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Gestão do desempenho na administração pública: o caso da TI governo

Performance management in the public sector: the case of TI governo

Resumos

Este caso para ensino examina o tema gestão do desempenho, partindo da intenção de um gerente de sistemas de empresa pública de tecnologia em contar com um sistema de GD. A partir da constatação de demandas e pressões para resultados organizacionais, esse gerente reflete sobre o gerenciamento atual e pregresso de desempenho na empresa e vai trazendo à tona o assunto em várias instâncias da organização: diretoria, recursos humanos, supervisores de área. Neste processo se vão revelando elementos para diagnóstico da situação, que antecede a implantação de um programa, como características do contexto, dilemas gerenciais, dificuldades, expectativas, objetivos e riscos e que servem como subsídios para um projeto de implantação de gestão do desempenho numa empresa. O material possibilita discussões e reflexão sobre o processo de gerência do desempenho, em termos de objetivos: conceitos, planejamento da implantação de ações na área de Recursos Humanos [RH], interação entre RH e áreas-clientes nas empresas e suas estratégias de atendimento, gestão pública e privada.

gestão de desempenho; recursos humanos; empresa pública


This case for teaching examines the theme of performance management, from the intention of a system's manager of a public company to have a Performance Management System. From the awareness of demand and pressure for organizational results, this manager thinks about current and past performance management in the company and mentions the subject at many organizational levels: Board of Directors, human resources and area supervisors. Within this process, some elements are revealed to diagnose the situation, which takes place before the implementation of a program, such as context characteristics, management dilemmas, difficulties, expectations, objectives and risks that serve as subsidies for a performance management implementation project in a company. The material creates space for discussions and reflections on the performance management process from the point of view of objectives, planning of the implementation of actions in the area of Human Resources [HR], the interaction between Human Resources [HR] and customer-areas in the companies and their strategies for service and public and private management.

performance management; human resources; public company


CASOS DE ENSINO EM ADMINISTRAÇÃO

Gestão do desempenho na administração pública: o caso da TI governo

Performance management in the public sector: the case of TI governo

Maria Amélia FetznerI,* * Endereço: Maria Amélia Fetzner Rua Fabrício Pilar, 346/701, Porto Alegre/RS, 90450-040. E-mail: amelia.fetzner@gmail.com ; Andrea Poleto OltramariII; Pelayo Munhoz OleaIII

IDoutora em Administração pelo PPGA/UFRGS. Psicóloga da INFRAERO - Regional Sul, Porto Alegre/RS, Brasil

IIDoutora em Administração pelo PPGA/UFRGS. Professora e Pesquisadora da UPF, Passo Fundo/RS, Brasil

IIIPós-Doutor em Gestão Ambiental pela Universidad de Extremadura, Espanha. Professor Titular do PPGA/UCS, Caxias do Sul/RS, Brasil

RESUMO

Este caso para ensino examina o tema gestão do desempenho, partindo da intenção de um gerente de sistemas de empresa pública de tecnologia em contar com um sistema de GD. A partir da constatação de demandas e pressões para resultados organizacionais, esse gerente reflete sobre o gerenciamento atual e pregresso de desempenho na empresa e vai trazendo à tona o assunto em várias instâncias da organização: diretoria, recursos humanos, supervisores de área. Neste processo se vão revelando elementos para diagnóstico da situação, que antecede a implantação de um programa, como características do contexto, dilemas gerenciais, dificuldades, expectativas, objetivos e riscos e que servem como subsídios para um projeto de implantação de gestão do desempenho numa empresa. O material possibilita discussões e reflexão sobre o processo de gerência do desempenho, em termos de objetivos: conceitos, planejamento da implantação de ações na área de Recursos Humanos [RH], interação entre RH e áreas-clientes nas empresas e suas estratégias de atendimento, gestão pública e privada.

Palavras-chave: gestão de desempenho; recursos humanos; empresa pública.

ABSTRACT

This case for teaching examines the theme of performance management, from the intention of a system's manager of a public company to have a Performance Management System. From the awareness of demand and pressure for organizational results, this manager thinks about current and past performance management in the company and mentions the subject at many organizational levels: Board of Directors, human resources and area supervisors. Within this process, some elements are revealed to diagnose the situation, which takes place before the implementation of a program, such as context characteristics, management dilemmas, difficulties, expectations, objectives and risks that serve as subsidies for a performance management implementation project in a company. The material creates space for discussions and reflections on the performance management process from the point of view of objectives, planning of the implementation of actions in the area of Human Resources [HR], the interaction between Human Resources [HR] and customer-areas in the companies and their strategies for service and public and private management.

Key words: performance management; human resources; public company.

INTRODUÇÃO

Lucas sentira-se realizado até então. Formado em análise de sistemas, depois de algumas experiências profissionais em empresas privadas ingressara na TI Governo, empresa pública do segmento de Tecnologia de Informação [TI]. Em poucos anos sua dedicação e inteligência fizeram com que fosse reconhecido pelas chefias e indicado para cargos de responsabilidade e amplitude crescentes, até assumir a Gerência da área de Desenvolvimento de Sistemas. Gostava da empresa que lhe dera excelentes oportunidades profissionais e lhe permitia ter clientes muito diversificados.

Mas, mais do que tudo, lhe agradava ser parte de um projeto político com o qual se identificava. Tudo isso lhe ocorreu enquanto terminava de atender à ligação de um irado chefe de gabinete. Em resumo, este estava apreensivo com a inauguração do Portal do Cidadão. Lucas sabia que não seria fácil tranquilizá-lo, pois enfrentava uma série de imprevistos para a conclusão do trabalho, desde a falta de pessoal no cliente em condições de colaborar no desenvolvimento dos sites institucionais até problemas estruturais e de pessoal interno. Mas ele não deixou transparecerem as dificuldades, questionando quando é que a empresa havia deixado de cumprir o acertado. Finalizou: "garanto que no dia previsto o portal estará no ar".

