Acessibilidade / Reportar erro

Exposição ao mercúrio e ao arsênio em Estados da Amazônia: síntese dos estudos do Instituto Evandro Chagas/FUNASA

Exposure to mercury and arsenic in Amazon States: a summary of studies by the Evandro Chagas Institute/FUNASA

Resumos

Este artigo é uma revisão das pesquisas da Seção de Meio Ambiente do Instituto Evandro Chagas/FUNASA sobre exposição ao mercúrio (Hg) no vale do rio Tapajós e Estado do Acre, e exposição ao arsênio (As) através de resíduos da exploração de manganês (Mn) realizada pela ICOMI deixados no Porto de Santana-AP. Em relação ao mercúrio, têm sido pesquisadas populações sob risco através da via respiratória ou alimentar. No primeiro caso, os trabalhadores de casas de compra e venda de ouro têm apresentado teores mais elevados de Hg em urina do que os garimpeiros estudados. No segundo caso, as populações ribeirinhas têm mostrado níveis diferenciados de exposição (Hg em cabelo). Comunidades ribeirinhas situadas em áreas não afetadas pelo mercúrio da garimpagem e com hábitos alimentares semelhantes às de área de risco têm sido avaliadas, visando a construção de parâmetros de normalidade regional. São também pesquisados os teores de Hg em materiais ambientais e na biota aquática. Os estudos de saúde humana e ambiente na cidade de Santana-AP objetivaram avaliar as fontes e possíveis vias de exposição da população da comunidade do Elesbão ao arsênio. Verificou-se a existência de fonte de risco através dos rejeitos de Mn, porém os níveis de As na água consumida pela população mostraram-se dentro dos parâmetros de normalidade. As médias encontradas em sangue e cabelo coincidem com médias de normalidade referidas na literatura, em populações não expostas, e as associações entre variáveis epidemiológicas, avaliação clínico-laboratorial e os teores de arsênio não mostraram significância estatística.

Mercúrio; Arsênio; População ribeirinha; Amazônia


This article is a review of the studies carried out by Environmental Section of the Evandro Chagas Institute/FUNASA on mercury (Hg) exposure in the Tapajós river basin, and arsenic exposure (As) due to residues of the manganese (Mn) exploration, performed by ICOMI and left at the port of Santana-AP. Regarding mercury exposure, the populations under respiratory or ingestion risk have been studied. In the first case, gold shop workers have been showing higher Hg levels in urine than gold miners. In the second case, riverine populations have been showing differentiated exposure levels (Hg in hair). Riverine communities from areas not affected by gold mining mercury and with similar dietary habits to those of a risk area are studied seeking to establish what the normal parameters for the region area. Levels of Hg in environmental materials and in the aquatic biota were also studied. The studies of human and environmental health in the city of Santana-AP were carried out to evaluate sources and possible exposure routes of the Elesbão community to Arsenic. The existence of a risk source for As was verified through Mn wastes, although the As levels in the water consumed by the population were within normal standards. The averages found in blood and hair match normal averages found in the literature in non-exposed population, and the statistical associations between epidemiological variables, clinical evaluation, laboratorial results and arsenic levels were not significant.

Mercury; Arsenic; Riverine population; Amazon


Exposição ao mercúrio e ao arsênio em Estados da Amazônia: síntese dos estudos do Instituto Evandro Chagas/FUNASA

Exposure to mercury and arsenic in Amazon States: a summary of studies by the Evandro Chagas Institute/FUNASA

Elisabeth C. de Oliveira SantosI; Iracina Maura de JesusI; Edilson da Silva BraboI; Kleber Freitas FayalI; Gregório Carrera Sá FilhoI; Marcelo de Oliveira LimaI; Antônio Marcos M. MirandaI; Artur S. MascarenhasII; Lena L. Canto de SáI; Alexandre Pessoa da SilvaIII; Volney de Magalhães CâmaraIV

IMS/FUNASA/Instituto Evandro Chagas - SAMAM. Av. Almirante Barroso, 492; Marco, Belém, Pará CEP 66090-000; coehma@amazon.com.br

IISecretaria Executiva de Indústria, Comércio e Mineração do Estado do Pará

IIIAMBIOS Engenharia e Processos Ltda

IVUniversidade Federal do Rio de Janeiro

RESUMO

Este artigo é uma revisão das pesquisas da Seção de Meio Ambiente do Instituto Evandro Chagas/FUNASA sobre exposição ao mercúrio (Hg) no vale do rio Tapajós e Estado do Acre, e exposição ao arsênio (As) através de resíduos da exploração de manganês (Mn) realizada pela ICOMI deixados no Porto de Santana-AP. Em relação ao mercúrio, têm sido pesquisadas populações sob risco através da via respiratória ou alimentar. No primeiro caso, os trabalhadores de casas de compra e venda de ouro têm apresentado teores mais elevados de Hg em urina do que os garimpeiros estudados. No segundo caso, as populações ribeirinhas têm mostrado níveis diferenciados de exposição (Hg em cabelo). Comunidades ribeirinhas situadas em áreas não afetadas pelo mercúrio da garimpagem e com hábitos alimentares semelhantes às de área de risco têm sido avaliadas, visando a construção de parâmetros de normalidade regional. São também pesquisados os teores de Hg em materiais ambientais e na biota aquática. Os estudos de saúde humana e ambiente na cidade de Santana-AP objetivaram avaliar as fontes e possíveis vias de exposição da população da comunidade do Elesbão ao arsênio. Verificou-se a existência de fonte de risco através dos rejeitos de Mn, porém os níveis de As na água consumida pela população mostraram-se dentro dos parâmetros de normalidade. As médias encontradas em sangue e cabelo coincidem com médias de normalidade referidas na literatura, em populações não expostas, e as associações entre variáveis epidemiológicas, avaliação clínico-laboratorial e os teores de arsênio não mostraram significância estatística.

Palavras-chave: Mercúrio. Arsênio. População ribeirinha. Amazônia.

ABSTRACT

This article is a review of the studies carried out by Environmental Section of the Evandro Chagas Institute/FUNASA on mercury (Hg) exposure in the Tapajós river basin, and arsenic exposure (As) due to residues of the manganese (Mn) exploration, performed by ICOMI and left at the port of Santana-AP. Regarding mercury exposure, the populations under respiratory or ingestion risk have been studied. In the first case, gold shop workers have been showing higher Hg levels in urine than gold miners. In the second case, riverine populations have been showing differentiated exposure levels (Hg in hair). Riverine communities from areas not affected by gold mining mercury and with similar dietary habits to those of a risk area are studied seeking to establish what the normal parameters for the region area. Levels of Hg in environmental materials and in the aquatic biota were also studied. The studies of human and environmental health in the city of Santana-AP were carried out to evaluate sources and possible exposure routes of the Elesbão community to Arsenic. The existence of a risk source for As was verified through Mn wastes, although the As levels in the water consumed by the population were within normal standards. The averages found in blood and hair match normal averages found in the literature in non-exposed population, and the statistical associations between epidemiological variables, clinical evaluation, laboratorial results and arsenic levels were not significant.

