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Acessibilidade e Tecnologia na Construção da Cidade Inteligente

Accessibility and Technology in Smart City Construction

Resumo

O crescimento populacional resultante do processo de urbanização sem o devido planejamento gerou uma série de problemas sociais nas cidades, tais como acesso à moradia, violência, desemprego e exclusão social. Neste contexto, questões ligadas à acessibilidade surgem de forma proeminente, principalmente considerando o aumento da conscientização das pessoas pela igualdade de direitos. Entretanto, o uso da tecnologia permite uma revisão deste problema ajudando não somente as questões relativas à acessibilidade, mas, sobretudo, no sentido de tornar as cidades mais humanas e inteligentes. A partir deste contexto, este trabalho objetivou a construção de um artefato tecnológico com vistas a mitigar o problema e propagar informações acerca da acessibilidade. Para isso, foram buscados fundamentos nos conceitos de crowdsensing e cidades inteligentes, utilizando a design research como método. As técnicas de coleta de dados abrangeram questionários fechados, entrevistas e dados iconográficos. O resultado final foi a apresentação de um aplicativo que pode ser acessado em um computador ou smartphone, de forma ativa ou passiva.

Palavras-chave:
acessibilidade; cidades inteligentes; crowdsensing; mobilidade; tecnologia

Abstract

Population growth resulting from the urbanization process without proper planning has generated a number of social problems in cities, such as acess to housing, violence, unemployment and social exclusion. In this context, accessibility issues emerge prominently, mainly considering the increase in the awareness of people for equal rights. The use of technology provides a revision of this problem, helping not only in issues such as accessibility, but above all in the sense of making cities more human and intelligent. From this context, this work aimed to construct a technological artifact to mitigate the problem and propagate information about accessibility. The fundamentals are based on crowdsensing concepts and smart cities, and use the design research method. Data collection techniques include closed questionnaires, interviews, and iconographic data. As result, we present an application that can be used from a computer or smartphone, either actively or passively.

Key words:
accessibility; smart cities; crowdsensing; mobility; technology

Qual a Relação entre Tecnologia e Acessibilidade na Cidade?

As discussões em torno da inclusão das pessoas com mobilidade reduzida no Brasil têm sido objeto de muitos estudos e polêmicas. O direito à acessibilidade em todas as suas instâncias vem sendo adquirido ao longo dos anos. A Constituição Brasileira de 1988 que já trata da inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho pode ser um exemplo disso. A Lei n° 13.146 (2015) conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência também busca garantir a inclusão das pessoas com mobilidade reduzida.

Entretanto, apesar da existência de tratados, convenções e leis que garantem o acesso aos espaços públicos e empresas, essa adequação se apresenta, na maioria das vezes, muito aquém do ideal. No setor público, por exemplo, embora ocorram ações pontuais em prédios públicos e calçadas, estes frequentemente se encontram fora do padrão estabelecido pela lei. Nos transportes também se encontram inúmeros problemas, uma vez que o acesso aos ônibus e táxis é inadequado, na maior parte dos casos. Nos táxis, por vezes, os bagageiros não comportam uma cadeira de rodas em virtude do espaço ocupado pelos tanques de GNV (gás natural veicular). Observam-se, igualmente, a morosidade e a desatenção do setor privado em prover o acesso por meio de rampas e elevadores, assim como banheiros adaptados com os necessários espaços de manobra e equipamentos de conforto, em conformidade com o orientado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), entre outros aspectos. Além disso, mesmo quando há adequação, é comum o uso dos espaços por pessoas que não possuem mobilidade reduzida, pressupondo um problema de educação, conscientização ou falta de empatia (Almeida, 2015Almeida, D. (2015, março 10). A falta de educação ao estacionar causa transtornos na PB. G1 Paraíba. Recuperado em 8 de novembro, 2016, de http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2015/03/falta-de-educacao-ao-estacionar-causa-transtornos-no-transito-da-pb.html
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), como atesta a própria Câmara dos Deputados (2015)Câmara dos Deputados. (2015, dezembro 9). Câmara aprova infração grave para motorista que estacionar em vaga para idosos. Brasília. Recuperado em 8 de novembro, 2016, de http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRANSP0RTE-E-TRANSIT0/501466-CAMARA-APROVA-INFRACAO-GRAVE-PARA-MOTORISTA-QUE-ESTACIONAR-EMVAGA-PARA-IDOSOS.html
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.

Além da inadequação da infraestrutura, o acesso à informação sobre acessibilidade nos espaços públicos e privados é também praticamente inexistente. Diante disso, uma pessoa com mobilidade reduzida frequentemente deixa de ir a lugares por falta de informação sobre a acessibilidade do local.

Acredita-se, todavia, que as novas tecnologias colaborativas possam auxiliar na redução de problemas sociais, tal como a exclusão de pessoas com mobilidade reduzida. As tecnologias colaborativas podem ser um recurso utilizado para fornecer informações pelos e para os próprios usuários por meio de um smartphone, objetivando uma meta específica (Ra, Liu, La Porta, & Govindan, 2012Ra, M. R., Liu, B., La Porta, T. F., & Govindan, R. (2012, June). Medusa: A programming framework for crowd-sensing applications. Proceedings of the International Conference on Mobile Systems, Applications, and Services, Lake District, UK, 10. Retrieved September 3, 2016, from http://dl.acm.org/citation.cfm?id=2307668
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). O aplicativo Waze é um exemplo bastante apropriado da utilização desta tecnologia. O aplicativo propõe aos motoristas a navegação e o conhecimento das condições do trânsito local e tem abrangência mundial. Os usuários deste aplicativo, quando em movimento e em efetiva utilização, contribuem com os outros motoristas que formam a comunidade, de forma passiva e individual. Ao fim, todos acabam por extrair de forma coletiva uma grande massa de informações que melhor definirá cada rota própria, considerando as condições globais do tráfego em tempo real. Existem muitos outros exemplos de aplicativos que utilizam esta concepção de comunidade e sensoriamento remoto, mas, no contexto da acessibilidade, torna-se importante fazer alusão ao Guide Dots - Audio Walking Guide. O aplicativo busca dar independência aos deficientes visuais por meio do áudio do smartphone. Utilizando dados já contidos nas redes sociais e nos mapas de localização on-line, a solução disponibiliza informações do local ao seu utilizador e informa a proximidade física de amigos virtuais. Já o aplicativo brasileiro Hand Talk - Tradutor para Libras, embora não utilize o conceito colaborativo de coleta de dados, realiza a tradução automática de texto e voz para viabilizar a comunicação com deficientes auditivos, facilitando igualmente a acessibilidade.