Lucas entendia o chefe de gabinete. Sabia da cobrança da sociedade sobre as empresas públicas e da necessidade e importância de prestar serviços de qualidade à população. Pensou se de fato conseguiria manter a promessa e se aquele era o momento de colocar em prática uma idéia que lhe vinha cada vez com mais freqüência à cabeça. A Empresa precisava ter novamente um processo de Avaliação de Desempenho [AD]. Acreditava que a avaliação poderia ser um instrumento para trabalhar a melhoria e qualificação do pessoal e para potenciar resultados, permitindo o gerenciamento do pessoal em sintonia com os objetivos dos projetos idealizados pela Empresa, como o próprio Portal. Isto não seria fácil, devido à história 'traumática' da AD na empresa e à cultura de organização pública, onde nem sempre o mérito é o principal valor. Além disso, haveria demandas de novas competências gerenciais, repercussões emocionais e até sobre a sua própria carreira. Enquanto se preparava para falar com o responsável pelo Portal, Lucas refletia se devia implementar um novo processo na Empresa e, em caso afirmativo, como conduzi-lo.

HISTÓRIA DA AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO NA TIGOVERNO: O ANTIGO SISTEMA E A NOVA PROPOSTA

O último sistema de avaliação de desempenho utilizado pela Empresa chamava-se PVP, Programa de Valorização das Pessoas, e tinha sido usado até 10 anos antes. Lucas ainda podia lembrar-se do clima desgastante e de conflito entre funcionários e chefias que se criava em todo o período de avaliação e, pior, da comparação e competição entre funcionários. Ricardo, antigo diretor da Companhia, costumava dizer que eram minidissídios, nos quais quem tinha mais poder de negociação junto às chefias (poder de pressão, melhor dizendo) levava um aumento. O sistema visava essencialmente a promoções; daí o desespero de muitos e a causa do clima que se criava. Além disso, o pessoal da Empresa reclamava de o instrumento ser muito trabalhoso e demorado, não ter pontos de controle durante o período entre avaliações e, sobretudo, da aplicação de critérios diferentes pelos supervisores.

Agora a situação era outra. Lucas percebia a crescente necessidade de um processo de gerenciamento de desempenho. De um lado muitos empregados pediam definições mais claras sobre os rumos da Empresa e do que era esperado deles e diziam querer feedback sobre seus desempenhos, ou seja, conhecer a opinião da Empresa sobre eles. Muitos se diziam desmotivados, pois parecia que pouco importava se estavam ou não dando conta do trabalho. Por sua vez, as gerências se queixavam de dificuldades no gerenciamento de pessoal, como falta de informações sistematizadas sobre o nível de desempenho, necessidades e potencialidades dos colaboradores. Sem ferramentas gerenciais, as chefias queriam algo que as auxiliasse a direcionar os esforços do pessoal para as metas traçadas, e que lhes desse segurança, favorecendo o uso de critérios semelhantes na tomada de decisão em assuntos de pessoal, tais como transferências, designação para projetos, indicação de desligamento etc.

As promoções haviam sido suspensas por tempo indefinido, causando insatisfação tanto aos funcionários, que não visualizavam perspectivas de desenvolvimento, como aos gerentes, ressentidos da carência de ferramentas para estímulo do grupo funcional. Para Lucas, a importância de avaliar o desempenho estava em incentivar o alcance das metas e objetivos da Empresa, produtividade enfim, mas também em propiciar retorno aos empregados, dar sentido às atividades e "dar alegria às pessoas sobre seus desempenhos".

Lucas sabia que nem sempre seria fácil colocar em prática a proposta de avaliar o desempenho de seu grupo de trabalho. Havia circunstâncias peculiares envolvendo questões de desempenho nas diferentes áreas componentes da estrutura da TI Governo (Anexo 1 Anexo 1 ). Lembrou o caso do Sr. Pedro, que fora professor de muitos funcionários em um curso de especialização em TI. Nos últimos anos, ele atuava como instrutor de Excel nos cursos de microinformática para clientes. Entretanto, afora isto, vinha deixando a desejar no rendimento em seu posto de trabalho. Não bastasse isso, a Empresa estava revendo sua política de treinamento para clientes e logo a atividade deixaria de existir.

Se fosse introduzido um sistema de avaliação de desempenho, como Lucas acreditava que deveria ser - transparente, com regras claras, vinculando desempenhos esperados às metas da organização e com consequências - a situação ficaria oficialmente evidente. E aí, o que aconteceria? Ele não acreditava que Pedro pudesse melhorar seu desempenho, pelo menos não no nível do que seria esperado de um analista sênior. E não porque este não quisesse ou não se esforçasse, mas pelo fato de não ter mais plenas condições físicas de trabalho. Lucas lembrara que Pedro, há tempo, vinha apresentando um sério problema: seguidamente era pego dormindo em seu local de trabalho. Tinha de falar a respeito com a supervisora de Pedro. A situação era essa, pelo menos era o que Lucas podia antever no momento e apenas uma, entre muitas. Por isso pensava: será que eu sou capaz de aguentar as consequências de ter um sistema oficial de avaliação de desempenho? E quanto ao meu professor, que vai acontecer com ele?

Ouvindo o Supervisor Responsável pelo Projeto do Portal

Como se adivinhasse o acontecido, Paulo bateu na porta da sala de Lucas. Entre todos, ele era o supervisor há menos tempo na função. Vinha fazendo bom trabalho na área de desenvolvimento de Internet e era a figura-chave no projeto do Portal do Cidadão.

- Acabei de ser cobrado pelo Portal, disse Lucas. Como estão as coisas?

- Estamos com problema de atraso no repasse de informações por alguns órgãos; mas, por incrível que pareça, meu maior problema são as sabotagens internas. Tem uma facção da Empresa que parece não querer que o evento tenha visibilidade e dificulta tudo o que pode. É como se alguns não quisessem ajudar, talvez pensando que os méritos do processo vão ficar comigo. Esquecem que o sucesso de um é o sucesso de todos, que a Empresa precisa que todos tenham o melhor desempenho possível. Ninguém faz nada sozinho, concluiu Paulo.