Key Words: Mercury. Arsenic. Riverine population. Amazon.

Introdução

O Instituto Evandro Chagas — IEC/FUNASA/MS vem desenvolvendo estudos dos impactos ambientais na região amazônica e seus efeitos sobre a saúde da população e sobre o ambiente, na tentativa de obter um melhor entendimento das relações do homem com o ambiente amazônico.

A distribuição populacional característica da região, assim como a composição das populações amazônicas, têm sido grandemente afetadas pela Política de Desenvolvimento adotada pelo Estado, que promoveu, a partir da segunda metade dos anos 60, diversas estratégias que estimularam a vinda de imigrantes oriundos de outras regiões, resultando em acelerada e desordenada ocupação dos espaços amazônicos, alterando o equilíbrio natural do ambiente, agravando e dispersando as endemias locais, introduzindo outras anteriormente inexistentes, e degradando o meio ambiente regional, promovendo risco à saúde em decorrência do aumento da concentração de poluentes. Entre estes poluentes destaca-se o mercúrio utilizado no processo de produção de ouro1.

Em conseqüência disso, houve uma sensível desatualização da infra-estrutura das cidades surgentes e dos centros urbanos tradicionais. No campo, a ocupação da floresta pelos projetos agropecuários, madeireiros, por estradas, construções de hidrelétricas, exploração mineral e demais recursos naturais, tem expulsado sistematicamente as populações pré-existentes para fronteiras mais longínquas e causado graves desequilíbrios ambientais1. As condições de vida das populações regionais, autóctones ou imigrantes, não poderiam ficar indiferentes a tão numerosas e expressivas mudanças interferindo com intermitência quotidiana no meio ambiente, no regime de trocas sociais, no movimento geográfico das populações, nos contatos humanos, na expansão ou estimulação de agentes etiológicos das enfermidades.

A saúde humana é parte de um conjunto alternativo cujo outro extremo é a doença. É um processo que pode ser medido pela avaliação do maior ou menor sucesso do homem em suas diferentes interações com o meio ambiente2. As condições de vida e ambiente peculiares à região amazônica influenciam cotidianamente o desempenho das populações residentes, que coexistem com a falta de saneamento básico e seu cortejo de agravos, com as endemias locais incluindo as hepatites e a malária. Convivem ainda com as doenças que são decorrentes das circunstâncias penosas do trabalho na roça, no garimpo, no rio ou na floresta. A exposição ao mercúrio é a ameaça mais recente3.

Este é um trabalho de revisão das pesquisas que vem sendo desenvolvidas na Seção de Meio Ambiente do Instituto Evandro Chagas/FUNASA, sobre o mercúrio no vale do rio Tapajós e sobre o risco de exposição ao Arsênio no Porto de Santana no Amapá.

O método de trabalho utilizado nas investigações no campo, foi de natureza epidemiológica estruturado sobre a clínica, a estatística e os resultados laboratoriais, e incluiu comunidades controle. Foram investigados também a biota aquática, a água, solos, e sedimentos de diferentes pontos em cada localidade estudada. Quanto à amostragem estatística para as comunidades ribeirinhas, ficou definido que seria atendido um mínimo de 70% da população total, uma vez que a ausência de atendimento médico nas comunidades pequenas da Amazônia torna impossível a uma equipe de saúde presente recusar atendimento médico.

As precauções de ordem ética adotadas atendem recomendações da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e dos termos da declaração de Helsinque — Tóquio (1964-1975) sobre pesquisas envolvendo seres humanos.

Os procedimentos no campo incluem a realização do censo da comunidade; apresentação de termo de consentimento e questionário epidemiológico; laboratório de campo para coleta, identificação, separação e conservação de espécimes biológicos e ambientais, e análises clínicas e hematológicas; atendimento médico clínico e exame físico especial, com atenção para disfunções da fala, da visão, do equilíbrio estático e dinâmico, da coordenação motora, da sensibilidade tátil e dolorosa, do tônus muscular e da posição segmentar; os espécime colhidos foram urina, cabelo, sangue/soro, fezes, pescado, solos, sedimentos e água.

Descrição do problema: mercúrio na Amazônia

A garimpagem de ouro, cujos primeiros registros na Amazônia remontam ao século XVIII, começou a proliferar significativamente na região na década de 70, com o Plano de Integração Nacional e a construção das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém1.

Até a segunda metade da década de 70, a lavra garimpeira na Amazônia era exclusivamente manual e se localizava tradicionalmente nas planícies de inundação dos cursos d'água, nos paleo-aluviões e, mais raramente, em aluviões ativos, e o mercúrio só era usado na concentração final do minério. A partir daí, o trabalho passa a ser desenvolvido com o auxílio de maquinário que retira o capeamento do solo através de desmonte hidráulico, utilizando um conjunto de moto-bomba. Agora, o mercúrio (azougue), além de ser usado na caixa concentradora, é lançado diretamente nos barrancos. Em alguns locais como nos rios Madeira e Tapajós, a garimpagem é igualmente feita no próprio leito ativo das drenagens, com a utilização de balsas e dragas, quando então a agressão ao ecossistema aquático é mais grave e o assoreamento do rio mais rápido4.

A Bacia do rio Tapajós, no Estado do Pará, foi responsável em 1980 por cerca de 50% do ouro produzido no Brasil, sendo que a maior concentração de garimpos localiza-se nos municípios de Itaituba e Jacareacanga.

Paralelamente à instalação do processo garimpeiro, outras atividades capazes de liberar o metal que pode residir na composição normal da floresta foram tendo gradual aumento, tais como o desmatamento, as queimadas, as barragens e a construção de hidrelétricas. Essas diferentes formas de emissão do mercúrio para o ambiente contribuem para a incorporação do metal nas drenagens e na poluição da biota aquática e, finalmente, até o homem, como ápice da cadeia alimentar5.

Grupos investigados

As populações de risco de intoxicação por mercúrio através da via respiratória constituem um dos grupos que têm sido investigados. Este grupo é composto pelos garimpeiros, sobretudo os queimadores do amálgama (ouro/mercúrio), pelas pessoas que trabalham nas casas de compra e venda de ouro e em joalherias, e pelos residentes de casas situadas nas proximidades dos locais em que o ouro é queimado, e que venham a inalar os vapores do metal dispersados pelo vento6.

