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Dilemas sobre o Envelhecimento e Aposentadoria no Filme “Despedida em Grande Estilo”

RESUMO

Este caso para ensino retrata a rotina de Willie, Joe e Albert, três idosos aposentados que perdem a pensão adquirida depois de muitos anos de trabalho na fábrica da Wechsler. A empresa está encerrando suas atividades nos Estados Unidos e o banco de que Joe é cliente ficará administrando seus passivos. Vivendo uma vida modesta, os personagens começam a lidar com problemas financeiros decorrentes do novo contexto do período pós-aposentadoria. Para solucionar seus problemas, decidem assaltar um banco. O objetivo do caso é discutir o processo de envelhecimento e os dilemas envolvendo idosos no período de aposentadoria. No que se refere à fonte de dados, o caso é fictício, construído a partir do filme Despedida em grande estilo, dirigido por Zach Braff e protagonizado por Morgan Freeman (Willie), Michael Caine (Joe) e Alan Arkin (Albert). O caso utiliza como recurso didático a descrição de cenas e posterior elaboração de notas de ensino, o que permite a professores e estudantes de graduação e de pós-graduação lato sensu a análise e discussão crítica dos dilemas enfrentados por idosos no período de aposentadoria. O caso pode ser aplicado em disciplinas como Gestão de Pessoas, Gestão de Recursos Humanos, Trabalho e Sociedade, Diversidade nas Organizações e Relações de Trabalho.

Palavras-chave:
idosos; envelhecimento; aposentadoria

ABSTRACT

This teaching case portrays the routine of Willie, Joe, and Albert, three retired elderly people who lose their pension acquired after many years of work at the Wechsler factory. The company is ending its activities in the United States and the bank of which Joe is a client will be managing its liabilities. Living a modest life, the characters will face problems arising from the new context of the post-retirement period. To solve their problems, they decide to rob a bank. The objective of the case is to discuss the aging process and the dilemmas involving the elderly in the retirement period. As far as the data source is concerned, the case is fictitious, built from the movie Going in style, directed by Zach Braff and starring Morgan Freeman (Willie), Michael Caine (Joe), and Alan Arkin (Albert). The case uses as a didactic resource the description of scenes and subsequent preparation of teaching notes, which allows teachers and undergraduate and graduate students (both lato and stricto sensu) to analyze and critically discuss the dilemmas faced by elderly people in the retirement period. The case can be applied in disciplines such as People Management, Human Resource Management, Work and Society, Diversity in Organizations, and Labor Relations.

Keywords:
elderly; aging; retirement

INTRODUÇÃO

Dirigido por Zach Braff, o filme Despedida em grande estilo (Going in style) estreou no Brasil em 2017 e conta a história de três idosos, amigos e ex-funcionários da companhia americana Wechsler que, ao encerrar suas operações no país, deixa de pagar as pensões aos antigos funcionários. Sem atividades no país, a empresa não tem que arcar com antigas responsabilidades fiscais. Dessa forma, temendo não conseguir suprir suas necessidades sem a pensão mensal e honrar seus compromissos financeiros, e objetivando condições melhores nesta etapa da vida, os personagens protagonistas, que trabalhavam na Wechsler, elaboram um plano arriscado de assalto ao banco do qual Joe é cliente.

A ideia de roubar um banco parte de Joe, uma vez que sem o recebimento da pensão da Wechsler, teme perder a casa onde mora com a filha e a neta, devido às dívidas assumidas com empréstimos bancários. Ao ir ao banco do qual é cliente e verificar sua situação financeira, Joe descobre que seu saldo está negativo e que a Wechsler não tem depositado sua pensão há meses. O personagem, então, questiona ao gerente o motivo de ter recebido uma notificação de despejo e, ao ser informado de sua inadimplência, questiona o repentino e exorbitante aumento do valor das prestações. O gerente sinaliza a ele que a taxa promocional de financiamento expirou nos meses anteriores, e por esse motivo a prestação aumentou.

Em meio a essa situação, Joe se mostra irritado pela alteração das taxas do financiamento habitacional no decorrer da vigência do contrato sem o devido esclarecimento por parte do banco à época de sua assinatura. O gerente o alerta sobre o fato de ter exposto, previamente, as condições do refinanciamento e a possibilidade de as prestações sofrerem aumento. Joe, contudo, preocupado com o risco de perder sua casa e diante das responsabilidades para com a família, rebate este argumento, alegando que a sua neta Brooklyn e sua filha, que é auxiliar de enfermagem, moram com ele e que sua pensão e, sobretudo, a sua casa representam importantes meios de subsistência da família.

No momento em que o gerente finalizava o atendimento de Joe, o banco é tomado em assalto por três homens armados e com os rostos cobertos por máscaras. Destaca-se que este assalto não é o objeto deste caso, pois somente serviu de inspiração para o assalto do qual os personagens principais viriam a participar, posteriormente. A orientação é que todos os clientes e funcionários, com exceção dos caixas, deitem-se com a barriga para cima no chão e fiquem com as pernas erguidas; no entanto, Joe reclama de câimbras e um dos assaltantes permite que ele fique sentado, aí então o idoso vê uma tatuagem no pescoço de um dos assaltantes que, em meio ao assalto, entrega-lhe sua notificação de despejo. Nesse momento, o assaltante lamenta que Joe seja mais uma vítima dos bancos e fala que “é dever de um país cuidar dos seus idosos”.

Os criminosos finalizam o assalto e saem do local antes de a polícia chegar. Por ser testemunha, Joe presta depoimentos à polícia, descrevendo a tatuagem que ele viu, e é dispensado. Em seguida, na volta para casa, informa sua filha e sua neta sobre toda a grave situação, ainda que em tom descontraído. Quando Joe vai ao encontro de Willie e Albert, amigos que também se aposentaram após anos de trabalho na Wechsler, percebe que eles também receberam uma notificação idêntica à sua, do fundo de pensões da companhia. Então os três, após não conseguirem informações com ninguém da fábrica, resolvem ir até lá para ver o que está acontecendo.

Emergem, aqui, os dilemas vivenciados pelos idosos (e pelos três personagens centrais Willie, Joe e Albert) no período de aposentadoria. Tais dilemas envolvem a representação social e a construção de estereótipos do sujeito idoso, a ausência de preparação para a transição para a aposentadoria, e o processo de aposentadoria em si.

