comum a unidade empresarial de tintas imobiliárias da BASF-Suvinil. A cadeia de reciclagem de PET para a produção de resina alquídica hoje, porém, é mais ampla, na medida em que o modelo de negócio amadureceu, já que está em funcionamento desde 2003; ele se expandiu e outras indústrias, incluindo concorrentes da BASF, usufruem seus benefícios.

As fontes de evidência foram diversas e a principal delas foi a visita às principais organizações envolvidas com a cadeia estudada:

. A fábrica da BASF-Suvinil em São Bernardo do Campo, SP.

. A planta do principal fornecedor de flocos de PET reciclado para a Suvinil, a empresa Clean Pet Indústria e Comércio de Plásticos Ltda. em Vargem Grande, SP.

. A sede e ponto de coleta da Associação Reciclázaro, uma ONG ligada à Igreja católica, fornecedora da Clean Pet, no bairro da Lapa em São Paulo, SP.

Nessas visitas, além de observar os locais, os processos, o trabalho das pessoas e ter acesso a dados e documentos, foi possível entrevistar - de forma semi-estruturada - várias pessoas envolvidas diretamente com toda a criação desta rede de reciclagem. Foram obtidas, dessa maneira, informações para entender melhor em que contexto o projeto evoluiu, como estava estruturado, qual foi sua dinâmica interna e quais foram os seus resultados. Também foi consultado material divulgado pela imprensa e pela internet.

Este estudo teve como origem um trabalho anterior sobre inovação, desenvolvido na FEA-USP em 2005 que serviu, neste caso, como pesquisa exploratória preliminar. Esse se concentrou no estudo da estruturação interna do projeto PET na BASF-Suvinil, mas foi possível perceber, durante a pesquisa, a importância da estruturação de uma cadeia externa de fornecimento para seu sucesso.

O passo seguinte foi revisar a bibliografia relacionada com a criação de organizações sensíveis às questões ambientais, com o desenvolvimento de parceiros para a viabilização de negócios sustentáveis ambiental e socialmente, e com logística reversa.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A revisão bibliográfica segue três vertentes que se entremeiam: a estruturação de cadeias de logística reversa, a relação da reciclagem com a estratégia empresarial e a operacionalização das estratégias que envolvem reciclagem. Os temas são muito amplos e, portanto, serão tratados apenas alguns aspectos mais relevantes para este trabalho.

Uma das características mais peculiares da rede de reciclagem analisada é a de ter sido construída por meio de parceria entre uma empresa multinacional, pequenas indústrias de reciclagem mecânica de plásticos e organizações não governamentais que integram catadores de lixo. Diferentemente da situação predominante apresentada por Leite (2003), na qual a cadeia de reciclagem de plásticos é dominada por um oligopsônio que abastece posteriormente as indústrias consumidoras finais, o caso da BASF-Suvinil mostra uma indústria consumidora final contornando as grandes indústrias recicladoras e criando uma cadeia de reciclagem dedicada.

Um dos desafios a serem superados para a criação de uma tal cadeia é o da logística reversa que

planeja, opera e controla o fluxo e as informações logísticas correspondentes, do retorno dos bens de pós-venda e de pós-consumo ao ciclo de negócios ou ao ciclo produtivo, por meio dos canais de distribuição reversos, agregando-lhes valor de diversas naturezas: econômico, ecológico, legal, logístico, de imagem corporativa, entre outros (Leite, 2003, p. 17).

Neste estudo nos interessa a logística reversa de bens de pós-consumo descartáveis. Nesse caso, "havendo condições logísticas, tecnológicas e econômicas, os produtos de pós-consumo retornam por meio do canal reverso de 'reciclagem industrial', no qual os materiais constituintes são reaproveitados e se constituem em matérias-primas secundárias, que voltam ao ciclo produtivo pelo mercado correspondente ou, no caso de não haver as condições mencionadas, encontram a 'disposição final': os aterros sanitários, os lixões e a incineração com recuperação energética" (Leite, 2003, p. 20).

A operacionalização de uma cadeia de reciclagem como a estudada - classificada como canal de distribuição reversa pós-consumo - no longo prazo deve atender a algumas condições essenciais, para que os materiais não terminem na "disposição final", poluindo o meio ambiente. Estas condições foram levantadas por Leite (2003, pp. 91-94):

. Remuneração de todas as etapas reversas que satisfaça aos interesses econômicos dos diversos agentes.