Ao escutar Paulo, Lucas lembra-se de uma funcionária com os sintomas do individualismo, mencionado por Paulo. Era Cezaria, cujos problemas de conduta na organização acabavam sendo relevados, porque ela detinha o conhecimento de um dos clientes mais importantes da Empresa, a área tributária da Fazenda Como estava sempre sobrecarregada de serviço e, na verdade, gostava de se saber imprescindível, nunca achava tempo para ensinar a alguém, fosse funcionário ou estagiário. Cezaria estava em conflito com vários colegas, não conseguia trabalhar em equipe já fazia um tempo, e o cliente em si estava insatisfeito, porque obviamente ela não conseguia dar conta da demanda sempre crescente de serviço. Lucas foi ficando mais e mais preocupado e pediu que Paulo falasse dos problemas.

- Pois bem. Os fornecedores externos estão no prazo, mas a montagem da estrutura de rede no ponto principal, em que será dado acesso ao cidadão, ainda não aconteceu. O gerente de operações tem de delegar a atividade de montagem da estrutura... Mas parece que não está convencido disso. Há alguns chefes e funcionários trabalhando para desacreditar o trabalho, convencendo outras pessoas - e tentando também convencer a mim - de que as coisas não vão acontecer. Até mesmo alguns que foram alocados trabalham com o freio de mão puxado. Você conhece o caso do André. Preciso do pessoal afinado com os objetivos.

- Há mais coisas, continuou Paulo. Tivemos reuniões do Comitê Organizador com o fornecedor, para definição do evento de lançamento. Depois das reuniões, o pessoal da Comunicação Institucional mudou todas as decisões por telefone. Quando eu fiquei sabendo, quase não dava mais tempo para reverter algumas coisas.

Lucas, reflexivo, disse: Pode deixar, vou falar com o Gerente de Operações e com a chefia da Comunicação. Quanto ao André, é um problema de gerenciamento de desempenho. Vamos voltar a falar disso. Paulo saiu mais tranquilo da sala, sabendo que Lucas iria ajudá-lo. Como sponsor do projeto, Lucas sempre o apoiara, assim como o Presidente da Companhia.

Lucas ficou sozinho e soltou um suspiro. Claro, lembrava-se muito bem de André, sempre muito bem articulado com a Comissão de Empregados. André agia como se fosse fácil ser promovido ou remanejado. Ia de um cargo para outro, geralmente posições desejadas, ligadas a áreas que despontavam em tecnologia. Aliás, para ele parecia fácil. Sempre reclamava que não estava satisfeito com o cargo que ocupava, alegando que estaria no posto errado. Suas habilidades sempre eram superiores aos cargos designados. Essa confusão toda, com o respaldo da Comissão de Empregados, acabava intimidando as suas chefias; elas, para não terem de enfrentar uma discussão com ele e um processo desgastante junto à Comissão, procuravam dourar a pílula e dar um jeito de transferí-lo, logo que se davam conta de que sua auto-imagem não correspondia ao rendimento real. Em meio a tudo isso, Lucas recebera diversas críticas por sua gestão do caso, uma vez que os colegas de trabalho de André ficavam cada vez mais desmotivados com essas práticas. Lucas sabia que era preciso fazer alguma coisa, mas tinha dúvidas. Precisaria de apoio e não poderia bater de frente com a Comissão.

De qualquer modo, sabia que precisava agir. A maioria da equipe, que vinha dando um duro danado e tendo resultados fantásticos, precisava ser valorizada. Se não salarialmente, pelo retorno em reconhecimento e, quem sabe, algum tipo de premiação. Sentia que, do contrário, iria perder o apoio de sua equipe de trabalho; pior, perderiam pessoal para o mercado. Seria o caos para a Empresa e para sua trajetória profissional, já que Lucas almejava crescer mais na empresa e fazer dela uma referência na área de TI. Pensando, concluiu: "como é interessante quanto a estrutura trabalha para que nada mude". Mas as declarações de Paulo haviam reafirmado a sua convicção de que deviam trabalhar com gestão de desempenho. Não era possível que alguns não entendessem a importância do trabalho de cada um para os resultados da Empresa. Era preciso, para dar clareza aos propósitos organizacionais e aos desempenhos esperados dos funcionários, reconhecer o bom desempenho e tratar dos problemas identificados. Enfim, o desempenho tinha de ter consequências.

Complexidades na Análise do Desempenho de Funcionários

Nesse meio tempo, Lucas ouviu outra batida na porta. Era Gérson, supervisor da área responsável pelo Projeto de Software Livre e um grande amigo. Simpático e bem-humorado, era o tipo de chefe compreensivo e muitíssimo bem relacionado nos centros de poder. Contou a Lucas que a maior parte do projeto de migração estava concluída. Referia-se à migração de sistemas da administração para a plataforma livre, permitida graças à nova legislação.

- Parabéns para toda a equipe! Isto vai significar um grande passo, em termos de independência tecnológica para toda a Administração, disse Lucas.

- Obrigado, respondeu Gérson, estamos realmente muito satisfeitos. Mas quero conversar sobre o pessoal. O projeto só se tornou possível porque foi encabeçado pelo Werner, hoje, sem exagero, o cara que mais entende de software livre aqui no Estado. Ele é um dos mais novos na Empresa, mas já é um destaque na equipe. O cara é fora de série! Gérson continuou: Só que é o menor salário do grupo. Fico preocupado, pois ele detém o conhecimento essencial do projeto e é quem carregou o piano para fazê-lo acontecer. Tínhamos de ter um jeito de reconhecer o seu mérito.

- Sabes que as promoções estão suspensas, Lucas começou a dizer. Antes de Lucas terminar de falar, Gérson interrompeu: Isso não significa que não se possa fazer nada, dar-lhe algum estímulo, sinalizar para o grupo que este é o tipo de comportamento profissional que esperamos; sabe lá, batalhar com a Direção a volta das promoções.

Lucas viu Bernardo no corredor e o chamou. Este assumira a chefia da área de segurança de informações, vital para a credibilidade de uma empresa de tecnologia. Técnico extremamente reconhecido e admirado na organização, estava decidido a ser igualmente um ótimo gestor e fazer do seu grupo um referencial de excelência, motivação e integração.