Observando-se o mosaico tecnológico disponível, característica e fruto da utilização proveniente do acesso às novas ferramentas de tecnologia, informação e comunicação (TIC), é difícil imaginar que a tecnologia não seja utilizada quando o objetivo é melhorar a vida da sociedade.

Tendo em vista a contextualização e a problematização apresentadas, pretende-se, utilizando a tecnologia baseada no conceito de coparticipação, projetar uma solução tecnológica que permita o fornecimento de informações à comunidade sobre as condições de acessibilidade de locais determinados da cidade de Florianópolis. O território foi escolhido para a delimitação da pesquisa pois, por um lado, é considerada a capital nacional do turismo e, por outro, possui estrutura física e legal criada na forma de incentivos aos empreendimentos ligados às indústrias de base tecnológica, citada por alguns como o Vale do Silício brasileiro ou ainda a capital nacional da tecnologia. Nesse sentido, os negócios do setor de tecnologia de informação já ultrapassaram, em faturamento, o setor turístico (Cruz, 2012Cruz, R. (2012, setembro 23). Tecnologia de Florianópolis chega ao primeiro bilhão. O Estado de S. Paulo. Recuperado em 1° de outubro, 2016, de http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,tecnologia-de-florianopolis-chega-ao-primeiro-bilhao-imp-,934575
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). Assim, o movimento transitório de pessoas incrementado pelo turismo também exige informações sobre acessibilidade para dar suporte às atividades e deslocamentos diários. Por seu turno, a característica tecnológica atribuída à cidade (Cruz, 2012Cruz, R. (2012, setembro 23). Tecnologia de Florianópolis chega ao primeiro bilhão. O Estado de S. Paulo. Recuperado em 1° de outubro, 2016, de http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,tecnologia-de-florianopolis-chega-ao-primeiro-bilhao-imp-,934575
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; King, 2009King, T. (2009, October 2). Brazil’s bid for tech-powered economy. BBC Click. Retrieved from http://news.bbc.co.uk/2/hi/programmes/click_online/8284704.stm16
http://news.bbc.co.uk/2/hi/programmes/cl...
) a credencia não somente para o uso efetivo da tecnologia, mas, também, pela natural assimilação e incentivo, tanto social quanto político, que o seu status quo requisita.

Além disso, Florianópolis foi escolhida como uma das 5 cidades brasileiras pelo Programa Cidades Emergentes e Sustentáveis (CES), desenvolvido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com o objetivo de ajudar governos locais de cidades médias com crescimento populacional e econômico acelerado a garantirem o seu desenvolvimento de forma sustentável, o que inclui mobilidade e igualdade social.

Como a Tecnologia Pode Contribuir para a Inovação Social?

Seja pela retração ou pela inação do estado, a incapacidade dos governos em aplicar as políticas urbanas necessárias provoca um aumento da desigualdade, gerando a insustentabilidade social e ambiental das cidades, promovendo, por consequência, a criação de guetos econômicos e culturais (Acselrad, 1999Acselrad, H. (1999). Discursos da sustentabilidade urbana. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 1(1), 79-90. http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.1999n1p79
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) que já foram assinalados por Bauman (2001)Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida (P. Dentzien, Trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Obra original publicada em 2000) em sua obra. A inovação social surge, assim, em espaços cujos sistemas não estão funcionando.

A inovação social se funda em uma base imaterial que não está assegurada simplesmente pelo uso de um artefato técnico, mas, sim, pela instituição das novas práticas sociais advindas de uma mais apurada percepção e da desejável mudança de atitude e comportamento. “Portanto, o que sustenta o caminho da inovação social não é um problema social a ser resolvido, mas a mudança social que ele traz” (Cajaiba-Santana, 2014Cajaiba-Santana, G. (2014). Social innovation: Moving the field forward. A conceptual framework. Technological Forecasting and Social Change, 82, 42-51. Retrieved from http://www.prpg.ufla.br/admpublica/wp-content/uploads/2014/02/artigo_6.pdf. http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2013.05.008
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, p. 44) e que toma forma quando as novas ideias proporcionam um jeito de pensar diferente, contribuindo para a mudança de paradigma (Cajaiba-Santana, 2014Cajaiba-Santana, G. (2014). Social innovation: Moving the field forward. A conceptual framework. Technological Forecasting and Social Change, 82, 42-51. Retrieved from http://www.prpg.ufla.br/admpublica/wp-content/uploads/2014/02/artigo_6.pdf. http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2013.05.008
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).

Assim, admite-se que a adaptação das novas tecnologias torna possível satisfazer, de uma melhor forma, as necessidades sociais (Murray, Caulier-Grice, & Mulgan, 2010Murray, R., Caulier-Grice, J., & Mulgan, G. (2010). The open book of social innovation. London: National endowment for science, technology and the art.). Mas é através da experiência pelo uso da tecnologia que os serviços se tornam melhores, pois a aplicação sistemática de uma experiência complexa permite descortinar os resultados e o processo de uma maneira evolutiva. “Qualquer nova tecnologia se torna um alerta” (Murray et al., 2010Murray, R., Caulier-Grice, J., & Mulgan, G. (2010). The open book of social innovation. London: National endowment for science, technology and the art., p. 15), pois “novas evidências trazem à luz novas necessidades e novas soluções para lidar com essas necessidades” (Murray et al., 2010Murray, R., Caulier-Grice, J., & Mulgan, G. (2010). The open book of social innovation. London: National endowment for science, technology and the art., p. 16). Daí a “importância da cooperação e do engajamento de diferentes grupos sociais com o objetivo de definir claramente o que é socialmente desejável” (Mcloughlin & Preece, 2010McLoughlin, I., & Preece, D. (2010). ‘Last orders’1 at the rural ‘cyber pub’: A failure of ‘social learning’?. International Journal of Technology Management, 51(1), 75-91. Retrieved March 31, 2017, from http://www.inderscienceonline.com/doi/abs/10.1504/IJTM.2010.033129?journalCode=ijtm. doi: 10.1504/IJTM.2010.033129
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).

