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Decolonizando-Recolonizando Currículo em Gestão e Contabilidade

RESUMO

Objetivo:

o presente estudo objetiva compreender reflexivamente como acadêmicos decoloniais em gestão-contabilidade no Brasil percebem e respondem à agenda de decolonização de currículo criada no Norte no contexto da pandemia supremacista de COVID-19.

Marco teórico:

abraçamos uma perspectiva decolonizante-recolonizante autocrítica para desafiar a agenda nortista de decolonização do currículo e a radicalização de dinâmicas imperiais Norte/Sul que internalizamos como acadêmicos sulistas privilegiados.

Métodos:

por meio de uma investigação-ação baseada em reflexividade, engajamos as experiências de acadêmicos decoloniais no Brasil.

Resultados:

nossas análises revelam aspectos importantes relacionados a dinâmicas de decolonização-recolonização em corpos, contextos e espaços de práticas.

Conclusões:

iniciativas de decolonização do currículo, no Sul, estão permeadas por dificuldades de desprendimento decolonial teórico que geram tensões nas dimensões pessoal/coletivo e competitivo/solidário, ativismo intelectual/praxeológico, formas de engajamento interno/externo ao ambiente acadêmico, conhecimento em formas extrativistas/não extrativistas, e pluriversalização de conhecimento em produtos acadêmicos/não acadêmicos. Esperamos encorajar educação em gestão-contabilidade que vá além do binarismo Norte-Sul e da agenda nortista de reforma curricular decolonial liderada pelo sistema eurocêntrico de escolas de negócios da universidade neoliberal contrarrevolucionária.

Palavras-chave:
decolonização de currículo; práxis decolonial; dinâmicas de decolonização-recolonização

ABSTRACT

Objective:

to reflexively understand how management and accounting decolonial academics in the Global South perceive and respond to the decolonizing curriculum agenda created in the Atlantic North within the hyper-contra-revolutionary context of the COVID-19 pandemic.

Theoretical approach:

we embrace a decolonizing-recolonizing perspective that challenges-reaffirms theory/practice and North/South binarisms that we internalize.

Method:

we embrace action research based on self-criticism and reflexivity to address the experiences of privileged decolonial scholars.

Results:

our findings reveal important aspects related to decolonizing-recolonizing dynamics that are occurring in bodies, contexts, and academic spaces.

Conclusions:

our study reveals that decolonizing the management and accounting curriculum in the South is permeated by difficulties for theoretical delinking, which trigger tensions about the constitution of personal/collective being, the mobilization of intellectual/practical activism, the creation of forms of engagement internal/external to the academy, transcending the competitive/solidaristic academic action model; the construction of knowledge in extractivist/non-extractivist forms; and the materialization of pluriversal knowledge in academic/non-academic products. We hope to encourage everyday decolonizing-recolonizing management and accounting education that goes beyond the North/South binarism and curricular reforms led by the counter-revolutionary neoliberal university and its Eurocentric business schools.

Keywords:
curriculum decolonization; decolonial praxis; decolonizing-recolonizing dynamics

INTRODUÇÃO

Os campos de gestão e contabilidade são artefatos do sistema neoliberal de educação superior que reproduz em escala global as dinâmicas profundas do capitalismo tardio ou dependente baseadas na matriz de acumulação via despossessão1 1 . Acumulação por despossessão é um conceito desenvolvido por David Harvey (2005) ao revisitar a teoria marxista da acumulação. Ele incorpora práticas correntes de espoliação intensas relacionadas a estratégias recorrentes de acumulação que dependem de uma expansão geográfica imperialista no âmbito do capitalismo mundial, ao longo de todo o século XX e XIX. Assim, o estudo de uma geografia histórica da expansão imperial do capitalismo desvelaria o desenvolvimento desigual dos processos de acumulação e externalização das contradições internas do capitalismo para espaços vulneráveis (nas margens) no neoliberalismo. A despossessão e a “apropriação violenta de modos de produção não capitalistas preexistentes não foi algo circunscrito à Europa, mas se estendeu mundialmente mediante o domínio violento de povos para além das fronteiras originais do capitalismo” (Scotelaro et al., 2018, p. 165). (Harvey, 2005Harvey, D. (2005). The New Imperialism. Oxford University.) inaugurada pelo colonialismo eurocêntrico (Mignolo, 2011Mignolo, W. (2011). The darker side of Western modernity. Duke University.) e radicalizada no contexto da pandemia supremacista de COVID-19 (Giroux, 2020Giroux, H. (2020). La pandemia de Covid-19 está exponiendo la plaga del Neoliberalismo. Praxis Educativa, 24(2), 4-16. https://doi.org/10.19137/praxiseducativa-2020-240202
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). Esse contexto reestabelece nas Américas os padrões coloniais de gestão e contabilidade da catástrofe experienciada há mais de cinco séculos por ‘outros’ universos e corpos e pelo planeta (Krenak, 2019Krenak, A. (2019). Ideias para adiar o fim do mundo. Companhia das Letras.). No presente artigo, entendemos que eurocentrismo não nomeia um local, nação ou povo, mas a hegemonia de um modo de pensar e agir (geo-corpo-política de conhecimento e identidade) embutido da modernidade imperial, nascida na Europa iluminista, e que por diversos fatores e nuances se reproduz em diferentes contextos na margem e no centro do capitalismo financeiro global (Mignolo, 2007).

Segundo autores do Norte Global, este sistema neoliberal de educação reproduz crenças, significados e valores contrários à vida da maioria e do planeta na forma de conhecimento válido (Graham, 2013Graham, C. (2013). Teaching accounting as a language. Critical Perspectives on Accounting, 24(2), 120-126. https://doi.org/10.1016/j.cpa.2012.01.006
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) ao ocultar, institucionalizar e expandir as contradições do capitalismo financialista global governado por elites transnacionais estadunidenses (Bryer, 2006Bryer, R. (2006). Accounting and control of the labour process. Critical Perspectives on Accounting, 17(5), 551-598. https://doi.org/10.1016/j.cpa.2003.06.010
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; Chabrak & Craig, 2013Chabrak, N., & Craig, R. (2013). Student imaginings, cognitive dissonance, and critical thinking. Critical Perspectives on Accounting, 24(2), 91-104. https://doi.org/10.1016/j.cpa.2011.07.008
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; Chiapello, 2007Chiapello, E. (2007). Accounting and the birth of the notion of capitalism. Critical Perspectives on Accounting, 18(3), 263-296. https://doi.org/10.1016/j.cpa.2005.11.012
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). Educação em gestão e contabilidade expande e aprofunda a normalização de desigualdades e injustiças antidemocráticas ao promover a contestada padronização de ferramentas, modelos e conceitos que são disseminados por currículos imperiais supostamente criados para que todos usufruam dos benefícios gerados pela globalização econômica (Chiapello, 2017).

Segundo autores sulistas, esses dois campos governados pelo neoliberalismo tido como antidemocrático por colegas críticos nortistas (Fleming, 2021Fleming, P. (2021). Dark academia: How universities die. Pluto Press.) reproduzem as dinâmicas coloniais de subalternização e exploração material e epistêmica do resto do mundo pelo Norte Global comandado pelos EUA (Alcadipani & Caldas, 2012Alcadipani, R., & Caldas, M. P. (2012). Americanizing Brazilian management. Critical Perspectives on International Business, 8(1), 37-55. https://doi.org/10.1108/17422041211197558
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; Homero, 2021Homero, P. F., Jr. (2021). Reflexões sobre a prática da pesquisa crítica em contabilidade no Brasil: Uma nota autobiográfica. Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade, 15(2), 225-242. https://doi.org/10.17524/repec.v15i2.2823
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). Com suporte de membros e instituições elitistas do Sul Global, o desenho curricular nortista e a literatura funcionalista estadunidense são impostas por meio de macro e micro dinâmicas de violência epistêmica que internalizamos e tentamos refutar em nosso cotidiano nas escolas de gestão e de contabilidade (Barros & Alcadipani, 2022Barros, A., & Alcadipani, R. (2022). Decolonizing journals in management and organizations? Epistemological colonial encounters and the double translation. Management Learning. https://doi.org/10.1177/13505076221083204
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; Wanderley & Faria, 2012Wanderley, S., & Faria, A. (2012). The Chandler-Furtado case: A de-colonial re-framing of a North/South (dis)encounter. Management & Organizational History, 7(3), 219-236. https://doi.org/10.1177/1744935912444355
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). Entendemos que violência epistêmica é praticada pela reivindicação de superioridade e aplicabilidade universal da epistemologia tradicional eurocêntrica em um processo de imposição colonial. A crítica decolonial, feminista e negra aponta a necessidade de respeito ao conhecimento situado, fundamentado na especificidade cultural e histórica de cada contexto. De acordo com Gonzalez (1988Gonzalez, L. (1988). A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro, (92-93), 69-82. http://www.tempobrasileiro.com.br/wp_site/publicacoes/revista-tempo-brasileiro/
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), o eurocentrismo “transformaria tudo numa tarefa de explicação racional… então a violência assumiria novas formas, mais sofisticadas, não parecendo nem violência, mas uma verdadeira superioridade” (p. 71).

Esse quadro contemporâneo reafirma em escala global a matriz de colonialidade do poder2 2 . A matriz colonial de poder é sustentada por quatro domínios inter-relacionados - economia, autoridade, conhecimento e subjetividade, gênero e sexualidade - que fundam a racialização e o patriarcado da civilização ocidental relacionados à teologia, à filosofia e à ciência secular. Por meio da matriz colonial de poder são fundadas no composto modernidade-colonialidade as formas de controle da autoridade, controle do sexo, controle da subjetividade e controle do trabalho (Quijano, 2000). , ser e conhecimento inaugurada em 1492 com a descoberta/conquista das Américas pela modernidade eurocêntrica universalista que promete salvação, progresso, desenvolvimento e educação para todos enquanto extermina, expropria, escraviza, racializa e subalterniza o ‘outro’ sem história e seus modos de ser, viver e conhecer (Quijano, 2007Quijano, A. (2007). Coloniality and modernity/rationality. Cultural studies, 21(2-3), 168-178. https://doi.org/10.1080/09502380601164353
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). Em um mundo neoimperial descrito pelo sistema neoliberal de educação como pós-colonial3 3 . A denominação ‘pós-colonial’ serve para designar o período depois da Segunda Guerra Mundial em que começaram a ocorrer processos de liberação e independência formal de um determinado país colonizado do outro país controlador. Ou seja, reconhece-se o rompimento do vínculo colonial formal entre os Estados, mas somente após algumas décadas passa a ser debatida/reconhecida a continuidade dos efeitos do imperialismo cultural e social sobre aquele contexto (Ashcroft et al., 2005). , sucessivas reformas curriculares nortistas baseadas em debates eugênicos (Paraskeva & Steinberg, 2016Paraskeva, J., & Steinberg, S. (Eds). (2016). Curriculum: Decanonizing the field. Peter Lang.) desafiam e expandem sobre o debate curricular a matriz da modernidade/colonialidade (Castro-Gómez, 2007Castro-Gómez, S. (2007). Descolonizar la universidad: La hubris del punto cero y el diálogo de saberes. In R. Grosfoguel (Ed.), El giro decolonial: Reflexiones para una diversidad epistémica mas allá del capitalismo global (pp. 79-91). Siglo del Hombre.) por meio da subalternização, cooptação e desmantelamento de resistências sulistas à história eurocêntrica, à diferença colonial e aos padrões de colonialidade epistêmica que governam os sistemas existentes de conhecimento, incluindo os campos de gestão e contabilidade (Ibarra-Colado, 2006Ibarra-Colado, E. (2006). Organization studies and epistemic coloniality in Latin America: Thinking otherness from the margins. Organization, 13(4). https://doi.org/10.1177/1350508406065851
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; Mendes et al., 2020Mendes, D., Fonseca, A. C. P. D., & Sauerbronn, F. F. (2020). Modos de ideologia e de colonialidade em materiais didáticos de Contabilidade. Education Policy Analysis Archives, 28, 99. https://doi.org/10.14507/epaa.28.5061
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). Nesse sentido, a diferença colonial é um conceito que abarca discursos e práticas da modernidade que atribuem ao mundo euro-ocidental um padrão de superioridade religiosa, científica ou econômica enquanto inferioriza todos os ‘outros’ povos sem história ou teorias que não atendem a esse padrão de civilização supostamente universal (Mignolo & Tlostanova, 2006Mignolo, W., & Tlostanova, M. (2006). Theorizing from the borders: Shifting to geo-and body-politics of knowledge. European Journal of Social Theory, 9(2), 205-221. https://doi.org/10.1177/1368431006063333
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).