Eles rapidamente colocaram Bernardo a par do assunto, que comentou: Concordo que é importante pensarmos num modo de fazer uma gestão mais efetiva do desempenho do pessoal. Tenho pensado muito numa situação da equipe. Vocês sabem, o Álvaro é o 1º colocado no concurso para analista de sistemas. Ele fez um trabalho fantástico, normatizando procedimentos e propondo diretrizes para a política de segurança da Rede da Prefeitura. Tem de ter muito conhecimento técnico, muita visão de gestão e competências de relacionamento para conseguir tocar este trabalho. Pois bem, o Álvaro tem tudo isto e mais um pouco e não diria que ele não tem 'trabalho', mas ele faz tudo com certa tranquilidade.

Bernardo seguiu dizendo: O Daniel, por sua vez, apresenta um trabalho correto, eficiente, mas para isso se esforça tremendamente. A impressão que eu tenho é que o Álvaro sempre vai ser designado para os projetos mais difíceis e complexos, enquanto o Daniel vai ficar com a parte de rotina do serviço, não querendo dizer que essa parte não seja importante. Aí eu me pergunto como seria trabalhar desempenho com eles, uma vez que, se for para pensar em resultado, parece sempre que o Álvaro sai na frente; mas, se for para pensar em desenvolvimento, dá para ver como o Daniel mostra melhorias ao longo do tempo, devido à sua dedicação, muito embora ele tenha um teto, ou pareça ter, considerando a contribuição que pode dar. Se fosse possível promover, quem eu promoveria?

- O Daniel! O Álvaro! Responderam Gérson e Lucas quase ao mesmo tempo.

- Viram? É complicado, disse Bernardo. Há razões que justificam dar promoção para um e para o outro. Aqui, rapidamente, apareceu como faríamos julgamentos com bases em critérios diferentes. E aí, como tratar isso na equipe? Daqui a pouco o Álvaro vai reclamar que ganha uma carga de trabalho mais 'pedreira' e eu, vou dizer o quê? Mas, se ele não tiver este tipo de atividade, vai conseguir sentir-se motivado? E o Daniel? Quando vai ter um resultado 'fora de série'? E há o agravante ou não, quem sabe, de não termos perspectiva de promoção.

- Pessoal, o assunto está caindo de maduro, disse Lucas. Acho que podemos pôr a Avaliação de Desempenho na pauta da nossa próxima reunião de supervisores.

Discutindo a Ideia de um Novo Sistema com a Equipe Gerencial

Lucas sabia que a reunião não seria fácil. Depois de assumir a gerência, ele vinha trabalhando para criar uma equipe coesa, alinhada com suas idéias sobre gerenciamento e com garra para levar a Empresa a posições de maior destaque e visibilidade. Acreditava que tinha chegado muito próximo disto com a equipe atual. Estavam presentes na reunião, além de Paulo, Bernardo e Gérson, os demais supervisores da área: Laerte, Caio e Maria Adriana.

Laerte, marido de outra funcionária, era cria da casa. Começara como estagiário e viera subindo, até chegar a supervisor da área responsável por um dos clientes mais poderosos da Prefeitura, ou seja, a Secretaria da Fazenda. Era, portanto, o supervisor direto de Cezaria.

Caio era o mais experiente dos supervisores, o típico macaco velho. Ao longo dos anos exercera diversos cargos gerenciais e conhecia a história da Empresa tão bem quanto a sua. Inteligente e perspicaz não estava nem um pouco interessado em trabalhar mais do que o necessário. Já tinha feito muito pela companhia, estava acostumado a ver projetos e ideias passarem de acordo com a mudança de governo e tinha chegado à conclusão de que era hora de não se indispor com ninguém e levar o grupo no jeitinho, sem stress.

Maria Adriana era a única mulher do grupo. Loira, bonita e igualmente competente. Sem ser das supervisoras mais próximas da gerência, conduzia seu trabalho com muita competência e respeito por suas qualidades humanas e gerenciais. Ela confidenciara a Ana, supervisora de RH que, às vezes, se sentia como a Luluzinha, no meio da Turma do Bolinha.

A reunião começa pontualmente. Lucas expõe o desafio com o qual se deparava como gestor: Sei que a Empresa se encontra em situação de intenso crescimento e que, acompanhando as mudanças tecnológicas do setor, deve também seguir as tendências de gestão estratégica de pessoas. Com a face tensa, mas confiante em si mesmo, Lucas continua:

- Por isso e em função do que conversei com alguns, marquei essa reunião, para que possamos pensar juntos sobre uma proposta de implantação da Avaliação de Desempenho na TI Governo. Lembram-se dos graves erros do sistema anterior?

Todos concordaram. Lembro-me de que não havia planejamento prévio do desempenho esperado e acompanhamento periódico e formal do trabalho realizado, além da avaliação ser anual. Por isso o momento de avaliação trazia grandes surpresas aos avaliados e avaliadores, afora o fato de que tivemos muitos problemas pelos critérios diversos usados pelos supervisores na avaliação, episódio que trouxe muita dificuldade nas avaliações.

- Olha, diz Laerte, penso que temos de nos preparar bem e quero dar um exemplo pessoal. Eu não sei se me sentiria bem em ser avaliado pelos meus subordinados. Mesmo que a proposta seja a de nós avaliarmos os funcionários, estaremos discutindo a situação de trabalho como um todo. Todos nós sabemos que não é bem assim, a gente não consegue sempre fazer um bom planejamento, ter tempo para orientar e dar feedback e os recursos necessários para passar aos funcionários. Eles podem dizer, por exemplo, que não conseguiram atingir as metas por falta recursos suficientes no projeto. E vão fazer isso.

Bernardo comentou: Uma coisa essencial é todos termos um mesmo foco, objetivo, critérios e fazermos os encaminhamentos numa mesma direção. E acrescentou: com relação ao que o Laerte disse, devemos estar preparados para exercer nosso papel. Não dá para esquecer que muitos de nós somos novos na função, somos amigos do pessoal e aí a cobrança é maior.