Por último, a inovação social que promove uma alteração sistêmica é geralmente “o resultado de processos lentos, mas cumulativos e que implicam mudanças de infraestruturas, comportamentos e culturas” (Murray et al., 2010Murray, R., Caulier-Grice, J., & Mulgan, G. (2010). The open book of social innovation. London: National endowment for science, technology and the art., p. 108).

Nesta vertente, torna-se clara a possibilidade de adoção da TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação) como ferramenta apta para auxiliar na promoção das mudanças, não somente nos resultados e processos, mas, também, no sentido cumulativo, conforme salienta Murray, Caulier-Grice e Mulgan (2010)Murray, R., Caulier-Grice, J., & Mulgan, G. (2010). The open book of social innovation. London: National endowment for science, technology and the art.. Desta forma, podem suscitar alterações no framework social ao qual a proposta está vinculada.

Assim, pode-se creditar a disposição e o uso dos conceitos científicos de uma cidade inteligente e de técnicas de crowdsensing e crowdsoursing, aliando a utilização das tecnologias móveis também para promover a mobilização e o empoderamento dos atores em conformidade com as atuais “vertentes teóricas dominantes no campo da inovação social” (Andion, Ronconi, Moraes, Gonsalves, & Serafim 2017Andion, C., Ronconi, L., Moraes, R. L., Gonsalves, A. K. R., & Serafim, L. B. D. (2017). Sociedade civil e inovação social na esfera pública: Uma perspectiva pragmatista. Revista de Administração Pública, 51(3), 369-387. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/rap/v51n3/1982-3134-rap-51-03-00369.pdf. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7612143195
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, p. 13), e consubstanciar o desejo da sociedade, conforme explicaram McLoughlin e Preece (2010)McLoughlin, I., & Preece, D. (2010). ‘Last orders’1 at the rural ‘cyber pub’: A failure of ‘social learning’?. International Journal of Technology Management, 51(1), 75-91. Retrieved March 31, 2017, from http://www.inderscienceonline.com/doi/abs/10.1504/IJTM.2010.033129?journalCode=ijtm. doi: 10.1504/IJTM.2010.033129
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Diante da complexidade das sociedades modernas, é difícil encontrar algum país que não tenha refletido uma ação ou mesmo uma iniciativa dentro do conceito de cidade inteligente: problemas públicos alinhados à mobilidade, energia, poluição, controle e manutenção de dados abertos, novos modelos de governança, entre outros, podem ser destacados.

Não se pode deixar de observar o cenário que vem sendo desenhado desde o início da década de 90. A transição urbana passa a se intensificar e a ser praticada por pessoas que buscam principalmente trabalho e educação. Em decorrência disto, o consequente aumento da deterioração na qualidade de vida e a sustentabilidade nas cidades passam a ser motivo de apreensão e de planejamento para muitos países e comunidades que buscavam, e ainda buscam, uma solução. O Protocolo de Quioto é um exemplo claro desta preocupação. Assinado nos fins do ano de 1997, busca diminuir a emissão de gases na atmosfera e, com isso, controlar o efeito estufa (Ministério do Meio Ambiente [MMA], n.d.).

O Protocolo de Quioto não significou apenas um marco ecológico. Do documento emergiu também o conceito de smart city (cidades inteligentes) que, na época, foi adotado por instituições americanas, europeias e pelos países integrantes da Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), como forma de categorizar smart iniciativas e projetos para a sustentabilidade das cidades (Cocchia, 2014Cocchia, A. (2014). Smart and digital city: A systematic literature review. In R. P. Damari & C. Rosenthal-Sabroux (Eds.), Smart city: How to create public and economic value with high technology in urban space (pp. 13-43). Switzerland: Springer International Publishing. Retrieved March 3, 2016, from https://link.springer.com/chapter/10.1007%2F978-3-319-06160-3_2
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). A sequência e a variedade destas iniciativas amparadas pelo uso da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) acabaram por materializar todo o preceito da Declaração do Milênio e por embasar a estratégia Europa 2020. Tanto o foi que, em 2010, amparado pela proposta Europa 2020, o conceito smart city obteve um crescimento exponencial nas produções acadêmicas mundiais (Cocchia, 2014Cocchia, A. (2014). Smart and digital city: A systematic literature review. In R. P. Damari & C. Rosenthal-Sabroux (Eds.), Smart city: How to create public and economic value with high technology in urban space (pp. 13-43). Switzerland: Springer International Publishing. Retrieved March 3, 2016, from https://link.springer.com/chapter/10.1007%2F978-3-319-06160-3_2
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).

De fato, uma smart city deixou de ser apenas um conceito e passou a ser realidade em muitas cidades. O termo embrionário, na sua origem, era Smart Community, e foi utilizado no Vale do Silício, California, pela primeira vez durante a recessão de 1993. Genérica, a terminologia remetia a uma “associação direta com a otimização, desenvolvimento sustentável e positivo de uma cidade ou região” (Lindskog, 2004Lindskog, H. (2004, April). Smart communities initiatives. Proceedings of the ISOneWorld Conference, 3. Retrieved November 21, 2016, from https://www.researchgate.net/profile/Helena_Lindskog/publication/228371789_Smart_communities_initiatives/links/549812230cf2519f5a1db56d.pdf
https://www.researchgate.net/profile/Hel...
, p. 2). Posteriormente, segundo a World Foundation for Smart Communities, foi adotado o conceito de cidade inteligente para aquelas cidades com crescimento inteligente e uso das tecnologias de informação e comunicação: “uma comunidade que fez um esforço consciente para usar a tecnologia da informação para transformar a vida e o trabalho dentro de seu território de forma significativa e fundamental, em vez de seguir uma forma incremental” (Komninos, 2006Komninos, N. (2006). The architecture of intelligent cities. Retrieved from http://www.urenio.org/wp-content/uploads/2008/11/2006-The-Architecture-of-Intel-Cities-IE06.pdf
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p. 13). Recentemente, o conceito de smart city convergiu para uma suposta conectividade entre diferentes domínios de ação, tais como mobilidade, energia, edifícios, governança, processos de participação e planejamento urbano. “A TIC é vista como uma chave para estas interconexões. O objetivo de uma cidade inteligente é reduzir a energia, o consumo e, ao mesmo tempo manter, ou até mesmo melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes” (Moser, Wendel, & Carabias-Hütter, 2014Moser, C., Wendel, T., & Carabias-Hütter, V. (2014). Scientific and practical understandings of smart cities. Proceedings of the International Conference on Urban Planning, Regional Development and Information Society, Vienna, Austria, 19. Retrieved from http://corp.at/archive/CORP2014_167.pdf
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, p. 508).