A Wechsler e o fundo de pensões

A Wechsler trata-se de uma organização tradicional dos Estados Unidos, do setor da construção civil, cujo funcionamento possibilitou por décadas o emprego dos personagens do filme. Quanto à cultura organizacional, percebe-se que os trabalhadores ingressam ainda jovens e permanecem por toda a sua vida laboral na empresa, saindo somente quando da aposentadoria - relação tão duradoura que se espelha na relação entre os próprios trabalhadores, a exemplo dos protagonistas que, além de colegas de trabalho, são amigos há mais de 30 anos. No entanto, apesar de um vínculo tão longo, a comunicação não se mostra eficaz, uma vez que os trabalhadores são pegos totalmente de surpresa pela falência e confisco dos fundos de pensão da organização.

Chegando à antiga companhia, Joe, Willie e Albert encontram outros trabalhadores, alguns aposentados como eles, outros ainda no exercício de suas funções. Um representante da companhia informa a todos que a Wechsler encerrará suas atividades nos Estados Unidos em 30 dias, uma vez que, com a queda na demanda de peças fabricadas pela empresa e aumento dos custos de operações, a fábrica passará a funcionar no Vietnã.

A situação causa um tumulto entre os trabalhadores. Joe o questiona sobre o pagamento das pensões e é informado que houve um congelamento delas durante o período de transição da empresa. Sem atividades nos Estados Unidos, a nova empresa deixa de honrar com as antigas responsabilidades da Wechsler, o que faz com que o plano de pensão seja extinto. Joe se dirige ao representante da empresa e fala:

- Com todo o respeito, Donald, trinta anos de trabalho duro pra vocês não vale nada!

Surpresos com o acontecido, os três amigos vão à lanchonete da Nat para tomar café e comer torta, como lhes é habitual. Willie pondera que sem a pensão, ele não paga nem o aluguel do mês. Joe então propõe que encontrem um advogado e processem a empresa. De forma irônica, Willie replica que estarão mortos quando a decisão sair, referindo-se, indiretamente, à idade que têm e à demora da tramitação de processos judiciais. Quando a garçonete da lanchonete lhes oferece uma fatia de torta, Willie dispensa alegando que estão controlando o peso, e Albert revela que todos estão sem dinheiro.

Sobre os personagens do filme

O filme revela a preocupação de Joe em relação à dificuldade de honrar as prestações do refinanciamento da casa, em função da perda da pensão, antes paga pela Wechsler.

Por sua vez, Willie esconde dos amigos e da família que tem problemas nos rins e precisa de um transplante o mais rápido possível. Ao receber uma ligação de vídeo da neta, se mostra incomodado por estar distante da família:

Figura 1
Reunião com os funcionários para comunicar sobre o encerramento das atividades.

- Você cresceu demais, querida [Willie].

- Cresci 2,5 centímetros em um mês, respondeu a neta.

- Então... fala pra sua mãe que a carreira dela não é tão importante como ver a família [Willie].

- Eu digo sim [A neta].

- Promete? [Willie].

- Prometo [A neta].

- Boa menina! [Willie].

Albert também se aposentou depois de trabalhar anos na Wechsler. Contudo, mesmo aposentado, o personagem se vê obrigado a realizar trabalhos informais para complementar sua renda, entre eles dar aulas de saxofone. É uma tarefa complicada, uma vez que a falta de habilidade do aluno de Albert com o instrumento o irrita:

- Ezra, eu não estou aguentando mais esse barulho! [Albert].

- Eu tenho treinado [Ezra].

- O treinamento não está tendo efeito. Seu desempenho fica pior a cada semana. Isso porque você não gosta de tocar. Quer acabar como eu, trabalhando numa fábrica e a cada dois meses conseguindo um “bico” de US$ 40,00 numa boate? Não vai querer isso! [Albert].

Na conversa, Ezra revela a Albert que, de fato, não gosta do instrumento:

- Eu nem gosto dessa coisa [Ezra].

- Não! E ela também não gosta de você. Acredite, estou lhe fazendo um favor, ainda vai me agradecer [Albert].

- Obrigado, senhor [Ezra].

- Não precisa agradecer. Eu vou procurar a sua avó. Ela tem que me pagar pela aula [Albert].

Ao conversar com a avó do garoto, ela agradece a Albert pela sinceridade diante da ausência de habilidade do garoto para a música. A avó concorda e ao se despedirem combinam um encontro no mercado, onde ela trabalha.

Mais tarde, os três amigos se encontram, no modesto apartamento que Willie e Albert dividem, para celebrar o aniversário de Willie, e o presenteiam com um relógio com a foto de sua neta.

- Feliz aniversário, meu jovem! [Albert].

- Não esperava que me presenteasse com alguma coisa, “duros” como estão! [Willie].

- Não precisa se empolgar, é só uma bobagem [Joe].

É nesse contexto que Joe comenta com os amigos a ideia que teve:

- Eu acho que vou assaltar um banco! [Joe].

Incrédulos, Albert e Willie levam o comentário do amigo em tom de brincadeira.

- Vão tomar a minha casa, dentro de 30 dias [Joe].

- Quem vai tomar a sua casa? [Willie].

- O banco [Joe].

- Vão tomar a sua casa e você não contou pra gente? [Albert].

- Você ia fazer o quê? Me emprestar dinheiro? Nós três estamos praticamente sem dinheiro. Esses bancos praticamente destruíram este país. Eles esmagaram o sonho de muita gente, e nada acontece com eles. Nós somos três velhos, a gente assalta um banco, não vai preso e se aposenta com dignidade. Na pior das hipóteses, se nos pegarem, vamos ter uma cama, três refeições por dia e assistência médica melhor do que agora [Joe].

- Espera aí. Você está falando de nós e você? [Willie].

- É. Se uma gangue qualquer consegue, não deve ser tão difícil [Joe].

- É. Se uma gangue qualquer consegue, não deve ser tão difícil [Willie].

- Só pode ter perdido o juízo [Albert].

- Você passou 20 anos esperando para morrer, Albert. Sem vida e sem objetivo [Joe].

- E roubar um banco vai me dar um objetivo? [Albert].

- Vai nos dar dinheiro. Willie vai poder pegar um avião e ir ver a neta [Joe].

- É difícil pegar um avião na prisão, Joe [Willie].

- Mas nós não seremos pegos. Aqueles ladrões não foram pegos [Joe].

Willie então retruca a fala do amigo:

- Mas eles eram jovens. Eram ágeis [Willie].