A partir da América Latina, teóricos decoloniais criticam os padrões e valores civilizatórios que reproduzem a matriz eurocêntrica de dominação por elites coloniais (Sauerbronn et al., 2021Sauerbronn, F., Ayres, R., da Silva, C., & Lourenço, R. (2021). Decolonial studies in accounting? Emerging contributions from Latin America. Critical Perspectives on Accounting, 102281. https://doi.org/10.1016/j.cpa.2020.102281
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), desvelam as dinâmicas do lado mais obscuro da modernidade/colonialidade (Rodrigues, Craig et al., 2015Rodrigues, L. L., Craig, R. J., Schmidt, P., & Santos, J. L. (2015). Documenting, monetising and taxing Brazilian slaves in the eighteenth and nineteenth centuries. Accounting History Review, 25(1), 43-67. https://doi.org/10.1080/21552851.2014.946935
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; Sayed, 2020Sayed, S. (2020). Financial Reporting como instrumento ideológico para fins hegemônicos: evidências do Banco do Brasil (1853-1902). Advances in Scientific and Applied Accounting, 13(2), 154-175. https://doi.org/10.14392/ASAA.2020130208
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; Silva, Rodrigues et al., 2020Silva, A. R., Rodrigues, L. L., & Sangster, A. (2020). Accounting as a tool of state ideology to control captive workers from a House of Correction. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 33(2), 285-308. https://doi.org/10.1108/AAAJ-04-2018-3444
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), mobilizadas pela universidade eurocêntrica neoliberal/neoimperial crescentemente militarizada, corporatizada e globalizante e suas teorias tradicionais e críticas igualmente patriarcais (Mignolo, 2021Mignolo, W. (2021). The politics of decolonial investigations. Duke University Press). Teóricos decoloniais prescrevem o ‘desprendimento’ dos campos de gestão e contabilidade do Sul Global das epistemologias e metodologias eurocêntricas impostas pelo Norte Global (Silva, Sauerbronn et al., 2022). As críticas decoloniais do Sul que abraçamos em anos recentes para decolonizar esses dois campos, juntamente com colegas brasileiros e estrangeiros, reacenderam o debate da colonialidade na universidade eurocêntrica neoliberal no Norte e no Sul (Castro-Gómez, 2007Castro-Gómez, S. (2007). Descolonizar la universidad: La hubris del punto cero y el diálogo de saberes. In R. Grosfoguel (Ed.), El giro decolonial: Reflexiones para una diversidad epistémica mas allá del capitalismo global (pp. 79-91). Siglo del Hombre.).

A universidade eurocêntrica é um espaço fechado (privado) destinado a (con)formar sujeitos de acordo com as expectativas étnicas e sociais da elite dirigente. O ‘formado’ pertenceria a um grupo de elite e assumiria como naturais os interesses, esquemas de pensamento, gostos e estilos de vida, enfim, a constituição de sua subjetividade a partir de um sistema de pressupostos relacionados às elites dominantes e ao imaginário cultural da branquitude europeizante. Em função da reprodutibilidade neoliberal pelas elites, as universidades eurocêntricas atualmente reproduzem acriticamente essa ideologia tanto no Norte quanto no Sul (Castro-Gómez, 2005Castro-Gómez, S. (2005). Ciências sociais, violência epistêmica e o problema da “invenção do outro”. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais, perspectivas latino-americanas (pp. 80-87). Clacso.; 2007).

Em resposta à emergência da teoria decolonial impulsionada por múltiplos movimentos de libertação e de decolonização da universidade capitalista e seus currículos no Sul Global (Mbembe, 2016Mbembe, A. (2016). Decolonizing the university: New directions. Arts and Humanities in Higher Education, 15(1), 29-45. https://doi.org/10.1177/1474022215618513
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), especialistas nortistas reafirmam a classificação geo-histórica de teorias sulistas como essencialismos anti-Ocidente4 4 . Classificar teorias sulistas como ‘essencialismos anti-Ocidente’ significa categorizar e homogeneizar um grupo de pensadores, como se todos os teóricos possuíssem um núcleo comum de crítica (anti-ocidental) com propriedades superficiais. A essencialização da episteme do Sul seria um processo de categorização baseado na crença na existência de atributos similares e imutáveis, tornando-os uma entidade formada por membros que caminham em uma única direção. Essa classificação uniformizaria epistemes distintas, diminuiria a relevância da heterogeneidade de pensamento, e apagaria nuances das diversas críticas à modernidade ocidental. Nesse processo de essencialização somente do Sul, qualquer crítica a partir do Norte (que não foi essencializada) seria valorizada como superior e, portanto, isso as dotaria maior espaço para defesa de reformas parciais que acomodam interesses de suas elites. para então valorizar e combater as críticas internas nortistas que defendem reformas progressistas-liberais por meio de currículos pacificadores que mantêm virtualmente intacto o projeto de produção de cidadãos para o império, não para a democracia (Paraskeva & Steinberg, 2016Paraskeva, J., & Steinberg, S. (Eds). (2016). Curriculum: Decanonizing the field. Peter Lang.). A academia nortista corporifica o princípio organizador da gestão-contabilidade imperial imposta aos povos sulistas também por suas elites (Cooke, 2003Cooke, B. (2003). The denial of slavery in management studies. Journal of Management Studies, 40(8), 1895-1918. https://doi.org/10.1046/j.1467-6486.2003.00405.x
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).

Assim, a matriz colonial liderada pela universidade eurocêntrica neoliberal se expande por meio dessa agenda recolonizante que reafirma o binarismo Norte-Sul e promove agendas elitistas de decolonização que não decolonizam via negação, demonização, apropriação e cooptação de epistemes e materialidades sulistas no Norte e Sul geográficos (Faria & Hemais, 2021Faria, A., Abdalla, M., & Guedes, A. L. (2021). Can we co-construct a field of Management/Administration engaged with the majority?. Organizações & Sociedade, 28(98), 549-581. https://doi.org/10.1590/1984-92302021v28n9804EN
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). Nesse contexto de radicalização da colonialidade evidenciada pela pandemia de COVID-19 (Mignolo, 2020Mignolo, W. (2020). The logic of the in-visible: Decolonial reflections on the change of epoch. Theory, Culture & Society, 37(7-8), 205-218. https://doi.org/10.1177/0263276420957741
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), assumimos a responsabilidade de lutar contra a emergência dessa agenda decolonial curricular elitista liderada por um sistema racista/colonial de escolas de negócios (Banerjee et al., 2020Banerjee, S., Rodrigues, J., & Dar, S. (2020, July 13). Beyond name changes and pulling down statues - how to decolonise business schools. The Conversation. https://theconversation.com/beyond-name-changes-and-pulling-down-statues-how-to-decolonise-business-schools-142394
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).

Profundamente incomodados com o avanço da matriz colonial em escala global, resolvemos agir e investigar como esta agenda nortista tem sido percebida e enfrentada por acadêmicos decoloniais no Brasil com quem temos lutado por decolonização acadêmica em condições de (im)possibilidade. Como acadêmicos críticos-decoloniais privilegiados em gestão e contabilidade que diariamente agem como cúmplices dessa recolonização, abraçamos uma perspectiva autocrítica de decolonização-recolonização que vai além do binarismo Norte-Sul (Jammulamadaka et al., 2021Jammulamadaka, N., Faria, A., Jack, G., & Ruggunan, S. (2021). Decolonising management and organisational knowledge (MOK): Praxistical theorising for potential worlds. Organization, 28(5), 717-740. https://doi.org/10.1177/13505084211020463
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). Nossa pesquisa-ação reflexiva informada por tradições nortistas e sulistas de agir coletivamente enquanto investigamos para transformar a sociedade (Gayá & Brydon-Miller, 2017Gayá, P., & Brydon-Miller, M. (2017). Carpe the academy: Dismantling higher education and prefiguring critical utopias through action research. Futures, 94, 34-44. https://doi.org/10.1016/j.futures.2016.10.005
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; Walsh et al., 2018Walsh, C., de Oliveira, L., & Candau, V. (2018). Colonialidade e pedagogia decolonial: Para pensar uma educação outra. Education Policy Analysis Archives, 26, 83. https://doi.org/10.14507/epaa.26.3874
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) busca compreender como acadêmicos engajados com a perspectiva decolonial em gestão e contabilidade (incluindo nós mesmos) percebem e encaram a emergência da agenda nortista de decolonização curricular.

Por meio dessa pesquisa-ação - que desafia e reproduz contradições e dimensões da colonialidade enfrentadas também por colegas do Norte Global lutando contra as dinâmicas sistemáticas de extermínio e cooptação de epistemologias-ação (Amsler, 2015Amsler, S. S. (2015). The education of radical democracy. Routledge.) enquanto são excluídos ou cooptados pelos debates sobre decolonização de currículo (Fahlberg, 2023Fahlberg, A. (2023). Decolonizing Sociology through collaboration, co‐learning and action: A case for participatory action research. Sociological Forum, 38(1), 95-120. https://doi.org/10.1111/socf.12867
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) -, problematizamos (im)possibilidades de coconstrução de espaços coletivos de transformação libertadora dentro e fora de universidades e escolas. Esperamos encorajar múltiplas possibilidades de educação decolonial transformacional em gestão-contabilidade que vão além do binarismo Norte/Sul mobilizado pela agenda decolonial nortista.

SOBRE (DE)COLONIALIDADE NO SUL

(De)Colonialidade

A universidade e seus currículos nortistas reafirmam o mito eurocêntrico de que a modernidade neoliberal pós-colonial superou a colonização de países e povos do Sul Global. Segundo a teorização decolonial, os movimentos que debelaram o colonialismo formal mantiveram virtualmente intacta a matriz de colonialidade. A colonialidade é dimensão constitutiva da modernidade eurocêntrica que vivemos em todos os cantos e no ar que respiramos.

A partir da teorização pós-colonial - que antecede a emergência do movimento decolonial latino-americano no sistema universitário estadunidense no início dos anos 2000 -, a Modernidade Eurocêntrica é definida como um quadro dominante do pensamento social e político, não só no Ocidente, que emerge das repercussões do Iluminismo europeu, do Renascimento e dos processos de industrialização que criaram um senso universalista de ordem e explicação do sistema-mundo moderno. Os seus pressupostos são “ruptura e diferença - uma ruptura temporal que distingue um passado tradicional e agrário do presente moderno e industrial; e uma diferença fundamental que distingue a Europa do resto do mundo”. Como aparato paradigmático, a modernidade eurocêntrica enquadrou os problemas metodológicos no padrão na investigação social e as explicações apresentadas para resolvê-los (Bhambra, 2007Bhambra, G. K. (2007). Rethinking modernity: Postcolonialism and the sociological imagination. Springer International Publishing. https://doi.org/10.1007/978-3-031-21537-7
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, p. 1).

Não há modernidade sem colonialidade, sua face mais obscura e constitutiva. Esta é pautada por narrativas de silenciamentos que reproduzem as relações coloniais de poder e diferenciação hierarquizante (Segato, 2021Segato, R. (2021). Brechas coloniais para uma universidade da Nossa América. In: R. Segato (Org.), Crítica da colonialidade em oito ensaios e uma antropologia por demanda (pp. 315-345). Bazar do tempo.). O mito do ‘descobrimento’ é uma das mais importantes narrativas de origem, que subalterniza o outro. Este (des)educa, no Sul e Norte, ao estabelecer e normalizar a compreensão racializada de que “um continente inteiro … precisou ser descoberto por Colombo para poder existir” (Name, 2009Name, L. (2009). O eurocentrismo está em toda parte: Sobre orientalismos, ocidentalismos e outras imprecisões geográficas. GeoPUC, 2(2), 1-22. https://www.academia.edu/313828/_2009_O_eurocentrismo_est%C3%A1_em_toda_parte_sobre_orientalismos_ocidentalismos_e_outras_imprecis%C3%B5es_geogr%C3%A1ficas
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, p. 1) e que o conhecimento produzido pelo eurocentrismo e tornado universal por sistemas formais de educação e violência epistêmica é necessário para salvar, converter e desenvolver primitivos sulistas sem história, teoria e racionalidade.