A arquitetura de TIC de uma smart city deve compor a integração de rede, sensores, dispositivos móveis, câmeras, redes sociais, hardwares, softwares e banco de dados passíveis de análises sistemáticas em tempo real. Além disso, uma boa estrutura de TIC deve ter a capacidade de transformar os dados recebidos em tempo real e transformá-los em informação importante e usável, e, ainda, permitir que os habitantes possam predefinir ações em resposta aos eventos, o que irá consolidar uma personalidade smart àquela cidade.

Hoje em dia, os smartphones podem ser programados para detectar ações em redes sociais e os movimentos do seu usuário em deslocamentos diários dentro de um raio específico. Através dos aplicativos oferecidos nas lojas virtuais, a coleta de dados se tornou uma atividade comum e o advento da computação em nuvem facilitou a guarda e o uso de recursos adicionais na coleta de dados pervasiva dos usuários (Lane et al., 2010Lane, N. D., Miluzzo, E., Lu, H., Peebles, D., Choudhury, T., & Campbell, A. T. (2010). A survey of mobile phone sensing. IEEE Communications Magazine, 48(9), 140-150. Retrieved from http://ieeexplore.ieee.org.sci-hub.bz/document/5560598
http://ieeexplore.ieee.org.sci-hub.bz/do...
).

Estes importantes avanços tecnológicos e a subsequente formação de um ambiente facilitador do sensoriamento de uma smart city são úteis para alimentar bancos de dados e disponibilizar informações sobre a coleta de variáveis destes sensores em áreas predeterminadas e com finalidade específica. Logicamente, as áreas urbanas são passíveis e também o principal motivo deste monitoramento, pois podem oferecer uma grande massa de dados tanto sociais quanto técnicos, revertendo em uma valiosa ferramenta para todas as pessoas participantes de uma smart city.

Este sensoriamento pode ser realizado de duas formas. A primeira, de forma passiva, na qual o usuário sequer tem conhecimento e não toma qualquer decisão relativa à tarefa. Trata-se do crowdsourcing, que confia à inteligência coletiva a missão de “resolver os problemas complexos, dividindo-os em pequenas tarefas executadas pela multidão” (Bellavista, Cardone, Corradi, Foschini, & Ianniello, 2015Bellavista, P., Cardone, G., Corradi, A., Foschini, L., & Ianniello, R. (2015). Crowdsensing in smart cities: Technical challenges, open issues, and emerging solution guidelines. Retrieved from http://www.igi-global.com/chapter/crowdsensing-in-smart-cities/130973. http://dx.doi.org/10.4018/978-1-4666-8282-5.ch015
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, p. 4). Já a segunda forma, o crowdsensing, é realizada de forma ativa, é de cunho participativo e “divide a responsabilidade da informação com a multidão, a fim de permitir a correção ou gestão dos dados coletados” (Bellavista et al., p. 4).

Observa-se, desse modo, que a tecnologia de crowdsensing é um recurso que pode ser utilizado para se conseguir que usuários de smartphones forneçam dados para serem usados para uma meta específica, como parte de um experimento social ou técnico e de forma colaborativa (Ra et al., 2012Ra, M. R., Liu, B., La Porta, T. F., & Govindan, R. (2012, June). Medusa: A programming framework for crowd-sensing applications. Proceedings of the International Conference on Mobile Systems, Applications, and Services, Lake District, UK, 10. Retrieved September 3, 2016, from http://dl.acm.org/citation.cfm?id=2307668
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), no intuito, por exemplo, de gerar informações sobre acessibilidade.

O Processo da Design Research na Construção do Artefato

Este trabalho descreve a criação de uma solução tecnológica para pessoas com mobilidade reduzida por meio das diretrizes da Design Research, cujas etapas objetivam a criação de um artefato. Essa é a principal distinção desse tipo de pesquisa, já que utiliza as mesmas técnicas de coleta e análise dos dados de qualquer pesquisa científica.

As etapas da pesquisa que fundamentam a criação do artefato aqui proposto encontram fundamento em Aken e Romme (2009)Aken, J. E. van, & Romme, G. (2009). Reinventing the future: Adding design science to the repertoire of organization and management studies. Organization Management Journal, 6(1), 5-12. Retrieved June 17, 2016, from http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1057/omj.2009.1. http://dx.doi.org/10.1057/omj.2009.1
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e são descritas a partir do ciclo descrito na Figura 1.

Figura 1
Ciclo da Design Science Research

O processo de pesquisa ocorreu durante os anos de 2016 e 2017, desencadeado por ações específicas e concatenadas para perceber, entender e vislumbrar todo o contexto inerente à acessibilidade e à falta de informações sobre a acessibilidade na cidade de Florianópolis. Neste sentido, foram desenvolvidas as seguintes fases: (a) entendimento do problema: entrevistas pessoais e revisão sistemática de literatura (RSL); (b) levantamento de dados iconográficos; (c) questionários fechados; (d) análise dos dados; (e) construção do artefato; (f) teste do artefato.

O processo de pesquisa se iniciou com o entendimento sobre o problema. Para isto, entrevistas foram realizadas no ano de 2016 com 10 (dez) pessoas, sendo 8 (oito) homens e 2 (duas) mulheres, com idades (entre 19 e 85 anos) e situação econômica diversas. Oito dessas pessoas eram deficientes físicas. Uma das mulheres é deficiente física, com situação econômica favorável, e a outra, uma idosa de 85 anos de idade com mobilidade reduzida.

As entrevistas ocorreram pessoalmente. O tempo médio de interação foi de 30 minutos e todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido sobre a finalidade do projeto. A entrevista foi conduzida por meio de um roteiro predefinido para, ao mesmo tempo, buscar extrair informações a partir de uma linha de raciocínio e evitar que o entrevistado se dispersasse em outras questões. A entrevista teve por objetivo entender os problemas do dia a dia de uma pessoa como mobilidade reduzida. Além disso, buscou-se desenvolver empatia e conhecer as rotinas e as necessidades de um cidadão através dos seus próprios sentidos. Com isso, foi possível entrar em contato também questões que por vezes passam despercebidas ao olhar comum, com o intuito de consubstanciar e complementar a proposta e o escopo do trabalho. O número de dez entrevistas seguiu a lógica da saturação dos dados.