As populações de risco de intoxicação por mercúrio através da via alimentar também representam um importante grupo investigado, em áreas sob impacto do mercúrio. Este grupo envolve as populações ribeirinhas, inclusive as indígenas, cuja principal, e as vezes única, fonte de proteínas é o pescado, que é investigado como indicador de situação7,8.

Têm sido pesquisadas ainda comunidades ribeirinhas fora da área de risco de contaminação pelo mercúrio da garimpagem, com os mesmos hábitos alimentares, como forma de construir parâmetros de normalidade regional que possam servir de base para análises comparativas posteriores9.

A área geográfica da pesquisa foi definida inicialmente como a Bacia do rio Tapajós entre Santarém e Jacareacanga, no Estado do Pará, envolvendo os municípios de Santarém, Aveiro, Itaituba e Jacareacanga, localizados nesse percurso. Como controle foram selecionadas comunidades situadas fora da área de influência dos garimpos de ouro, e que tivessem em comum com as outras áreas impactadas pela garimpagem hábitos alimentares semelhantes, isto é, o pescado como principal fonte de proteínas.

Populações sob risco de intoxicação por mercúrio

Via Respiratória

As populações garimpeiras são compostas predominantemente por adultos jovens. Há uma concentração muita alta de imigrantes da região nordeste do país entre esses trabalhadores, assim como um percentual significativo de analfabetos. A alimentação é composta sobretudo de feijão, arroz, farinha, milharina e, às vezes, carne de boi ou galinha. A constituição física desses trabalhadores permite supor um estado nutricional que se aproxima do normal10.

As casas de compra e venda de ouro, entretanto, estão situadas em cidades, levando o risco de contaminação pelo metal até os moradores urbanos. Entre os trabalhadores urbanos, os valores mais elevados de Hg na urina foram observados em Santarém (média de 57,5 mg/L, variando de 2,7 a 663,0 mg/L), onde os estabelecimentos apresentaram pior situação quanto a equipamentos de proteção e de processamento do ouro, quando comparada a Itaituba (média de Hg em urina 27,8 mg/L, variando de 2,9 a 255 mg/L). Em ambos os lugares, a exposição de indivíduos que praticavam a queima do amálgama e apresentavam os níveis mais altos foi considerada mais intensa em relação àquela observada entre os garimpeiros do garimpo do Rato em Itaituba, que apresentaram média de 6,4 mg/L, variando de 0,01 a 73,3 mg/L. Nos garimpeiros, os teores médios de mercúrio foram 11,7 vezes menores que os encontrados entre os queimadores de Santarém e 5,2 vezes menores em relação aos apresentados pelos queimadores de Itaituba6.

Apesar de a maior produção de ouro no momento deste estudo ter sido observada nas lojas de Itaituba, lá também verificaram-se as melhores condições de proteção individual para o trabalho, bem como equipamentos e instalações.

A via respiratória, na grande maioria das vezes, é menos grave, mais susceptível de ser tratada. Os casos graves e irreversíveis de hidrargirismo por essa via são encontrados entre pessoas que estiveram submetidas ao risco durante muito tempo e nas quais já aconteceram danos irreparáveis em órgãos importantes, inclusive no sistema nervoso. É um problemas no campo da Saúde do Trabalhador. Equipamentos de proteção já existentes, quando usados, previnem ou diminuem o risco.

Via Alimentar

A via alimentar é a segunda via através da qual o mercúrio, já agora em sua forma orgânica, ingressa no organismo humano, através do consumo de peixe. É uma via de alcance mais amplo, e envolve as populações ribeirinhas, inclusive as indígenas, cuja principal, e as vezes única, fonte de proteínas é o pescado, cujo consumo constitui hábito cultural antigo8,11.

A exposição ao mercúrio por essa via é uma ameaça de consciência recente e a mais alarmante, na medida em que se propaga contaminando o meio ambiente, não pode ser controlada apenas por recomendações de saúde individual ou coletiva, e cuja solução envolve os interesses econômicos de uma atividade produtiva de fiscalização difícil, como é o processo garimpeiro.

O risco à saúde em decorrência da concentração de mercúrio nos rios da região ainda não é objeto de monitoramento regular pelos serviços de saúde, cujos profissionais não estão preparados para fazer o diagnóstico diferencial ou associativo dessa nova patologia com as principais endemias prevalentes na região.

Foram estudadas quatro comunidades ribeirinhas: Brasília Legal, São Luís do Tapajós, Barreiras e uma aldeia indígena Mundurucu denominada Sai Cinza, nas quais a dieta alimentar - pouco variada e muito pobre em verduras - tinha como principal fonte protéica o pescado. Em todas elas, o consumo de peixes, medido pelo número de ingestões, é alto, variando em média de 11 a 14 vezes por semana. A distribuição dos níveis de Hg em cabelo destas populações está demonstrada na Tabela 1.

A pesquisa laboratorial de mercúrio nos cabelos das quatro populações residentes em área de risco de poluição, distribuídas por faixa etária, mostra uma média elevada e um gradiente de níveis de acumulação do mercúrio nos organismos individuais, que plotado num gráfico, tende a crescer na primeira parte da curva, à medida em que a idade aumenta, e diminui na segunda metade da série. Pode-se indagar a hipótese de que o segmento da população com 30/40 anos, ou mais, nasceu de mães cujo organismo ainda não possuía teores alterados de mercúrio, acumulando a partir daí o metal, na medida em que o tempo passa e o mesmo aumenta na biota aquática (peixes), enquanto os nascidos nos últimos vinte e cinco anos já nascem com teores de mercúrio alterados, herança do acúmulo do metal proveniente do organismo materno. A exceção a essa regra é a comunidade de Barreiras, que ainda está sendo estudada e parece possuir uma relação de exposição ao metal mais antiga.

A investigação dos aspectos clínicos, que não encontrou nos indivíduos examinados a forma aguda da doença, ou sinais e sintomas que pudessem ser associados à intoxicação por mercúrio, recomenda a necessidade de testes clínicos capazes de detectar as formas sub-clínicas da intoxicação, sem esquecer o diagnóstico diferencial com outros agravos presentes.

É necessário conhecer melhor as variáveis que influem nos mecanismos de absorção do mercúrio orgânico pelo organismo humano, a possível influência dos hábitos alimentares sobre esses mecanismos, e até saber se o poliparasitismo intestinal freqüente nessas comunidades exerce alguma influência no processo todo.