- E nós temos: habilidades, experiência, inteligência [Joe].

- Temos artrite, gotas, herpes [Willie].

Nesse momento, eles são interrompidos por outros idosos que fazem parte de um grupo de que participam. Juntos, eles comemoram o aniversário de Willie e vão para suas casas. A proposta do assalto ao banco intriga Willie, que liga para Joe informando que aceita a proposta:

- Eu quero viver melhor do que vivo. Quero ver a minha família mais de uma vez por ano, e daqui pra frente, eu quero comer uma fatia de torta sempre que eu quiser [Willie].

Mesmo aceitando avançar com a ideia, Willie tem ressalvas sobre a atitude que estão prestes a tomar:

- Eu não sou ladrão, Joe [Willie].

- Nem eu sou [Joe].

- Então a gente rouba só o que nos devem de pensão, entendeu? [Willie].

- É tudo que eu quero [Joe].

- Nem um centavo a mais [Willie].

- Eu prometo! Acorda o Albert... [Joe].

Figura 2
Joe, Willie e Albert conversando sobre a ideia do assalto.

Albert e Willie moram na mesma casa, então ele pede que o amigo atenda ao telefone. Albert se nega a atender, então Joe liga diretamente para a linha que fica no quarto dele e questiona o se ele quer morrer lentamente, ou em grande estilo.

Albert responde que não tem medo de morrer, só não quer morrer na prisão. Joe conta que Willie aceitou a proposta e que Albert deveria pensar melhor sobre o assunto:

- Não preciso pensar em nada. Não sou assaltante de banco e nem você. Nem você, Willie [Joe].

Depois de pensarem sobre o assunto, no dia seguinte os amigos vão ao supermercado e tentam roubar alguns itens, contudo eles são flagrados pelo sistema de monitoramento do local e fogem, e depois de perseguidos na rua, são pegos pelos seguranças do local. Por conta da idade, o segurança responsável os aconselha que não façam mais aquilo e os libera.

O planejamento e a execução

Joe e Willie procuram ajuda para realizar o assalto ao banco. Enquanto isso, Albert vai ao supermercado onde Annie trabalha e marca um encontro na casa dela. Mais tarde, os três se encontram na lanchonete da Nat para alinhar as ações referentes ao assalto:

- Eu pensei que não fosse aparecer, Albert [Willie].

- Estou velho demais para guardar rancor, responde Albert.

- Escutem. Saiu no jornal. O fundo de pensão e os bens da Wechsler serão distribuídos entre os devedores [Willie].

- Eles vão usar o dinheiro das nossas pensões para pagar a conta da empresa [Joe].

- E não é só isso, escutem. O Banco Williamsburg Savings fará a liquidação do fundo e a reestruturação da dívida corporativa da Wechsler [Willie].

- É o meu banco [Joe].

- Estão roubando a nossa pensão! [Albert].

- É o que diz no jornal [Willie].

- Trabalhei 40 anos naquela maldita empresa e agora vão roubar nossas pensões. Tira essa comida daqui. Perdi a fome [Albert].

- Quer levar para casa, para viagem? [A garçonete].

- Não, deixa pra lá. Ninguém vai tirar mais nada meu [Albert].

A notícia perturba Albert, que fala abertamente com os companheiros:

- Eu topo. Quero assaltar esse banco! [Albert].

Os três procuram um homem que lida com atividades ilícitas para ajudar com o assalto. O homem os alerta sobre os riscos e, em tom de ironia, menciona que o assalto não é como um jogo de bingo, num banco de praça. Joe responde:

- Escute aqui. Não vou aceitar que fale assim comigo. Já sou muito desrespeitado neste mundo. Em 20 dias, eu vou perder a minha casa. A minha aposentadoria é uma “merreca” e a minha pensão “foi pro brejo”. Nós três vamos até o fim. Se quiser ganhar 25% para nos ajudar, tudo bem. Se não quiser, não venha com palhaçada pra cima da gente! [Joe].

O homem confirma a ajuda.

Mais tarde, os três amigos se encontram novamente e começam a falar sobre a expectativa de vida de cada um:

- Quanto tempo você acha que tem, Willie? [Joe].

- Eu não sei. Uns dois ou três anos [Willie].

- Só isso? Você está ótimo! [Joe].

- É uma sensação. Você perguntou. Mas e você? [Willie].

- Eu diria que uns sete anos. E você, Albert? [Joe].

- Eu sou azarado. Aposto que vou viver uns cem anos [Albert].

- Então vai discursar nos dois funerais [Willie].

- Combinado [Albert].

Joe então faz uma somatória da expectativa de vida para calcular o valor das pensões que receberiam:

- Então, são 27 anos no total. A média das nossas pensões é de US$ 45 mil por ano. Vamos roubar exatamente do banco US$ 1.215.000,00 [Joe].

- E se retirarmos mais? [Willie].

- Doamos para a caridade [Joe].

- E se retirarmos menos? Não quero fazer isso duas vezes [Albert].

Depois desse momento, os três vão planejar os detalhes do assalto para que a quantia seja correspondente ao que eles estimam e para que não ocorram imprevistos. Eles checam a posição das câmeras, quantidade de entradas e saídas, de seguranças, e arquitetam um álibi que possam usar, como a arrecadação de fundos para o albergue de idosos da cidade.

Eles agem conforme planejam e participam do evento para arrecadação de fundos para o albergue. Enquanto o evento acontece, saem de forma discreta, sem que ninguém perceba sua ausência, e vão ao banco. Chegando lá, anunciam o assalto. Na fuga, Willie passa mal e, ao cair no chão, uma criança observa a foto da sua neta, no relógio que ele usava. Restabelecido, Willie, Joe e Albert fogem sem serem localizados pela polícia. Eles retornam ao evento sem que ninguém perceba as suas ausências, e após a arrecadação de fundos, vão para suas casas, com o dinheiro do assalto.

Para comemorar o assalto, vão a um restaurante e comem à vontade, diferentemente da privação anterior pela qual passavam devido à falta de dinheiro. Willie novamente passa mal e é levado ao hospital. Só então os amigos ficam cientes de que ele tem problemas renais e precisa de um transplante. Nesse intervalo, a polícia analisa as imagens do assalto e passa a interrogar os três como suspeitos, todavia o álibi funciona bem. Todos os depoimentos são corroborados por outras pessoas que participaram da arrecadação de fundos. Então, a polícia reúne os suspeitos para passarem por reconhecimento pelas testemunhas, mas isso não acontece, apesar de a criança ver, novamente, e reconhecer o relógio de Willie.