A revisão sistemática de literatura foi utilizada na condução da pesquisa pela especial vinculação científica com a metodologia sob a perspectiva da design science. Não obstante, oferece uma visão ampla e fundamentada que permite aos pesquisadores estarem em contato com o que tem sido desenvolvido sobre a temática em estudo (Dresch, Lacerda, & Antunes, 2015Dresch, A., Lacerda, D. P., & Antunes, J. A. V., Jr. (2015). Design science research: Método de pesquisa para avanço da ciência e tecnologia. Porto Alegre: Bookman Editora.). Assim, a revisão sistemática da literatura tem por finalidade. Assim, a revisão sistemática da literatura tem por finalidade “mapear, encontrar, avaliar criticamente, consolidar e agregar os resultados de estudos primários relevantes acerca de uma questão ou tópico de pesquisa específico”. (Dresch et al., 2015Dresch, A., Lacerda, D. P., & Antunes, J. A. V., Jr. (2015). Design science research: Método de pesquisa para avanço da ciência e tecnologia. Porto Alegre: Bookman Editora., p. 142) e, por conseguinte, a partir do levantamento do estado da arte, possibilitar o conhecimento sobre o que já foi estudado sobre o tema em evidência, destacando as lacunas e as possibilidades para, então, subsidiar o problema a ser investigado ou as questões norteadoras do estudo (Amboni, 2015Amboni, N. (2015). Revisão sistemática [Notas de aula]. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC.).

Somando-se às outras fontes de dados, foram realizadas análises in loco, por meio de fotografias visando demonstrar que a dificuldade de acessibilidade em uma cidade como Florianópolis é algo corriqueiro e facilmente identificável. O roteiro foi idealizado aleatoriamente e seu objetivo principal foi documentar de forma generalista e panorâmica os principais tipos de obstáculos ou barreiras pertinentes à falta de acessibilidade na região escolhida para uma melhor compreensão do problema. Destaca-se que, nessa fase da coleta de dados, o intuito não era o de incluir todos os problemas que existem dentro do quadrilátero analisado, mas documentar os mais proeminentes e corriqueiros no percurso percorrido.

Além dos demais dados coletados por outras fontes, foi elaborado um questionário com 14 perguntas sobre a necessidade, o uso e a importância da solução a ser proposta. O questionário objetivou a coleta de informações que possibilitassem compreender como as pessoas lidam com questões relacionadas às informações sobre acessibilidade: (a) entender se e como buscam estas informações atualmente, (b) quais informações sobre determinado local seriam as mais importantes de serem conhecidas, (c) qual seria a melhor forma de consulta considerando algumas ideias apresentadas, (d) a efetiva utilização caso houvesse um meio apropriado e, finalmente, (e) a intenção de compartilhar em rede estas informações.

O questionário, portanto, destinou-se à validação da ideia e do respaldo da construção de um artefato que atendesse, da forma mais adequada, o público almejado. No cabeçalho do questionário apresentavam-se os objetivos da pesquisa e o caráter confidencial dos dados. O instrumento foi submetido via internet a um grupo de pessoas com e sem mobilidade reduzida durante o mês de julho de 2016. As perguntas foram respondidas de forma espontânea por 174 pessoas. Para aplicação do questionário foi utilizada a ferramenta Google Forms.

As entrevistas e os dados iconográficos foram analisados a partir da análise interpretativa, e as categorias identificadas foram utilizadas para a construção do artefato. Já os questionários foram tratados por meio da estatística descritiva (Tezza, 2015Tezza, R. (2015). Estatística – tópicos introdutórios [Apostila da disciplina de estatística]. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC.), com a utilização de frequências absoluta e relativa. A análise dos dados permitiu o entendimento mais aprofundado do problema da acessibilidade, conforme pode ser observado no próximo item.

Como a Acessibilidade é Revelada nos Dados Após Sua Análise?

Dados das entrevistas

A partir das entrevistas foi possível constatar que entre os maiores problemas da cidade estão a irregularidade das calçadas e a falta de rampas de acesso. Durante as falas dos entrevistados, foi constante a referência às irregularidades, aos buracos, aos obstáculos, aos rebaixamentos de meiofio e à largura das calçadas. Outro aspecto bastante citado é relativo aos ônibus disponíveis em termos de quantidade, horários e seus respectivos acessos para embarque e desembarque.

A questão principal que ecoa em todos os depoimentos diz respeito à mobilidade. Seja nas calçadas, nas vagas de estacionamento limitadas ou ocupadas e também no transporte público: “Muito dificultoso. Quero ir a qualquer lugar fácil de estacionar e que seja fácil de chegar aonde eu quero. Quero estacionar o meu carro e pegar fila sem ter que explicar ou alguém ficar olhando se eu sou deficiente ou não” (E2); “Não quero ficar trancada em casa” (E10); “Quero ser independente. Isso hoje eu não quero de jeito nenhum” [que esta situação continue assim]. (E8); “No ônibus o motorista não tem paciência” (E2).

Em relação ao acesso e à permanência em diversos locais, notadamente bares, restaurantes, casas de shows, órgãos públicos, prédios, teatros, entre outros, os entrevistados manifestaram preocupação com acesso, banheiros adaptados, estacionamento próprio para deficientes e falta de informação: “nenhuma estrutura adaptada para deficiente. Nem entrada facilitada” (E1).

Em relação às casas de espetáculos, bares e restaurantes, salienta-se as deficiências na arquitetura interior dos empreendimentos, relatando-se ainda as condições exteriores, principalmente no tocante ao uso das vagas exclusivas e na divulgação das informações.

Indagados sobre onde estão disponíveis as informações direcionadas para as pessoas com mobilidade reduzida, os entrevistados relatam: “A informação não está em nenhum lugar” (E4); “Peço para um policial (E2)”; “Pior mesmo é quando é meio adaptado, tu vais e tens que voltar” (E3).