No projeto da modernidade/colonialidade eurocêntrica que internalizamos como educadores profissionais, a educação formal é central para internalização da diferença colonial entre superiores e inferiores que nega e justifica “conquistas, povoamento e controle administrativo sistematizado de alguns países europeus sobre outros lugares, implantando estruturas institucionais de governo, sistemas legais e domínio militar violento” (Sauerbronn et al., 2021Sauerbronn, F., Ayres, R., da Silva, C., & Lourenço, R. (2021). Decolonial studies in accounting? Emerging contributions from Latin America. Critical Perspectives on Accounting, 102281. https://doi.org/10.1016/j.cpa.2020.102281
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, pp. 2-3). Enquanto somos ensinados e ensinamos ao contrário, a colonialidade que constitui a modernidade permanece, se renova e se expande (Grosfoguel, 2008Grosfoguel, R. (2008). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, 115-147. https://doi.org/10.4000/rccs.697
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) por meio do contestado sistema neoliberal de educação formal em diferentes níveis (Castro-Gómez, 2007Castro-Gómez, S. (2007). Descolonizar la universidad: La hubris del punto cero y el diálogo de saberes. In R. Grosfoguel (Ed.), El giro decolonial: Reflexiones para una diversidad epistémica mas allá del capitalismo global (pp. 79-91). Siglo del Hombre.).

Em resposta a essa radicalização da matriz de colonialidade em escala global, a teorização decolonial latino-americana desvela e denuncia a continuidade das relações de dominação e desvela os “processos que supostamente teriam sido apagados, assimilados ou superados pela modernidade” (Ballestrin, 2013Ballestrin, L. (2013). América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, (11), 89-117. https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004
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, p. 100). Segundo o projeto Modernidade-Colonialidade-Decolonialidade mobilizado por acadêmicos e acadêmicas da América Latina a partir do sistema acadêmico estadunidense, a colonialidade do poder normaliza relações coloniais, raciais (Quijano, 2009Quijano, A. (2009). Colonialidade do poder e classificação social. In B. S. Santos, M. P. Meneses (Orgs.), Epistemologias do Sul (pp. 73-117). Edições Almedina.) e de gênero (Lugones, 2010Lugones, M. (2010). Toward a decolonial feminism. Hypatia, 25(4), 742-759. https://www.jstor.org/stable/40928654
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), em termos culturais, políticos e econômicos (Figueiredo & Grosfoguel, 2010Figueiredo, Â., & Grosfoguel, R. (2010). Racismo à brasileira ou racismo sem racistas: Colonialidade do poder e a negação do racismo no espaço universitário. Sociedade e Cultura, 12(2), 223-234. https://doi.org/10.5216/sec.v12i2.9096
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). A colonialidade do poder informa a expansão do sistema neoliberal de educação que reproduz as dinâmicas capitalistas de acumulação via despossessão inauguradas com a ‘descoberta/conquista’ das Américas e impede que essa modernidade seja desmantelada por conhecimentos decolonizantes e modos de conhecer libertadores.

A colonialidade do saber estabelece os mitos de que conhecimento do Oeste Europeu é neutro e uma verdade superior (Quijano, 2000Quijano, A. (2000). Coloniality of power, eurocentrism and Latin America. Nepantla, 15(2), 215-232. https://doi.org/10.1177/0268580900015002005
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), de que a história da América Latina é a história europeia (Rodrigues, Costa et al., 2021Rodrigues, L., Costa, A. S. M., & Hemais, M. W. (2021). Three historical narratives on advertising self-control in Brazil. Journal of Historical Research in Marketing, 13(2), 85-111. https://doi.org/10.1108/JHRM-03-2020-0013
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), e de que o ‘outro’ sem história é bárbaro e primitivo. A matriz colonial que internalizamos (re)cria hierarquias visando a beneficiar espaços e culturas eurocêntricas por meio de inferiorização que racializa, coisifica, animaliza, subalterniza e extermina-apropria bases materiais da cultura e a memória dos povos colonizados (Shohat & Stam, 2006Shohat, E., & Stam, R. (2006). Crítica da imagem eurocêntrica: Multiculturalismo e representação. Cosac Naify.).

A colonialidade do saber materializa-se, portanto, em uma geo-corpo-política que transforma ignorância e discursos imperiais em ‘conhecimento’ válido por meio de currículos formais (Castro-Gómez, 2007Castro-Gómez, S. (2007). Descolonizar la universidad: La hubris del punto cero y el diálogo de saberes. In R. Grosfoguel (Ed.), El giro decolonial: Reflexiones para una diversidad epistémica mas allá del capitalismo global (pp. 79-91). Siglo del Hombre.) a partir de uma marcha modernizadora e civilizatória (desde o século XVIII) em que fronteiras não naturais criaram uma ‘divisão geo-gráfica e corpo-gráfica’ associando locais específicos a bárbaros e primitivos. Quanto às origens e representações geográficas e políticas, os corpos e suas correspondentes raças, cores, rastros étnicos, representações de gênero e religiões foram classificados e atribuídos a um determinado lugar na hierarquização geo-corpo-política (Mignolo & Tlostanova, 2006Mignolo, W., & Tlostanova, M. (2006). Theorizing from the borders: Shifting to geo-and body-politics of knowledge. European Journal of Social Theory, 9(2), 205-221. https://doi.org/10.1177/1368431006063333
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). Em suma, colonialidade envolve, portanto, negação ou inferiorização de culturas e conhecimentos locais/originários presentes em práticas decolonizantes-recolonizantes das elites acadêmicas locais providas de praxes transformadas em teorias (Jammulamadaka et al., 2021Jammulamadaka, N., Faria, A., Jack, G., & Ruggunan, S. (2021). Decolonising management and organisational knowledge (MOK): Praxistical theorising for potential worlds. Organization, 28(5), 717-740. https://doi.org/10.1177/13505084211020463
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).

Por meio de dinâmicas complexas de autorrejeição sociogênica que constituem as dinâmicas de expansão do capitalismo eurocêntrico, o colonizado sulista que tenta decolonizar promove recolonização ao internalizar binarismos, valores e conhecimentos do colonizador nortista. Nosso argumento decolonial autocrítico e nossa proposta reflexiva de pesquisa-ação abraçam a crítica de Tuck e Yang (2012Tuck, E., & Yang, K. W. (2012). Decolonization is not a metaphor. Decolonization: Indigeneity, Education & Society, 1(1), 1-40. https://jps.library.utoronto.ca/index.php/des/article/view/18630
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) que compreende a decolonização de currículo como “tentativa problemática de reconciliar a culpa e a cumplicidade do colono” (p. 1) que mantém e expande dinâmicas estruturais e estruturantes de dominação externa e interna. Reconhecemos que quando membros privilegiados do Terceiro Mundo declaram ruptura com o Primeiro Mundo por meio de narrativas de descolonização, “os ritmos de colonização são aborrecidamente repetidos com a consolidação de estilos reconhecíveis [pelo Primeiro Mundo]” (Spivak, 2004aSpivak, G. C. (2004a). Poststructuralism, marginality, postcoloniality and value. In D. Brydon, (Ed), Postcolonialism (pp. 57-84). Routledge., p. 61).

Decolonização e recolonização

Nossas práticas decolonizantes são recolonizantes, já que vivemos em Estados (e universidades) coloniais “dominados e controlados pelos filhos dos espanhóis, portugueses e britânicos nas Américas que mantêm intactas as hierarquias raciais existentes” (Figueiredo & Grosfoguel, 2010Figueiredo, Â., & Grosfoguel, R. (2010). Racismo à brasileira ou racismo sem racistas: Colonialidade do poder e a negação do racismo no espaço universitário. Sociedade e Cultura, 12(2), 223-234. https://doi.org/10.5216/sec.v12i2.9096
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, p. 225). A decolonização teórica ou intelectual impulsionada por instituições capitalistas do Norte Global subalterniza a reflexividade práxica sulista e apaga a autocrítica decolonial (Jammulamadaka et al., 2021Jammulamadaka, N., Faria, A., Jack, G., & Ruggunan, S. (2021). Decolonising management and organisational knowledge (MOK): Praxistical theorising for potential worlds. Organization, 28(5), 717-740. https://doi.org/10.1177/13505084211020463
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) ao reproduzir estruturas de recolonização que internalizamos e tentamos refutar (Faria et al., 2021Faria, A., Abdalla, M., & Guedes, A. L. (2021). Can we co-construct a field of Management/Administration engaged with the majority?. Organizações & Sociedade, 28(98), 549-581. https://doi.org/10.1590/1984-92302021v28n9804EN
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).

Acadêmicos de instituições de elite como nós mobilizam hibridismos necessariamente problemáticos. Recolonizamos ao tentarmos decolonizar com teorias sulistas que espelham as teorias nortistas providas pela matriz de colonialidade. Irrefletidamente e impulsionados por mecanismos de acumulação via despossessão - que historicamente garantem privilégios a poucos e nos dividem e hierarquizam no Sul Global estratificado(r) -, reafirmamos os binarismos Norte e Sul e teoria-prática normalizados pela modernidade/colonialidade eurocêntrica capitalista.

A colonialidade epistêmica envolve a assimilação acrítica de conhecimentos superiores que inferiorizam outros modos de conhecer e existir, em processos hierárquicos curriculares de assimilação-submissão a critérios e modelos oriundos dos países centrais (Guerreiro Ramos, 1996Guerreiro Ramos, A. (1996). A redução sociológica. Ed. UFRJ.). A contestada legitimidade de instituições que governam escolas de negócios por meio da universalização curricular está assentada na tradição do pensamento ocidentalista pavimentado por teorias que subalternizam autocríticas ‘ameaçadoras’. Dinâmicas de inferiorização de pessoas ‘ameaçadoras’ - de diferentes origens e ancestralidades - por meio de universalidade curricular-teórica permitem a homens ocidentais-ocidentalizados5 5 . Ocidentalização é o processo de fusão das noções de Ocidente e modernização em todo o mundo. As sociedades não ocidentais (inclusive a latino-americana) “carecem dos elementos da cultura ocidental e, ao incorporá-los, caminham em direção a desenvolvimento e progresso”. O processo de ocidentalização envolve optar por: aceitar a modernização e a ocidentalização; não reagir e rejeitar ambas; ou aceitar e se deslumbrar com a modernidade. Nesta colonização do imaginário, para “alcançar prosperidade e poder é necessário assemelhar-se ao Ocidente”. Entretanto, no processo de ocidentalização na/da América Latina “não há interesse de integrá-la com a civilização ocidental, mas manter a relação entre colonizador e colonizado” (Silva, 2018, passim). no Norte e no Sul geográficos “o privilégio epistêmico de definir o que é verdade, o que é a realidade e o que é melhor para os demais” (Grosfoguel, 2016Grosfoguel, R. (2016). A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: Racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado, 31(1), 25-49. https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/6078
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, p. 25).

A monopolização da verdade teórica no Sul e Norte se dá por meio da coisificação do ‘outro’ (Césaire, 2000Césaire, A. (2000). Discourse on colonialism (J. Pinkam, Trans.). Monthly Review Press. (Trabalho original publicado 1955).) seguida pela desqualificação e subalternização de “outros conhecimentos e outras vozes críticas frente aos projetos imperiais/coloniais/patriarcais” (Grosfoguel, 2016Grosfoguel, R. (2016). A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: Racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado, 31(1), 25-49. https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/6078
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, p. 25). Desde Colombo, internalizamos mecanismos de injustiça cognitiva e epistêmica em nome da salvação ou progresso para legitimar projetos imperiais-coloniais-patriarcais via universalização ‘benevolente’ que oculta violências epistêmico-curriculares correspondentes (Lugones, 2010Lugones, M. (2010). Toward a decolonial feminism. Hypatia, 25(4), 742-759. https://www.jstor.org/stable/40928654
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).

A subordinação de acadêmicos e currículos às estruturas e instituições reprodutoras do conhecimento universalista remonta a séculos de uma ‘arqueologia do colonialismo’ (Castro-Gómez, 2007Castro-Gómez, S. (2007). Descolonizar la universidad: La hubris del punto cero y el diálogo de saberes. In R. Grosfoguel (Ed.), El giro decolonial: Reflexiones para una diversidad epistémica mas allá del capitalismo global (pp. 79-91). Siglo del Hombre.) em que a linguagem do conhecimento forma uma húbris do ponto zero em que o ideal científico se distancia da linguagem cotidiana para ser governado pela ‘egopolítica’ de conhecimento ‘não situado’ que internalizamos. A verdade teórico-científica é tida como neutra por não ser particularista/essencialista, oculta os privilégios do homem branco, e preenche nosso cotidiano sulista de ambivalências que recolonizam (Segato, 2021Segato, R. (2021). Brechas coloniais para uma universidade da Nossa América. In: R. Segato (Org.), Crítica da colonialidade em oito ensaios e uma antropologia por demanda (pp. 315-345). Bazar do tempo.).