Maria Adriana, com toda sua perspicácia, observa: Acho interessante a proposta, mas antes de tudo temos de pensar como faremos com funcionários que serão muito bem avaliados, mas que não teremos condições de promover, pois há funcionários para quem um obrigado, um elogio é importante por si só, mas para algumas pessoas o fator de motivação para um desempenho especial precisa ser concreto, como receber um troféu, uma promoção.

Bernardo concordou com Maria Adriana e ainda se lembrou da Comissão de Empregados, que contestava qualquer projeto que não estivesse contemplado no Acordo Coletivo. Temos de ver se a Comissão vai apoiar a ideia, disse. Vocês sabem como é, se a Comissão não estiver convencida, eles dão um jeito de acabar com qualquer projeto.

Em geral, mesmo com algumas advertências e preocupações, todos apoiaram o projeto de Lucas. Caio, no entanto, ressaltou: Eu acho que há muita coisa para fazer nesse projeto e vai dar um trabalhão daqueles para operacionalizar.

Maria Adriana, conhecendo o perfil de Caio, falou rápido, na tentativa de abafar a sua fala: Convivemos há muito tempo com a falta de informações sistematizadas e registradas sobre o desempenho dos colaboradores, de suas necessidades e potencialidades. Precisamos de uma ferramenta de gestão para atingir maior eficiência e eficácia, para promover a meritocracia e para gerir os conflitos organizacionais provenientes, na maioria das vezes, da falta de critério para avaliar o desempenho do pessoal com as mesmas funções. Mesmo sem promoções, isso continua sendo problema, porque precisamos avaliar o pessoal para definir a distribuição dos projetos e as oportunidades que cada um vai ter. Ela respirou fundo, quase nervosa, pois tinha dificuldade em lidar com conflitos grupais e temia a reação de Caio, muito embora soubesse que este evitava, a essas alturas, se incomodar com certas coisas. Concluiu: Por isso penso que está mais do que na hora de adotar uma postura também gerencial e assumirmos essa responsabilidade, cada um com sua equipe de trabalho.

Neste momento Paulo, quieto até então, entra na discussão. Uma coisa importante, me parece, seria que a ideia de Avaliação de Desempenho valesse para toda a Empresa. O processo deveria ser para toda a Empresa, institucional, a fim de fornecer um retrato dela.

Lucas retomou a palavra. Eu sei que nossa decisão pode afetar outras áreas da TI Governo, e também acho que seria melhor se fosse uma iniciativa de toda Empresa. Mas quero dizer para vocês que, mesmo que as outras áreas não queiram, penso ser ela necessária para a nossa Divisão. Sei também que a ideia mexe forte com as outras áreas, que podem pensar diferente de nós. Na semana passada, ainda, discuti com o Paulo sobre problemas que envolvem situações de desempenho e gerenciamento de pessoal de outras áreas. Nós, gerências, seremos afetadas diretamente, por sermos responsáveis por gerir o desempenho do pessoal das áreas e porque também teremos nosso desempenho avaliado pela Direção. Fácil não vai ser. Vou procurar o RH para saber como eles podem nos ajudar e discutir a ideia com o Antonio (diretor da área). Na próxima reunião voltamos a conversar.

Falando com RH

No dia seguinte, bem cedo, Lucas liga para Aline, Supervisora de Desenvolvimento de Pessoas na TI Governo: Aline, estamos com ideia de implantar um sistema de avaliação de desempenho formal aqui na Divisão e quero ver como vocês nos podem ajudar.

- Ótimo! Há tempo achamos necessário retomar a AD na Empresa, disse Aline.

Chegando ao RH, Lucas encontrou-se com Aline e foi logo apresentando suas razões para pensar em processo oficial de AD, comentando também o caso de Pedro.

Aline ouviu atentamente e respondeu a Lucas: Como eu disse no telefone, a ideia é ótima, mas requer cuidado. A nossa Comissão de Empregados é muito corporativista e exerce enorme influência sobre o grupo funcional. Lembra-se do caso da Rosinha? Foi demitida e depois reintegrada, porque a Comissão ganhou o caso judicialmente. Mesmo o João, Presidente da Comissão, tendo-me dito saber que ela fazia corpo mole, e não estava com vontade de trabalhar. O caso do Pedro também se presta a questões legais, porque ele pode alegar que é portador de uma doença. Além disso, continuou Aline, é preciso ver qual o tipo de sistema mais adequado à Empresa e à boa estratégia de implantação. Pelo que vi, vocês querem um sistema de gestão do desempenho [GD], porque há preocupação em planejar e acompanhar os desempenhos e não somente com um instrumento para registrar avaliações. Posso pensar uns dias e depois voltamos a conversar? Claro, respondeu Lucas.

Falando com a Direção

Lucas foi direto à sala de Antonio. - Quero discutir contigo a idéia que tivemos na Divisão de implantar um sistema oficial da Avaliação de Desempenho ou Gerência do Desempenho, como diz a Aline. E Lucas contou a Antonio o que dissera a Aline, a reunião com o grupo de supervisores e o seu pedido de ajuda ao setor de RH. Falou sobre suas preocupações com Pedro e Cezaria, não deixou nada de fora.

- Acho muito oportuna idéia, afirmou Antonio. Ainda mais porque temos importantes projetos pela frente e um grupo grande de novos funcionários, muito bem selecionados e capazes. Não podemos deixar este grupo ser influenciado por uma minoria conduzida pela Comissão de Empregados, interessada somente na estabilidade do emprego e nas vantagens proporcionadas pela Empresa, complementou. Antonio continuou dando sua opinião. - Tenho a impressão de que, se bem feita, será bem recebida pelos funcionários; mas, claro, vai haver os deslumbrados e os reticentes, alguns vão ficar preocupados e alguns verão com bons olhos. O clima é mais favorável hoje, mas é importante que o processo seja bem divulgado, que sejam esclarecidos os seus objetivos e as regras sejam claras. O desafio maior estará nos gerentes e chefias, por terem condições de lidar com feedback e subjetividade nas avaliações e administrarem o tempo, dando conta da demanda de serviço e da gestão do pessoal. Certamente isso é feito hoje; mas, neste caso, haverá configuração e aperfeiçoamento do processo, exigindo registro de informações, uso de uma metodologia específica e, possivelmente, treinamento.