Quando questionados sobre o que um projeto que melhorasse a mobilidade e a acessibilidade deveria conter, listaram a importância de ouvir os deficientes e da possibilidade de um aplicativo que pudesse ser alimentado pelo usuário e mostrasse rotas de cadeirantes na cidade e disponibilidade de ônibus. “Segmentar a cidade e criar rotas para cadeira de rodas, a exemplo de Curitiba”; “Colocar cones nas vagas dos deficientes para constranger” (E1).

Dados dos questionários

A proposta aqui apresentada foi construída também a partir dos dados primários oriundos dos questionários aplicados. Em função do limitado espaço, optou-se por apresentar os principais resultados, além dos já coletados por meio de entrevistas.

Tabela 1
Frequência na Consulta das Informações sobre Acessibilidade Local em uma ou Mais Fontes de Pesquisa

Das pessoas pesquisadas, 51% já buscam a internet como forma de obter informações detalhadas sobre a adaptabilidade de algum local ou evento. Um número expressivo de pessoas também consulta amigos sobre as condições apresentadas.

Tabela 2
Frequência sobre as Informações Necessárias sobre a Acessibilidade em Determinado Local

Quando questionados sobre quais seriam as informações necessárias sobre acessibilidade em um determinado local, as opções rampa de acesso e banheiro adaptado assumiram importância quantitativa com 78% do total das repostas, corroborando os dados das entrevistas e contribuindo para a construção dos requisitos da solução proposta.

Tabela 3
Frequência sobre a Melhor Forma de Acessar Informações sobre Acessibilidade

Dos respondentes, 55% consideram que um aplicativo de celular seria a melhor opção de consulta. Outros 20% fazem referência às redes sociais. Resumidamente, 91% consideram que o meio eletrônico é a melhor forma de acessar informações sobre as condições de acessibilidade. Esses dados foram determinantes para a escolha da solução a partir de um aplicativo de celular. Tal decisão foi sustentada pela possibilidade de se acessar informações in loco, quando se utiliza um mobile.

Embora o forte peso recaia sobre as tecnologias móveis, confirmando o exposto na Tabela 12, consultas via site também podem ser consideradas.

Tabela 4
Frequência sobre o Tipo de Equipamento Utilizado para Obter Informações Sobre a Acessibilidade (Escolha Múltipla)

Dados iconográficos

Conforme já exposto no item 3, o presente levantamento foi realizado aleatoriamente em uma determinada área central, geralmente referenciada como área nobre da cidade de Florianópolis. A área em questão possui aproximadamente 18 km2 e compreende como referenciais geográficos limítrofes ao Norte, a Avenida Beiramar Norte – Baía Norte; ao sul, a Praça Getúlio Vargas – Praça dos Bombeiros; a leste, o Shopping Beiramar; e, a oeste, a Rua Desembargador Arno Hoeschl.

Em função do espaço limitado, optou-se por apresentar apenas algumas das fotos capturadas durante a coleta de dados sobre o problema da acessibilidade.

Neste caso, a Figura 2 revela a altura resultante da má construção que resulta em obstáculo até para quem não possui mobilidade reduzida.

Figura 2
Rua Pref. Cel. Antenor Mesquita esquina com a Rua Professor Luiz Sanches Bezerra da Trindade: Sem Rampa de Acesso e Altura Exacerbada entre a Calçada e o Calçamento

Na Figura 3, observa-se a passagem totalmente obstruída, a ausência de rampa de acesso, além da placa de sinalização inserida no meio do piso tátil, obstruindo a passagem para cadeira de rodas.

Figura 3
Rua Professor Luiz Sanches Bezerra da Trindade

Na elaboração e colocação dos planos de sinalização de ruas e avenidas, não são observados os espaços restantes aos pedestres e às pessoas com dificuldade de movimentação.

Figura 4
Avenida Rio Branco: Estabelecimentos Comerciais Sem Acessibilidade

A falta de acessibilidade em prédios comerciais é facilmente observável. Por outro lado, vários prédios residenciais já apresentam alternativas e soluções para facilitar a acessibilidade.

Como se pode observar, os problemas apresentados são corriqueiros e ocorrem em número considerável em um pequeno espaço da cidade pertencente a um bairro tido como o mais populoso (Prefeitura Municipal de Florianópolis [PMF], 2015) e também como o segundo metro quadrado mais caro de Florianópolis (Rede IMMO Imobiliária, 2017Rede IMMO Imobiliária. (2017). Confira o valor do m2 para imóveis em Florianópolis em cada bairro. Recuperado em 10 de abril, 2017, de http://www.immo.com.br/imoveis/venda/sc/florianopolis
http://www.immo.com.br/imoveis/venda/sc/...
).

Tendo em vista os dados levantados, inicia-se, então, a apresentação da construção do artefato projetado.

O Artefato

A análise dos questionários aplicados levou às conclusões que justificaram a construção de um artefato tecnológico que facilitasse a troca de informações ou consultas a respeito das condições de acessibilidade de um determinado local, além da possibilidade de formar um banco de dados para acompanhar a evolução desta acessibilidade no tempo. Como primeiro resultado da análise, obteve-se a confirmação do interesse por parte das pessoas pesquisadas na utilização do artefato. Em seguida, identificou-se que um smartphone seria o meio mais adequado para consulta das condições de acessibilidade de um local, seguido do tablet e do computador. Por último, constatou-se que um aplicativo para celular seria a forma mais aceita para ser fazer consulta sobre determinado lugar.

A partir da diluição destas incertezas, deu-se início a uma proposta de aplicativo que buscasse atender às principais demandas e manifestações dos potenciais usuários.

A construção do artefato

O desenvolvimento aconteceu em parceria entre a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e a Universidade de Bolonha (UNIBO). O processo da estruturação foi desenhado dentro do LabGES (UDESC) e a programação ficou a cargo da UNIBO. Com o intuito de atender à solicitação, foi projetado um servidor para que, por seu intermédio, fosse possível propagar as informações também em um portal eletrônico. Dentro deste objetivo, o servidor foi estruturado, considerando-se: (a) os níveis de acesso e prerrogativas do administrador, pesquisador e participante; (b) a criação da conta de usuário com as informações solicitadas e registros; e (c) os filtros e relatórios a serem disponibilizados.