Comunidades ribeirinhas fora da área de risco de contaminação pelo mercúrio da garimpagem

A política de ocupação da Amazônia, iniciada nos anos 70, facilitou a instalação de diversas atividades capazes de liberar o mercúrio para o meio ambiente, inclusive a garimpagem do ouro, o que resultou na incorporação lenta e progressiva do mesmo em diferentes compartimentos ambientais.

À medida em que a academia criava a consciência sobre o risco da contaminação da região pelo mercúrio, particularmente o da garimpagem, inúmeros projetos de pesquisa foram sendo desenvolvidos, muitos deles pontuais, outros mais abrangentes. Entretanto, a busca pelos níveis de contaminação excluiu a procura dos parâmetros de normalidade pré-existentes, que, em algumas áreas, já se perdeu completamente.

A Seção de Meio Ambiente do IEC vem investigando comunidades fora da área de risco do mercúrio oriundo da garimpagem, que tenham em comum o mesmo hábito alimentar, como forma de estabelecer controle para as demais pesquisas e construir parâmetros de "normalidade" para a região.

As quatro populações estudadas, Santana de Ituqui, Aldeia do Lago Grande, Tabatinga de Juruti e Caxiuanã, apresentavam um padrão semelhante, que serve como critério para comparação com aquelas descritas nos estudos realizados em áreas sob influência do mercúrio; isto é, são populações ribeirinhas, apresentam um padrão social e econômico razoavelmente semelhante e seus hábitos alimentarem são caracterizados por um elevado consumo semanal de pescado (Tabela 1).

As médias dos teores de mercúrio total nos peixes foram menores que aquelas encontradas em estudos em áreas impactadas por mercúrio, com exceção da comunidade de Caxiuanã, que embora tivesse uma média semelhante às outras 3 áreas estudadas, apresentava amostras de peixes com teores de até 2,529 mg/g, fato observado e para o qual ainda não se tem uma explicação plausível.

Quanto aos teores de mercúrio no cabelo, com exceção de Caxiuanã, as outras comunidades apresentaram médias cerca de 3 vezes abaixo daquelas encontradas em Brasília Legal e Barreiras, 4 vezes menor do que em Sai Cinza e 4,5 vezes menor do que em São Luís do Tapajós, que são populações sob influência da garimpagem de ouro. Entretanto, em alguns indivíduos foram observados valores que parecem mostrar que os mesmos estão submetidos a algum grau de exposição, sem haver a possibilidade neste momento de se esclarecer se existe um foco de exposição ou se esta distribuição é característica da região. Novos estudos devem ser desenvolvidos para compreensão dos teores de mercúrio nas amostras ambientais e biológicas encontradas em Caxiuanã.

A Figura 1 apresenta os teores de mercúrio encontrados em populações estudadas por este grupo de pesquisa no Estado do Pará, bem como alguns níveis verificados em outras regiões do mundo12-14. Observa-se que os níveis dessas populações pesquisadas na Amazônia são mais elevados que os demais, mesmo entre grupos residentes em localidades afastadas das áreas de mineração de ouro, consideradas áreas não expostas8. As discussões sobre valores de referência para estes indicadores de "normalidade" incluem várias outras questões, além da definição dos limites de referência. É possível que, após investigações em um número maior de comunidades, se conclua que a "normalidade" na Amazônia, quando se refere a limites, seja superior aos limites preconizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS)15. A população da Amazônia, notadamente os ribeirinhos, possui um padrão de alimentação que em muito difere das populações a que os limites da OMS se referem, além de outras características como peso, altura etc., que são de elevada importância para a definição de valores de referência.


Investigação dos níveis de mercúrio na biota aquática do Rio Tapajós

O aumento da concentração de mercúrio metálico na calha do Tapajós, iniciado há quase 40 anos, hoje pode ser medido na biota aquática. O pescado, por ser a principal fonte de proteínas das comunidades ribeirinhas, transformou-se no veículo potencial para o aumento do risco da exposição ao metilmercúrio nestas populações humanas8.

À medida em que o Programa acumulava informações, ficou claro que - em se tratando da avaliação da saúde humana em áreas ribeirinhas sob risco de poluição por mercúrio — o indicador da situação seria o pescado. Nesse momento, o Programa incorporou a investigação de peixes nos principais rios do Estado do Pará: Amazonas, Trombetas, Xingu, Guamá, Tapajós, Araguaia, Caxiuanã (reserva), Arapiuns e Tocantins, assim como amostras de pescado da área do salgado (Oceano Atlântico).

Os resultados das análises de peixes mostram que os teores de Hg são mais elevados nas espécies de peixes carnívoras (média de 0,332 mg/g), em relação às espécies não carnívoras (média de 0,084 mg/g), todas inferiores, contudo, ao limite de 0,5 mg/g estabelecido pela Organização Mundial de Saúde. As diferenças entre os valores médios de Hg nas espécies carnívoras e não carnívoras mostraram significância estatística em todas as localidades estudadas (Tabela 2).

Descrição do problema: arsênio no Amapá

Na região Amazônica, os últimos trinta anos foram marcados pela implementação de empreendimentos produtivos adotados através de Planos e Políticas de Desenvolvimento do Governo Federal, com destaque para os grandes projetos de mineração16. Um dos mais antigos, e até anterior a esses planos, é o da ICOMI - Indústria e Comércio de Minérios S/A, que explora minério de manganês no município de Serra do Navio, no Estado do Amapá, e foi o primeiro e o mais durável empreendimento mineral de grande escala e intensivo na região amazônica brasileira17. O Estado situa-se no extremo norte do país e ocupa uma área de 140.276 Km2, que corresponde a 1,6% do território brasileiro e 3,6% da Região Norte, fazendo fronteira com o Estado do Pará, o Suriname e a Guiana Francesa.

A mineração de Manganês na Serra do Navio-AP foi desenvolvida pela ICOMI entre os anos de 1957 e 1997. O minério extraído era transportado por via férrea com extensão de 194 Km até o Porto de Santana, às margens do rio Amazonas18.

Entre os anos de 1973 e 1983, a empresa manteve em funcionamento uma Usina de Pelotização, na sua área industrial e portuária no município de Santana, para aproveitamento do minério fino, e posteriormente a usina foi usada para a produção de sínter, que é um aglomerado mais frágil que as pelotas e formado a temperaturas da ordem de 600°C.