. Qualidade aceitável dos materiais reciclados para a finalidade a que se destinam.

. Escala econômica da atividade para garantir uma atividade de cunho empresarial e de custos compatíveis.

. Mercado para os produtos com conteúdo de reciclados que garanta uma demanda estável.

Leite também destaca que estas condições essenciais, para existirem, dependem de fatores necessários e modificadores.

. Fatores necessários

. Econômicos: entendidos como condições que permitam a realização das economias necessárias para a condizente remuneração das partes.

. Tecnológicos: entendidos como a disponibilidade de tecnologias para o tratamento econômico dos materiais descartados.

. Logísticos: entendidos como a existência de condições de organização, localização e sistemas de transporte entre os elos da cadeia.

. Fatores modificadores

. Ecológicos: motivados pela sensibilidade ambiental dos agentes envolvidos.

. Legislativos: regulam, promovem, educam e incentivam o retorno dos produtos ao ciclo produtivo.

Entretanto, para que estas condições essenciais se tornem realidade, há desafios estratégicos a serem enfrentados. Está cada vez mais claro para a direção das empresas que, para serem globalmente competitivas e continuar assim, é preciso garantir que a questão ambiental esteja no centro de sua estratégia. A criação e explicitação de tais estratégias é condição necessária, mas não suficiente para o sucesso, já que a implementação das estratégias encontra inúmeras barreiras. Programas de qualidade total e de qualidade total ambiental são importantes ferramentas para superar tais barreiras (Bennett, Freierman, & Stephen, 1993), mas "códigos de conduta nada são, se não houver adesão a eles; abordagens voluntárias freqüentemente escorregam para baixo da lista de prioridades, quando outras questões prementes surgem" (Welford, 1995, p. 37).

Apesar de 'outras questões prementes' não faltarem no Brasil, está se formando paulatinamente uma consciência cada vez maior da importância de se dar algum encaminhamento às questões sociais e ambientais que afligem a nossa sociedade. Esta consciência abre novas oportunidades para as organizações na medida em que pessoas se organizam para enfrentar esta realidade. ONGs, além de pressionar empresas e governos, procuram cada vez mais também oferecer soluções para serem desenvolvidas por meio de parcerias (Porter & Linde, 1995). Os consumidores, cada vez mais atentos ao efeito de seus hábitos de consumo, usam seu poder de compra para punir empresas irresponsáveis e premiar as que mostram compromisso com as questões sociais e ambientais. Os empreendedores também percebem oportunidades a serem exploradas e se organizam para oferecer produtos e serviços para atendê-las, não só as dos consumidores, como também as de empresas que estão à procura de parceiros para melhorar seu desempenho socioambiental. Essas iniciativas vão desde consultorias e cursos para implantação de sistemas de gestão, até novas empresas de reciclagem como se verá mais adiante.

Essa situação dinâmica exige que as organizações estejam atentas e prontas para aproveitar oportunidades que surgem a todo o momento, antes que algum concorrente o faça. Muitas iniciativas empresariais socioambientais que não eram viáveis há pouco tempo, por problemas tecnológicos, econômicos ou comerciais, passam a sê-lo na medida em que o contexto muda e surgem consumidores dispostos a pagar, fornecedores oferecendo novos materiais e tecnologias, e ONGs e governos mobilizando-se para apoiar.

Na indústria automobilística, por exemplo, o maior uso de plásticos e metais não ferrosos cria oportunidades de ganhos ambientais e econômicos pelo uso de modelos mais integrados de decisão sobre o projeto dos produtos, as cadeias de reciclagem e a tecnologia de recuperação dos materiais (Williams et al., 2007).

O design de produtos que prevê o uso de materiais reciclados está se integrando à estratégia das empresas não só como forma de otimizar os resultados do processo de reciclagem em si, mas também como forma de diferenciar esses produtos e de estreitar o relacionamento com seus consumidores finais (Gonzáles-Torre, Adenso-Díaz, & Artiba, 2004; Venzke & Nascimento, 2003).

As decisões estratégicas sobre as cadeias de reciclagem, por sua vez, afetam cada vez mais a competitividade das empresas, na medida em que há mais opções e as conseqüências de uma escolha são maiores. No sentido de auxiliar essas decisões, Pagell, Wu e Murthy (2007) sugerem quatro opções genéricas de reciclagem conforme a Tabela 1.