Neste sentido, o fluxo das informações se inicia pela inserção dos dados por um cidadão. Por exemplo, determinada pessoa avalia um restaurante e, dentro da sua perspectiva pessoal, atribui uma avaliação relativa a cada item solicitado. Esta avaliação é salva em um banco de dados (BD) e assume um caráter cumulativo, isto é, caso outra pessoa realize sua avaliação pessoal, esta se soma à anterior e uma média das avaliações se torna disponibilizada e caracterizada no aplicativo. Desta forma, torna-se pública a informação sobre a acessibilidade daquele estabelecimento em questão, possibilitando às pessoas conhecerem e compartilharem as informações, sem que precisem estar presentes.

A massa de dados mantida no servidor central ao longo do tempo também estará disponível para pesquisadores e gestores das cidades. A acumulação das informações em quantidade e variedade visa contribuir para avaliar e verificar o ordenamento das leis e o comportamento da sociedade no tocante à acessibilidade. Por exemplo, é possível consultar relatórios específicos e comparativos entre bairros, cidades, regiões, tipos de estabelecimentos e outras relações eventuais de interesse científico, administrativos e até mesmo legais. A evolução dessas condições pode elucidar formas e arranjos que deram resultado, inclusive sobre a análise da vertente dos aspectos sociais.

A formulação da estrutura do servidor central buscou não somente a funcionalidade, mas, também e principalmente, uma coleta rica de dados. Ao longo do tempo pode ser possível aos pesquisadores e ao próprio poder público a aplicação, a correlação de status e o entendimento das políticas adotadas que influíram, em uma maior ou menor adequação, na acessibilidade de um determinado local. A Figura 5 realça essa relação.

Figura 5
Ciclo de Informações Proposta

O passo seguinte foi a proposta da estrutura básica do aplicativo que busca a sintonia entre a formulação de uma cidade inteligente aliada às técnicas proporcionadas pelas ferramentas de TIC e o uso do smartphone.

Primeiramente, contemplou-se a segmentação em grupos específicos de prédios e espaços públicos que possibilitassem uma consulta direcionada em função da necessidade de um usuário do aplicativo. Num segundo momento, partiu-se para a parametrização das opções de avaliação e itens relativos à acessibilidade que iriam compor a nota final daquele espaço. Em terceiro lugar, definiu-se a classificação como resultante da acumulação destas avaliações, seguido da possibilidade e, em alguns casos, da obrigatoriedade de registro de usuário no sentido de reconhecer a participação e também evitar eventuais casos de vandalismo ou indicação indevida por qualquer razão alheia aos objetivos da sua real finalidade. Por último, foi realizada a construção de um algoritmo individual que permita conhecer a confiabilidade do participante ou até mesmo ser utilizado para fins de jogo ou competição participativa (gamificação) hierárquica ou execução de tarefas específicas.

A segmentação dos locais/prédios por classes ou tipos de comércio se dá pela necessidade de oferecer ao usuário uma opção rápida e eficiente na busca por um determinado tipo de comércio, serviço ou ponto de interesse (POI). A separação ocorreu conforme a proposta na Figura 6.

Figura 6
Segmentação dos Locais/Prédios por Classes ou Tipos de Comércio

Os parâmetros de avaliação cumulativa do ponto de interesse (POI) com média linear sobre as opções de avaliação observadas oferecem os preceitos básicos de avaliação das condições de acessibilidade daquele ponto geográfico. Basicamente, para uma avaliação local ou posterior, via aplicativo ou mesmo no site, a ser disponibilizada, observa-se quatro tipos de variáveis: (a) condições e facilidades de acesso: disponibilidade de rampas e elevadores quando for o caso; (b) o espaço interno adequado à circulação e permanência de uma cadeira de rodas, podendo, eventualmente, o avaliador considerar os desníveis existentes na arquitetura interna do imóvel; (c) a existência de banheiros adaptados em conformidade com os espaços necessários à circulação, manobra e apoio de pessoas com mobilidade reduzida; (d) a disponibilidade de estacionamento preferencial, quando for o caso, considerando as condições de espaço e distância oferecidos.

Além dessas variáveis, o aplicativo oferece a liberdade de se utilizar duas ferramentas de apoio que podem ser comandadas pelo usuário e realizadas através dos sensores ou facilidades disponíveis em qualquer smartphone. Os parâmetros de avaliação sugeridos estão presentes na Figura 7.

Figura 7
Parâmetros de Avaliação

A classificação resultante destas análises em resultados e marcadores (flags) possibilita ao usuário do aplicativo conhecer em que condições aquele estabelecimento ou ponto de interesse (POI) se encontra. A evidência acontece pela ótica dos outros usuários que por ventura já tenham estado lá e tenham constatado e informado no aplicativo a acessibilidade do local. Desta forma, a participação confere a efetivação do conceito de crowdsensing no compartilhamento das informações. Na Figura 8, observa-se uma simplificação visual dos resultados auferidos pela média das avaliações e as simbologias correspondentes.

Figura 8
Visualização Simplificada e Simbologia Correspondente

A combinação destes três itens acaba por fornecer uma identificação fácil dos locais em um espaço geográfico determinado, sendo ele visível através de um mapa no próprio dispositivo do usuário. Além da localização do ponto de interesse, o dispositivo permite que o usuário passe a conhecer sua atividade e as suas condições de acessibilidade.

A simples abertura do aplicativo, após as informações iniciais, já oferece a visão dos locais, dos tipos de negócio desses locais e das suas respectivas condições de acessibilidade, conforme apresentado na Figura 9.

Figura 9
Visão de Abertura do Aplicativo com Locais Próximos

Para obter os resultados da consulta, basta um clique no ícone correspondente no mapa apresentado no visor do smartphone.

Toda a construção possibilita não somente a idealização do aplicativo, mas também uma preocupação com a captura de dados que possam, de uma maneira ou de outra, ser relevantes aos estudos e aos postulados sociais de uma comunidade, buscando, também, a fundamentação de uma cidade mais inteligente.

Teste do artefato

Após a sistematização do servidor e do aplicativo, coube a realização do teste de campo. Tal teste buscou, além de observar o comportamento lógico dos dados e os seus tratamentos decorrentes em função das avaliações inseridas, dimensionar e compreender as questões de usabilidade e facilidade de manuseio. De fato, faz-se importante conhecer a interação com o usuário em função do design inicial proposto.