A universidade atravessada pela colonialidade universalista tem sido historicamente contestada por múltiplos e complexos processos sulistas de decolonização-recolonização que reproduzem binarismos institucionalizados pela matriz colonial. Dentre as possibilidades para promovermos libertação sulista, Santos (2019Santos, B. S. (2019). O fim do império cognitivo: A afirmação das epistemologias do sul. Autêntica.) destaca: “acesso à universidade (de estudantes outros) e acesso a uma carreira universitária (de docentes outros) … relações entre a universidade e a sociedade em geral” (p. 376). A construção de currículos decoloniais a partir de nossos sistemas de universidades e escolas capitalistas demanda autocrítica rigorosa para evitarmos o mero deslocamento da “linha abissal desenhada inicialmente e depois apagada pelas epistemologias do Norte” (Santos, 2019, p. 384). A linha abissal reafirma no contexto Norte-Sul a diferenciação eurocêntrica desumanizante entre humanos e não humanos que foi problematizada e enfrentada por Frantz Fanon e os condenados da terra nos 1950-60s (Fanon, 1967).

Nesse sentido, a decolonialidade não é uma metáfora, tampouco sinônimo de antirracismo ou justiça social. Decolonizar é um empreendimento que vai além dos discursos e teorias liberais de inclusividade, diversidade e empoderamento (Tuck & Yang, 2012Tuck, E., & Yang, K. W. (2012). Decolonization is not a metaphor. Decolonization: Indigeneity, Education & Society, 1(1), 1-40. https://jps.library.utoronto.ca/index.php/des/article/view/18630
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). Enquanto acadêmicos e estudantes do Norte entendem a universidade como ‘a última utopia restante’ (Spivak, 2004bSpivak, G. C. (2004b). Righting wrongs. South Atlantic Quarterly, 103(2-3), 523-581. https://doi.org/10.1215/00382876-103-2-3-523
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), a educação comprometida com certas classes ‘descendentes da classe média colonial’ opera permanentemente sobre uma ‘normalidade alterada’ e se expande por meio de projetos reconciliatórios (O’Shea, 2018O’Shea, J. (2018). Decolonizar o currículo? Possibilidades para desestabilizar a formação em performance. Revista Brasileira de Estudos da Presença, 8(4), 750-762. https://seer.ufrgs.br/index.php/presenca/article/view/87007
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) que ocultam e silenciam dinâmicas complexas de compensação (territorial e cultural) das violências do passado que internalizamos. Por exemplo, o projeto decolonial nortista expande essa educação desumanizante por meio da mobilização da perspectiva dos ‘defensores dos direitos humanos’ (Spivak, 2004b). Em condições de (im)possibilidade, essa utopia deve ser ‘desamarrada do porto seguro’ das universidades capitalistas e das pressões das elites domésticas e internacionais para que a educação vá além do conhecimento formal e abrace uma ‘humanidade do porvir’ sob a perspectiva privilegiada dos subalternizados pela catástrofe civilizatória (Krenak, 2019Krenak, A. (2019). Ideias para adiar o fim do mundo. Companhia das Letras.).

Por meio de uma perspectiva decolonizante-recolonizante que tenta ir além dos binarismos Norte/Sul e teoria/prática (Jammulamadaka et al., 2021Jammulamadaka, N., Faria, A., Jack, G., & Ruggunan, S. (2021). Decolonising management and organisational knowledge (MOK): Praxistical theorising for potential worlds. Organization, 28(5), 717-740. https://doi.org/10.1177/13505084211020463
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), entendemos que, na prática cotidiana marcada por renovadas condições de (im)possibilidade, decolonizar currículo significa engajar e ir além da teorização decolonial e das ideias de reforma radical (das esquerdas tradicionais) ou do engajamento das escolas de negócio com propostas (re)conciliatórias (das elites humanistas). Apresentamos a seguir nossa perspectiva autocrítica de decolonização-recolonização.

Nossa perspectiva reflexiva de decolonização-recolonização

Engajados com autocrítica reflexiva no contexto da pandemia supremacista da COVID-19 (Mignolo, 2020Mignolo, W. (2020). The logic of the in-visible: Decolonial reflections on the change of epoch. Theory, Culture & Society, 37(7-8), 205-218. https://doi.org/10.1177/0263276420957741
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), entendemos que a decolonização de currículo no Sul deve ser informada não por um universalismo latino-americanista elitista e predominantemente essencialista (Dussel, 1977Dussel, E. (1977). Filosofia da libertação na América Latina. Unimep.; 2005), mas sim por uma perspectiva transformacional inspirada em: (a) pensamento pós-abissal (Santos, 2007Santos, B. S. (2007). Para além do pensamento abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes. Novos Estudos - CEBRAP, 79, 71-94. https://doi.org/10.1590/S0101-33002007000300004
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; 2019), (b) pensamento fronteiriço teórico (Mignolo, 2000; Mignolo & Walsh, 2018Walsh, C., de Oliveira, L., & Candau, V. (2018). Colonialidade e pedagogia decolonial: Para pensar uma educação outra. Education Policy Analysis Archives, 26, 83. https://doi.org/10.14507/epaa.26.3874
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), (c) compromisso com ‘aprender a desaprender’ (Tlostanova & Mignolo, 2012Tlostanova, M., & Mignolo, W. (2012). Learning to unlearn: Decolonial reflections from Eurasia and the Americas. Ohio State University.), e (d) busca por pluriversalidade (Grosfoguel, 2016Grosfoguel, R. (2016). A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: Racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado, 31(1), 25-49. https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/6078
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).

Segundo a teoria decolonial, decolonialidade se dá com desprendimento (delinking) do pensamento colonial e engajamento com possibilidades subalternizadas de conhecimento, vivências, economia e ética sulistas (Mignolo, 2007Mignolo, W. (2007). Introduction: Coloniality of power and de-colonial thinking. Cultural studies, 21(2-3), 155-167. https://doi.org/10.1080/09502380601162498
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). Isso implica superar a ideia simplista de que é possível nos colocarmos fora da modernidade/colonialidade, visto que “ninguém poderia abandonar ou ignorar o depósito e a sedimentação das línguas e categorias de pensamento imperiais” (Mignolo & Tlostanova, 2006, p. 218). Ao promover a superação da ideia simplista de que é possível nos colocarmos fora da modernidade/colonialidade, a desobediência epistêmica significa garantir o direito de existência epistêmica de comunidades outras, “a pluri-versalidade e o colapso de qualquer universal abstrato apresentado como bom para a humanidade inteira” (Mignolo, 2008, p. 300).

O conceito de pensamento transfronteiriço (border thinking) é mobilizado pela teoria decolonial latino-americanista para desprendimento do (delink from) eurocentrismo universalista. Essa proposta de desprendimento autoafirmativo privilegia o lugar de enunciação “historicamente localizado na fronteira (interior ou exterior) do sistema do mundo moderno/colonial” (Mignolo, 2000Mignolo, W. D. (2000). Local Histories/Global Designs: Coloniality, Subaltern Knowledges, and Border Thinking. Princeton University Press., p. 85). Na prática, desafia e reafirma a matriz de diferenciação de poder imperial/colonial na formação das subjetividades, “como resposta [essencialista] à violência da epistemologia imperial/territorial e à retórica da modernidade/globalização eurocêntrica da salvação” (Faria, 2013Faria, A. (2013). Border thinking in action: Should critical management studies get anything done? In V. Malin, J. Murphy, & M. Siltaoja (Eds.), Dialogues in Critical Management Studies (pp. 277-300). Emerald Group. https://doi.org/10.1108/S2046-6072(2013)0000002018
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, p. 284) Por sua vez, o pensamento transmoderno, ao ir além do mito de autogeração da modernidade e suas ideologias - i.e., o cristianismo, o liberalismo, o marxismo, o conservadorismo e o colonialismo (Ballestrin, 2013Ballestrin, L. (2013). América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, (11), 89-117. https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004
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), que informam latino-americanismos e terceiro-mundismos essencialistas que internalizamos (Grosfoguel, 2016Grosfoguel, R. (2016). A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: Racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado, 31(1), 25-49. https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/6078
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) -, tanto desmantela quanto reafirma espaços e corpos negados e subalternizados pela modernidade, de esquerda ou de direita (Mignolo, 2003). O contexto de radicalização de matrizes coloniais pela pandemia supremacista permite reconhecermos nossas experiências decolonizantes-recolonizantes para recuperarmos a autocrítica práxico-reflexiva transmoderna (Faria & Hemais, 2021).

A transmodernidade decolonial tenta ir além dos binarismos Norte/Sul e teoria/prática ao promover a recuperação de conhecimento eurocêntrico resultante de dinâmicas de apropriação sob a perspectiva da maioria excluída no Sul e Norte (Dussel, 2013Dussel, E. (2013). Ethics of liberation: In the age of globalization and exclusion. Duke University Press.) e diálogos complexos não essencialistas com epistemologias sulistas (Santos, 2019Santos, B. S. (2019). O fim do império cognitivo: A afirmação das epistemologias do sul. Autêntica.). Diálogos transmodernos em condições de (im)possibilidade permitem superarmos epistemicídios que resultam também de teorizações decoloniais que revertem o “privilégio epistêmico dos homens ocidentais sobre o conhecimento produzido por outros corpos políticos e geopolíticas do conhecimento” (Grosfoguel, 2016Grosfoguel, R. (2016). A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: Racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado, 31(1), 25-49. https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/6078
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, p. 25). Nosso engajamento transmoderno a partir do Sul Global heterogêneo e decolonizante-recolonizante recai não em vencer batalhas teórico-desumanizadoras Norte/Sul, mas em engajar, capacitar e fortalecer lutas cotidianas (Santos & Meneses, 2020) contra as múltiplas faces da dominação colonialista que informam o projeto nortista de decolonização de currículo que recoloniza por meio de renovação de dinâmicas binaristas que internalizamos.

NOSSO MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO

Essa pesquisa-ação abraça uma perspectiva decolonizante-recolonizante para focar tanto a melhoria do mundo lá fora quanto a de nós mesmos (Nielsen, 2016Nielsen, R. P. (2016). Action research as an ethics praxis method. Journal of Business Ethics, 135, 419-428. https://doi.org/10.1007/s10551-014-2482-3
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). Nossa pesquisa-ação reflexiva se insere no âmbito de lutas contemporâneas contra o sistema neoliberal/colonial de educação superior, no Sul e Norte, por meio de investigações e movimentos heterogêneos que defendem a manutenção e a organização de espaços democráticos e decolonizantes, dentro e fora da academia, nos quais coexistem múltiplas possibilidades de transgressão, participação e libertação (Gayá & Brydon-Miller, 2017Gayá, P., & Brydon-Miller, M. (2017). Carpe the academy: Dismantling higher education and prefiguring critical utopias through action research. Futures, 94, 34-44. https://doi.org/10.1016/j.futures.2016.10.005
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; Walsh et al., 2018Walsh, C., de Oliveira, L., & Candau, V. (2018). Colonialidade e pedagogia decolonial: Para pensar uma educação outra. Education Policy Analysis Archives, 26, 83. https://doi.org/10.14507/epaa.26.3874
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). Nessa investigação-ação transmoderna em condições de (im)possibilidade, um dos papéis críticos do pesquisador “é ser ativo no mundo com a criação de propostas para novas estruturas democráticas na sociedade” (Tofteng & Husted, 2014Tofteng, D., & Husted, M. (2014). Critical utopian action research. In D. Coghlan & M. Brydon-Miller (Eds.), The SAGE encyclopedia of action research (pp. 230-232). Sage., p. 232) a partir da criação coletiva de ‘espaços livres’ mais protegidos das restrições usuais de poder e controle (Bladt & Nielsen, 2013Bladt, M., & Nielsen, K. (2013). Free space in the processes of action research. Action Research, 11(4), 369-385. https://doi.org/10.1177/1476750313502556
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) nos quais participantes podem engajar e contribuir com práticas decolonizantes tolerantes a contradições e ambiguidades (Jammulamadaka et al., 2021Jammulamadaka, N., Faria, A., Jack, G., & Ruggunan, S. (2021). Decolonising management and organisational knowledge (MOK): Praxistical theorising for potential worlds. Organization, 28(5), 717-740. https://doi.org/10.1177/13505084211020463
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).