Observando-se esses quadrantes, entende-se melhor a dificuldade para escolher e operacionalizar uma estratégia de reciclagem no que se refere à cadeia envolvida. Essas escolhas afetam e são afetadas por:

. Disponibilidade de material apropriado para reciclagem, isto é, abastecimento constante, nos volumes necessários para a produção e com qualidade adequada (Dobos & Richter, 2004, 2006; Listes & Dekker, 2005).

. Custos de transporte e de estoques, isto é, estrutura de logística reversa eficiente (Kara, Rugrungruan, & Kaebernick, 2007).

. Posicionamento em face dos concorrentes, isto é, maior controle das fontes de materiais e dos processos ligados à sua reciclagem (Pagell et al., 2007).

Os parágrafos acima mostram a grande quantidade de variáveis que devem ser consideradas na formulação de estratégias que envolvem reciclagem. Mesmo não tendo a pretensão de exaurir o assunto, procurou-se ressaltar os aspectos mais relacionados com o caso estudado.

No que se refere à operacionalização das estratégias, a postura das lideranças é fundamental.

As atitudes, valores e ações da alta administração tenderão a formar a cultura em qualquer organização. Em particular, o executivo chefe tenderá a ser muito importante em influenciar o comportamento da faixa seguinte de executivos, e assim por diante até os empregados de chão de fábrica (Welford, 1995, p. 42).

Transformar essas atitudes, valores e ações em algo concreto têm sido alcançado com a adoção de códigos de conduta, como programas de Qualidade Total, sistemas de gestão certificados e códigos setoriais de ética. A experiência da Fundação Nacional da Qualidade [FNQ] com as empresas que aderem a seu Modelo de Excelência de Gestão (FNQ, 2007a) é muito positiva. É importante salientar que as implantações de sucesso desses códigos de conduta empresarial envolvem a definição clara de objetivos, responsabilidades, incentivos e punições. O processo é participativo, disciplinado e constantemente submetido a auditorias e melhoramentos (FNQ, 2007b). Consegue-se, assim, disseminar a estratégia da empresa ao longo de toda a organização e alcançar os resultados econômicos necessários para a sua viabilidade no longo prazo. Os parceiros da empresa também se beneficiam desta estrutura e conseguem adaptar-se, trabalham em ambiente com menores riscos e remuneração adequada. Tendem a investir mais na relação comercial e nos processos que ela envolve.

Uma postura organizacional que reforça e explicita os compromissos socioambientais também atrai e fideliza parceiros que tenham a mesma postura estratégica e até transforma a postura de parceiros já tradicionais. Assim, a organização consegue criar progressivamente as condições para superar as barreiras à concretização de suas estratégias.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Contexto

O Brasil ocupa uma posição de destaque no cenário internacional da reciclagem. É líder na reciclagem de latas de alumínio e está em terceiro lugar na reciclagem mecânica de plásticos (Franco, 2005). Infelizmente esta liderança não se deve apenas a bons motivos. É também reflexo de situações de carência em que vivem muitas pessoas. Assim, qualquer solução de reciclagem deste tipo de produto deve passar pela análise de seus impactos sociais em função da importância da atividade para pessoas carentes e pelo impacto ambiental secundário da atividade dessas pessoas.

De todo o PET reciclado no Brasil, 16% tem como destino o reprocessamento químico (ABIPET, 2006). Isto equivale a aproximadamente 27.800 toneladas/ano em 2005. A unidade de análise deste texto foi responsável pela reciclagem de aproximadamente 2.500 toneladas de PET neste mesmo ano. É provável, também, que tenha criado a base para o reaproveitamento similar de alguns milhares de toneladas a mais.

A Empresa e seu Problema

No início da década, a BASF-Suvinil estava à procura de formas de reduzir seus custos de produção e iniciou o Projeto PET. É importante citar que esta busca por eficiência, normal em qualquer organização, ocorria, neste caso, sob a égide de uma estratégia global que dá a mesma importância a três pilares: econômico, social e ambiental. Ao contrário do que ocorre em muitas organizações, esta estratégia era e é amplamente divulgada, entendida e perseguida, pelo menos na parte da organização que foi visitada e pelas pessoas entrevistadas. Como ficou evidenciado nas entrevistas deste trabalho, essa coerência entre estratégia, atitudes e ações é fator crítico de sucesso do Projeto PET dentro e fora da organização.