Disponível somente em plataforma Android e com limite geográfico em Florianópolis, o protótipo do Eu Chego Lá! foi divulgado no ambiente universitário e na página Eu Chego Lá! 2015 na rede social Facebook. A página atualmente conta com 1.059 seguidores, tendo a publicação alcançado 6.931 pessoas. O mote da campanha foi avaliações e melhorias no sistema. Mesmo com o limite geográfico e de plataforma do sistema operacional impostos por questões de recursos e desenvolvimento, obteve-se a adesão de 32 pessoas inscritas com login e senha, sendo 21 integrantes do sexo masculino e 11 do sexo feminino. Destas, 12 pessoas não identificadas participaram efetivamente respondendo ao questionário proposto, cujo modelo se baseia na proposta de John Brooke (1996)Brooke, J. (1996). SUS-A quick and dirty usability scale. Usability evaluation in industry, 189(194), 4-7.. O System Usability Scale (SUS) é um questionário específico criado para realizar acompanhamentos de versão e alterações em um software ou mesmo em um aplicativo. A razão deste método é avaliar o nível de concordância, ao mesmo tempo em que pretende manter os participantes atentos. Assim, uma amostra de 8 participantes já transmite 80% de confiança (Tullis & Stetson, 2004Tullis, T. S., & Stetson, J. N. (2004, June). A comparison of questionnaires for assessing website usability. Proceedings of Usability Professionals Association (UPA) Annual Conference, Minneapolis, MN, USA, 12.).

Após a coleta de dados originários do questionário System Usability Scale (SUS) de John Brooke (1996)Brooke, J. (1996). SUS-A quick and dirty usability scale. Usability evaluation in industry, 189(194), 4-7. aplicado às pessoas que utilizaram o aplicativo Eu Chego Lá!, obteve-se 12 contribuições. Desta forma, foi atribuído ao aplicativo Eu Chego Lá! uma média System Usability Scale (SUS) de valor igual a 81,50. O desvio padrão da amostra, que atesta o grau de dispersão em torno da média, foi igual a 16,40, e o Coeficiente de Variação (CV) de Pearson, que por seu turno expressa as dispersões das distribuições obtidas na amostra, foi igual a 20,20%, que determina uma média dispersão.

Em função das manifestações e dos dados levantados, considerou-se o aplicativo funcional e uma ferramenta cujo escopo cumpre a obtenção dos objetivos aqui propostos. Por outro lado, manifesta-se como positiva a possibilidade da realização de um trabalho de design buscando uma melhor interação homem/máquina a partir de um visual mais agradável, além de determinados ajustes de interface.

Considerações sobre o Estágio Alcançado até o Momento

O objetivo geral deste trabalho foi o de projetar uma solução tecnológica baseada na tecnologia de crowdsensing para promover a acessibilidade inteligente das pessoas com mobilidade reduzida.

Para o entendimento do problema, foram coletados dados primários e secundários a fim de se compreender os obstáculos encontrados no dia a dia de uma pessoa com mobilidade reduzida, incluindo o levantamento físico das condições de acessibilidade em uma determinada região da cidade de Florianópolis. A partir dos dados coletados, foram apontados diversos obstáculos percebidos.

A compreensão das necessidades das pessoas com mobilidade reduzida permitiu a identificação de uma solução tecnológica adequada para auxiliar a minimização do problema da falta de acessibilidade. Tal solução foi conduzida através do uso de um aplicativo de celular que utiliza a tecnologia de crowdsensing para localizar, avaliar e acessar locais com ou sem acessibilidade.

A partir da construção e da entrega da solução, realizaram-se os testes de campo e a avaliação do artefato. Como resultado final, o sistema se mostrou funcional e apto a manifestar à sociedade, por meio da tecnologia, as condições de acessibilidade de uma cidade. Além disso, o protótipo mostrou ter potencial para criar uma estrutura de informações e desenvolvimento para a adoção não somente por pessoas com mobilidade reduzida, mas também por parte dos promotores de políticas públicas.

Após aplicados os devidos ajustes de design, sugere-se a inserção das fontes do programa no portal do cidadão das prefeituras que previamente manifestarem o interesse de conhecer e melhorar as condições de acessibilidade para os seus contribuintes. De fato, tal adesão poderá inclusive melhorar as questões econômicas e, por conseguinte, elevar a sustentabilidade local. Tal ação, mediante a adoção e paralela divulgação do aplicativo, poderá oferecer uma maior disponibilidade de dados e informações para o público alvo, se acompanhado da assertividade almejada.

A pesquisa proporciona informações valiosas ao poder público, pois permite conhecer as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com mobilidade reduzida na cidade, fornecendo insumos para melhorar as políticas públicas urbanas de forma a permitir a adequação dos espaços públicos e dos estabelecimentos privados, ao mesmo tempo em que sinaliza a necessidade de ações de fiscalização. Assim, acredita-se que uma cidade só será inteligente se a tecnologia utilizada favorecer a igualdade de direitos e o bem-estar de toda a sociedade, e não apenas de uma parcela da população cujo acesso é facilitado. É nesse sentido que Angelidou e Psaltoglou (2017)Angelidou, M., & Psaltoglou, A. (2017). An empirical investigation of social innovation initiatives for sustainable urban development. Sustainable Cities and Society, 33, 113-125. http://dx.doi.org/10.1016/j.scs.2017.05.016
http://dx.doi.org/10.1016/j.scs.2017.05....
enfatizam a estratégia da Europa 2020 na direção de cidades mais inteligentes, sustentáveis e inclusivas, incluindo a preocupação com a inovação social. A inteligência de uma cidade deve considerar a democratização, a participação e a contribuição igualitária de todos os cidadãos e não contribuir para aumentar ainda mais o fosso social que separa aqueles que têm o acesso daqueles que não o têm.

Por fim, algumas limitações se destacam ao final do percurso. Apesar do convênio com a Universidade de Bolonha, a pesquisa não obteve até o momento os recursos necessários para desenvolver o aplicativo na plataforma IOS. O investimento em design também proporcionaria uma maior adesão durante a fase de testes.

Como indicação para pesquisas futuras, sugere-se a continuidade de estudos que possam promover, na prática, a transformação das cidades em lugares mais acessíveis e igualitários, incidindo sobre os problemas da sociedade. A continuidade deste e de outros trabalhos poderá proporcionar o acompanhamento das ações públicas ao longo do tempo, contribuindo para a viabilização da vida nas cidades.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2017
  • Revisado
    23 Dez 2017
  • Aceito
    25 Dez 2017
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