Ao expressar mais desejo por libertação do que por democratização, em condições de (im)possibilidade, nossa investigação-ação decolonial emerge no Brasil fascista de forma reflexa, ao experienciarmos cumplicidade e culpa com o avanço da agenda nortista recolonizante que então atravessa nossos corpos privilegiados e reabre feridas coloniais profundas. Estávamos enfrentando o isolamento social/racial da COVID-19 e a correspondente radicalização das necropolíticas estatais contra a vida de racializados/colonizados e do planeta (Faustino & Gonçalves, 2020Faustino, D., & Gonçalves, R. (2020). A nova pandemia e as velhas relações coloniais, patriarcais e racistas do capitalismo brasileiro. Lutas Sociais, 24(45), 275-289. https://doi.org/10.23925/ls.v24i45.53009
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) e contra movimentos nortistas pela democratização da universidade corporatizada (Hunter & Power, 2019Hunter, W., & Power, T. J. (2019). Bolsonaro and Brazil’s illiberal backlash. Journal of Democracy, 30(1), 68-82. https://www.journalofdemocracy.org/articles/bolsonaro-and-brazils-illiberal-backlash/
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). Fomos encorajados pelos ‘condenados da terra’, excluídos também por nós mesmos dos debates acadêmico-capitalistas sobre o que é decolonialidade e o que é investigação-ação, que ressurgiam solidariamente em condições de (im)possibilidade (Gibson, 2021Gibson, N. (Ed.). (2021). Fanon today: Reason and revolt of the wretched of the earth. Daraja Press.). Compartilhamos mensagens de WhatsApp entre nós e entre cada um de nós com membros de respectivas redes acadêmicas sobre nossa indignação com o avanço da agenda nortista. Dois de nós desistimos de esperar um consenso sobre como fazer a investigação-ação o mais participativa possível enquanto um de nós falava em público sobre experiências de culpa, cumplicidade e recolonização, até então comentadas somente em nossas conversas privadas, em webinars acadêmicos públicos sobre decolonização em gestão e contabilidade.

Enquanto um de nós argumentava que esse era o momento de recuperar radicalmente a pesquisa-ação participativa (Silva, Sauerbronn et al., 2022Silva, C., Sauerbronn, F., & Thiollent, M. (2022). Decolonial studies, non-extractive methods, and participatory action research in accounting. Revista de Administração Contemporânea, 26(4), e210014. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2022210014.en
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) para desmantelar nossa compulsão por escrever artigos decoloniais em inglês para publicação em periódicos nortistas elitistas, dois de nós construímos um documento composto por questões abertas e autoclassificatórias. Essa construção foi acelerada por raiva e culpa crescentes geradas pela nossa cumplicidade com a agenda nortista que expande privilégios desumanizantes mantidos por epistemologias (nortistas e sulistas) de ignorância. O documento foi coletivamente autocriticado e reconstruído, sob uma perspectiva transmoderna de imperfeição, imprecisão e incompletude. Nossas experiências heterogêneas de privilegiados-oprimidos em projetos decolonizantes-recolonizantes no Norte e no Sul e um senso regenerador de urgência que nos movia e nos unia prevaleceram sobre pensamentos acadêmicos decoloniais que subalternizam a práxis transformacional. Intencionávamos realizar um projeto de pesquisa-ação participativa que seria liderado por um grupo total de seis-oito acadêmicos-como-participantes localizados em diferentes regiões do Brasil e então expandido a partir desses núcleos. Nossas ações-reflexões engajadas com o ‘outro’ que subsiste e ressurge em condições de (im)possibilidade prevaleceram sobre os sensos de superioridade acadêmica que internalizamos e que nos hierarquiza e desumaniza. O senso de urgência de investigar a realidade para transformá-la e de transformar a realidade para investigá-la coletivamente atravessou nossos corpos e prevaleceu (Fals-Borda, 1979Fals-Borda, O. (1979). Investigating reality in order to transform it: The Colombian experience. Dialectical Anthropology, 4(1), 33-55. https://www.jstor.org/stable/29789952
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). Tendo em vista os dramas pessoais e riscos institucionais vividos por colegas engajados com a questão decolonial no contexto da pandemia supremacista, concluímos que durante o fazer decolonial decidiríamos como investigar adequadamente e que os pesquisadores-núcleo emergiriam a partir de ações de pesquisa-ação participativa que necessariamente não constituem experiências confortáveis (Fine & Torre, 2021Fine, M., & Torre, M. (2021). Critical participatory action research. American Psychological Association.).

Mobilizamos nossas redes de contatos e por meio de intencionalidade pluriversal chegamos a um ‘perfil’ de identificações questionáveis e provisórias. O grupo de respondentes/coprodutores sulistas espalhados pelo território nacional é composto por homens cisgêneros (50%), mulheres cisgêneros (44,5%) e pessoas não binárias (5,5%). Há predominância de heterossexuais (66,7%), todos de nacionalidade brasileira e com titulação máxima de doutorado (72,2%). Acerca do recorte racial, 42,9% dos respondentes se autoidentificaram como pessoas pardas, 42,9% como pessoas brancas e 14,3% como pessoas pretas. Esse quadro reflete o padrão predominante da academia brasileira da qual somos constituintes.

Enquanto coprodutores dessa pesquisa-ação imperfeita, percebemos a nós mesmos como pesquisadores decoloniais-críticos privilegiados que atuam profissionalmente em: uma universidade pública, uma universidade privada brasileira e uma universidade privada internacional. Em termos de raça no país da democracia racial e do colonialismo benevolente (Gonzalez, 1988Gonzalez, L. (1988). A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro, (92-93), 69-82. http://www.tempobrasileiro.com.br/wp_site/publicacoes/revista-tempo-brasileiro/
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; Moura, 2020Moura, C. (2020). Sociologia do negro brasileiro. Perspectiva.), percebemos a nós mesmos como pardos; enquanto gênero, somos: uma mulher cisgênero, dois homens cisgênero, sendo um deles gay. Cabe observar que, atualmente, enquanto fechamos a versão final deste documento, somos doutores acadêmicos; quando iniciamos a pesquisa, um de nós era doutorando e engajava o mundo e a pesquisa por meio de uma posicionalidade subalternizada que foi priorizada pelos outros dois mais privilegiados como constituinte da práxis decolonizante marcada por contradições e ambiguidades.

Adotamos na análise uma abordagem intersubjetiva eurocêntrica (i.e., entre corpos privilegiados) compatível com a face recolonizante desse primeiro momento e com a autocrítica intrassubjetiva de nossas subjetividades colonizadas/colonizadoras. Por meio de práticas decolonizantes/recolonizantes, nossa reflexão focou como e por que “inter-relações emergem e se alteram numa relação dialética entre nós mesmos, os outros e nosso contexto” (Cunliffe, 2011Cunliffe, A. (2011). Crafting qualitative research: Morgan and Smircich 30 years on. Organizational Research Methods, 14(4), 647-673. https://doi.org/10.1177/1094428110373658
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, p. 654). Por meio desse tipo de reflexão, analisamos as expressões dos participantes em busca de consensos e dissensos, enquanto coproduzíamos significados mais homogeneizantes por meio de interpretações provisórias, imperfeitas e imprecisas a partir de um corpo heterogêneo de mobilizações restringidas pela própria pesquisa (Geiger, 2009Geiger, D. (2009). Revisiting the concept of practice: Toward an argumentative understanding of practicing. Management Learning, 40(2), 129-144. https://doi.org/10.1177/1350507608101228
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).

REFLEXÕES CRÍTICAS, PRÁTICAS SITUADAS E COPRODUÇÕES TRANSITÓRIAS

Nossas reflexões críticas situadas estão estruturadas em torno de duas dimensões. Primeiro, refletimos com os participantes coprodutores da pesquisa acerca do problema (de)colonial no ensino de gestão e contabilidade no Brasil. Em seguida, problematizamos com os participantes sobre as reflexões acerca da práxis (de)colonial.

O problema (de)colonial no ensino

Com base em autocrítica à produção/circulação de conhecimento na educação formal, estimulamos a reflexão sobre o problema da (de)colonialidade e, mais especificamente, sobre quais vozes permanecem silenciadas. Participantes identificaram diferentes atores, dentre eles a própria academia, os docentes e discentes, e a elite capitalista, ao questionarem como (des)educação sistemática é perpetuada.

“Para dois públicos: docentes de contextos não hegemônicos, que adotam tais livros como se fossem a única forma de ensino em gestão, de maneira que reproduzem conhecimentos oriundos de contextos hegemônicos; discentes universitários, para que alinhem suas visões sobre gestão àquelas predeterminadas como sendo as únicas corretas (Participante 5).”

“Acredito haver uma generalização demasiada nessa questão. Percebo haver, sobretudo em gestão, uma segmentação da literatura. Há instituições ‘de ponta’, que formam os quadros técnicos da alta burguesia, e que produzem/utilizam materiais destinados a esse público; mas há também uma grande massa de discentes formados(as) para ocupar cargos de médio e baixo escalão” (Participante 17).

O conhecimento dominante (re)produzido em gestão-contabilidade atende à instrumentalidade imperial do mercado neoliberal que institucionaliza e hierarquiza produtores, intermediários e destinatários em uma matriz nacional de colonialidade. A inferioridade colonial que internalizamos é mediada por indivíduos privilegiados (docentes, discentes e gestores) que constituem um sistema estratificante de escolas de negócios e contabilidade. Diferentemente da agenda nortista e da literatura sulista dominante, essas reflexões que emergem no contexto da multipandemia ressaltam a simultaneidade do colonialismo externo e do colonialismo interno. Reflexões encorajadas por essa investigação-ação trazem à tona os papéis de intelectuais criollos na reprodução e reconfiguração locais da arrogância do punto cero: como acadêmicos profissionais, mobilizamos elitismo/racismo/sexismo/classismo, em termos intencionais e estruturais, gerados pela matriz colonial para ocupar posicionalidades locais de privilégio (Castro-Gómez, 2007Castro-Gómez, S. (2007). Descolonizar la universidad: La hubris del punto cero y el diálogo de saberes. In R. Grosfoguel (Ed.), El giro decolonial: Reflexiones para una diversidad epistémica mas allá del capitalismo global (pp. 79-91). Siglo del Hombre.).

Essa matriz sulista de opressões tem capacidade de rediferenciar docentes e instituições, por meio de uma hierarquização ‘classista’ em espaços de poder e privilégio (Barros et al., 2018Barros, A., Alcadipani, R., & Bertero, C. O. (2018). A criação do curso superior em Administração na UFRGS em 1963: Uma análise histórica. Revista de Administração de Empresas, 58(1), 3-15. https://doi.org/10.1590/S0034-759020180102
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). A capacidade ‘reprodutora’ dos conhecimentos do Norte e a capacidade ‘questionadora’ no Sul são colocadas em xeque a partir de reflexões sobre a posicionalidade de instituições de ensino no contexto do capitalismo acadêmico que nos hierarquiza e divide e ao imperativo de formação de recursos para a continuidade das forças estratificantes do mercado (Homero, 2021Homero, P. F., Jr. (2021). Reflexões sobre a prática da pesquisa crítica em contabilidade no Brasil: Uma nota autobiográfica. Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade, 15(2), 225-242. https://doi.org/10.17524/repec.v15i2.2823
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). De acordo com respectivas posicionalidades dentro da matriz colonial, agentes locais atuam como reprodutores mais ou menos (a)críticos (intencionalmente ou não) da agenda neoliberal sustentada por desenhos neoimperiais nortistas que operam nacional e internacionalmente (Mendes et al., 2020Mendes, D., Fonseca, A. C. P. D., & Sauerbronn, F. F. (2020). Modos de ideologia e de colonialidade em materiais didáticos de Contabilidade. Education Policy Analysis Archives, 28, 99. https://doi.org/10.14507/epaa.28.5061
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).

Essas reflexões nos fizeram questionar com mais criticalidade: poderiam esses espaços ser ocupados por um projeto distinto (incluindo o decolonial sulista) independentemente de a quem se destina e onde e por quem é realizado? Até que ponto atuamos como cúmplices recolonizadores auto-organizados hierarquicamente de projetos capitalistas de decolonização elitista para e por privilegiados?