Em 2002, o laboratório do setor de resinas da Suvinil de São Bernardo do Campo percebeu a viabilidade de se usar PET reciclado para a produção de resina alquídica. Como informaram seus responsáveis, o aproveitamento de PET para este fim já era conhecido, mas era inviável em função da qualidade inadequada das matérias-primas recicladas e da instabilidade e da falta de confiabilidade do fornecimento. A tecnologia de transformação de flocos de PET reciclado em resina estava praticamente desenvolvida, mas dependia da definição de um padrão viável de qualidade de matéria-prima reciclada para ser implementada. Ao mesmo tempo, sua adoção em regime de produção contínua dependia da viabilidade do fornecimento dentro deste padrão de qualidade, de logística e de volume. A solução surgiu da persistência de um grupo de pessoas da Suvinil que, de acordo com a estratégia da empresa, procurou a redução de custo sem descuidar dos aspectos socioambientais. Aliás, a oportunidade de conseguir uma vantagem econômica e, ao mesmo tempo, alcançar melhorias ambientais e sociais, motivou a equipe e abriu espaço para a sua atuação e experimentação dentro e fora da organização.

Os Obstáculos

Apesar do porte e dos recursos da Suvinil, o projeto chegou a parar por não ter encontrado o fornecedor adequado. Várias tentativas foram feitas, mas os fornecedores não estavam dispostos a desenvolver, ou não conseguiam atingir os padrões de qualidade e entrega. As exigências da Suvinil eram muito diferentes daquelas que o mercado em geral colocava, criando dificuldades técnicas e de escala. As empresas que transformam as garrafas e embalagens PET descartadas em flocos usado no processo desenvolvido pela Suvinil são, em geral, pequenas empresas, com pouca estrutura técnico-administrativa e com recursos limitados.

Após meses de procura, apresentou-se à Suvinil a Clean Pet. É uma empresa ligada a uma fabricante de embalagens plásticas, a IMPLAL, que, em função de sua necessidade de matéria-prima reciclada, e diante das mesmas dificuldades da Suvinil, decidiu montar sua própria unidade de reciclagem. Assim, a Clean Pet já surgiu com o intuito de produzir flocos de material reciclado com padrões definidos para utilizações mais nobres. Esta decisão condicionou, desde o início, as opções tecnológicas, comerciais, administrativas, sociais e ambientais da Clean Pet. Até o nome da empresa reflete estas opções. Conseqüentemente, a empresa tinha condições para atender à necessidade da Suvinil.

Tendo tomado conhecimento informalmente da oportunidade, foi a própria Clean Pet a procurar a Suvinil para oferecer seus produtos. Esta iniciativa se deveu a uma visão estratégica de longo prazo da Clean Pet, pois a BASF-Suvinil representava um cliente de porte, confiável e uma possível futura referência para novos negócios. Esse pode ser citado como outro fator crítico para o sucesso desta cadeia de reciclagem. Uma empresa como a BASF é importante ponto de referência para o mercado dominado por relações inseguras. O BASF possui um código de conduta extremamente estruturado e eficaz, como comprovam suas certificações, prêmios recebidos e o próprio ambiente encontrado durante a pesquisa. Por outro lado, a maioria dos outros agentes deste setor são empresas pouco estruturadas, muitas informais, com reputações duvidosas, comportamento instável e, muitas vezes, oportunistas no sentido negativo do termo.

Desta forma, as incertezas e os riscos decorrentes de operar neste mercado são grandes. Há poucos incentivos para se fazer investimentos específicos elevados em desenvolvimento (de processos, produtos e parceiros) e em ativos (máquinas e instalações), visando melhorar os padrões de qualidade, de logística e socioambientais, para atender às necessidades de clientes específicos. Entre outros, há o risco de que o investimento feito para um potencial cliente (ou clientes) não seja remunerado adequadamente devido, por exemplo, a oportunismo ex-post do cliente (ou dos clientes): sabendo que o fornecedor montou uma estrutura só para atender à sua necessidade, o cliente pode extrair uma renda do fornecedor, oferecendo preço menor que o acordado anteriormente. Esta problemática foi levantada em todas as entrevistas. Os entrevistados foram unânimes em dizer que um dos motivos do sucesso do projeto PET foi a parceria entre organizações estruturadas, com sólidas reputações e comprometidas com os mesmos ideais de eficiência, qualidade e responsabilidade social. Esta colocação pôde ser confirmada nas visitas.