Passado algum tempo, Joe se encontra com o homem que ajudou a planejar o assalto ao banco:

- Pensei que você não fosse vir [Joe].

- Mas aqui estou eu! E o que tem de bom aqui, Joe? [Homem].

- Na verdade, nada [Albert].

- E por que você vem aqui? [Homem].

- Gosto de café ruim [Joe].

- Sim, isso eu entendo [Homem].

- Recebeu sua parte no assalto? [Joe].

- Eu não. Não de vocês. É dever de um país cuidar de seus idosos [Homem].

Eles riem e Joe se dá conta de que o homem que o ajudou é o mesmo que assaltou o banco do qual é cliente, no dia em que foi reclamar sobre as taxas de refinanciamento da sua hipoteca.

Parte do dinheiro roubado é deixada como presente para o albergue de idosos que eles frequentavam. Albert doa um rim a Willie (seu parceiro de apartamento durante 25 anos), procedimento que funciona, e eles logo se recuperam. Tempos depois, Albert se casa com Annie. Durante a festa de casamento eles conversam:

- Eu vou rever minha estimativa, Joe [Willie].

- Como assim? [Joe].

- Posso viver mais uns 20 anos [Willie].

- Não com o rim do Albert. Só uns dez anos, no máximo [Joe].

- Pouca diferença, eu aceito [Willie].

Albert se junta a eles e todos comemoram.

A partir das histórias de Willie, Joe e Albert, o filme trata do processo de envelhecimento e dos dilemas vivenciados pelos idosos no período de aposentadoria. Tais dilemas envolvem: (a) a representação social e a construção de estereótipos do sujeito idoso - que oscilam entre a visão negativa sobre velhice (associada a limitações) e a positiva, ligada ao que se chama de terceira idade (associada ao consumo), (b) a ausência de preparação para a transição para a aposentadoria - uma vez que se trata a aposentadoria como uma decisão individual e não como um processo multidimensional, (c) e o processo de aposentadoria em si - que está cercado por dimensões individuais, familiares, organizacionais e sociais.

As informações

O caso traz à tona o problema social da velhice e a nem sempre fácil e confortável realidade das pessoas idosas no período posterior à aposentadoria. São apresentadas questões como a representação social e a construção de estereótipos em relação ao sujeito idoso, bem como o papel das empresas na preparação para a saída dos trabalhadores do mundo do trabalho para a aposentadoria. Outros tópicos contemplam, também, a identificação de semelhanças e diferenças entre os modelos de aposentadoria americano e brasileiro, e de que forma os problemas financeiros no período de aposentadoria podem ocasionar a entrada dos idosos no trabalho informal e/ou precarizado.

A construção deste caso para ensino é feita a partir de informações coletadas por meio do filme Despedida em grande estilo, dirigido por Zach Braff e protagonizado por Morgan Freeman (Willie), Michael Caine (Joe) e Alan Arkin (Albert). Apesar de ser um caso fictício, algumas cenas e problemas suscitados refletem o drama social da velhice e situações do cotidiano vividas por muitos idosos. A ideia é que os diálogos e situações vividas pelos personagens possibilitem aos discentes rememorar alguns acontecimentos da trama e refletir sobre eles, a partir de questionamentos que lhes serão propostos.

Objetivos do caso

A proposta tem como principais objetivos didáticos: (a) discutir o processo de envelhecimento e o drama da velhice na sociedade contemporânea e suas repercussões no mundo do trabalho, considerando as representações sociais, os estereótipos e a heterogeneidade entre as pessoas idosas; (b) permitir com que os alunos reflitam, criticamente, sobre alguns dilemas relacionados aos problemas financeiros envolvendo idosos no período posterior à aposentadoria; e (c) suscitar o debate sobre o papel das organizações na transição do trabalhador da atividade para a aposentadoria.

No que diz respeito à sua aplicação, é possível utilizar este caso em atividades com discentes da graduação e da pós-graduação lato sensu, desde que o objetivo das aulas gire em torno da discussão sobre o envelhecimento, os dilemas enfrentados pelos idosos e o papel da Administração e dos gestores na preparação dos trabalhadores aposentáveis para a saída do mundo do trabalho. São assuntos tratados em disciplinas como Gestão de Pessoas, Gestão de Recursos Humanos, Diversidade nas Organizações, Trabalho e Sociedade e Relações de Trabalho.

Questões para o debate

No filme, Willie, Joe e Albert convivem com outros idosos que, em um grupo, realizam atividades recreativas. Neste sentido, como se dá a representação social e a construção de estereótipos do sujeito idoso? É possível enxergar os idosos como um grupo homogêneo? Para esta questão, leve em consideração aspectos biopsíquicos do envelhecimento.

A Wechsler é a empresa responsável pelo pagamento da pensão dos seus ex-funcionários, mas ao encerrar suas atividades nos Estados Unidos deixa de honrar seus compromissos financeiros para com os trabalhadores. Em que medida programas de preparação para a aposentadoria podem contribuir para a transição dos trabalhadores idosos para a aposentadoria?

No filme, a realidade tratada é a do sistema previdenciário americano. Quais as semelhanças e diferenças entre o processo de aposentadoria no contexto americano e no contexto brasileiro, e quais suas implicações para os idosos de ambos os países?

Como o Estado poderia atuar no sentido de evitar situações semelhantes à do filme, em termos tanto da organização quanto dos indivíduos envolvidos?

O assalto ao banco acaba sendo um recurso ‘desesperado’ para solucionar os problemas financeiros surgidos no período após a saída dos personagens do mundo do trabalho; no entanto, sabe-se que, no dia a dia, esses problemas acabam levando os idosos a desempenharem tarefas precarizadas e/ou informais, muitas vezes. Como essas situações se verificam na prática, no contexto brasileiro? Como trabalhadores - jovens e idosos, ativos e aposentados - e organizações têm lidado com elas?