Nesse período, os rejeitos (resíduos) gerados nestes processos foram depositados inadequadamente numa lagoa artificial, escavada na área da empresa, nas proximidades da usina. Estes rejeitos contendo As, quando solubilizados, atingiram as águas do nível freático da lagoa, e superficiais de pequenos igarapés nas suas imediações. Mais recentemente, os resíduos foram retirados da lagoa e depositados na forma de pilhas num trecho restrito da área industrial da ICOMI, a céu aberto, à espera de destino final, e representam importante risco de exposição das populações residentes nas comunidades do entorno da área da empresa, inclusive a comunidade do "Elesbão".

Avaliação do meio físico

O Arsênio (As) ocorre naturalmente em ambientes terrestres e aquáticos como contribuição do intemperismo e erosão de solos e rochas, erupções vulcânicas e queima de florestas, podendo se apresentar em concentrações elevadas em áreas de depósito de metais preciosos. Fontes antropogênicas de As incluem atividades de mineração, uso de pesticidas, preservantes de madeira, geração de eletricidade pela queima de carvão e refinaria de petróleo, entre outros19.

A avaliação do meio físico no estudo sobre o arsênio no Amapá precedeu o estudo de saúde humana porque era necessário conhecer as fontes e rotas de exposição que pudessem estar atingindo as comunidades humanas. Dentre as várias vias de exposição ao arsênio, a água de consumo representa o maior risco para a saúde humana20.

Inicialmente, foi realizado um levantamento das informações disponíveis sobre a área impactada, incluindo localização geográfica, para a delimitação dos locais de ocorrência dos resíduos, um breve histórico sobre as condições e o período em que foram depositados os resíduos industriais, e as condições atuais da área.

Na primeira fase deste estudo, foram coletadas amostras de água subterrânea e superficial, rejeitos industriais, minério, sedimentos de fundo, sedimentos suspensos e biota aquática nas adjacências da área industrial e portuária da ICOMI.

Epidemiologia

As relações do homem com o arsênio possuem características especiais. Os problemas de saúde produzidos pelo metal dependem da forma de As ingerido, da dose, freqüência e tempo de absorção. No organismo humano, o As é rapidamente excretado pelo fígado e pelos rins. Estes últimos funcionam como verdadeira usina de eliminação de excesso, tanto para o As inorgânico, quanto para o As orgânico. As formas orgânicas do As não são tóxicas para a saúde, mas aparecem nas análises de As total21. Os sinais e sintomas causados pelo As diferem entre indivíduos, grupos populacionais e áreas geográficas, podendo variar desde lesões de pele, problemas respiratórios, doenças cardiovasculares e distúrbios neurológicos até vários tipos de câncer22. Como indicadores de exposição humana ao Arsênio podem ser medidas as concentrações do As em urina, sangue, cabelo e unha. Os níveis de As presentes em populações não expostas variam de acordo com as diferenças dos grupos e não apresentam consenso na literatura23.

O estudo populacional na comunidade do Elesbão visou o diagnóstico das condições de saúde e a avaliação da exposição ao As de cerca de 70% dos moradores. Essa comunidade está situada no porto de Santana, próximo à área de deposição dos rejeitos da ICOMI, às margens do Rio Amazonas, e sofre forte influência das marés. As condições de saneamento básico são extremamente precárias e a vila é toda construída sobre palafitas, sendo o deslocamento de pedestres feito sobre estivas. A água para consumo da comunidade é coletada diretamente do rio Amazonas, sem qualquer tratamento, ou recebida da Companhia de águas do Estado (CAESA), passando por um processo simplificado de decantação. O lixo é lançado no Rio Amazonas e nos Igarapés e margens, assim como os dejetos.

Metodologia

Estudo ambiental

Amostras de água de consumo da Vila do Elesbão e do Sistema de Abastecimento de água do município de Santana foram coletadas para análise físico-química, incluindo as determinações de Arsênio. Na área da ICOMI foram coletadas amostras de água subterrânea de poços de monitoramento utilizados no programa de acompanhamento da qualidade da água mantido pela empresa sob a supervisão da Secretaria Estadual de Meio Ambiente.

Amostras de água, sedimentos de fundo e particulado foram coletadas nas drenagens no entorno da área industrial da ICOMI e da comunidade do Elesbão. Amostras das pilhas de rejeitos e minério de manganês estocadas na área da empresa foram coletadas para caracterização química (Fluorescência de Raios-X e Espectrometria de Absorção Atômica) e mineralógica (Difração de Raios-X).

Estudo epidemiológico

O estudo de saúde na comunidade do Elesbão foi desenvolvido de acordo com a orientação metodológica comum às pesquisas em saúde ambiental da SAMAM e adequada à situação em foco, compondo-se de um inquérito epidemiológico e avaliação clínica e laboratorial.

Previamente ao trabalho de campo foram distribuídos entre a população dois documentos de divulgação, sendo uma "carta aberta à população" e um "folder" contendo informações básicas sobre o arsênio.

Neste estudo, foram utilizadas amostras de sangue e tecido capilar para se avaliar exposição recente e pregressa, respectivamente. As determinações de As nestes materiais foram realizadas por Espectrofotometria de Absorção Atômica com Forno de Grafite com Corretor de Background Zeeman. Para controle de qualidade analítica foram utilizadas amostras de referência certificadas24.

Resultados

Meio Ambiente

Foi amostrado um total de 33 poços de monitoramento distribuídos na área portuária e industrial da ICOMI. As concentrações de As variaram entre <0,5 e 1970 µg/L, com média de 131,4 µg/L. Os valores anômalos de As foram restritos à antiga área de deposição dos rejeitos nos pontos: PM-14A (1976 µg/L), PM-18A (760 µg/L) e PM-24A (1320 µg/L), identificada como fonte de contaminação. Quando não são considerados os valores anômalos de As, a concentração média não ultrapassa 8,43 mg/L. O valor estabelecido pela legislação para a água potável é de 10 mg/L.

Os teores de Fe variaram entre 0,09 e 9,7 mg/L, com média de 0,29 mg/L. A concentração de Mn variou entre 0,02 e 7,31 mg/L, com média de 0,80 mg/L. Os valores estabelecidos de Fe e Mn para águas potáveis são de 0,3 e 0,1 mg/L, respectivamente. Os demais parâmetros físico-químicos avaliados estão dentro dos limites de normalidade estabelecidos pela legislação.

Nas amostras dos poços residenciais e de estabelecimentos comerciais, situados na cidade de Santana, do Sistema de Captação de Água do Elesbão e da ETA da Vila Amazonas, os teores de As foram menores que 0,5 µg/L, abaixo dos limites estabelecidos pela Portaria 1469/MS para águas de consumo, que é de 10,0 µg/L.