Antonio encerra a conversa, dizendo a Lucas que em outra hora voltariam a conversar.

Lucas Reflete

Apesar de suas convicções, Lucas sentia mal-estar, quando se lembrava da cultura da TI Governo que, em geral, tendia à acomodação, já que o dissídio garantia à maioria dos funcionários quase total estabilidade, mesmo sendo celetistas. Havia as questões que envolvem a Comissão de Empregados, o despreparo das chefias, a pressão dos funcionários, a demanda de serviço. Em meio a todas essas dúvidas, Lucas para e faz uma profunda reflexão. Dependendo do caminho escolhido, sua carreira, a vida de vários funcionários e a Empresa seriam profundamente impactadas. Ele se pergunta até que ponto deveria seguir com a idéia de avaliação e lidar com os conflitos e problemas que venham a surgir, ou deveria deixar tudo como está, já que bem ou mal a Empresa está andando. Questiona-se sobre como promover uma gestão profissionalizada, com valores calcados no mérito, contrariando a cultura instituída. Pensando nas exigências emocionais, competências, disponibilidade demandadas a todos os envolvidos e nas limitações que podem ser impostas a um processo de GD pelas características e condições de uma empresa pública, mas igualmente nas necessidades e desafios atuais, Lucas segue para sua sala, confiante de que saberá o que fazer.

NOTAS DE ENSINO

Objetivos Educacionais

O caso destina-se a cursos de graduação em Administração e/ou Especialização, sobretudo nas áreas de gestão empresarial e de gestão de pessoas, possibilitando aos alunos a ampliação de conhecimentos e habilidades de análise e de relacionamento de conhecimentos teóricos com situações práticas de gestão, mediante: a) aquisição de conhecimentos sobre gestão de desempenho; b) identificação de elementos centrais no diagnóstico organizacional para subsidiar uma proposta de sistema de gestão do desempenho; c) reflexão sobre as diferenças entre contextos e condições de implantação da gestão do desempenho em empresas públicas e privadas; d) compreensão da integração entre gestão do desempenho e outros processos de gestão de pessoas; e) esboço de linhas de ação para a implementação de um programa de gestão do desempenho. Outros temas relacionados com gerenciamento, como perfis e estilos gerenciais podem ser explorados a critério do professor.

Fontes de Dados

A construção do caso foi feita a partir de vivências dos autores em empresas diversas, sendo o caso ficcional. A ambientação caracteriza empresas e circunstâncias reais, mas a situação conforme se relata não existiu.

Sugestão para um Plano de Ensino

O caso pode ser aplicado numa aula com duração de dois períodos. Como sequência de passos para a sua apresentação, sugere-se: 1) iniciar por uma introdução feita pelo docente, apresentando principais conceitos, métodos, desafios, benefícios e críticas associadas à gestão de desempenho e trazendo elementos sobre as características de empresas públicas e privadas; 2) leitura individual do caso; 3) discussão em pequenos grupos; 4) discussão em grande grupo; 5) sistematização das principais conclusões, após debate; 6) fechamento pelo docente.

Questões para Discussão

1) Quais os dilemas enfrentados pelos gerentes e as competências requeridas para enfrentar a situação?

2) Quais os elementos do caso que podem fornecer um diagnóstico da situação quanto ao processo de GD?

3) Considerando os diferentes métodos de GD e a realidade da empresa, que pressupostos poderiam nortear a escolha de um método?

4) Como se situa a gestão do desempenho no contexto de uma empresa pública? Quais as principais diferenças em relação a uma empresa privada?

5) De que modo a Gestão de Desempenho se relaciona com outros processos de gestão de pessoas?

6) Com base nas análises anteriores e nos referenciais da literatura, quais seriam as principais linhas de ação para a implantação de um programa gestão de desempenho na empresa TI Governo?

Gestão do Desempenho - Breve Revisão de Literatura

Ulrich (2003) enfatiza como um dos papéis de RH o de administrar a infraestrutura organizacional, exigindo que os profissionais concebam e desenvolvam, com dedicação sustentada, o exame e melhoria de processos de RH, entre os quais se incluem os processos de avaliação. A gestão de desempenho é interdependente de outras funções de RH, como práticas de recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, gestão de carreiras, remuneração e, assim como a gestão por competências, está ligada à estratégia da organização.

O conceito de gestão em lugar de avaliação enfatiza a idéia de que o desempenho envolve planejamento, acompanhamento e avaliação. Ademais, referem Hipólito e Reis (2002), mesmo nos enfoques mais tradicionais, a avaliação de desempenho se constitui num sistema que tem por objetivo a melhoria global do desempenho e da produtividade das pessoas, ao longo do tempo, consistindo, portanto, em sistema de gestão de desempenho.

A avaliação, vista como processo que visa ao desenvolvimento de RH e melhoria da performance no trabalho, é identificada com uma perspectiva funcionalista, enquanto, na perspectiva crítica, é entendida como mecanismo utilizado pela organização para exercer o controle psicossocial dos trabalhadores (Brandão & Guimarães, 2001).

Competência e desempenho são conceitos próximos. Brandão et al. (2008, p. 877) entendem "competências humanas ou profissionais como combinações sinérgicas de conhecimentos, habilidades e atitudes, expressas pelo desempenho profissional dentro de determinado contexto organizacional, que agregam valor a pessoas e organizações". Deste modo, "o desempenho da pessoa representa uma expressão de suas competências" (p. 878), que são reveladas na ação em situações profissionais e servem como ligação entre as condutas individuais e a estratégia da organização. Ainda segundo Brandão et al. (2008), a gestão por competências se propõe a orientar esforços para planejar, captar, desenvolver e avaliar, nos diferentes níveis da organização (individual, grupal e organizacional), as competências necessárias à consecução de seus objetivos. No nível individual, em geral as organizações procuram utilizar modelos de gestão do desempenho que avaliem tanto comportamentos (ou competências) da pessoa, como as realizações decorrentes desses comportamentos.