Tais reflexões são necessárias para projetos de decolonização-recolonização em condições de (im)possibilidade que tentem se mover além de binarismos tais como os das representações de ‘ameaça sulista’ e ‘purismo sulista’. No contexto de duradouro e silenciado colonialismo interno no Brasil parcialmente silenciado pela agenda decolonial dominante (Bertero et al., 2013Bertero, C. O., Alcadipani, R., Cabral, S., Faria, A., & Rossoni, L. (2013). Os desafios da produção de conhecimento em administração no Brasil. Cadernos EBAPE.BR, 11(1), 181-196. https://doi.org/10.1590/S1679-39512013000100012
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), essas reflexões sugerem que há um potencial de engajamento transmoderno com o projeto nortista de reforma curricular para deformá-lo por meio de práticas cotidianas coletivas no Sul e Norte marcadas por diferenciações, contradições e ambiguidades. Nesta pesquisa-ação, a ressurgência do pensamento-práxis transfronteiriço (Faria, 2013Faria, A. (2013). Border thinking in action: Should critical management studies get anything done? In V. Malin, J. Murphy, & M. Siltaoja (Eds.), Dialogues in Critical Management Studies (pp. 277-300). Emerald Group. https://doi.org/10.1108/S2046-6072(2013)0000002018
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) permite a diversos tipos de agentes (engajados com e desengajados de diversas agendas dominantes) relembrar/desenvolver múltiplas formas de (auto)organização (por meio de vozes silenciadas que relatam e se reorganizam) e dinâmicas socioeconômicas às margens de grandes agendas e contra agendas nutridas e estratificadas pelo capitalismo global que decoloniza para recolonizar (Jammulamadaka et al., 2021Jammulamadaka, N., Faria, A., Jack, G., & Ruggunan, S. (2021). Decolonising management and organisational knowledge (MOK): Praxistical theorising for potential worlds. Organization, 28(5), 717-740. https://doi.org/10.1177/13505084211020463
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).

Ao refletirmos sobre ocupação de espaços e outras formas/vozes, questionamos os silêncios e ausências nos currículos formais de gestão-contabilidade. Compartilhamos as expressões de preocupação de vozes/corpos de grupos não hegemônicos e repetidamente subjugados por processos auto-reprodutíveis de desumanização curricular.

“As vozes dos trabalhadores (pobres) normalmente estão ausentes nos livros didáticos de contabilidade. Considerando que os negros e indígenas estão, majoritariamente, nas classes mais baixas, estes, principalmente, estão silenciados” (Participante 15).

“Os pobres, as pessoas negras, as mulheres e todas as outras minorias que não são ouvidas e nem faladas, muitas vezes. As práticas alternativas de organização e gestão … na maior parte das IESs com fins lucrativos, possivelmente há um grande silenciamento de qualquer pensamento (dissonante), inclusive porque os professores têm que se desdobrar em dezenas de horas-aula, sem terem tempo disponibilizado para refletir sobre seus conhecimentos e suas práticas. Os alunos, inclusive, talvez fizessem melhor uso de um ensino que falasse das realidades locais e não apenas reproduzisse ‘cases globais’” (Participante 2).

Tais silenciamentos se relacionam a múltiplas dinâmicas interseccionais de epistemicídio impostas pela colonialidade do saber (Santos, 2019Santos, B. S. (2019). O fim do império cognitivo: A afirmação das epistemologias do sul. Autêntica.). Compartilhamos o desejo de recuperar a centralidade de sujeitos silenciados e de desmantelar e enfrentar essa matriz colonial/racial/patriarcal de epistemicídios. Os campos de gestão e contabilidade são constituídos por indivíduos e subjetividades que foram/são/continuam sendo negligenciados e oprimidos, mas não derrotados.

Reflexões corporificam tentativas transfronteiriças em recuperar vozes que foram e continuam sendo não apenas erradicadas e negligenciadas, mas também apropriadas por teorizações e agendas da academia capitalista que reconfigura colonialismos internos e suas múltiplas opressões. Participantes silenciados por uma crítica teórico-abstrata desejam evitar que sejam silenciados nos estudantes os pensamentos ‘dissonantes’ e consciências críticas em relação ao monopólio dos homens brancos ocidentais em gestão-contabilidade. Essas reflexões reafirmam a relevância de um projeto decolonizante-recolonizante sob uma perspectiva afetiva-coletiva que é necessariamente reflexiva, interseccional e inacabada.

Visando a aprofundar a discussão acerca da (re)produção da colonialidade no ensino em gestão e contabilidade, participantes apontaram os principais conceitos e modelos que reproduzem essa matriz de colonialidades. Duas dimensões são ressaltadas: teorias do Norte Global e capitalismo neoliberal em escala global.

“Considero que a pesquisa contábil mainstream é subserviente aos interesses comerciais da profissão contábil … por sua vez, historicamente se constituiu como auxiliar do capital, atuando em prol dos interesses da burguesia. Assim, ocorre uma reificação da propriedade privada dos meios de produção, da separação entre concepção e execução do trabalho, enfim, de todos os pilares do modo de produção capitalista. No caso do Brasil, percebo ainda um viralatismo exacerbado na comunidade acadêmica contábil, que entendo ser decorrente do domínio simbólico exercido no campo pela FEA/USP. Os docentes do EAC/FEA/USP mantêm vínculos estreitos com o mercado financeiro e de capitais, cujo ‘americanismo’ é ainda mais acentuado do que o da burguesia industrial ou agrária. Há uma constante emulação do contexto estadunidense, com uma infinidade de pesquisas sobre mercado de capitais, mesmo que o mercado de capitais tenha pouquíssima relevância na economia brasileira” (Participante 16).

“Meritocracia, por exemplo, é um conceito difícil de ser desconstruído em aulas de administração. Trabalha na mística de que não existe nepotismo ou favorecimentos e que não existem os privilégios. Traz um discurso que mantém uma enorme iniquidade e ao qual os alunos, em geral, apresentam grande resistência” (Participante 8).

O centro hegemônico do colonialismo interno mobiliza projetos de colonialismo e hipercolonialismo. Essa matriz hierárquica mobiliza dinâmicas de diferenciação interna sustentadas por estruturas de solidariedade que permitem que pensamentos decoloniais sejam despossuídos e mobilizados por acadêmicos privilegiados para decolonizar a hipercolonialidade. Como resultado, tanto currículos disciplinares quanto instituições de ensino alimentam um desenho radical de subalternização. A problematização reflexiva de epistemicídios interseccionais e dinâmicas hierarquizantes de acumulação via despossessão promovidas por essa matriz (racista-sexista) epistêmica moderno-colonial (Grosfoguel, 2016Grosfoguel, R. (2016). A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: Racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado, 31(1), 25-49. https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/6078
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) que internalizamos no Brasil reafirma a sugestão de que decolonizar é práxis.

Práxis (de)colonizante

Participantes compartilham o reconhecimento de que educação em gestão-contabilidade reproduz colonialidades e que viradas decolonizantes em tais condições de impossibilidade exigem mais práxis do que teorizações mobilizadas pela academia capitalista. Para mobilização praxística de decolonização-recolonização cotidiana, participantes destacam uso de filmes e materiais alternativos, de autores e autoras do Sul Global, diálogo com movimentos sociais vinculados a dinâmicas de reparações materiais, e exercício de escuta radical para uma educação dialógica que crie espaços para insurgências que balancem nossas cumplicidades.

“Busco usar textos alternativos, como literatura ou filmes, bem como materiais mais engajantes. Além disso, faço a permanente vigilância para não reproduzir de forma acrítica perspectivas dominantes ou que reforcem hierarquias sociais. Por fim, busco estabelecer certa horizontalidade na relação de ensino-aprendizagem” (Participante 2).

“Além de oferecer uma disciplina sobre decolonialismo, busco trazer palestrantes que sejam de contextos não hegemônicos (MST, por exemplo) e que também já lecionam ou pesquisam com práticas decoloniais” (Participante 5).

“Procuro trazer autores não euro ou anglocêntricos, não brancos, mulheres e não heteronormativos. Tenho procurado práticas que também desafiem a performatividade de tal conhecimento - volto a dizer, nem sempre com sucesso. Mas, ainda assim, a busca por um currículo mais diverso, menos branco, menos masculino, menos Norte Global está me ajudando a encontrar algumas alternativas” (Participante 12).

“Entendo com um papel de escuta atenta que valorize a pluralidade. Procuro fontes alternativas em espaços não hegemônicos” (Participante 13).

Compartilhamos a ênfase na recuperação de vozes silenciadas e originárias de contextos não hegemônicos dissonantes em relação à heteronormatividade branca e aos fundamentos do capitalismo financeiro branqueador. Despolitizados e hierarquizados pela matriz neoliberal, nos sentimos mais cúmplices e ‘remando contra a maré’; não derrotados, compartilhamos as expressões de dúvidas, medo e solidão que fazem com que essa pesquisa coletiva corporifique a práxis de esperanças e desejos no campo infrapolítico de possibilidades em condições de impossibilidade (Lugones, 2010Lugones, M. (2010). Toward a decolonial feminism. Hypatia, 25(4), 742-759. https://www.jstor.org/stable/40928654
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). Em resposta sistemática, grupos hegemônicos atuam para manter o status quo por meio de projetos de recolonização justificados por iniciativas decoloniais que são vistas/tratadas convenientemente como ‘ameaçadoras’ (Santos, 2019Santos, B. S. (2019). O fim do império cognitivo: A afirmação das epistemologias do sul. Autêntica.). Grosfoguel (2016Grosfoguel, R. (2016). A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: Racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado, 31(1), 25-49. https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/6078
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) lembra que há reações e lutas visíveis e invisíveis no Sul e Norte “para recuperação expansionista da longue durée das modernas estruturas do conhecimento” (p. 28).

Com a virtual impossibilidade de transformações que desmantelem a casa do mestre com as chaves do mestre, práticas se concentram em decolonização branda [soft], via uso de materiais e linguagens outras, textos alternativos e materiais não acadêmicos que encorajem insurgências cotidianas e vão além da matriz curricular institucionalizada, em suas vertentes colonial e decolonial. Por exemplo, sentimos falta do feminismo negro, ilustrado pelas ‘escrevivências’ de Conceição Evaristo silenciadas, mas não derrotadas, no contexto da academia capitalista (Soares & Machado, 2017Soares, L. V., & Machado, P. S. (2017). “Escrevivências” como ferramenta metodológica na produção de conhecimento em Psicologia Social. Revista Psicologia Política, 17(39), 203-219. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2017000200002
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) e em escolas de negócio e gestão que se decolonizam-recolonizam.

Ao refletirmos criticamente sobre nossas posicionalidades e cumplicidades durante essa investigação-como-práxis, participantes mobilizam um caráter-padrão reflexivo e de autoaprimoramento por meio de interesse em aprofundar conhecimento decolonial ao mesmo tempo que tecem críticas à postura da comunidade brasileira de não saber como engajar embates infrapolíticos radicais com o mainstream. Destacam a importância de refletirmos sobre ações individuais, mas principalmente as dimensões estruturais que internalizamos.

“Como pesquisador, discente e docente, tenho estudado cada vez mais sobre as perspectivas decoloniais e anticoloniais (ótica marxista), o que, inicialmente, me possibilita entender o meu lugar no mundo. Acerca das práticas, ademais das pesquisas e tentativa de inserção de óticas locais no ensino, observo, no âmbito sociopolítico, quais indivíduos e organizações possuem interesses distintos dos que - entendo - deveriam nortear a realidade da população brasileira” (Participante 3).

“Acredito que, a partir do momento que escolhi lecionar e pesquisar a partir da ótica decolonial, também preciso ‘promover’ a discussão. Por isso, venho realizando palestras sobre decolonização, tanto em cursos de pós-graduação quanto graduação. No contexto internacional, venho ajudando a avançar discussões decoloniais no [nome de um congresso], congresso este no qual sou colíder de um tema que é dedicado a trabalhos decoloniais” (Participante 5).

“O papel de qualquer indivíduo é bastante limitado diante de questões estruturais. Para que a área contábil possa aderir a perspectivas críticas, dentre elas a decolonial, é necessário organização coletiva” (Participante 15).

“Há uma ainda pequena, porém crescente comunidade de pesquisadores(as) ‘alternativos(as)’ - por falta de melhor expressão. Porém, essa comunidade tem uma vibe muito ‘paz e amor’. Costumo brincar que é uma galera muito PSOL, enquanto minha postura é mais PCO. Por conta disso, tenho me atribuído o papel de ‘dar porrada no MBL’, ou seja, de confrontar o mainstream da pesquisa contábil. Faço isso sobretudo através de meus esforços de publicação, nos quais procuro ‘subir o tom’ de minhas críticas, buscando tensionar o campo” (Participante 17).