Em um total de 23 pontos de amostragem distribuídos entre os igarapés Elesbão 1, Elesbão 2, Elesbão Grande, Matapi Miri, rio Matapi e Amazonas foram coletadas amostras de água, sedimentos de fundo e material particulado suspenso nas drenagens do entorno da área Vila do Elesbão, no trecho compreendido entre o depósito de madeira da BRUMASA e a comunidade do Elesbão. Os teores de As nas águas, nos sedimentos de fundo e suspensos apresentaram uma variação significativa ao longo das drenagens. A Tabela 4 mostra uma síntese dos teores de As encontrados nas amostras de água, sedimentos de fundo e material particulado suspenso.

Entre as drenagens estudadas, o Igarapé Elesbão 1, situado dentro da área da ICOMI, é o mais fortemente impactado. Os valores mais elevados de As foram encontrados por toda a sua extensão, principalmente próximo às suas nascentes. Por se tratar de uma drenagem de pequeno porte, sua capacidade de diluição é bastante limitada. Entretanto, como a influência do rio Amazonas é marcante nesta área, com seu regime enchente e vazante diário, este fator acaba desempenhando uma importante função na dispersão dos contaminantes. Este mesmo comportamento é observado nas demais drenagens da área (igarapé Elesbão 2 e Elesbão Grande), embora estes não sofram influência direta da área industrial da ICOMI.

Os valores de As encontrados nas outras drenagens mostram que existe uma diminuição progressiva destes teores, à medida que são tomadas amostras mais distantes da fonte potencial de emissão, representada pela antiga bacia de rejeitos, assim como pela própria área de estocagem de minério da ICOMI.

Na área Industrial da ICOMI foram coletadas amostras da base e topo das pilhas de rejeitos e amostras de minério para se avaliar os teores de As e realizar a caracterização mineralógica deste material. As concentrações de As nas amostras de rejeitos variaram entre 1.360,8 e 2.322,2 mg/g, com média de 1.877,7 mg/g. Teores médios da ordem de 1.496,9 mg/g de As foram determinados nas amostras de minério. Não foi encontrada arsenopirita, que é o mineral de Arsênio mais comum em outros depósitos minerais

A presença de arsênio em peixes e outros organismos de águas doces e salgadas ocorre predominantemente na forma orgânica, que é essencialmente não tóxica, mas pode ser detectada nas matrizes biológicas (sangue e urina) utilizadas para avaliar a exposição23. Neste estudo foram coletadas amostras de peixes (n= 262) das principais espécies consumidas na comunidade do Elesbão, e amostras de camarão de diferentes localidades.

As amostras de peixes foram divididas em dois grupos: espécies carnívoras e não carnívoras. Os teores de As nas espécies carnívoras variaram entre 12,1 e 156,0 mg/kg, com média de 43,1mg/kg, e nas não carnívoras a variação foi de 10,1 a 348,4 mg/kg (média de 40,33). Os teores de As nas amostras de camarão variaram entre 51,0 e 127,5 mg/kg, com média de 90,8 mg/kg.

Os teores de As em peixes de água doce são da ordem de 20,0 a 180,0 mg/kg, com média de 82,0 mg/kg. Os valores de referência para os níveis de As em camarão são geralmente da ordem de 650,0 mg/kg 25.

Epidemiologia

O estudo populacional do tipo seccional abrangeu 2.045 pessoas, residentes na Vila do Elesbão, Delta, Piçarreira, Estação, Matapi Grande, Matapi Mirim, representando 78,0% dos moradores da área. A composição por sexo abrangeu 881 homens (43,1%) e 1.164 mulheres (56,9%), com idade variando de 3 dias a 97 anos, com uma média de idade de 31,4 anos. De 0 a 5 anos situavam-se 22,2% da população, e menores de 15 anos representaram 51,4% do total atendido. De 16 a 20 anos, o número de indivíduos correspondeu a 8,7% dos entrevistados, enquanto na faixa etária produtiva de 21 a 50 anos localizavam-se 30,3% dos participantes. De 51 a 60 anos, o quantitativo de pessoas alcançou 4,9%, e acima de 60 anos foram identificadas 4,7% das pessoas atendidas.

Em relação à escolaridade, a média de anos de estudos observada foi 5,6 anos, e 84,3% dos entrevistados declararam estar cursando ou haver concluído o nível de ensino fundamental. O índice de analfabetismo representou 15,1% dos entrevistados, considerando-se os indivíduos com idade superior a 12 anos.

Quanto à ocupação, verificou-se a presença de pessoas atuantes em agricultura, comércio, pesca, olaria, carvoaria, serviço público e outros. Donas de casas e estudantes representaram 21,6% e 24,6% dos entrevistados, respectivamente, enquanto os indivíduos com idade superior a 15 anos que não possuíam ocupação abrangeram 3,5 %. Cerca de 12% dos entrevistados relataram atividades laborais anteriores ou atuais em olaria de tijolos e 2% já haviam trabalhado na produção de carvão.

A maioria dos entrevistados informou ser natural do Estado do Amapá (70%) ou do Estado do Pará (27,8%). O tempo de residência na área estudada apresentou uma média geral de 10,8 anos, com 62,2% dos entrevistados alegando um período de moradia de até 10 anos.

Na observação clínica dos 2.045 moradores investigados na comunidade do Elesbão, priorizou-se o monitoramento das funções hepática e renal, através das prova bioquímicas e de função, assim como problemas dermatológicos, que freqüentemente constituem as primeiras manifestações causadas pela exposição continuada ao arsênio. Atenção especial foi dada também à ocorrência de neoplasias na comunidade. Entretanto, não constatamos, durante a análise minuciosa dos dados clínicos e laboratoriais, relação entre as patologias encontradas e a exposição ao arsênio.

As informações obtidas na investigação de saúde humana nos dão um vislumbre da qualidade de vida dessa comunidade, que além de estar submetida às endemias locais, ainda é grandemente afetada pela falta de saneamento básico, inclusive pela qualidade da água consumida sem tratamento.

Parasitismo Intestinal

A parasitoscopia de fezes realizada em campo pelo método direto, demonstrou a ocorrência de 90,3% de parasitismo (n = 1.767), destacando-se dentre os helmintos A. lumbricoides, T. trichiura e A. duodenale, e dentre os protozoários ressaltaram-se G. lambia e E. histolitica, havendo 70,0% de poliparasitismo. Os pacientes foram tratados.

Malária

Evidencia-se na área a importância epidemiológica da malária, cuja ocorrência no último ano afetou mais da metade da população pesquisada (57,2%). É relevante o fato de que nos 17 dias em que a pesquisa de campo foi desenvolvida no Elesbão foram atendidos 2 casos novos de malária por dia. Dentre 50 pessoas que realizaram o exame, 36 tiveram resultado positivo para a endemia (71% de positividade), predominando a espécie P. falciparum em relação à P. vivax, havendo ainda 3 casos de parasitemia mista (P. vivax + P. falciparum). Todos os casos foram tratados segundo o esquema terapêutico preconizado pela FUNASA.