Os instrumentos de gestão do desempenho, baseados em competências, são, atualmente, uma tendência nos processos de avaliação de pessoas. Algumas outras tendências quanto à avaliação são também: o uso de ferramentas gerenciais associadas, como o balanced scorecard, que dá ênfase a vetores de desempenho futuro e ao estabelecimento integrado de metas corporativas, de grupo e individuais; uso de modelos que integram as funções de RH; fortalecimento do papel dos gestores como coaches e dos avaliados como gestores da própria carreira e competências; sistematização de ações decorrentes de um processo de avaliação, como subsídio à decisão gerencial, e avaliações com múltiplas fontes (Hipólito & Reis, 2002).

A avaliação de desempenho individual pode ser adotada em organizações privadas ou públicas. Peci, Lemos, Meneses, Faria e Véras (2008), por exemplo, analisaram o processo de avaliação de desempenho individual [ADI] adotado pelo governo mineiro, no âmbito da reforma da gestão pública, baseada na gestão por resultados. A pesquisa revelou as potencialidades do ADI e chamou a atenção para algumas peculiaridades na adoção pelas organizações públicas pesquisadas, como necessidade e a simultânea dificuldade de alinhar o processo com os objetivos institucionais e com os objetivos maiores da reforma nessas organizações (analisadas sob o ponto de vista da natureza não unitária da administração pública); para obstáculos compreendidos à luz da resistência à mudança (desconfiança, medo de perda da estabilidade e de vantagens da função demonstradas pelo pessoal) e para a maior facilidade ou dificuldade do processo, em razão da natureza das atividades do órgão considerado, quanto à natureza da tarefa desempenhada e à facilidade de mensurar metas e objetivos.

Este estudo ilustra como a AD assume características específicas em diferentes contextos, podendo ensejar mudanças culturais. Cada organização precisa desenvolver sistemática adequada às suas características, necessidades e objetivos e estar aberta a promover análise crítica e melhorias no processo. Como lembram Hipólito e Reis (2002), "não existem soluções únicas nem respostas definitivas, quando o assunto é avaliação".

ANÁLISE DO CASO

Dilemas e Competências Gerenciais na Gestão do Desempenho

Por dilemas compreende-se uma situação em que não há saídas totalmente satisfatórias. Dilemas acompanham a história da humanidade; mas, como diz Bauman (2005, p. 25)

os problemas de hoje mudaram: são relacionados aos objetivos, e não limitados pelos meios. Agora não se trata mais de encontrar meios para atingir fins definidos de modo claro e então segurá-los com firmeza e usá-los com o máximo de habilidade para obter o maior efeito possível.

Referindo-se aos dilemas pessoais contemporâneos, Bauman (2007, p. 142) diz que "não se pode ficar com a torta e comê-la". Pensar os dilemas decorrentes da implementação do gerenciamento do desempenho na TI Governo é útil para praticar os diferentes papéis gerenciais que os alunos já exercem, ou irão exercer em diferentes empresas.

Algumas questões que podem suscitar dilemas e ser colocadas para discussão pelos alunos são: vale a pena implementar um sistema de gestão de desempenho, se ele não contar com a aceitação incondicional do grupo/cultura? Os gestores têm habilidades para coordenar uma avaliação de desempenho? Será que os gestores estão preparados para lidar com a série de emoções que o processo trará à tona? Esse novo sistema não irá colocar em questão o desempenho dos próprios gestores e afetar, de modo imprevisível, suas carreiras?

Já para pensar as competências requeridas aos gestores, parte-se da seguinte noção de competência gerencial, proposta por Ruas (2005, p. 49): "A noção de competência gerencial deve ser pensada como uma ação através da qual se mobilizam conhecimentos, habilidades e atitudes pessoais e profissionais, a fim de cumprir com certa tarefa ou responsabilidade, numa determinada situação". A partir dessa definição espera-se que os alunos reflitam sobre as competências que devem ser mobilizadas para dar conta da situação-problema.

Elementos Diagnósticos quanto ao Processo de Gestão do Desempenho

Pensar os elementos do caso implica trazer para o presente as adversidades da implantação de GD no passado, os motivos da inadequação do sistema anterior, e examinar os problemas de desempenho, a visão das áreas/gestores sobre o assunto, o ambiente atual, as necessidades e os objetivos organizacionais, para conceber alternativas adequadas. Para tanto, alguns elementos, entre outros, podem guiar essa reflexão, a saber: 1) Não havia feedback, o que sinaliza que a GD deve ser concebida como sistema com critérios claros e de retroalimentação. 2) Como as pessoas utilizavam os resultados da AD anterior para solicitar aumento de salários, provavelmente é preciso esclarecer a relação e os procedimentos ligados à GD e políticas de remuneração e carreira. 3) A falta de clareza nas metas da equipe, uso de critérios diferentes pelos gestores e características do instrumento de avaliação dificultavam o uso mais proveitoso da GD, sugerindo que estes devam ser aspectos contemplados em novo sistema. 4) As informações do caso indicam que é preciso atentar para a gestão do clima organizacional atual e considerar a cultura da organização no planejamento do processo de GD. 5) Os supervisores manifestam que não se sentem plenamente preparados para o processo, indicando necessidades de investir em desenvolvimento. 6) Como a empresa é pública, torna-se ainda mais necessário conceber um sistema de GD calcado em transparência.

Pressupostos na Escolha de um Método para Gestão do Desempenho

A literatura apresenta diferentes métodos de Avaliação e de Gestão de Desempenho, tais como o método de escolha forçada, amplitude graduada, escalas gráficas, avaliação por resultados, comparativo, gestão por competências e avaliação de 360 graus. A partir desses métodos, que serão exemplificados pelo professor, cabe ao aluno optar pelo melhor método e pensar nas consequências que a sua escolha pode trazer, tanto para o clima organizacional como para o relacionamento entre os colegas da TI Governo e objetivos organizacionais.