Os participantes refletem sobre seu papel individual na comunidade como relacionado a seu próprio desenvolvimento teórico na perspectiva decolonial e as múltiplas vertentes desta, como sugere O’Shea (2018O’Shea, J. (2018). Decolonizar o currículo? Possibilidades para desestabilizar a formação em performance. Revista Brasileira de Estudos da Presença, 8(4), 750-762. https://seer.ufrgs.br/index.php/presenca/article/view/87007
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). Por meio de desenvolvimento individual, seria possível alcançar um entendimento coletivo simultaneamente ao reconhecimento de limitações estruturais, sob uma perspectiva decolonial práxica (Mignolo & Walsh, 2018Walsh, C., de Oliveira, L., & Candau, V. (2018). Colonialidade e pedagogia decolonial: Para pensar uma educação outra. Education Policy Analysis Archives, 26, 83. https://doi.org/10.14507/epaa.26.3874
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).

Outros participantes mencionam seu engajamento decolonial relacionado/restrito à organização de atividades acadêmicas, palestras e liderança de temas, cursos, congressos e artigos. Os relatos relembram a prática do ativismo acadêmico, nos termos propostos por Cooper e Coulson (2014Cooper, C., & Coulson, A. (2014). Accounting activism and Bourdieu’s ‘collective intellectual’ - Reflections on ICL Case. Critical Perspectives on Accounting, 25(3), 237-254. https://doi.org/10.1016/j.cpa.2013.01.002
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), porém não ainda relacionados a uma agenda programática decolonial conforme discutido por Sauerbronn et al. (2021Sauerbronn, F., Ayres, R., da Silva, C., & Lourenço, R. (2021). Decolonial studies in accounting? Emerging contributions from Latin America. Critical Perspectives on Accounting, 102281. https://doi.org/10.1016/j.cpa.2020.102281
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). Essa forma de ação ainda se mostra necessária para a abertura de espaço, nos círculos acadêmicos, de públicos externos silenciados. Refletimos se essas práticas estariam voltadas para decolonialidade de currículo e mudança da matriz de poder associada ao ensino superior (Sul-Sul); ou se para garantir que as atividades dos pesquisadores decoloniais sejam reconhecidas e aceitas como produtos acadêmicos em suas carreiras (ainda numa relação hierárquica Norte-Sul na academia).

Essa reflexão nos leva ao último relato, que questiona a postura pouco combativa da comunidade ‘alternativa’ para enfrentar o conhecimento dominante. O relato revela a dificuldade dos pesquisadores (não apenas do participante) em sustentar/superar tensões estruturais de dominação do sistema-mundo moderno/colonial. O relato revela como as violências sofridas no processo de constituição/formação de um ser pesquisador dificultam o pleno exercício da proposta de desligamento da matriz colonial (Mignolo, 2007Mignolo, W. (2007). Introduction: Coloniality of power and de-colonial thinking. Cultural studies, 21(2-3), 155-167. https://doi.org/10.1080/09502380601162498
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).

Observamos que essas tensões são duais: não apenas pelo lado da imposição de agendas Norte-Sul por pesquisadores do mainstream, como também na manutenção do embate Sul-Sul entre pesquisadores críticos e ‘alternativos’ sobre os caminhos para geração de outras práxis acadêmica no campo de gestão-contabilidade, como discute Homero (2021Homero, P. F., Jr. (2021). Reflexões sobre a prática da pesquisa crítica em contabilidade no Brasil: Uma nota autobiográfica. Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade, 15(2), 225-242. https://doi.org/10.17524/repec.v15i2.2823
https://doi.org/10.17524/repec.v15i2.282...
). Em uma proposta de decolonização do currículo, entendemos que as dificuldades de desprendimento do mainstream e da emancipação crítica tradicional provocam tensões (necessárias e irreconciliáveis) sobre desenvolvimento pessoal-coletivo, ativismo intelectual-praxeológico, formas de engajamento interno-externo à comunidade acadêmica, e de dinâmicas de decolonização-recolonização.

Considerando a importância de ações coletivas situadas, pedimos que os respondentes refletissem sobre seu papel em um coletivo. Emerge a importância da construção de espaços de libertação em congressos e fóruns para a discussão da perspectiva decolonial, o fortalecimento das redes de contatos, a importância de adotar não só um discurso decolonial, mas também uma práxis e, por fim, a relação dialógica entre coletivo, estrutura e indivíduo.

“Somos afetados e afetamos pelo nosso contexto, então, o exercício de minhas escolhas que se desdobram nas minhas atividades por si só já afetam o coletivo. O discurso vai além das palavras e são fortalecidas nas práticas rotineiras” (Participante 14).

“Organizei, junto com duas colegas, um fórum decolonial, no qual palestrantes ligados à práxis decolonial são convidados para participar. Também, fui um dos organizadores de um Fórum [nome de revista], cujo tema é sobre decolonização em [área], que contará (será publicado em breve) com a publicação de cinco artigos a respeito” (Participante 5).

“Acredito que o papel coletivo é fortalecer uma rede de pessoas que compartilham e se identificam com essas práticas, de modo que a construção coletiva aconteça com diferentes ações, dentro e principalmente fora da universidade” (Participante 4).

Percebemos o destaque à relação dialética agente-estrutura, além da necessidade de uma prática corporificada e práxica. Tal discussão ressoa na obra de Paulo Freire (2016Freire, P. (2016). Pedagogia da autonomia (53ª ed.). Paz e Terra.)quando o autor enfatiza a importância da corporeidade do exemplo, não apenas das palavras: “pensar certo é fazer certo … Não há pensar certo fora de uma prática testemunhal” (pp. 35-36).

Depreendemos também que a construção de espaços em revistas e congressos acadêmicos pode ser vista como uma tática de subversão do produtivismo neoliberal, preocupado com ‘onde’ e não ‘sobre o que’ se publica (Gendron, 2008Gendron, Y. (2008). Constituting the academic performer: The spectre of superficiality and stagnation in academia. European Accounting Review, 17(1), 97-127. https://doi.org/10.1080/09638180701705973
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). Como o projeto de modernidade (das direitas e das esquerdas) é irrecuperável, um projeto decolonial torna-se então um “hackeamento do sistema [que] envolveria a criação de espaços dentro do sistema, utilizando seus recursos, onde as pessoas possam ser educadas sobre as violências do sistema e ter seus desejos reorientados para longe dele” (Andreotti et al., 2015Andreotti, V. de O., Stein, S., Ahenakew, C., & Hunt, D. (2015). Mapping interpretations of decolonization in the context of higher education. Decolonization: Indigeneity, Education & Society, 4(1), 21-40. https://jps.library.utoronto.ca/index.php/des/article/view/22168
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, p. 27).

Por fim, há o reconhecimento da importância de construção e fortalecimento de uma rede de pessoas que possam se apoiar mutuamente, visto que nos departamentos de gestão-contabilidade pesquisadores decoloniais são poucos e considerados problemáticos. Para avançar a disseminação e implantação do projeto decolonial, os participantes apresentaram diversas possibilidades que reforçam a importância de: desenvolver o lugar de escuta; transcender os muros da universidade visando a uma relação dialógica com conhecimentos de outros grupos sociais; e adotar referências nacionais.

“Agenda da universidade sair do campus para seu ‘redor’” (Participante 1).

“Provocação de práticas interdisciplinares, escutas de narrativas dos indivíduos ausentes e silenciados no seu processo formativo. Entender, a partir disso, as violências vividas por eles; provocações institucionais e organizacionais práticas” (Participante 18).

“Acredito que escuta do outro é fundamental e também a coragem de mudar. De forma prática, sugiro a introdução de clássicos locais como Guerreiro Ramos. Acredito que temos que recuperar estes nomes” (Participante 8).

Nos primeiros relatos há reconhecimento de outras ecologias de saberes (Santos, 2019Santos, B. S. (2019). O fim do império cognitivo: A afirmação das epistemologias do sul. Autêntica.) envolvendo comunidades externas às universidades. Epistemologias do Sul reconhecem os saberes constituídos na universidade ao mesmo tempo que “integram outros conhecimentos e práticas de criação e transmissão [visando a] práticas sociais de resistência e de luta contra a dominação” (Santos, 2019, p. 349). Reconhece-se a importância de ocupar espaços colonizados com respeito aos indivíduos, de forma a não reproduzir hierarquização social e violência (Santos, 2019). Emerge a importância da ética fundadora de uma pedagogia crítica e progressiva (Freire, 2016Freire, P. (2016). Pedagogia da autonomia (53ª ed.). Paz e Terra.). Nesse sentido, é destacada ainda a importância de introduzir autores locais como combate ao epistemicídio.

Por fim, pedimos que os participantes refletissem sobre obstáculos aos projetos decoloniais nas universidades e nas escolas de negócios no Sul Global. Os participantes destacaram a estrutura colonial, os interesses neoliberais, o atual modelo de formação que coloca as escolas de negócios para formar trabalhadores voltados para o mercado e a persistência de docentes em enfrentar essas barreiras.

“O baixo incentivo pela qualificação do corpo docente e o ambiente de terra arrasada do ensino superior privado com fins lucrativos mal permite às pessoas sonhar. … Alunos vistos como clientes e com pouco tempo para se engajar no processo de aprendizagem. Numa dinâmica dessas, pensar em um currículo enriquecido pode parecer algo impossível. Nas escolas de elite, [a barreira] talvez [seja] a corrida pela participação em rankings …” (Participante 2).

“O imperativo de internacionalização (ou a submissão a um projeto de subalternização) já inibe e/ou impede algumas possibilidades decoloniais. Já sofri tentativa de censura por parte de dirigente da IES porque ‘falar de trabalhadores LGBTQI+ não é administração’” (Participante 12).

Observamos o questionamento da estrutura totalitária e neoliberal em que as escolas de negócios estão inseridas e, consequentemente, nós acadêmicos. Essa estrutura ressignifica o trabalho docente e o próprio sentido dado à educação universitária. Observa-se ainda, simultaneamente, precarização docente e performatividade acadêmica neoliberal. Tal precarização resulta em salas de aula superlotadas, baixo investimento em formação inicial e contínua, além do adoecimento docente devido às demandantes jornadas de trabalho cada vez mais longas e menos remuneradas (Gemelli et al., 2020Gemelli, C., Closs, L., & Fraga, A. (2020). Multiformidade e pejotização: (Re)configurações do trabalho docente no ensino superior privado sob o capitalismo flexível. REAd-Revista Eletrônica de Administração, 26(2), 409-438. https://doi.org/10.1590/1413-2311.289.101464
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). Destacamos também a construção da figura do aluno-cliente, reconfigurando a relação educador-educando, dado que “o professor passa de um profissional disposto a ensinar, a auxiliar os alunos a se desenvolverem, para alguém que está ali para atrapalhar uma operação comercial” (Lima & Araújo, 2019Lima, J. P. R., & Araujo, A. (2019). Tornando-se professor: Análise do processo de construção da identidade docente dos professores de contabilidade. Advances in Scientific & Applied Accounting, 12(2), 59-80. https://doi.org/10.14392/ASAA.2019120204
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, p. 72). Os processos de ranqueamento e internacionalização das universidades e a institucionalização da performatividade acadêmica neoliberal baseada em publicação de grandes quantidades em pouco tempo (Gendron, 2008Gendron, Y. (2008). Constituting the academic performer: The spectre of superficiality and stagnation in academia. European Accounting Review, 17(1), 97-127. https://doi.org/10.1080/09638180701705973
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) corroem a autonomia docente e nos desumanizam (Gemelli et al., 2020).

Por fim, há os movimentos de resistência e transitoriedades, embora o sentimento seja de ‘remar contra a maré’ e de ser ‘chamado de o chato do departamento’. Os relatos destacam a importância do docente em projetos inacabados de decolonização do ensino em condições de (im)possibilidade: “Nossa docência pode nos permitir imaginar outras maneiras de existir e de interagir. Ao repensar nossos currículos, podemos repensar e reformular nosso trabalho de maneira a suplantar modelos coloniais de exploração e apropriação” (O’Shea, 2018O’Shea, J. (2018). Decolonizar o currículo? Possibilidades para desestabilizar a formação em performance. Revista Brasileira de Estudos da Presença, 8(4), 750-762. https://seer.ufrgs.br/index.php/presenca/article/view/87007
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, p. 759).