O Desenvolvimento da Cadeia de Fornecimento

A cadeia de fornecimento estudada se insere na estrutura apresentada na Figura 1. Essa estrutura já existia antes do início do Projeto PET, mas não atendia às necessidades da Suvinil. Para alcançar seu objetivo a empresa influenciou, direta ou indiretamente, os agentes marcados em cinza. Esse processo ocorreu de forma gradativa.


Após o contato inicial entre a Suvinil e a Clean Pet, iniciou-se um processo de desenvolvimento de padrão de qualidade que envolvia principalmente a cor e a umidade do PET fornecido. Surpreendentemente, a Clean Pet já possuía, entre os diversos padrões que produzia, um que superava as necessidades da Suvinil. Este padrão era o destinado à IMPLAL, sua controladora. Assim, já que a Clean Pet era tecnicamente capaz, o desenvolvimento se concentrou na adequação da relação qualidade-custo e na logística.

É importante, para o objetivo deste trabalho, salientar como e por que a Clean Pet, diferentemente dos concorrentes, já estava tecnicamente preparada para atender à Suvinil. Segundo o gerente da Clean Pet, os sócios da IMPLAL são muito ativos na busca de novas tecnologias. Além disso, pelo depoimento do coordenador geral da Associação Reciclázaro, foi possível saber que estes mesmos sócios são muito ligados à Igreja da qual a associação depende. Segundo este coordenador, a ajuda destes empresários foi muito importante para a estruturação das atividades de reciclagem da associação. Estas atividades, que procuram tirar as pessoas carentes das ruas, geram reflexos na qualidade das garrafas recicladas que, como veremos adiante, tem papel central na viabilidade da cadeia de reciclagem em foco.

Ficou claro que as características da liderança da IMPLAL e, por conseqüência da Clean Pet, tiveram forte influência sobre a capacitação desta última, confirmando, assim, as colocações de Porter e Linde (1995) e de Bennett et al. (1993), citadas anteriormente. O fato de que a Clean Pet se diferencia claramente de seus concorrentes em qualidade e em atuação responsável social e ambiental é uma evidência da influência que têm as iniciativas de suas lideranças.

Dentro do escopo deste trabalho, aprofundou-se a análise de como a Clean Pet conseguiu montar uma rede de abastecimento de garrafas e embalagens PET com padrão de qualidade suficiente para viabilizar seus próprios padrões de qualidade e de preservação ambiental. Para entender os desafios enfrentados, é importante descrever o processo produtivo da Clean Pet de forma simplificada: recebimento dos fardos de garrafas e embalagens PET compactadas, seleção manual em esteira, separando material sujo ou fora de padrão (cor, tipo de plástico), moagem em flocos (flakes), lavagem, separação de flocos de tampas e rótulos (em água por diferença de densidade), secagem, remoção de metais e outros sólidos, embalagem em big bags. A água usada no processo é reaproveitada em 40% após passar por uma estação de tratamento. A lama retirada é tratada por terceiros e a água não reaproveitada vai para a rede de esgoto dentro dos padrões da CETESB e SABESP.

O primeiro desafio foi o da qualidade. A qualidade do material recebido pela Clean Pet impacta o seu processo produtivo de várias formas. Material muito sujo requer maior trabalho de seleção manual, aumenta o consumo de água, aumenta a quantidade de lama na estação de tratamento, diminui a eficiência do processo como um todo e aumenta os riscos de má qualidade. Material misturado (tipos diferentes de plásticos não-PET e cores diferentes) também requer maior trabalho de seleção manual e dificulta a obtenção de padrões de qualidade estáveis.

A Clean Pet resolveu o problema, selecionando e desenvolvendo seus fornecedores para entregarem material de acordo com determinados padrões: não pode ter como origem os 'lixões', os fardos não podem ultrapassar certo nível de plásticos que não seja PET e só aceita receber material em fardos e não a granel. Estas não são práticas comuns do mercado e, para conseguir a cooperação dos seus fornecedores, a Clean Pet teve de estabelecer um esquema de incentivos simples. O principal deles não é o preço, pouco diferente do que paga o mercado: é a certeza de pagamento justo e em dia. No mercado em que atua, este é um diferencial considerável, já que poucos fornecedores têm capital de giro e, para os catadores, receber nas sextas-feiras é muito importante.