Roteiro para discussão

O filme trata do processo de envelhecimento e dos dilemas vivenciados pelos idosos no período de aposentadoria. Tais dilemas envolvem a representação social e a construção de estereótipos do sujeito idoso, a ausência de preparação para a transição para a aposentadoria, e o processo de aposentadoria em si, que serão tratados a partir da dimensão contextual do envelhecimento (Silva, 2008Silva, L. R. F. (2008). Da velhice à terceira idade: O percurso histórico das identidades atreladas ao processo de envelhecimento. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, 15(1), 155-168. https://doi.org/10.1590/S0104-59702008000100009
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) e da abordagem processual e multidimensional da aposentadoria (Helal, Nóbrega, & Lima, 2021Helal, D. H., Nóbrega, C. V., & Lima, T. A. P. (2021). Retirement and organizations: Perspectives and challenges for both workers and human resource management. Working with Older People, 25(2), 141-152. https://doi.org/10.1108/WWOP-04-2020-0014
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). Silva (2008) entende o envelhecimento a partir da gerontologia social, como uma construção social, enquanto Helal, Nóbrega e Lima (2021) defendem que aposentadoria não se trata de uma decisão isolada, mas de um processo, atravessado por questões individuais, familiares, organizacionais e sociais.

Sugere-se a exibição do filme, na integralidade, em sala de aula, em sessão anterior à atividade proposta, possibilitando, dessa forma, a discussão das cenas, com base na temática proposta. O docente poderá propor a leitura, análise das questões e elaboração das respostas em pequenos grupos, encerrando a aula após discussão em sessão plenária dos pontos mais relevantes do filme que amparam o debate da temática.

Por outro lado, o docente pode fazer as alterações que acreditar pertinentes para a sua realidade de sala de aula, alternando a exibição do filme nesse contexto por indicação para que os alunos assistam em horário prévio, em horário e local de sua conveniência. A execução do trabalho em grupo poderá ser precedida de reflexão e redação individual de cada questão, facilitando a exposição de pontos de vista e colaborando para o aprofundamento na atividade realizada coletivamente.

A Tabela 1, apresentada a seguir, ilustra o tempo sugerido para a realização de cada atividade.

Tabela 1
Cronograma sugerido para cada atividade.

Apontamentos teóricos

O mundo está passando por um processo de transição demográfica com o aumento da população mais velha e idosa, em diversos países. Prestes a se tornar uma das transformações sociais mais significativas do século XXI, o envelhecimento da população representa um fenômeno global, com implicações distintas para diversos domínios da sociedade, incluindo os mercados de trabalho e financeiro, a demanda por bens e serviços, bem como estruturas familiares e laços intergeracionais. Dados demográficos demonstram que o Brasil é um dos países onde esse processo ocorre com maior velocidade (Castro, Costa, Cesar, Neves, & Sampaio, 2019Castro, C. M. S., Costa, M. F. L, Cesar, C. C., Neves, J. A. B., & Sampaio, R. F. (2019). Influência da escolaridade e das condições de saúde no trabalho remunerado de idosos brasileiros. Ciência e Saúde Coletiva, 24(11), 4153-4162. https://doi.org/10.1590/1413-812320182411.05762018
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; Organização das Nações Unidas [ONU], 2020).

Nesse contexto, estudar o fenômeno do envelhecimento, que traz implicações distintas para diversos domínios da sociedade, é ainda mais premente, uma vez que as concepções sobre o tema são (re)elaboradas nas sociedades ocidentais contemporâneas, a partir da identificação dos desafios e implicações que tem o envelhecimento populacional para a estrutura da força de trabalho nas organizações, para o trabalho e para o trabalhador (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [Pnud], 2019; Ziger, Filippim, & Beltrame, 2017Ziger, R., Filippim, E. S., & Beltrame, V. (2017). Perspectivas de carreira para pessoas idosas nas organizações. Revista de Carreiras e Pessoas, 7(3), 64-87. https://doi.org/10.20503/recape.v7i3.33169
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).

Então, para a questão 1, cabe considerar que, por muito tempo, o processo de envelhecimento esteve relacionado às concepções de descanso, quietude e inatividade da pessoa idosa. Essas concepções estão sendo desconstruídas ao longo do tempo (mas não eliminadas), ao mesmo passo que questões como aprendizagem, flexibilidade e satisfação pessoal passam, também, a ser associadas a esse processo.

Cumpre lembrar que a idade cronológica se apresenta como um mecanismo básico de atribuição de status, de definição de papéis ocupacionais (entrada no mercado de trabalho) e de formulação de demandas sociais (Fortes, 1984Fortes, M. (1984). Age, generation, and social structure. In D. Kertzer, & J. Keith. Age and anthropological theory. Ithaca, NY: Cornell University Press.), e que as identidades etárias são construídas por meio do senso comum - por exemplo, idosos retratados sentados em cadeiras de balanço, debilitados, frágeis, com dificuldade de audição, conforme aponta Butler (1980Butler, R. (1980). Ageism: A foreword. Journal of Social Issues, 36(2), 8-11. https://doi.org/10.1111/j.1540-4560.1980.tb02018.x
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). Além disso, identidades atribuídas em função da idade do sujeito podem validar ou limitar o comportamento das pessoas, quando se utiliza a idade como referência (Silva, 2008Silva, L. R. F. (2008). Da velhice à terceira idade: O percurso histórico das identidades atreladas ao processo de envelhecimento. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, 15(1), 155-168. https://doi.org/10.1590/S0104-59702008000100009
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).

Os idosos são representados socialmente de formas distintas: por vezes há uma conotação negativa associada à perda da capacidade física, cognitiva e produtiva, observando-se com certa frequência o uso dos termos ‘velho’ e ‘velhice’ (Silva, 2008Silva, L. R. F. (2008). Da velhice à terceira idade: O percurso histórico das identidades atreladas ao processo de envelhecimento. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, 15(1), 155-168. https://doi.org/10.1590/S0104-59702008000100009
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) de forma pejorativa para o indivíduo; por outro lado, verifica-se também um discurso reivindicador, sobretudo a partir da gerontologia, que enxerga a velhice como problema e construção social. Compreende-se, ainda, a identidade etária associando-a à aprendizagem, à satisfação pessoal (Silva, 2008), à experiência e à maturidade do sujeito (Couto, Koller, Novo, & Soares, 2009Couto, M. C. P., Koller, S. H., Novo, R., & Soares, P. S. (2009). Avaliação de discriminação contra idosos em contexto brasileiro - ageismo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25(4), 509-518. https://doi.org/10.1590/S0102-37722009000400006
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).