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

O presente trabalho teve como objetivo compreender como acadêmicos no Brasil percebem e lidam com a agenda nortista de decolonização de currículo em gestão-contabilidade no contexto da COVID-19. Recuperamos a discussão autocrítica sobre a reprodução da matriz colonial de poder nas universidades, devido a dinâmicas de longa duração que vão além dos binarismos Norte/Sul e teoria/prática em escolas de negócios.

Metodologicamente, o conhecimento apresentado nessa pesquisa foi coproduzido por 21 participantes na perspectiva de pesquisa-ação reflexiva. A coprodução ocorreu durante os momentos mais críticos da pandemia da COVID-19 (entre maio e agosto de 2021) e da correspondente radicalização da matriz colonial no Brasil, focando-se nas discussões a respeito da melhoria do mundo lá fora e de nós mesmos (Nielsen, 2016Nielsen, R. P. (2016). Action research as an ethics praxis method. Journal of Business Ethics, 135, 419-428. https://doi.org/10.1007/s10551-014-2482-3
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) e na transformação da matriz colonial multiopressora (Fals-Borda & Rahman, 1991Fals-Borda, O., & Rahman, M. (Eds.). (1991). Action and knowledge: Breaking the monopoly with participatory action research. The Apex Press.). Estes conhecimentos revelam aspectos intersubjetivos importantes relacionados a dinâmicas transitórias de decolonização-recolonização que ocorrem em corpos, contextos e espaços situados de práticas. Indo além da agenda nortista, que nega a face recolonizadora que constitui a modernidade, e da agenda sulista, que prescreve desprendimento decolonial sem recolonização, os conhecimentos transitórios aqui coproduzidos apontam: (a) uma busca constante em exteriorizar os impactos da matriz colonial de poder em suas práticas cotidianas, permeados por embates, dúvidas e sofrimentos; (b) pensamento transfronteiriço que navega entre (e reflete sobre) as formas tradicionais e alternativas de ensino e pesquisa, enquanto realiza iniciativas para recuperar intelectuais locais e outros saberes; (c) cuidados na recuperação de vozes e grupos silenciados, mesmo que de forma ainda modesta ou permeada de dúvidas; (d) tensões totalizantes (tanto de mainstream quanto crítica) ao enfrentar a matriz colonial de poder nos espaços universitários; e (e) desvinculação e busca pela constituição de redes com outros pesquisadores e a abertura de espaços para circular e coconstruir conhecimentos pluriversais. Os resultados da pesquisa são sintetizados na Tabela 1.

Tabela 1
Conhecimentos transitórios coproduzidos.

Nosso estudo revela que iniciativas de decolonização do currículo, no Sul, estão permeadas por dificuldades para desprendimento que provocam tensões sobre constituição do ser pessoal/coletivo, realização de ativismo intelectual-praxeológico, criação de formas de engajamento interno/externo ao ambiente acadêmico, transcender modelo de ação acadêmica competitiva/solidária; construção do conhecimento em formas extrativistas/não extrativistas; materialização do conhecimento pluriversal em produtos acadêmicos/não acadêmicos.

Portanto, reforçamos a necessidade de um adequado posicionamento (não de convencimento ou conversão) das possibilidades decoloniais junto aos pesquisadores críticos em gestão e contabilidade situando-as além de projetos humanistas das esquerdas tradicionais ou de projetos predominantemente reconciliatórios e recolonizantes. Apontamos também a necessidade de que os pesquisadores decoloniais continuem a desafiar a legitimidade do monopólio do conhecimento do Norte, que torna inquestionáveis certos conceitos, instituições de ensino e formas de validação de conhecimentos, que estão associados a epistemicídios promovidos pela estrutura (racista/sexista) epistêmica modernista-colonial que se reproduz no campo da gestão e contabilidade no Brasil e em outros cantos (Teixeira et al., 2021Teixeira, J. C., Oliveira, J., Diniz, A., & Marcondes, M. (2021). Inclusión y diversidad en la Administración: Manifiesta para el futuro-presente. Revista de Administração de Empresas, 61(3), 1-11. https://doi.org/10.1590/S0034-759020210308
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).

Assim, a perspectiva praxística adotada no estudo reconhece colonialismos internos e processos de acomodação, revelando que a práxis decolonial é ação-reação em contínuo movimento e que ocorre em corpos e mentes que transpiram autodes-coberta coletiva em processos transfronteiriços. Assim, o presente artigo é uma modesta contribuição que problematiza o esforço contínuo de certos indivíduos e grupos em projetos decoloniais e, ao mesmo tempo, reconhece que não há ‘a solução decolonial’ (do Norte ou/no do Sul) que seja suficiente para eliminar colonialismos, binarismos e hierarquizações, apesar de serem caminhos concretos já perseguidos por pares locais e que nos servem de luz.

Tanto pelo lado do engajamento programático quanto pelo do desenvolvimento de materiais com novos conhecimentos (Silva, Sauerbronn et al., 2022Silva, C., Sauerbronn, F., & Thiollent, M. (2022). Decolonial studies, non-extractive methods, and participatory action research in accounting. Revista de Administração Contemporânea, 26(4), e210014. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2022210014.en
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), entendemos ser significativo o potencial de que as ações de pesquisa-ação participativa façam emergir e ressurgir modos de conhecer que foram silenciados nas/pelas escolas de negócios e nos/pelos espaços organizacionais.

Engajados com uma perspectiva decolonizante-recolonizante, concordamos que decolonialidade no ensino em escolas de negócios não é um ponto de chegada, mas um significativo ponto de partida para:

"nos deslocar do centro do mundo; interromper nossos desejos de parecer, sentir e fazer o bem; expor a fonte e as conexões entre nossos medos, desejos e negações; abandonar nossas fantasias de certeza, conforto, segurança e controle; reconhecer e afirmar (ao invés de negar) que já estamos enredados, vulneráveis, abertos, não cheios, mais e menos do que nós mesmos; e alcançando o limite de nosso conhecimento e ser - e pulando de olhos fechados" (Andreotti et al., 2015Andreotti, V. de O., Stein, S., Ahenakew, C., & Hunt, D. (2015). Mapping interpretations of decolonization in the context of higher education. Decolonization: Indigeneity, Education & Society, 4(1), 21-40. https://jps.library.utoronto.ca/index.php/des/article/view/22168
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, p. 36).

Enquanto escrevemos a parte final deste documento acadêmico, nossas interpretações provisórias estão sendo discutidas com os coprodutores da pesquisa-ação e com outros acadêmicos e não acadêmicos engajados com projetos decoloniais não suficientemente abraçados neste trabalho incompleto e impreciso. Enquanto escrevemos este manuscrito e compartilhamos nossa contribuição questionável, estamos organizando práticas e produtos subsequentes que desafiem privilégios e instituições injustas (Fine & Torre, 2021Fine, M., & Torre, M. (2021). Critical participatory action research. American Psychological Association.) as quais vemos como possibilidades, que vão além da agenda curricular nortista emergente, de recuperação da práxis decolonizante-recolonizante. Esperamos que esse projeto inacabado e imperfeito de coprodução e compartilhamento traduzido neste documento encoraje a todos nós a desafiarmos a renovação de matrizes coloniais de privilégios que internalizamos e recuperarmos a revalorização ‘estratégica’, coletiva e re-humanizante da práxis sulista ‘ameaçadora’ em suas múltiplas expressões que ajudamos a esquecer e negar.

Por fim, compartilhamos questões remanescentes em busca de questionamentos e proposições mais precisas: Como decolonizar por meio da universidade neoliberal e de corpos privilegiados que recolonizam? Como decolonizar por meio de recuperação de forças populares a partir da universidade contrarrevolucionária que mobiliza epistemicídios? Essas e outras questões apontam caminhos e possibilidades decoloniais sob uma perspectiva pluriversal, dentro e fora de escolas de negócios no Sul, e também no Norte, a partir desse inacabado, impreciso e imperfeito projeto praxístico decolonizante-recolonizante.

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  • 1
    . Acumulação por despossessão é um conceito desenvolvido por David Harvey (2005) ao revisitar a teoria marxista da acumulação. Ele incorpora práticas correntes de espoliação intensas relacionadas a estratégias recorrentes de acumulação que dependem de uma expansão geográfica imperialista no âmbito do capitalismo mundial, ao longo de todo o século XX e XIX. Assim, o estudo de uma geografia histórica da expansão imperial do capitalismo desvelaria o desenvolvimento desigual dos processos de acumulação e externalização das contradições internas do capitalismo para espaços vulneráveis (nas margens) no neoliberalismo. A despossessão e a “apropriação violenta de modos de produção não capitalistas preexistentes não foi algo circunscrito à Europa, mas se estendeu mundialmente mediante o domínio violento de povos para além das fronteiras originais do capitalismo” (Scotelaro et al., 2018, p. 165).
  • 2
    . A matriz colonial de poder é sustentada por quatro domínios inter-relacionados - economia, autoridade, conhecimento e subjetividade, gênero e sexualidade - que fundam a racialização e o patriarcado da civilização ocidental relacionados à teologia, à filosofia e à ciência secular. Por meio da matriz colonial de poder são fundadas no composto modernidade-colonialidade as formas de controle da autoridade, controle do sexo, controle da subjetividade e controle do trabalho (Quijano, 2000).
  • 3
    . A denominação ‘pós-colonial’ serve para designar o período depois da Segunda Guerra Mundial em que começaram a ocorrer processos de liberação e independência formal de um determinado país colonizado do outro país controlador. Ou seja, reconhece-se o rompimento do vínculo colonial formal entre os Estados, mas somente após algumas décadas passa a ser debatida/reconhecida a continuidade dos efeitos do imperialismo cultural e social sobre aquele contexto (Ashcroft et al., 2005).
  • 4
    . Classificar teorias sulistas como ‘essencialismos anti-Ocidente’ significa categorizar e homogeneizar um grupo de pensadores, como se todos os teóricos possuíssem um núcleo comum de crítica (anti-ocidental) com propriedades superficiais. A essencialização da episteme do Sul seria um processo de categorização baseado na crença na existência de atributos similares e imutáveis, tornando-os uma entidade formada por membros que caminham em uma única direção. Essa classificação uniformizaria epistemes distintas, diminuiria a relevância da heterogeneidade de pensamento, e apagaria nuances das diversas críticas à modernidade ocidental. Nesse processo de essencialização somente do Sul, qualquer crítica a partir do Norte (que não foi essencializada) seria valorizada como superior e, portanto, isso as dotaria maior espaço para defesa de reformas parciais que acomodam interesses de suas elites.
  • 5
    . Ocidentalização é o processo de fusão das noções de Ocidente e modernização em todo o mundo. As sociedades não ocidentais (inclusive a latino-americana) “carecem dos elementos da cultura ocidental e, ao incorporá-los, caminham em direção a desenvolvimento e progresso”. O processo de ocidentalização envolve optar por: aceitar a modernização e a ocidentalização; não reagir e rejeitar ambas; ou aceitar e se deslumbrar com a modernidade. Nesta colonização do imaginário, para “alcançar prosperidade e poder é necessário assemelhar-se ao Ocidente”. Entretanto, no processo de ocidentalização na/da América Latina “não há interesse de integrá-la com a civilização ocidental, mas manter a relação entre colonizador e colonizado” (Silva, 2018, passim).
  • Classificação JEL:

    M000, I23, A300.
  • Pareceristas:

    Dois revisores não autorizaram a divulgação de suas identidades.
  • Relatório de Revisão por Pares:

    A disponibilização do Relatório de Revisão por Pares não foi autorizada pelos revisores.

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Editado por

Editor-chefe:

Marcelo de Souza Bispo (Universidade Federal da Paraíba, PPGA, Brasil)

Editora Associada:

Elisa Yoshie Ichikawa (Universidade Estadual de Maringá, Brasil)

Disponibilidade de dados

A RAC incentiva o compartilhamento de dados mas, por observância a ditames éticos, não demanda a divulgação de qualquer meio de identificação de sujeitos de pesquisa, preservando a privacidade dos sujeitos de pesquisa. A prática de open data é viabilizar a reproducibilidade de resultados, e assegurar a irrestrita transparência dos resultados da pesquisa publicada, sem que seja demandada a identidade de sujeitos de pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Mar 2023
  • Revisado
    22 Jun 2023
  • Aceito
    28 Jun 2023
  • Publicado
    03 Out 2023
  • Publicado
    24 Nov 2023
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