As exigências citadas acima, voltadas principalmente à qualidade do processo, acabam tendo diversos reflexos em termos de custos, impacto ambiental e social. No que se refere a custos, há uma redução na mão de obra aplicada na seleção e controle, no consumo de água, de energia e nos gastos com tratamento de efluentes. Quanto ao impacto ambiental, este também é reduzido pelo menor consumo de água, de energia, pela menor geração de água tratada (mas não potável) e pelo incentivo em coletar as embalagens na origem, antes que se tornem lixo. Além disso, o fato de receber apenas material já em fardos, e não a granel, reduz o uso de caminhões com pouca carga, reduzindo o tráfego e o consumo de combustíveis. A questão social é mais complexa, mas está contemplada. Apesar de ser uma decisão de cunho técnico-econômico, a não aceitação de materiais provenientes de lixões apóia uma política de inclusão social de um dos principais fornecedores da Clean Pet, como se verá a seguir, e que foi uma das surpresas deste trabalho.

O Impacto Social, Ambiental e Econômico

A Associação Reciclázaro surgiu há 9 anos pela iniciativa de um padre da Igreja católica, enviado para uma comunidade na Lapa, em São Paulo, que convivia com moradores de rua em seu redor: analfabetos, alcoólatras, dependentes de drogas e com problemas com a justiça. Estas pessoas viviam basicamente de catação de lixo com carroças. Uma das missões do padre era a de resolver este problema que assustava e incomodava a comunidade. A idéia que moveu a associação foi a de criar as condições e os incentivos para retirar estas pessoas das ruas. Estas condições incluem a geração de renda, a reestruturação social e a reestruturação familiar. O objetivo é uma ação sustentável e não assistencialista.

Uma das primeiras formas de concretizar esta política foi a de organizar a coleta de material reciclável de forma a torná-la economicamente factível e socialmente reformadora. Aos moradores de rua foi oferecida a oportunidade de trabalho estável e remunerado como recebedores e separadores de material reciclável em dependências vizinhas à igreja, desde que atendessem algumas exigências: não usassem mais as carroças, não fossem a lixões catar lixo, fossem morar em albergues ou repúblicas mantidos pela associação, e participassem das atividades voltadas à reestruturação social e familiar. A eliminação da carroça é conseqüência de uma visão de que é um trabalho indigno e reforça a exclusão social. A remuneração recebida por eles é proporcional ao material recolhido e a uma avaliação mensal de acordo com as condições acima. Hoje 60 pessoas são atendidas desta forma e não há mais moradores de rua nas redondezas.

Muitos fiéis teriam resistido à idéia de ver sua igreja circundada por ex-moradores de rua separando lixo. Segundo relatos havia muito preconceito sobre as causa da condição de carência dos moradores de rua e, portanto, controvérsias sobre como enfrentar o problema. O padre responsável, entretanto, conseguiu liderar um processo de mudança e conseguiu resolver uma situação que se arrastava há anos.

A estrutura de coleta é abastecida pelos fiéis e por outras pessoas da comunidade. Todos os dias dezenas de carros e utilitários param em frente à igreja para descarregar materiais já parcialmente separados. De 70 a 80% de todo o material recolhido pela associação é entregue desta forma. O restante é retirado com um caminhão da associação (doado pela DaimlerChrysler) em condomínios e escolas. As pessoas, condomínios e escolas são orientados para separar o lixo de forma a facilitar a seleção e a acumulá-lo para reduzir o transporte. Todo o material é pré-separado ao lado da igreja e enviado a um galpão também da igreja na periferia da cidade para se fazer a seleção final, a compactação e a embalagem. A extensão deste beneficiamento é ditada pela relação custo-benefício. Separam-se mais os materiais na medida em que se consegue obter um preço suficiente para cobrir os custos adicionais.

Os clientes principais são aproximadamente 10, em sua maioria sucateiros. Os usuários finais, como, por exemplo, a Suvinil, exigem volumes, qualidade e condições acima da capacidade da Reciclázaro. A associação está consciente do ganho potencial de eliminar intermediários e está procurando unir-se com outras ONGs para organizar uma Comercialização Solidária, isto é, vender lotes maiores e de maior valor agregado para usuários um degrau acima na cadeia.