Hanseníase

Foram atendidos 8 casos suspeitos de hanseníase, dos quais um tratava-se de caso novo, 2 outros estavam positivos, um ficou inconclusivo e 4 estavam negativos. Todos os casos foram encaminhados para a Secretaria Estadual de Saúde Pública do Amapá.

Exposição ao Arsênio

A média de As em sangue de 1.927 pessoas pesquisadas alcançou 5,95 mg/L (ppb), variando de 0,07 mg/L a 19,31mg/L. O terceiro quartil de distribuição evidenciou que 75% da população apresentava teores menores ou iguais a 7,41mg/L. Em cabelo, a média verificada em 1.986 amostras foi de 0,56 mg/g, sendo 0,06mg/g o menor valor e 5,85mg/g o maior valor observado. Nesse caso, 75% da população possuíam níveis de As inferiores ou iguais a 0,76 mg/g.

Não houve diferença estatisticamente significante entre as concentrações de As em sangue ou cabelo, segundo a idade, sexo, tempo de moradia, local de residência, anos de estudo e ocupação das pessoas, bem como o tabagismo, etilismo e partículas de solo, utilizando-se testes estatísticos paramétricos (t Student) e não paramétricos (Kruskall Wallis test). Os níveis de As não mostraram uma curva de distribuição normal em relação às matrizes analisadas.

As patologias identificadas na Comunidade do Elesbão, através da análise clínico-epidemiológica e laboratorial, também não apresentaram relação estatística significativa com as médias de arsênio encontradas no sangue e no cabelo da população estudada.

A Tabela 3 apresenta alguns resultados de estudos em áreas não impactadas por fontes de As, considerando-se várias matrizes analisadas, observando-se valores em sangue semelhantes aos encontrados no Elesbão e teores bem mais elevados em cabelo, peixe e camarão.

Com base em dados da literatura internacional disponível, os níveis de As em sangue na população estudada foram estratificados em três categorias, considerando a média como padrão. Assim, observa-se que cerca de 68,1% dos indivíduos pesquisados apresentaram níveis de As com valores menores ou semelhantes à média encontrada. Valores considerados anômalos na distribuição foram identificados para serem submetidos à especiação, a fim de determinar a forma de As presente e, desse modo, definir a provável via de exposição (Tabela 4).

Considerações finais

Existe no Porto de Santana, nas dependências da antiga ICOMI, uma fonte de risco de contaminação ambiental representada pela área de deposição e pela antiga bacia de rejeito.

As águas do sistema de captação do rio Amazonas utilizadas para consumo pela população residente no Elesbão apresentaram teores de arsênio menores que 0,5 µg/L. A Portaria 1469/MS estabelece o valor de 10,0 µg/L para águas de consumo26. Este fato indica que a possibilidade de exposição através desta via não deve ser considerada. Parte da população residente nesta área utiliza água do rio Amazonas para uso doméstico e consumo sem tratamento, o que representa um risco à saúde, sob o ponto de vista microbiológico, e aponta para a precariedade das condições sanitárias. As análises físico-químicas das águas dos poços de monitoramento indicaram que os teores de As, Fe e Mn são elevados na área industrial da ICOMI, e restritos à antiga bacia de rejeitos. Entretanto, deve-se ressaltar que estas águas não são utilizadas para consumo.

As análises das amostras de água e sedimentos das drenagens do entorno da área da ICOMI e do Elesbão, mostraram que no Igarapé Elesbão 1 os teores de As são mais elevados, comparados às outras drenagens estudadas. Este fato se deve à proximidade da antiga bacia de rejeitos e ao fato de ocorrer lixiviação e solubilização dos rejeitos de minério, resultando em um impacto mais evidente nesta drenagem, situação esta grandemente atenuada pelo movimento diário das marés, o que permite ao rio Amazonas "lavar" esses igarapés, protegendo a população.

A avaliação da exposição ao As, utilizando organismos da biota aquática, (peixes e camarão), mostrou que os teores de As encontrados nestes organismos estão dentro dos limites normalmente encontrados na biota de água doce. Desta forma, o pescado consumido pela população não representa risco para a saúde humana, não só pelos teores encontrados, mas também pelo fato de o Arsênio nestes materiais ocorrerem predominantemente na forma orgânica. Entretanto, isto contribui para a presença do As total, medidos em espécimes colhidos entre a população.

Na área portuária e industrial da ICOMI, a disposição atual das pilhas de rejeitos e antiga bacia de deposição representam uma fonte de risco de contaminação ambiental, que atualmente está restrita às imediações desta área. No entanto, os dados levantados até o momento indicam que não existe uma rota de exposição completa deste contaminante, e não há evidências de que esteja ocorrendo um comprometimento da saúde da população residente nesta área associada à intoxicação por arsênio.

Os níveis de As encontrados em 1.927 amostras de sangue (indicativos de contato recente) e 1.986 amostras de cabelo (indicativos de contato pregresso) analisadas da comunidade do Elesbão, comparados com a história clínica individual e outros dados da pesquisa, nos permitem a interpretação de que, para os indivíduos analisados, existe exposição, sem indícios de intoxicação. As médias encontradas coincidem com médias de normalidade referidas na literatura, em populações não expostas27,28. Não foram estabelecidas associações entre a avaliação clínico-laboratorial e os teores de arsênio medidos no sangue ou no cabelo. A especiação de As em urina de 67 pacientes com concentrações no sangue em nível igual ou maior que 10 ppb contribuirá para avaliar qualitativa e quantitativamente se o As encontrado é de natureza orgânica.

O estudo de avaliação das condições de saúde humana, inclusive os aspectos ligados à exposição ao arsênio, embora não evidenciando associação entre os achados clínicos epidemiológicos e laboratoriais e intoxicação por As, ressaltou os problemas de saúde compatíveis com a precariedade das condições sanitárias e a ausência de saneamento básico na localidade. A morbidade referida no último ano em relação à malária e à prevalência verificada durante o estudo destacou a importância epidemiológica da endemia na área. As informações acerca do trabalho realizado foram organizadas em relatório técnico e encaminhadas às Secretarias Estaduais e Municipais e demais instâncias pertinentes, e os resultados laboratoriais enviados aos pacientes.