Para guiar essa escolha sugere-se que os alunos realizem a pesquisa de alguns autores que apresentam esses métodos, tais como: Marras (2005); Gil (2001) e Brandão et al. (2008).

Gestão do Desempenho no Contexto do Setor Público e do Setor Privado

Diferentes contextos colocam desafios específicos na introdução de um programa de GD. Como Pires e Macêdo (2006) dizem,

as organizações públicas mantêm as mesmas características básicas das demais organizações, acrescidas, entretanto, de algumas especificidades, como estas: apego às regras e rotinas, supervalorização da hierarquia, paternalismo nas relações, apego ao poder, entre outras. Tais diferenças são importantes na definição dos processos internos, na relação com inovações e mudança, na formação dos valores e crenças organizacionais e políticas de recursos humanos.

Por isso os alunos devem ser estimulados a pensar sobre diferenças entre contextos e suas implicações para a definição de um processo de GD, a partir de questões como as seguintes: quais são as principais diferenças entre um processo de GD em uma empresa pública e em uma empresa privada? Quais as possíveis limitações/restrições do processo, devido às características de uma organização pública?

Gestão do Desempenho e Outros Processos de Gestão de Pessoas

De acordo com Hipólito e Reis (2002), entre as tendências do processo de avaliação de pessoas está o uso de modelos que integram as diferentes funções de gestão de pessoas, ou seja, "a aplicação de sistemas que orientem tanto a gestão do desempenho empenho quanto as ações de seleção, desenvolvimento, carreiras, promoção etc.". Nesta categoria estão os modelos de gestão por competências (Brandão et al., 2008); mas qualquer que seja o modelo adotado, é preciso ter em mente que processos de RH são interligados, como se explicita a seguir.

Por meio da análise dos resultados globais do processo de GD, uma organização pode identificar discrepâncias entre as competências necessárias para concretizar a estratégia corporativa e as competências disponíveis internamente. Feito esse diagnóstico, podem-se planejar ações para captar pessoal no mercado (Recrutamento e Seleção); ou para desenvolver o grupo interno nas competências de que necessita (T&D) e dispor de informações para a negociação de oportunidades e escolha de profissionais (Gestão de Carreira). A comparação entre os resultados alcançados e os esperados retroalimenta o processo (Gestão de Desempenho) e embasa planos de trabalho em áreas que mostraram deficiências ou que ensejam reconhecimento (Remuneração e Reconhecimento). Vale lembrar a importância do uso efetivo dos resultados de uma sistemática de avaliação para subsidiar ações concretas e a transparência apresentada, a fim de dar significado ao processo Hipólito e Reis (2002).

Linhas de Ação para a Implementação de um Programa Gestão do Desempenho

Quais os próximos passos, se a TI Governo for implementar a GD? Um dos pontos principais a considerar na discussão deve ser o entendimento de que não existe um único plano de ação para a TI Governo ou uma única resposta correta. É importante dar margem à criatividade dos alunos, deixando que pensem em formas possíveis de solução para a situação-problema, com o que se estará buscando uma adequação das expectativas dos alunos à vida prática nas empresas. Os alunos devem ser estimulados a se colocar no lugar da área de RH e do gestor da empresa e, com base nos resultados do diagnóstico, analisar o processo, pois ainda que sejam muitas as alternativas de ação, estas precisam atender aos aspectos evidenciados, tais como os traços culturais de empresa pública, o despreparo das chefias, a falta de critério na gestão das carreiras. Outros aspectos merecem atenção, como em qualquer empresa: necessidade de clareza e legitimidade da sistemática; promover um clima receptivo ao projeto, preparação prévia dos envolvidos para assumirem suas responsabilidades no processo e estarem capacitados no uso da sistemática e instrumentos; integrar o processo ao conjunto das demais práticas de RH e acompanhar e medir resultados do programa.

LEITURA RECOMENDADA

ANEXO 1

  • Bauman, Z. (2005). Vidas desperdiçadas Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • Bauman, Z. (2007). Tempos líquidos Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • Brandão, H. P., & Guimarães, T. A. (2001). Gestão de competências e gestão de desempenho: tecnologias distintas ou instrumentos de um mesmo construto? Revista de Administração de Empresa, 41(1), 8-15.
  • Brandão, H. P., Zimmer, M. V., Pereira, C., Marques, F., Costa, H., Carbone, P. P., & Almada, V. (2008). Gestão de desempenho por competências: integrando a avaliação 360 graus, o balanced scorecard e a gestão por competências. Revista de Administração Pública, 42(5), 875-98.
  • Gil, A. C. (2001). Gestão de pessoas: enfoque nos papéis profissionais São Paulo: Atlas.
  • Hipólito, J. A. M., & Reis, G. G. (2002). A avaliação como instrumento de gestão. In A. C. Limongi-França & M. T. Fleury (Orgs.), As pessoas na organização (pp. 73-86). São Paulo: Gente.
  • Marras, J. P. (2005). Administração de recursos humanos: do operacional ao estratégico São Paulo: Futura.
  • Peci, A., Lemos, C. S., Meneses, C. M. R., Faria, D. M., & Véras, M. L. (2008, setembro). O processo de avaliação de desempenho individual no choque de gestão mineiro. Anais do Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 32.
  • Pires, J. C. S., & Macêdo, K. B. (2006). Cultura organizacional em organizações públicas no Brasil. Revista de Administração Pública, 40(1), 81-105.
  • Ruas, R. (2005). Gestão por competências: uma contribuição à estratégia das organizações. In R. Ruas, C. S. Antonello, & L. H. Boff (Orgs.), Aprendizagem organizacional e competências (pp. 34-54). Porto Alegre: Bookman.
  • Ulrich, D. (2003). Os campeões de recursos humanos São Paulo: Futura.
  • Carbone, P. P. (2000). Cultura organizacional no setor público brasileiro: desenvolvendo uma metodologia de gerenciamento da cultura. Revista de Administração Pública, 34(2), 133-144.

Anexo 1

  • *
    Endereço: Maria Amélia Fetzner Rua Fabrício Pilar, 346/701, Porto Alegre/RS, 90450-040. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010
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