É possível estabelecer uma relação entre a representação estigmatizada, fruto do imaginário (Silva, 2008Silva, L. R. F. (2008). Da velhice à terceira idade: O percurso histórico das identidades atreladas ao processo de envelhecimento. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, 15(1), 155-168. https://doi.org/10.1590/S0104-59702008000100009
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), e a construção de estereótipos do sujeito idoso, que encontram ressonância na marginalização social imposta pela diminuição dos papéis produtivos que os mais velhos poderiam desempenhar. Especificamente no contexto organizacional, Silva e Helal (2019) apontam que esta imagem estigmatizada atribuída ao sujeito idoso ocorre quando lhe é imputada, dentre diversas características negativas, a condição de improdutivo. Essa condição reforça os estereótipos e a discriminação etária (ageísmo) num contexto em que as organizações são provocadas a lidar com os desafios decorrentes dessa nova composição da força de trabalho e a reter trabalhadores mais velhos em seus quadros (Barros, 2011Barros, M. M. L. (2011). A velhice na pesquisa socioantropológica brasileira. In M. Goldenberg (Org.), Corpo, envelhecimento e felicidade (pp. 45-64). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.; Tonelli, Pereira, Cepellos, & Lins, 2020Tonelli, M. J., Pereira, J., Cepellos, V., & Lins, J. (2020). Ageing in organizations: A view of HR professionals on the positioning of mature managers and adoption of age management practices. RAUSP Management Journal, 55(2), 127-142. https://doi.org/10.1108/RAUSP-08-2018-0062
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; Ziger et al., 2017Ziger, R., Filippim, E. S., & Beltrame, V. (2017). Perspectivas de carreira para pessoas idosas nas organizações. Revista de Carreiras e Pessoas, 7(3), 64-87. https://doi.org/10.20503/recape.v7i3.33169
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).

Entende-se que, embora o processo natural de envelhecimento possa resultar, em alguns casos, na diminuição de capacidades físicas e/ou cognitivas das pessoas idosas (Silva, 2008Silva, L. R. F. (2008). Da velhice à terceira idade: O percurso histórico das identidades atreladas ao processo de envelhecimento. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, 15(1), 155-168. https://doi.org/10.1590/S0104-59702008000100009
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), é preciso ponderar que esse processo acontece de forma heterogênea entre os indivíduos, em virtude de suas experiências de vida, trajetórias e realidades (Camarano, Kanso, & Mello, 2004Camarano, A. A., Kanso, S., & Mello, J. L. (2004). Como vive o idoso brasileiro? In A. A. Camarano (Org.), Os novos idosos brasileiros: Muito além dos 60? (Chap. 1, pp. 25-73). Rio de Janeiro: IPEA.). O envelhecimento e a velhice são plurais, uma vez que são atravessados por questões sociais, de cor/raça, de gênero, de localização, origem social, entre outras. Tais intersecções tornam esse processo multifacetado e dinâmico (Camarano et al., 2004), como observado no filme, por exemplo, entre os idosos que frequentam o albergue.

Para a questão 2, entende-se que, a partir da reformulação das representações e tentativa de superação dos estereótipos do envelhecimento, compreender as relações e condições de trabalho e seus aspectos a partir do convívio entre gerações torna-se requisito para entender a própria organização como reflexo da sociedade (Werneck, 2011Werneck, A. (2011). A velhice como desculpa. In M. Goldenberg (Org.), Corpo, envelhecimento e felicidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.). Iniciativas organizacionais, como programas de preparação para a aposentadoria, podem implicar uma percepção mais positiva desse processo, ao passo que as questões consideradas como negativas pelos trabalhadores e pelas organizações podem ser reelaboradas e até minimizadas. Isso pode acontecer na fase pré-aposentadoria, via programas de preparação para esse momento de transição, a partir da contribuição para que os funcionários consigam elaborar um planejamento financeiro e pensar em outros benefícios relacionados à aposentadoria e ao projeto de vida (Helal et al., 2021Helal, D. H., Nóbrega, C. V., & Lima, T. A. P. (2021). Retirement and organizations: Perspectives and challenges for both workers and human resource management. Working with Older People, 25(2), 141-152. https://doi.org/10.1108/WWOP-04-2020-0014
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; Rau & Adams, 2012Rau, B. L., & Adams, G. A. (2012). Aging, retirement, and human resources management: A strategic approach. In M. Wang (Ed.), The Oxford handbook of retirement. Oxford: Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780199746521.013.0054
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).

Percebe-se que a questão financeira é um dos aspectos mais importantes no período de aposentadoria. Os recursos financeiros podem ser oriundos de programas de seguridade social, programas de benefícios de aposentadoria fornecidos pelo empregador e investimentos pessoais. Os benefícios fornecidos pelo empregador podem ajudar os funcionários a financiar os anos de aposentadoria, e decorrem do tempo trabalhado na organização e do salário lá recebido (Rau & Adams, 2012Rau, B. L., & Adams, G. A. (2012). Aging, retirement, and human resources management: A strategic approach. In M. Wang (Ed.), The Oxford handbook of retirement. Oxford: Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780199746521.013.0054
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).

É importante também que, além dos benefícios financeiros, as organizações incentivem os investimentos (poupança) individuais, uma vez que muitos trabalhadores ‘aposentáveis’ estão despreparados financeiramente para o período de aposentadoria, seja por falta de educação financeira e planejamento, seja pelas condições impostas para a subsistência (Rau & Adams, 2012Rau, B. L., & Adams, G. A. (2012). Aging, retirement, and human resources management: A strategic approach. In M. Wang (Ed.), The Oxford handbook of retirement. Oxford: Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780199746521.013.0054
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). Além disso, as organizações podem fornecer planos de previdência privada com adesão voluntária e escalonamento do valor das contribuições ao longo do tempo.

Esse planejamento pode implicar a decisão de continuar ou não trabalhando após a aquisição do direito à aposentadoria (Oliveira, Almeida, & Nunes, 2021Oliveira, P. K. Q., Almeida, A. N., & Nunes, A. (2021). Determinantes da decisão de aposentadoria no serviço público. Administração Pública e Gestão Social, 13(1). https://doi.org/10.21118/apgs.v13i1.8895
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). No filme, por exemplo, mesmo aposentado, Joe tem a necessidade de realizar pequenos trabalhos para complementar sua renda. Essa decisão envolve fatores individuais e profissionais, pois a renda proveniente da aposentadoria pode ser considerada insuficiente por muitos aposentados (Helal et al., 2021Helal, D. H., Nóbrega, C. V., & Lima, T. A. P. (2021). Retirement and organizations: Perspectives and challenges for both workers and human resource management. Working with Older People, 25(2), 141-152. https://doi.org/10.1108/WWOP-04-2020-0014
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), sobretudo entre as mulheres, muitas vezes provedoras da família mesmo após a velhice (Oliveira et al., 2021). Aspectos como estes reforçam a necessidade da problematização do envelhecimento no ambiente organizacional e a ação das organizações, como a adoção de programas de preparação para a aposentadoria.