Quando questionado sobre o impacto ambiental de dezenas de carros particulares se deslocando para transportar poucos quilos de lixo, o coordenador da Reciclázaro admitiu que isto é um problema e que têm procurado orientar as pessoas para acumular os materiais e organizarem um revezamento de transporte. Citou o caso de uma pessoa que adquiriu um utilitário e faz voluntariamente a coleta diária na vizinhança. Apesar de exemplos de consciência ambiental e comunitária, estas ações não necessariamente têm impacto ambiental positivo. Para ficar com a consciência em ordem as pessoas geram outros tipos de impactos como poluição, trânsito e tempo perdido. Uma demonstração de que essa entrega individual não tem sentido econômico é o próprio fato de que a associação não se dispõe a coletar por não ser economicamente viável. A Reciclázaro está consciente desta situação; procura desenvolver com as 30 subprefeituras da cidade e com outras ONGs a Coleta Seletiva Solidária. Este é um desafio a ser superado, se pretende viabilizar no longo prazo a cadeia de reciclagem.

Outro desafio é melhorar os resultados econômicos da atividade. Segundo o coordenador da Reciclázaro, a operação 'empata': às vezes é necessário apelar para contribuições para garantir pagamentos em dia. Assim como no depoimento da Clean Pet, o pagamento aos assistidos todas as sextas-feiras, religiosamente, foi apontado como essencial para manter a coesão da cadeia.

Pode-se concluir, portanto, que este elo da cadeia se sustenta ainda, em parte, na boa vontade de pessoas que colaboram ou que contribuem financeiramente para dar estabilidade à organização. Aparentemente há outras estruturas, apoiadas apenas nos mecanismos de mercado, que se sustentam, mas não alcançam os mesmos resultados sociais e ambientais aqui expostos. Há toda uma cadeia de catadores/carroceiros, sucateiros, recicladores e indústrias que operam baseados em mecanismos de mercado (prevalentemente informais), mas que sustentam condições desumanas de trabalho e processos com sérios impactos ambientais.

É importante salientar que, apesar de ainda não estar plenamente equacionada em termos econômicos e ambientais, a cadeia foco deste trabalho funciona e satisfaz bem à maioria de seus stakeholders. O desempenho superior em relação a outras cadeias de reciclagem se deve principalmente a posturas responsáveis de todos os seus elos, desde a BASF-Suvinil até o colaborador da comunidade. Desde o topo desta hierarquia de relações cliente-fornecedor, ficou claro que os critérios de preço e de qualidade não são os únicos. Em função de sua orientação estratégica a BASF-Suvinil só compra o material da Clean Pet se este for obtido de acordo com critérios sociais e ambientais alinhados com esta orientação. A Clean Pet em função desta postura da BASF-Suvinil (seu segundo maior cliente) e da postura da EMPLAL (sua controladora e maior cliente) também impõe critérios sociais e ambientais na avaliação de fornecedores como a Reciclázaro. A Reciclázaro faz o mesmo com seus fornecedores, quando, por exemplo, exige dos ex-moradores de rua que, além de trabalhar, se enquadrem em regras de conduta para sua reestruturação social e familiar.

É interessante ressaltar que a Reciclázaro também impõe condições para seus clientes. Ela se recusa a vender para empresas que utilizam mão-de-obra infantil, que não controlam seus impactos ambientais e que aceitam material de carroceiros e lixões.

Pode-se afirmar que a imposição de critérios socioambientais nas formas de avaliação de fornecedores e colaboradores é um fator crítico de sucesso desta cadeia. Na medida em que o topo da hierarquia da cadeia define estes critérios, toda a cadeia tende a se alinhar com eles, criando, assim, o efeito multiplicador. Desta forma se operacionalizam os valores e atitudes das lideranças.