Recebido em: 24/07/2002

Aprovação em: 28/02/2003

  • 1. Santos ECO, Travassos da Rosa JF, Jesus IM, Loureiro ECB. A saúde das populações da Amazônia Brasileira . In: Yarzabel C, Espinal LE (eds). Enfoque integral de la salud humana en la Amazonia Belém: UNAMAZ; 1992. p. 95-156.
  • 2. Dibos R. El Hombre em adaptacion 2 ed. aum. México: Fondo del Cultura econômica; 1989.
  • 3. Câmara VM, Corey G. Epidemiologia e Meio Ambiente: o caso dos garimpos de ouro no Brasil. Metepec: Centro Panamericano de Ecologia Humana e Saúde/ECO/OPS; 1992.
  • 4. Pará. Governo do Estado. Secretária de Indústria, Comércio e Mineração (SEICOM). Programa de Controle Ambiental da Garimpagem no Rio Tapajós (Canga-Tapajós): estudo dos impactos ambientais decorrentes do extrativismo mineral e poluição mercurial do Tapajós. Belém; 1992.
  • 5. Veiga MM, Meech JA, Onate N. Deforestation: a major source of mercury pollution in the Amazon. Nature 1994; 368: 816-7.
  • 6. Jesus IM, Santos ECO, Brabo ES, Loureiro ECB, Câmara VM, Mascarenhas, AFS, et al. Exposure to elemental mercury in urban workers and golg miners from the Tapajós Region, Pará, Brazil. Bull Environ Contam Toxicol 2001; 67:317-23.
  • 7. Brabo ES, Santos ECO, Jesus IM, Mascarenhas AF, Faial KF. Níveis de mercúrio em peixes consumidos pela Comunidade Indígena de Sai Cinza, Município de Jacareacanga, Estado do Pará Brasil. Cad Saúde Pública 1999; 15(2): 325-31.
  • 8. Santos ECO, Jesus IM, Brabo ES, Câmara VM, Loureiro ECB, Silva DFL, et al. Mercury exposure in riverside Amazon communities in Pará-Brazil. Environ Res 2000; 84(2): 100-7.
  • 9. Santos ECO, Câmara VM, Jesus IM, Brabo ES, Loureiro ECB, Mascarenhas AF et al. A contribution for the establisment of reference values for total mercury levels in hair and fishes in Amazonia. Environ Res 2001.
  • 10. Santos ECO, Loureiro ECB, Jesus IM, Brabo ES, Silva RSU, Soares MCP et al. Diagnóstico das condições de saúde de uma comunidade garimpeira na Região do Tapajós, Itaituba, Pará-Brasil (1992). Cad Saúde Pública 1995; 11(2): 212-25.
  • 11. Brabo ES, Santos ECO, Jesus IM, Mascarenhas AFS, Faial KF. Mercury contamination of fish and exposures of an indigenous community in Pará State, Brazil. Environ Res 2000; 84: 197-203.
  • 12. Horvart M, May M, Stoeppler A, Byrne R. Comparative studies of methylmercury in biological and environmental samples. Applied Organometalic Chemistry, 1988; 2: 515-24.
  • 13. Airey D. Total Mercury concentrations in human hair from 13 countries in relation to fish consuption and location. Science Tot Environ 1983; 31: 157-80.
  • 14. Suzuki T, Watanabe S, Hongo T, Kawabe T, Inaoka T, Ohtsuka R, Akimichi T. Mercury in scalp hair of Papuans in the Fey Estuary, Pupua new Guinea. Asia Pac J Public Health 1988; 2: 39-47.
  • 15. World Health Organization (WHO). Methylmercury International Program on Chemical Safety. Geneva; 1990. United Nations Environment Program/International Labour Organization: Word Health Organization: Environmental. (Health Criteria, 101).
  • 16. Kohlhepp G. Impactos regionais de "grandes projetos" e as possibilidades de reorganização do espaço na periferia amazônica. In: Aragón Vaca LE (org). A desordem ecológica na Amazônia Belém: UNAMAZ: UFPA; 1991. p. 253-79.
  • 17. Drummond JA. Investimentos privados, impactos ambientais e qualidade de vida num empreendimento mineral amazônico: o caso da mina de manganês de Serra do Navio (Amapá). História, Ciências, Saúde 2000; 6 Suppl: 753-92.
  • 18. Walde DHG. Geologia do manganês. In: Brasil. Ministério de Minas e Energia. Departamento Nacional de Pesquisa Mineral. Principais depósitos minerais do Brasil. Brasília: DNPM; 1985. Cap. 10, v. 2.
  • 19. Agency For Toxic Substances and Disease Registry (ATSDR). Departament. Of Health and Human Services, Public Health Service Public Health Stantement: Arsenic. Atlanta, 2000, GA: U.S.; 2000.
  • 20. Chowdhury UK. Groundwater arsenic contamination in Bangladesh and West Bengal, Índia. Environ Health Perspect 2000; 108(5): 393-7.
  • 21. Bhchet JP, Pauwels J, Lauwerys R. Assessment of exposure to inorganic arsenic Following Ingestion of Marine Organism by Volunteers. Environ Res 1994; 66: 44-51.
  • 22. Ferreccio C. Lung cancer and arsenic exposure in drinking water: a case-control study in nortern Chile. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro 1998; 14 Suppl 3: 193-8.
  • 23. Barra C. M, et al. Especiação de arsênico: uma revisão. Química Nova 2000; 23(1): 58-70.
  • 24. Pillai A, Sunita G, Gupta VK. A new system for the spectrophotometric determination of arsenic in environmental and biological samples. Analytica Chimica Acta 2000; 408: 111-5.
  • 25. Yost LJ et al. Intake of inorganic arsenic in the north american diet. Hum Eco Risk Assess 1998; 4: 137-52.
  • 26. Brasil. Fundação Nacional de Saúde. Portaria 1469/2000 de 29 de dezembro de 2000: aprova o controle e vigilância da qualidade da água para consumo e seu padrão de potabilidade. Brasília: Fundação Nacional de Saúde; 2001.
  • 27. Saad A, Hassanien MA. Assessment of arsenic level in the hair of the nonoccupacional egypitian population: Pilot study. Environ Int 2001; 27: 471-8.
  • 28. Pozebon D, Dressler VL, Curtius AJ. Análise de cabelo: uma revisão dos procedimentos para a determinação de elementos traço e aplicações. Química Nova 1999; 22(6): 838-41.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Mar 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2003

Histórico

  • Aceito
    28 Fev 2003
  • Recebido
    24 Jul 2002
Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Dr. Arnaldo, 715 - 2º andar - sl. 3 - Cerqueira César, 01246-904 São Paulo SP Brasil , Tel./FAX: +55 11 3085-5411 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br