Para a questão 3, destaca-se que o filme pode ser tomado como exemplo para tratar as diferenças e semelhanças entre o processo de aposentadoria nos contextos americano e brasileiro. É possível analisar o funcionamento dos programas de seguridade social em cada país, a legislação, os critérios para a concessão da aposentadoria e programas de benefícios de previdência social das empresas em ambos os contextos (Rau & Adams, 2012Rau, B. L., & Adams, G. A. (2012). Aging, retirement, and human resources management: A strategic approach. In M. Wang (Ed.), The Oxford handbook of retirement. Oxford: Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780199746521.013.0054
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).

Assim como a legislação trabalhista, o sistema de aposentadoria assume configurações distintas entre os países, partindo de critérios como: a idade mínima, o tempo de contribuição previdenciária, e a porcentagem de salário que o trabalhador passa a receber quando se aposenta. Um ponto central na diferença é que, nos Estados Unidos, a aposentadoria é concedida pelo Social Security, sistema de previdência social pública, e parte da aposentadoria é obtida nos sistemas privados (e organizacionais) de pensão, e a menor parte é obtida pelo governo. Já aqui no Brasil é o contrário: a maior parte dos aposentados tem renda apenas da aposentadoria do governo, via Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que é responsável pelo pagamento da aposentadoria dos trabalhadores brasileiros, exceto servidores públicos de regime estatutário, sendo poucas as empresas que têm fundos privados de pensão. Na realidade brasileira, sublinham-se algumas poucas organizações que têm fundos para o trabalhador, como: Funpres, Petros (Petrobrás), e Previ (Banco do Brasil).

Recentemente, o Congresso Nacional promulgou a emenda constitucional de número 103 (Brasil, 2019), estabelecendo novas regras para a aposentadoria do setor privado (Regime Geral) e dos servidores públicos federais. Entre as principais mudanças estão: a fixação de idade mínima para aposentadoria; o tempo mínimo de contribuição; regras de transição para o novo regime; e o valor descontado do salário. De modo geral, existem diferenças no tempo de contribuição entre homens e mulheres, e regras diferenciadas para algumas categorias, como: professores do ensino básico, policiais federais, legislativos e agentes penitenciários e educativos (Brasil, 2019).

Para a questão 4, há que se refletir sobre as possibilidades de o Estado atuar preventivamente, o que por si só já tem implicações práticas significativas, ainda mais no contexto nacional atual. No setor público brasileiro, o vício do legalismo manifesta-se em muitas, senão todas, instâncias da burocracia brasileira e, no Poder Legislativo, em especial, exprime-se em leis cujo projeto,

“em vez de se basear em dados e evidências para solucionar um problema de interesse público, é capturado pelo senso comum (na melhor das hipóteses) ou por grupos de interesse e vira uma colcha de retalhos; quando essa nova lei se traduz num número infinito de Portarias e Instruções Normativas que tentam traduzir administrativamente o conteúdo da lei; quando esse arsenal infralegal, cheio de contradições, incoerências, lacunas e sobreposições, é tudo o que o gestor público brasileiro conhece como o melhor da ‘racionalidade’ administrativa; e quando o Poder Judiciário, tribunais de conta ou ministérios públicos questionam o resultado dessas decisões administrativas, incompreensíveis à luz dos princípios constitucionais e da própria racionalidade administrativa, mas acabam impondo maior irracionalidade aos gestores públicos. Todas essas manifestações são legais, mas o caos irracional continua a reinar” (Peci, 2020Peci, A. (2020, March 03). Burocracia irracional legal. Valor Econômico. Retrieved from https://valor.globo.com/opiniao/coluna/burocracia-irracional-legal.ghtml
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, online).

Assim, o encerramento das atividades da organização no território nacional (estadunidense) implica extinção do plano de pensão, deixando desamparados os aposentados que dele participavam e que com ele compunham sua renda pessoal e familiar. Num país com Poderes Legislativo e Judiciário permeados por legalismos e irracionalidades, como observado anteriormente por Peci (2020Peci, A. (2020, March 03). Burocracia irracional legal. Valor Econômico. Retrieved from https://valor.globo.com/opiniao/coluna/burocracia-irracional-legal.ghtml
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), a construção de leis e programas que possam lidar com tais cenários torna-se primordial no atendimento da população, de modo geral, e dos idosos, especificamente, além de se revisitarem aspectos de seguridade social, bem como de previdência pública e privada, os quais incluem interesses pessoais e empresariais.

Para o caso brasileiro, apesar de o Estatuto do Idoso e a própria Constituição Federal trazerem o Estado como um dos responsáveis pela proteção do idoso, a realidade indica que tal público tem enfrentado uma situação de desamparo. Conforme já indicado no texto, o regime previdenciário brasileiro é diferente do norte-americano, sendo o nosso majoritariamente público, e o deles, privado. Contudo, reformas da previdência têm sido pensadas (e implementadas) em território brasileiro, deixando os idosos cada vez menos protegidos.

Para além de repensar o próprio alcance das reformas previdenciárias, seja no Brasil, seja em outros países, um caminho para fortalecer a rede de amparo aos idosos é rediscutir (e repactuar) os papéis de vários atores sociais frente a esse desafio. Além do Estado, a família, as organizações e a própria sociedade podem ter papel mais ativo no cuidado aos idosos, buscando evitar situações como a que ocorre no filme aqui em debate. O Estado pode propor leis e normativas que busquem ampliar tal rede de suporte aos idosos, a partir de ações e responsabilidades compartilhadas entre os atores mencionados.

Para a questão 5, considera-se que, embora existam narrativas que defendem a aposentadoria como um marcador final da vida profissional associado ao sucesso e à liberdade, existem também situações de dificuldade que impossibilitam trabalhadores idosos de alcançar a aposentadoria. Para pessoas de classes sociais mais baixas e de lugares com uma realidade econômica menos favorecida, a probabilidade de se aposentar durante a vida é menor quando comparada a pessoas de classes sociais mais privilegiadas (Smith & Dougherty, 2012Smith, F. L., & Dougherty, D. S. (2012). Revealing a master narrative: Discourses of retirement throughout the working life cycle. Management Communication Quarterly, 26(3), 453-478. https://doi.org/10.1177/0893318912438687
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). Mesmo entre os aposentados, muitas vezes há a necessidade de complementar a renda.