Não se pode deixar de ressaltar que, em termos econômicos, a cadeia tem importantes reflexos para os participantes. Hoje, toda a resina alquídica da Suvinil é obtida dos flocos de PET reciclados. Isto representa economia de mais de R$ 1.400.000,00 ao ano em matérias-primas e despesas gerais de fabricação, já que o PET reciclado exige menos processamento que as matérias-primas originais. É uma economia equivalente a 5% dos custos de produção da resina. Para a Clean Pet a Suvinil representa hoje mais de um terço de seu faturamento. Além disso, o fornecimento à Suvinil e a ampla divulgação dos resultados socioambientais do projeto abriram as portas de novos grandes clientes que já estão comprando da Clean Pet. Para a Associação Reciclázaro a Clean Pet representa seu mais importante cliente para plásticos e dá valor, isto é, paga melhor, pelo fato de o material não vir de lixões. Os ex-moradores de rua, assistidos pela Reciclázaro, conseguem receber até R$ 600,00 por mês, além de moradia e assistência médica e psicológica. Para a sustentabilidade de longo prazo da cadeia, tudo leva a crer que a viabilidade econômica é também fator crítico de sucesso.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Como foi dito no início, a pergunta a que este texto procura responder é a de como e por que uma equipe de grande empresa conseguiu superar as barreiras para viabilizar um projeto inovador, envolvendo a criação de uma cadeia de reciclagem com grandes benefícios econômicos, sociais e ambientais.

O mercado de tintas e o de reciclagem de PET são competitivos e, portanto, o Projeto PET teve algum diferencial para se tornar um sucesso em todas as dimensões analisadas. Fatores críticos para este sucesso foram sugeridos na revisão bibliográfica e há evidências de que foram confirmados no caso estudado. Estes fatores são os seguintes:

. Visão e comprometimento da alta administração

Há evidências de que o principal fator de sucesso foi a visão estratégica, a iniciativa e a capacidade gerencial das lideranças empresariais da BASF-Suvinil, Clean Pet e Associação Reciclázaro. As lideranças destas organizações tiveram importância fundamental na avaliação das expectativas da sociedade e na criação de um ambiente propício à inovação e à pro-atividade compromissada de seus liderados e parceiros. Este ambiente é criado com exemplos das lideranças, políticas, normas e incentivos corretamente alinhados e divulgados.

Além disso, essas lideranças tomaram decisões estratégicas corretas sobre a rede de reciclagem, levando em conta, para isso, fatores como a disponibilidade dos materiais no longo prazo, estrutura de logística reversa relativamente eficiente, melhor posicionamento em face dos concorrentes e o uso eficiente das tecnologias disponíveis.

. Estrutura de logística reversa adequada

Há evidências de que as organizações envolvidas conseguiram construir uma estrutura de logística reversa sustentável, como a citada por Leite (2003). Os agentes têm remuneração adequada, a escala alcançada dá incentivos suficientes para se buscarem estruturas cada vez mais organizadas e formais e os compradores finais (BASF e IMPLAL) dão segurança aos outros agentes. Além disso, há tecnologias adequadas para a logística desta cadeia acessíveis mesmo para empresas pequenas que, por meio delas, conseguiram criar as condições necessárias de organização, localização e transporte.

. Estrutura de negócio que garante resultados econômicos e sua adequada distribuição

A cadeia de reciclagem precisa ter sentido econômico para se sustentar no longo prazo. Há evidências de que a reputação das organizações envolvidas e as condições definidas e impostas (enforced) criaram as garantias e os incentivos necessários para atrair e manter os parceiros adequados aos objetivos da cadeia. Quem se propôs a participar foi selecionado em função de sua aderência a padrões econômicos, sociais e ambientais e recebeu em troca incentivos econômicos para se manter na cadeia. Um exemplo extremo são as condições de participação do ex-moradores de rua. Dessa forma criou-se uma rede em que praticamente todos os elos são estruturas empresariais, que buscam eficiência e eficácia em suas atividades dentro, porém, de padrões de conduta socialmente responsáveis.

Organizações que pretendem utilizar matérias-primas recicladas em seus processos podem melhorar suas chances de sucesso considerando, em suas estratégias, os fatores críticos de sucesso detectados nesta pesquisa.

Cabe reconhecer a limitação de que se trata de um estudo de um único caso e, portanto, deve ser considerado neste contexto.

Entre as possibilidades de pesquisa que este caso levanta, pode-se destacar um estudo mais aprofundado dos desafios das cadeias de logística reversa pós-consumo e uma avaliação mais precisa do balanço dos impactos ambientais de cadeias de reciclagem para evitar que o entusiasmo com a questão leve à criação de cadeias ineficazes.

Artigo recebido em 17.10.2006.

Aprovado em 09.07.2007.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      09 Jul 2007
    • Recebido
      17 Out 2006
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