Dessa maneira, o trabalho para os idosos aposentados pode representar uma fonte de renda complementar essencial à aposentadoria e à sua dignidade enquanto pessoa (Vanzella, Lima, & Silva, 2010Vanzella, E., Lima, E. A., Neto, & Silva, C. C. (2010). A terceira idade e o mercado de trabalho. Revista Brasileira de Ciências da Saúde, 14(4), 97-100. Retrieved from https://periodicos.ufpb.br/index.php/rbcs/article/view/7199
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). No filme, por exemplo, Albert relata que faz alguns trabalhos numa boate para ganhar cerca de US$ 40,00 por dia de trabalho. Isso indica a realidade de muitos trabalhadores aposentados que enxergam um caminho à subsistência e à melhoria das condições de vida na informalidade e/ou nos vínculos precários (Campos & D’Alencar, 2014Campos, J. B., & D’Alencar, R. S. (2014). A velhice nos caminhos da informalidade: Trabalhando para viver ou vivendo para trabalhar? Memorialidades, 3(5-6), 49-66. Retrieved from https://periodicos.uesc.br/index.php/memorialidades/article/view/165
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). Além disso, diante dos aspectos demonstrados, e expostas as dificuldades existentes para a manutenção ou obtenção do emprego formal, justifica-se a alta frequência na existência do trabalho autônomo entre idosos, no Brasil.

Pesquisas mostram que os idosos de ambos os gêneros, comparados aos mais jovens, estão menos propensos a encontrar novo emprego e, quando encontram, são, frequentemente, confrontados com cortes salariais, ou seja, quando conseguem se reinserir no mercado de trabalho, muitas vezes não atingem o respectivo reconhecimento salarial (Castro et al., 2019Castro, C. M. S., Costa, M. F. L, Cesar, C. C., Neves, J. A. B., & Sampaio, R. F. (2019). Influência da escolaridade e das condições de saúde no trabalho remunerado de idosos brasileiros. Ciência e Saúde Coletiva, 24(11), 4153-4162. https://doi.org/10.1590/1413-812320182411.05762018
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; Ziger et al., 2017Ziger, R., Filippim, E. S., & Beltrame, V. (2017). Perspectivas de carreira para pessoas idosas nas organizações. Revista de Carreiras e Pessoas, 7(3), 64-87. https://doi.org/10.20503/recape.v7i3.33169
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). Como exemplo que fortalece o argumento exposto, pesquisa realizada pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia indica que na região metropolitana de Salvador, no mercado de trabalho formal, os idosos se mantêm presentes em atividades consideradas mais tradicionais e mais precárias (Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia [SEI], 2018).

No filme, além da complementação de renda via informalidade, a interrupção no pagamento da pensão custeada pela Wechsler leva Willie, Joe e Albert à atitude extrema de assaltar um banco. Embora o enredo pareça distante da realidade, em março de 2021, um idoso cadeirante ameaçou explodir uma agência do INSS caso não recebesse as parcelas atrasadas do seu auxílio por incapacidade temporária (Queiroga, 2021Queiroga, L. (2021, March 16). Cadeirante ameaça explodir agência caso não recebesse benefícios atrasados, em SP. Jornal Extra. Retrieved from https://extra.globo.com/casos-de-policia/cadeirante-ameaca-explodir-agencia-caso-nao-recebesse-beneficios-atrasados-em-sp-rv1-1-24927767.html
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). Tal situação de desespero possibilita a problematização da temática, uma vez que é sabido que no contexto mencionado, os países deverão pensar em alternativas para conciliar o aumento da população idosa ativa, a reestruturação da força de trabalho e a sustentabilidade organizacional.

Para fechar a sessão, a necessidade da problematização da questão social da velhice e da responsabilidade das organizações frente ao fenômeno parte do entendimento de que os idosos, geralmente, enfrentam uma escolha entre a pobreza e a discriminação no local de trabalho em dimensões - recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, gerenciamento de desempenho e oportunidades de ascensão de carreira, a retenção.

Por fim, é importante destacar que o caso, ao tratar de dilemas sobre o envelhecimento e sobre o processo de aposentadoria, apresentou e discutiu possibilidades no âmbito destas questões, com vistas a desmitificar a busca por uma ‘solução’ quando da aposentadoria. Não se buscou apresentar um roteiro para uma ‘boa’ aposentadoria, mas tratá-la como um processo complexo, multidimensional, que demanda um compartilhamento de responsabilidades em sua preparação.

Acredita-se também que as organizações têm contribuído para gerar dificuldades na inserção e permanência de trabalhadores mais velhos e idosos no mercado de trabalho formal, ao valorizar e privilegiar, nos seus discursos e práticas, os trabalhadores mais jovens. Acredita-se, assim, que este caso possa contribuir na formação de ‘novos’ administradores, ao problematizar o fenômeno do envelhecimento e papel das organizações (e dos próprios administradores) no enfrentamento dos desafios dessa nova composição da força de trabalho, e no combate ao ageísmo, em suas diversas frentes.

REFERÊNCIAS

  • Disciplina:

    Administração de recursos humanos, Gestão de pessoas
  • Temática:

    Preparação para Aposentadoria
  • Setor de atividade:

    Setor Privado e Setor Público
  • Região:

    Brasil
  • Classificação JEL:

    M1, M12, M14.
  • Pareceristas:

    Naldeir dos Santos Vieira (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil)
    Ana Carolina Kruta de Araújo Bispo (Universidade Federal da Paraíba, Brasil)
  • Relatório de Revisão por Pares:

    O Relatório de Revisão por Pares está disponível neste link externo.
  • Financiamento

    Os autores relataram que o presente trabalho foi realizado com apoio financeiro do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (#140781/2020-0, #312539/2018-5, #434264/2018-0 e #308853/2021-0) e Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (#0271-6.02/14).
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Editado por

Editor-chefe:

Marcelo de Souza Bispo (Universidade Federal da Paraíba, PPGA, Brasil)

Editor Associado:

Sidnei Vieira Marinho (Universidade do Vale do Itajaí, Brasil)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2021
  • Revisado
    15 Fev 2022
  • Aceito
    18 Fev 2022
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